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4. Coordenadas metodológicas de uma geografia urbana crítica

4.2. Instrumentos, técnicas e itinerário metodológico

Antes ainda de tratarmos cada um dos eixos analíticos de um ponto de vista sistemático, considera-se relevante sublinhar a importância do período relativamente longo de recolha bibliográfica, leitura e reflexão acerca das temáticas da cidade, cidadania e arte, que nos ajudou a compreender melhor a problemática em estudo, de um ponto de vista histórico, teórico e conceptual, a delimitar os seus contornos de modo mais rigoroso e consolidado e a explorar algumas das tendências que iremos retomar mais adiante neste projeto. No essencial, essa fase do trabalho encontra-se plasmada na primeira metade deste estudo.

Para proceder à descrição dos diferentes eixos analíticos, acompanhada do seu exame crítico, consideramos importante colocar o enfoque sobre: i) as origens da informação recolhida em cada um deles, ou seja, as suas fontes; ii) os instrumentos usados nesse processo de recolha (se for caso disso, isto é, se se tratar de fontes primárias); iii) as técnicas que foram utilizadas para o seu tratamento e análise; iv) os principais desafios metodológicos com que nos deparámos em cada um deles.

O primeiro eixo analítico – Teatro do Oprimido (instrumento de cidadania) – assentou em duas componentes essenciais. Em primeiro lugar, num conjunto relativamente vasto de leituras centradas no TO, mais concretamente no seu processo de desenvolvimento histórico- geográfico, nos seus protagonistas e no debate contemporâneo em torno das suas práticas. A este respeito, foi importante a nossa participação em duas oficinas sobre Estética do Oprimido, ministradas por Bárbara Santos e Olivar Bendelak, cada uma delas com a duração de 20 horas, em Outubro de 2010 e Fevereiro de 2011. Ambas se revelaram de grande utilidade para compreender de uma forma mais integrada o TO enquanto instrumento de cidadania, as suas especificidades enquanto dramaturgia da praxis, o modo de organizar e estruturar as diferentes etapas do processo de criação de um espetáculo de teatro-fórum, os contributos estéticos mais recentes, bem como alguns aspetos ligados ao desenvolvimento histórico-geográfico do TO.

Em segundo lugar, numa análise estatística (descritiva) das organizações praticantes de TO existentes em todo o mundo, baseada nos dados disponibilizados pela Associação International de Teatro do Oprimido (AITO). Deste modo, tentou-se complementar uma leitura eminentemente qualitativa, mais profunda, contextual e narrativa com uma leitura quantitativa, que nos permite identificar e descrever alguns dos padrões mais significativos

que caracterizam o conjunto de organizações praticantes de TO examinado neste estudo. Deve sublinhar-se que a informação disponibilizada pela AITO foi complementada com a existente nos websites de muitas das organizações. Com base no conjunto da informação recolhida, adotando uma estratégia indutiva, definimos um conjunto de seis variáveis – ano de origem, região, país, objetivos, protagonistas e temáticas – que nos permitiram caracterizar a amostra. Para além da leitura à escala global, realizámos também um exercício similar centrado no caso português que, apesar das suas muitas insuficiências, nos deu algumas pistas úteis sobre o atual panorama das organizações praticantes de TO em Portugal.

Os grandes desafios, ou limitações, com que nos deparámos prenderam-se, no primeiro caso, com a necessidade de consolidação do cruzamento das diferentes referências bibliográficas consultadas que, nalguns casos apresentavam incongruências, e, no segundo, com a inconsistência, as insuficiências e lacunas da informação disponibilizada por muitas das organizações consideradas que nos obrigou a um delicado esforço de reconstituição a partir do cruzamento e saturação das diferentes fontes.

O segundo eixo analítico – Alto da Cova da Moura e Vale da Amoreira (contextos geográficos) – foi, fundamentalmente, explorado a partir de uma abordagem extensiva. Considerou-se que, para conhecer os espaços urbanos a partir dos quais operam os grupos comunitários estudados, esta era a opção mais adequada, permitindo-nos explorar as condições económicas e culturais que tornam estes espaços urbanos injustos, identificar as dinâmicas de cidadania mais relevantes e alguns dos atributos culturais dos jovens residentes; em suma, delinear os contornos dos espaços urbanos de onde são provenientes os protagonistas do TO e a partir dos quais edificam a sua ação.

A informação usada foi sobretudo recolhida por intermédio da aplicação de um questionário acerca das atitudes e práticas políticas e culturais dos jovens residentes na Região Metropolitana de Lisboa (ver Anexo 1), embora também tenhamos recorrido a fontes bibliográficas diversas (destacando-se os diagnósticos elaborados no âmbito da Iniciativa Bairros Críticos6) para perceber as especificidades da trajetória de desenvolvimento da Região Metropolitana de Lisboa, colocando o enfoque sobre os dois grandes tipos de espaços urbanos – bairros clandestinos e bairros de habitação social – em que enquadramos o Alto da Cova da Moura e o Vale da Amoreira, respetivamente.

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Iniciativa lançada pela Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, através da Resolução de Conselho de Ministros nº 143/2005.

Com efeito, enquanto instrumento de recolha de informação, o questionário oferece- nos a possibilidade de, a partir do conjunto de indivíduos inquiridos, compreender determinadas facetas da sua existência social – atitudes e práticas – a que dificilmente poderíamos ter acesso de uma outra forma sem que isso comprometesse a exequibilidade da investigação (ver Ghiglione e Matalon, 1992). No Alto da Cova da Moura, a aplicação do questionário foi feita de 18 de Janeiro a 20 de Fevereiro de 2011, por uma equipa constituída por cinco pessoas. No Vale da Amoreira, por sua vez, a aplicação decorreu entre 16 de Fevereiro e 20 de Abril de 2011, tendo a equipa de inquiridores sido constituída por 12 pessoas. Em ambos os casos, os membros das equipas de inquirição eram jovens residentes nos respetivos bairros, condição absolutamente fundamental para que o procedimento tivesse sido bem sucedido e as taxas de não resposta relativamente baixas.

Quadro 4.2. Amostras usadas na aplicação dos questionários

Alto da Cova da Moura Vale da Amoreira Masculino Feminino Total Masculino Feminino Total

15-24 88 88 176 106 98 204

25-34 64 53 117 74 74 148

Total 152 141 293 180 172 352

Fonte: elaboração própria a partir de http://www.raosoft.com/samplesize.html [acedido em 10/01/2011]

A dimensão da amostra foi calculada a partir de uma aplicação online designada sample size

calculator (http://www.raosoft.com/samplesize.html), a partir do universo censitário de 2001,

admitindo uma margem de erro de 5% e um nível de confiança de 95%. É importante salientar, porém, que os dados populacionais coligidos pelas instituições que trabalham quotidianamente no terreno, em ambos os bairros, são substancialmente superiores aos dos censos, aspeto a que não serão obviamente estranhos as suas próprias agendas reivindicativas, o peso relativamente elevado dos residentes indocumentados e a grande mobilidade de uma parte substancial da população residente nesses bairros. Para além disso, dado que os membros dos DRK e ValArt (grupos comunitários de TO) são constituídos exclusivamente por jovens, para promover uma maior comparabilidade entre os contextos geográficos e os protagonistas, decidiu-se circunscrever o universo de referência à população residente com idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos de idade. Adicionalmente, usando o método de

amostragem por quotas (ver Hill e Hill, 2005; Magalhães, 2011), considerámos duas categorias etárias (15-24 e 25-34 anos) e de sexo (masculino e feminino) (Quadro 4.2).

Por conseguinte, a amostra usada neste estudo, não é estatisticamente representativa, dado que o método de seleção dos inquiridos não é aleatório mas sim decorrente das opções tomadas pelos membros das equipas de inquirição no terreno e das suas redes locais de sociabilidade. Não obstante, dada a dimensão da amostra e o facto de termos definido alguns critérios para a “movimentação” no terreno das equipas de inquiridores (ver Vicente et al., 2001), ou seja, de, no decurso do trabalho de campo, terem sido dadas indicações para que fossem considerados os espaços residenciais de cada um dos bairros na sua totalidade e se aplicassem os questionários em diferentes dias da semana e em diferentes horários, consideramos que os resultados obtidos são suficientemente robustos e nos oferecem um retrato ilustrativo dos aspetos nele contemplados.

Relativamente à questão da cidadania, alguma da informação recolhida foi também comparada com a informação estatística presente no European Social Survey (http://www.europeansocialsurvey.org/), inquérito europeu que, desde 2001, é aplicado bianualmente em mais de 25 países, incidindo sobre as atitudes, valores e comportamentos sociais na Europa e possibilitando uma análise multi-escalar (ver Nunes, 2013). Um dos seus módulos permanentes – politics – constituiu a principal base de comparação com os dados recolhidos para o Alto da Cova da Moura e o Vale da Amoreira. Efetivamente, levantam-se algumas limitações ao nível da comparabilidade, na medida em que esta é estabelecida, por um lado, entre jovens (no caso dos dois bairros considerados), e por outro, uma população indiferenciada (no caso do inquérito europeu). Esta análise, de cariz mais descritivo, foi complementada com a realização de uma análise multivariada, seguindo o procedimento multi-etápico – análise fatorial de correspondências múltiplas, classificação hierárquica ascendente e descrição dos grupos estáveis identificados – descrito por Isabel André (2005), com recurso ao software de tratamento estatístico (data mining) SPAD. Por fazer uso de uma maior capacidade de computação, este tratamento possibilita um tipo de análise mais integrada da informação recolhida e permite, de certo modo, descortinar algumas das regularidades sócio-espaciais existentes em ambos os bairros.

No que diz respeito à dimensão cultural, a abordagem foi mais sucinta. Os dados recolhidos através do inquérito permitiram-nos, ainda assim, compreender quais os posicionamentos dos inquiridos relativamente à cultura, num sentido lato, bem como as suas

práticas, tanto ao nível da produção como do consumo de diferentes atividades. À semelhança do que foi feito relativamente à dimensão da cidadania, começámos também por descrever alguns dos dados mais significativos para, depois, através do mesmo procedimento estatístico, descrever os diferentes perfis culturais dos inquiridos. Apesar de complementar, este contributo não deixa de ser importante para compreender as dinâmicas juvenis existentes nos dois bairros estudados.

Entre as principais limitações e desafios deste eixo analítico, destacaríamos, por um lado, o facto de não termos conduzido um teste-piloto do questionário, levando, por exemplo, a que as baixas taxas de resposta de algumas questões (Q6, Q20.6, Q20.8, Q38 e Q39) inviabilizassem a sua utilização posterior, a que a formulação de algumas das perguntas não fosse suficientemente clara, requerendo explicações adicionais por parte dos inquiridores que tornaram mais moroso o processo de inquirição (ex: Q30, Q31) e, também, a que algumas das questões se revelassem inadequadas para o tipo de leitura que acabaríamos por conduzir (Q27, Q28, Q29); por outro, as dificuldades no controlo e gestão permanente das equipas que atuavam no terreno, compostas, como vimos, por muitos inquiridores (ex: alguns elementos abandonavam o trabalho sem nos informar, outros ficavam incontactáveis durante longos períodos, etc.).

O terceiro eixo analítico – GTO LX, DRK e ValArt (protagonistas) – foi abordado numa ótica fundamentalmente qualitativa. Usámos, no entanto, duas abordagens ligeiramente diferentes: uma, para o GTO LX, outra, para os DRK e ValArt. Relativamente ao GTO LX, considerou-se, efetivamente, que a melhor forma de compreender o seu processo de desenvolvimento e consolidação institucional, bem como o conjunto de estratégias empreendidas desde a sua criação em 2005 até ao final de 2013, período examinado neste estudo, passava necessariamente por uma abordagem qualitativa. Apesar de nos ter sido facultado o acesso a informações de natureza quantitativa acerca das atividades desenvolvidas pelo GTO LX durante esse período, a maior parte da informação recolhida no âmbito deste eixo analítico resulta da aplicação de algumas entrevistas semi-estruturadas. Considerámo-las adequadas, de um ponto de vista instrumental, pois, enquanto “conversas com um objetivo”, permitem-nos compreender de modo relativamente aprofundado quais os sentimentos, opiniões e perspetivas que aqueles que têm sido responsáveis pela construção do GTO LX, enquanto espaço institucional, têm relativamente às suas orientações, estratégias e práticas, nos seus próprios termos e a partir das suas experiências pessoais (ver Longhurst, 2003;

Valentine, 2005).

As entrevistas foram realizadas em dois momentos distintos. No primeiro (exploratório), o conjunto de questões colocadas incidiu sobre: i) o enquadramento e percurso biográfico do entrevistado; ii) a sua opinião relativamente à trajetória, opções e estratégias levadas a cabo pelo GTO LX; iii) a expressão geográfica (espacialidade e escalas) do GTO LX; iv) as dinâmicas de funcionamento dos grupos comunitários de TO (ver Anexo 2). O segundo (aprofundamento e consolidação), consistiu fundamentalmente na revisitação de alguns aspetos aflorados no momento anterior que, do nosso ponto de vista, eram merecedores de maior reflexão. Por esse motivo, não foi desenhado um guião específico para essa entrevista, tendo sido usadas como ponto de partida as respostas, pistas e indícios decorrentes da entrevista exploratória já levada a cabo. Em todos os momentos, as entrevistas foram realizadas na sede do GTO LX, gravadas, transcritas e codificadas para posterior análise textual. Em todas elas a questão da confidencialidade e do anonimato (ver Baez, 2002) dos entrevistados foi discutida, tendo sido autorizado o uso da sua verdadeira identidade.

Para além das entrevistas, a direção do GTO LX facultou-nos também o acesso a um conjunto de dados de natureza quantitativa, provenientes do seu arquivo documental, relacionados, fundamentalmente, com as atividades dinamizadas pelos diferentes grupos comunitários de TO pertencentes ao GTO LX, nomeadamente, ensaios, espetáculos, formações e festivais. A este respeito, a informação disponibilizada no website do GTO LX (www.gtolx.org), sendo complementar, foi também de extrema utilidade, sobretudo, para a caracterização dos diferentes grupos comunitários de TO, entidades financiadoras e restantes parceiros institucionais e para o acompanhamento das diferentes iniciativas e espetáculos realizados no ano de 2012 (único ano para o qual está disponível uma newsletter). Por outro lado, é também importante sublinhar a importância das várias conversas informais, não estruturadas que tivémos com membros da direção do GTO LX, que usámos para esclarecer alguns aspetos, aprofundar outros e explorar algumas das pistas que surgiram no decurso dessas conversas.

No que toca aos DRK e ValArt, a nossa abordagem assentou fundamentalmente na observação participante das diferentes atividades levadas a cabo pelos grupos comunitários de TO e na recolha dos testemunhos articulados (ver Nunes, 2001) de alguns dos seus membros. Considera-se que a compreensão do papel desempenhado pelos protagonistas enquanto sujeitos e não meros objetos de estudo implica necessariamente uma abordagem intensiva,

construída a partir de uma relação de estreita proximidade e diálogo que com eles se estabelece.

O recurso à observação participante visa essencialmente gerar informação através da observação atenta dos protagonistas nos seus diferentes espaços de intervenção, tentando descobrir os significados sociais e interpretações das suas próprias atividades nos contextos em que ganham corpo (Gray, 2004). Com efeito, trata-se de uma técnica etnográfica básica que procura reconstituir aquilo que é observado pelo investigador e dar-lhe um sentido (ver Fife, 2005; Hoggart et al., 2002). Como salienta Zoe Bray (2008), uma abordagem etnográfica é: i) naturalista, na medida em que procura explorar a sociedade tal como ela nos é dada a conhecer, sem a tentar influenciar ou controlar; ii) holística, pois se baseia na ideia de que os factos devem ser descritos dentro de uma compreensão mais ampla da sociedade como um todo; iii) aberta e auto-reflexiva, pois tenta observar os fenómenos sem partir de juízos previamente construídos ou pré-determinações (rígidas) e exige uma constante vigiliância e reflexividade por parte dos investigadores. Na verdade, estes são alguns dos atributos que nos levaram a optar pela observação participante enquanto técnica de investigação.

Uma parte importante do processo de observação baseia-se, por isso, na anotação sistemática e estruturada (embora aberta e flexível) das experiências, sentimentos e ideias que emergiram durante o período em que nós próprios, enquanto investigadores, nos encontrámos inseridos nos grupos comunitários. Consequentemente, usámos uma grelha de observação (ver Anexo 3) que, entre outros aspetos, prestava particular atenção ao tipo de atividades desenvolvidas (ensaio, ensaio aberto ou espetáculo), às características dos espaços onde estas têm lugar, aos papéis ou funções desempenhados pelos artistas que nelas participam, às características gerais da audiência (no caso dos espetáculos) e, por vezes, a ocasiões ou acontecimentos excecionais.

A observação das atividades desenvolvidas pelos DRK teve início a 16 de Novembro de 2010 e terminou no dia 4 de Maio de 2011. Durante esse período, assistimos a 10 espetáculos e 24 ensaios (periodicidade bissemanal), totalizando aproximadamente 60 horas de observação. Quanto aos ValArt, a observação decorreu entre 17 de Novembro de 2010 e 16 de Abril de 2011, período durante o qual assistimos a quatro espetáculos e 25 ensaios (periodicidade bissemanal), totalizando cerca de 55 horas. Adicionalmente, foi também importante, a este respeito, uma das oficinas de Estética do Oprimido a que já fizemos alusão anteriormente, nomeadamente a que foi ministrada por Bárbara Santos, por nos permitir

aprofundar o diálogo com muitos dos membros pertencentes aos dois grupos comunitários estudados e possibilitar a disponibilização de guiões de algumas das peças por eles criadas.

Relativamente ao uso dos testemunhos articulados, é importante começar por dizer que, no contexto da presente investigação, esta técnica é usada de modo experimental. Com efeito, não há uma separação rígida entre as entrevistas semi-estruturadas, as histórias de vida e os testemunhos (ver Benítez, 2010; Haig-Brown, 2003; Randall, 2002; Poirier et al., 1999), tratando-se de um contínuo. Aquilo que os diferencia é, sobretudo, a sua natureza concreta, sendo os testemunhos articulados a técnica que mais respeita a voz dos sujeitos investigados. Ao fazê-lo, procura também facilitar o reconhecimento da natureza eminentemente política da vida quotidiana da gente comum e interrogar/problematizar a autoridade (soberana) do sujeito que investiga. A autorização que obtivémos para usar, neste trabalho, as identidades reais dos protagonistas revela-se, a este respeito, particularmente importante.

O guião usado para recolher os testemunhos articulados (ver Anexo 4), tarefa empreendida entre Março e Abril de 2014, tenta justamente facilitar a reconstituição posterior de uma narrativa que não visa falar em nome do sujeito, silenciando-o, mas sim possibilitar a emergência de vozes outras que não as do investigador responsável por este estudo sem que, no entanto, deixe de ser este a ter a iniciativa e a despoletar a curiosidade interrogativa. A diferenciação revela-se logo a montante, sendo óbvia a distinção entre os guiões usados para as entrevistas semi-estruturadas e para os testemunhos articulados. Nestes, há mais espaço para a reflexividade do sujeito com quem se procura dialogar. Se a realidade é multifacetada, assim tem de ser a história que dela procuramos contar. Não faria sentido, do nosso ponto de vista, descrever um caminho de sentido único. Como sugere João Arriscado Nunes (2001), o testemunho articulado baseia-se no dialogismo e na multivocalidade, na tolerância, na experimentação e na hibridação discursivas; em suma, numa conceção contra-hegemónica do conhecimento que pretendemos aqui afirmar, em linha com a geografia urbana crítica que norteia este estudo.

Um dos desafios com que nos deparámos neste eixo analítico foi o da preservação de um relacionamento de proximidade com a direção do GTO LX. Efetivamente, esta foi uma tarefa que não conseguimos levar a cabo de maneira totalmente satisfatória. Problemas ao nível da programação e calendarização das diferentes etapas do trabalho de campo, levaram a que existissem períodos excessivamente longos em que os contactos institucionais foram interrompidos, o que não contribuiu nem para a manutenção de uma relação de proximidade e

confiança mútuas, nem para o estabelecimento de uma interatividade constante que possibilitasse a integração recíproca de contributos. Por outro lado, a conceção deste projeto não foi orientada para dar respostas a necessidades sentidas pelo GTO LX nem para produzir resultados imediatos que pudessem ser integrados no seu funcionamento (ver Esteves, 1986). Também a inexistência de uma estratégia clara de divulgação de resultados preliminares e da sua tradução para que o GTO LX os pudesse apropriar e difundir pelos diferentes grupos comunitários, tornou mais difícil esse relacionamento.

Adicionalmente, a permanente tensão entre a nossa presença enquanto insiders e a nossa presença enquanto outsiders revelou-se também particularmente sensível. Em termos relativos, o papel que desempenhámos nos dois grupos foi diferenciado. Se, com os DRK, o distanciamento foi maior, afirmando-se mais o nosso estatuto de outsiders, com os ValArt, aconteceu o inverso. Na verdade, como sublinha João de Pina Cabral (1983), a observação participante nunca deixa de ser paradoxal. Por outro lado, não fomos capazes de planear atempadamente, e em permanente diálogo com os membros dos dois grupos, o momento em que, por termos já acedido à informação que nos parecia relevante, foi necessário um maior distanciamento da nossa parte. Contrariamente ao que seria desejável, o distanciamento foi abrupto, obstaculizando, e tornando mais delicada, a posterior reaproximação (ver Labaree, 2002).

Gostaríamos de terminar com uma breve nota sobre o itinerário metodológico seguido.