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Repensar a (in)justiça a partir do diálogo entre Iris Marion Young e Nancy Fraser

1. Cidade – (in)justiça e segregação urbana

1.2. Repensar a (in)justiça a partir do diálogo entre Iris Marion Young e Nancy Fraser

Na diacrónica incursão pelo pensamento sobre a questão da (in)justiça – de Iris Marion Young e Nancy Fraser, a que agora damos início, procurando evidenciar pontos de contacto e de divergência entre ambas, é nosso objectivo avançar um pouco mais no sentido da delimitação dos contornos da noção de (in)justiça subjacente a esta investigação. Fazemo-lo, a partir de uma tentativa de reconstrução heurística das trajetórias intelectuais de ambas as autoras que, como iremos ver, ainda numa fase inicial, se aproximaram, intersetaram e influenciaram mutuamente. Efetivamente, enquanto a influência de Young no pensamento geográfico foi, a dada altura, significativa, o mesmo não se passou com Fraser que tem sido, do nosso ponto de

vista, negligenciada pela disciplina. Não obstante, é importante sublinhar que um dos traços fundamentais que partilham, e em torno do qual edificam a sua reflexão, é a rejeição de conceções liberais de justiça baseadas, fundamentalmente, na (re)distribuição, que, porventura, encontraram em John Rawls (1958, 1971, 1993, 2001) o seu principal proponente (Quadro 1.2).

Quadro 1.2. Ideias-chave e críticas à teoria da justiça de John Rawls

Ideias-chave Críticas

i) tenta desafiar e substituir o utilitarismo como filosofia regulatória da estrutura básica da sociedade,

nomeadamente, no que diz respeito aos seus mecanismos distributivos e insensibilidade relativamente às

diferenças interpessoais (ver Fraga, 2000; Kelly, 1998);

ii) radica numa conceção da justiça como equidade – a posição original – isto é, numa exigência de

imparcialidade, que procura evitar que escolhas e deliberações não sejam influenciadas e/ou enviesadas por características e atributos, interesses, prioridades e/ou preconceitos pessoais ou, como assinalou Rawls (1993: 9), em «uma concepção da justiça que pode ser partilhada pelos cidadãos como a base de um acordo político racional, bem-informado e voluntário»;

iii) inclui um véu de ignorância, ou seja, um dispositivo teórico que torna cada sujeito ignorante no que toca às suas circunstâncias particulares, como garantia de que, aquando da escolha dos princípios de justiça, ninguém possa ser beneficiado ou prejudicado por quaisquer probabilidades ou circunstâncias sociais contingentes;

iv) pressupõe que seres humanos – totalmente descontextualizados, desprovidos de densidade social, sem quaisquer trajectórias ou narrativas nem inscrições comunitárias – buscam bens sociais básicos,

designadamente, direitos e liberdades, oportunidades e

i) ao papel desempenhado pelos bens sociais básicos: enquanto Rawls sugere que instituições sociais justas distribuem bens sociais básicos de forma equitativa, Amartya Sen (1999), por exemplo, afirma que as diferenças interpessoais levam a que os sujeitos tenham capacidades distintas de os mobilizar e transformar no sentido de alcançarem os seus objectivos e realizarem os seus projetos de vida;

ii) ao facto de Rawls priorizar (e, de certa forma, distinguir e autonomizar) o que é certo e justo sobre o que é bom ou vantajoso – levando Richard J. Arneson (2006: 52), a advertir-nos a este respeito, ao afirmar que «se as exigências da justiça são concebidas como desligadas daquilo que é humanamente bom,

devemos considerar a possibilidade de que numa sociedade perfeitamente justa as pessoas levem, evitavelmente, vidas miseráveis»;

iii) ao princípio da diferença que tem sido, algo paradoxalmente, visto como uma transformação subtil mas não radicalmente diferente do utilitarismo que Rawls tanto repudiava, tratando-se, para Roberto Alejandro (1998: 52), de «uma diferença de grau e não de substância» pois, enquanto o utilitarismo agrega, na avaliação da justiça das condições sociais e económicas, todos os sujeitos, o princípio da

poderes, rendimento e riqueza e que procuram maximizá- los, usando os meios mais eficientes para os alcançar;

v) implica a existência de condições nas quais a cooperação humana é simultaneamente possível e necessária, designadamente, uma sociedade intermédia, reconhecida por todos como tal, ou seja, uma sociedade entre a escassez e a abundância, pois em qualquer destes casos não haveria necessidade de cooperação social (ver Wolff, 2006);

vi) tem como princípios de justiça que todas as pessoas têm igual direito a um sistema inteiramente adequado de direitos e liberdades básicas iguais, compatível com o de todos os outros (princípio da liberdade igual) e que as desigualdades sociais e económicas devem satisfazer duas condições: a) devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade equitativa de oportunidades (princípio da oportunidade justa) e b) devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade

(princípio da diferença). Refira-se que a) tem prioridade sobre b), ou seja, primeiro devem assegurar-se liberdades iguais e básicas para todos e só depois reconhecer-se a existência de desigualdades sociais e económicas, resultantes da própria estrutura social.

Por sua vez, para G. A. Cohen (2000, 2008), o facto de Rawls considerar justificável a existência de desigualdades desde que beneficiem os mais desfavorecidos (princípio da diferença) e tentar conciliar equidade e eficiência, diz-nos o autor, não passa de uma defesa factual, embora subtil, da existência de desigualdades;

iv) à posição original, defendendo Arneson (2006) que a ideia de que existem intuições pré-teóricas (i.e. uma conceção moral e um sentido de justiça) não tem fundamento suficiente pois, apesar de existirem algumas crenças e um conhecimento do senso comum relativamente às melhores condições para estabelecer um contrato, semelhante aquele que Rawls propõe, não parece existir nenhuma intuição sobre como conceber um procedimento equitativo para escolher os princípios básicos de regulação social;

v) à arquitetura político-filosófica da teoria e aos pressupostos em que assenta. Efetivamente, na tradição marxista, Brian Barry (1973) criticou, de forma contundente, a teoria da justiça de Rawls pois via nela meramente uma formulação doutrinal do liberalismo, espelhando uma realidade social

constituída por indivíduos atomizados que encontram no mercado o espaço privilegiado para o

desenvolvimento das suas relações sociais, parecendo Rawls incapaz de compreender aquilo que Barry designava como “colaboração altruísta” (i.e. não regida pelas leis do mercado). Da tradição

comunitarista, mais heterogénea e ambígua, emergiu também a ideia de que a conceção de justiça como equidade, de Rawls, assenta num entendimento pobre e insuficiente da pessoa humana (ver Barber, 2003; MacIntyre, 1988, 2007; Forst, 2002; Sandel, 1998, 2005). Em termos radicalmente opostos, Robert Nozik (1974) sustentou que qualquer intervenção no

sentido de uma mais justa redistribuição dos bens sociais básicos, no sentido que lhe dá Rawls, constitui uma intromissão inadmissível na liberdade individual e nenhuma entidade possui a autoridade moral que legitime tal ação. Deste ponto de vista, o Estado rawlsiano interfere demasiado na distribuição dos bens económicos e sociais – o homo economicus é, assim, intocável.

Fonte: elaboração própria

O pensamento sobre justiça de Young (1990) começou a ganhar forma numa obra fundadora –

Justice and the Politics of Difference (JPD) – pois foi aí que, pela primeira vez, as suas ideias

sobre essa questão apareceram articuladas de forma sistemática. Sigamos, então, o seu raciocínio. Para a autora, do ponto de vista conceptual, um olhar sobre a justiça, ao invés de colocar o enfoque na distribuição, deve centrar-se nos conceitos de dominação e opressão. A justiça social significa, assim, a eliminação da dominação e opressão institucionalizadas. Deste modo, adota-se uma visão invertida da justiça na medida em que o ponto de partida não é uma situação idealizada mas, pelo contrário, as circunstâncias concretas, impuras e imperfeitas nas quais a injustiça se manifesta (ver Card, 2009; Dorling, 2010).

Para além disso, uma tal reorientação, implica que levemos em linha de conta questões relativas: i) às estruturas e processos deliberativos (aspetos relacionados com a autonomia e autoridade na deliberação mas também com as regras e procedimentos institucionalmente reconhecidos); ii) à divisão do trabalho (posição hierárquica, natureza, significado, valor, relações de cooperação, conflito e autoridade associadas a ocupações e tarefas específicas e a forma como estas são distribuídas pelos sujeitos); iii) à cultura (incluindo os símbolos, imagens, significados, valores e atitudes através das quais as pessoas expressam as suas experiências e comunicam entre si).

Paralelamente, é também necessário evidenciar a importância dos grupos sociais, como unidade teórico-política de referência, em detrimento dos sujeitos atomizados, consumidores e proprietários, típicos de concepções liberais. Com efeito, escreve Young (1990: 3), as «teorias filosóficas da justiça têm operado com uma ontologia social que não tem espaço para um conceito de grupos sociais». Aliás, é a partir de uma ontologia social reconfigurada que a autora defende a necessidade de conceber a (in)justiça não de um ponto

de vista a-temporal, totalizante, universal e independente, liberto das impurezas decorrentes de texturas e relações sociais concretas, mas sim, e contrariamente, a partir de uma abordagem eticamente situada, socialmente inscrita e politicamente comprometida.

Young sugere que as teorias distributivas da justiça são limitadas pois, embora reconheça que essa dimensão é crucial para a construção de uma sociedade justa, considera um erro reduzir a justiça meramente à distribuição. Existem, do seu ponto de vista, dois problemas fundamentais no paradigma distributivo: i) ao focar-se na distribuição de bens materiais, recursos, rendimento e riqueza ou posições sociais, ignora e/ou naturaliza as estruturas sociais e contextos institucionais inerentes aos padrões distributivos existentes; ii) quando se procura, de um ponto de vista teórico, alargar a conceção distributiva para que esta inclua bens imateriais (ex: poder, oportunidades ou auto-estima), isso é normalmente feito através da reificação desses mesmos bens que em vez de serem vistos como sendo indissociáveis de complexos processos e relações sociais passam, assim, a ser vistos como coisas.

A noção de justiça formulada por Young procura centrar-se, não em padrões distributivos, mas sim nas condições institucionais que possibilitam a promoção de valores humanos que, por assumirem o igual valor moral de todos os membros de uma sociedade, considera universais, designadamente, o desenvolvimento (exercício de capacidades e expressão de experiências) e a auto-determinação (participação na determinação de ações e/ou das condições a elas subjacentes), sendo que a cada um deles faz corresponder um constrangimento social definidor da injustiça, respetivamente, a opressão e a dominação.

Opressão diz respeito aos «processos institucionais sistemáticos que impedem algumas pessoas de aprender e usar competências satisfatórias e expansivas em contextos socialmente reconhecidos, ou processos sociais institucionalizados que inibem a capacidade das pessoas em relacionarem-se e comunicarem entre si ou de exprimir os seus sentimentos e perspectivas sobre a vida social em contextos onde outros podem ouvir» (ibid.: 38). Dominação, por seu turno, designa as «condições institucionais que inibem ou impedem as pessoas de participar na determinação das suas acções ou das condições a elas subjacentes» (ibid.: 38). Embora existam algumas sobreposições, os dois constrangimentos sociais que definem a injustiça são distintos e devem ser encarados como tal. Não obstante, por motivos que somos incapazes de descortinar, a autora optou por explorar com maior detalhe a opressão e é essa reflexão que iremos agora explorar.

Com efeito, em muitas sociedades contemporâneas parece evitar usar-se o termo opressão. Por ser muito conotada com regimes autoritários, ditatoriais e tirânicos, parece não haver lugar para a opressão em sociedades liberais democráticas como aquelas em que, na generalidade dos países do mundo ocidental desenvolvido, vivemos. Hoje, a opressão, mesmo quando apresenta uma natureza sistémica e estrutural, tende a assumir formas mais subtis e menos flagrantes. Como escreve Young (ibid.: 41), «opressão refere-se às vastas e profundas injustiças que alguns grupos sofrem como consequência de assunções e reações, frequentemente inconscientes, de pessoas bem-intencionadas em interações comuns».

Sendo um fenómeno tão complexo, dinâmico e mutável, apenas uma abordagem plural nos pode ajudar a retratar e compreender a opressão de uma forma adequada e, por conseguinte, Young procurou fazê-lo a partir da análise de cada uma das suas “cinco faces” – exploração, marginalização, impotência, imperialismo cultural, violência – e da forma como elas se articulam e relacionam, dando origem a determinadas configurações da opressão. Olhemos, então, com mais atenção, para o significado de cada uma dessas faces e para o papel que lhes é atribuído no raciocínio da autora.

Quando fala de exploração, Young, remete para o pensamento marxista segundo o qual o lucro – enquanto nó górdio do sistema capitalista – resulta da apropriação (indevida), por parte do capital, da mais-valia produzida pelo trabalho. Alicerçado na propriedade dos meios de produção, o capitalismo funciona como um sistema de transferência de poder de um grupo social para outro, que não só beneficia desse processo como reforça, através dele, a sua posição privilegiada. A exploração traduz, assim, uma relação estrutural desigual (e opressiva) entre grupos sociais.

Marginalização, por sua vez, designa o processo através do qual algumas pessoas (a maior parte das quais “racial” e/ou etnicamente marcadas) se vêm excluídas do sistema laboral e, consequentemente, de uma participação plena, útil e satisfatória na vida social, ficando potencialmente sujeitas não só a privações materiais mas também a condições institucionais que impossibilitam o exercício das suas capacidades num contexto de reconhecimento e interação.

A impotência (no original, powerlessness) corresponde, grosso modo, à ocupação de posições na divisão do trabalho (e na sociedade), caracterizadas pela falta de autoridade e/ou poder, pela inexistência de oportunidades para o desenvolvimento pessoal e exercício de competências criativas, pelo baixo estatuto social e pouca respeitabilidade que essas mesmas

posições conferem e transmitem.

O imperialismo cultural traduz a forma como as experiências, os valores e a cultura de um grupo social dominante se universalizam e estabelecem como norma, tornando as expressões culturais de outros grupos invisíveis, reduzindo-as a estereótipos e/ou essencializando-os como “os outros”.

Por último, a violência faz alusão a ataques físicos, incidentes de assédio, intimidação ou ridicularização cometidos para degradar, humilhar ou estigmatizar aqueles que deles são vítimas. Embora possa ser entendida simplesmente como atitude individual, o seu carácter sistémico e a sua existência como prática social tornam-na uma das cinco faces da opressão.

Alguns anos depois da publicação de JPD, Nancy Fraser (1995b), numa leitura crítica dessa obra, deu o pontapé de saída no diálogo com Young (para outros debates críticos, ver Olson, 2008). Segundo Fraser, JPD tinha o grande mérito de, num contexto de reconfiguração política marcado pelo fortalecimento das lutas (culturais) pelo reconhecimento e pelo declínio das reivindicações (económicas) associadas à redistribuição, procurar compreender as relações entre ambas de forma integrada (ver também Markell, 2006). Não obstante, sublinha Fraser, a existência de algumas ambiguidades e tensões mal resolvidas entre a dimensão económica e a dimensão cultural demonstram que Young não foi capaz de construir uma teoria que, de forma sólida e consistente, integrasse ambos os paradigmas (redistribuição e reconhecimento). Parece, aliás, existir uma supremacia do reconhecimento que subalterniza a questão redistributiva. Sendo a teorização do reconhecimento cultural o foco do projeto filosófico de Young em JPD, as questões de natureza económica são negligenciadas e a análise centra-se nas opressões culturais e no estudo de grupos sociais definidos a partir dos seus contornos culturais.

Para Fraser, embora assente na rejeição de categorias dualistas (que considera redutoras) e numa construção teórica polimórfica, a proposta de Young não consegue escapar a uma lógica bifocal. Quando olhamos para as diferentes faces é possível constatar que exploração, marginalização e impotência radicam na economia, nas relações de trabalho, e que imperialismo cultural e violência estão ancorados na cultura. Foi precisamente por considerar que JPD não apresentava uma alternativa satisfatória ao paradigma liberal, que Fraser (1995a) procurou esboçar uma proposta capaz de responder ao desafio de interligar redistribuição e reconhecimento num único esquema teórico-político (ver Lovell, 2007).

entre injustiça económica (redistribuição) e injustiça cultural (reconhecimento). A primeira, enraizada na estrutura económica da sociedade, integra aspetos como a exploração – produto do trabalho de uns apropriado para benefício de outros; a marginalização económica – inacessibilidade ao trabalho remunerado ou confinamento a ocupações e/ou tarefas indesejáveis ou mal pagas; e a privação – negação de um nível de vida material decente. Por sua vez, a injustiça cultural inclui a dominação cultural – sujeição a padrões de interpretação e comunicação associados a uma cultura considerada diferente e hostil relativamente à cultura dominante; o não-reconhecimento – invisibilidade imposta pelas práticas representacionais, comunicacionais e interpretativas da cultura dominante; e o desrespeito – calúnia e menosprezo através de representações culturais e/ou interações públicas quotidianas estereotipadas.

Evidentemente, a distinção entre as duas dimensões da injustiça é meramente analítica pois, ao nível das práticas sócio-espaciais concretas, ambas são irredutíveis, estão interligadas e reforçam-se mutuamente, fazendo parte de um contínuo que, não raras vezes, origina «um círculo vicioso de subordinação cultural e económica» (Fraser, 1995a: 73). Consequentemente, quaisquer intervenções no âmbito da injustiça económica implicam mudanças na redistribuição e, no campo da injustiça cultural, alterações ao nível do reconhecimento. Neste ponto, Fraser distingue duas formas estratégicas de intervenção diferenciadas, designadamente, a afirmação (que, incide a jusante e visa corrigir a injustiça sem modificar o sistema que a produz) e a transformação (que, a montante, procura evitar a injustiça através da reestruturação do sistema que a gera), assumindo que esta última deve ser privilegiada.

A resposta de Young (1997), não tardou. Considerando que a distinção e o antagonismo entre redistribuição e reconhecimento apenas ocorre em contextos académicos e ao nível da discussão teórica, diz existirem poucas evidências de que isso aconteça, tal como sugere Fraser, no mundo do ativismo e da cidadania. Por conseguinte, em vez de opor a economia à cultura, reafirma a sua convicção de que é teórica e politicamente mais adequado pluralizar categorias e procurar compreendê-las através das múltiplas relações que ocorrem no quadro de grupos sociais específicos.

A crítica a Fraser, assenta, deste modo, no facto desta autora adotar uma estratégia polarizada que, contrariamente aquela que Young havia proposto em JPD, reduz a multiplicidade de possíveis expressões de opressão numa dada realidade social. Na verdade,

acrescenta Young, a lógica dicotómica ao produzir categorias demasiado inflexíveis e estanques, contrasta fortemente com o dinamismo, flexibilidade e porosidade da realidade social e, por isso, obscurece as complexas relações de opressão em atividade no mundo real, tornando-se, assim, inútil para a ação política. Em suma, «o mundo de princípios e finalidades políticas apresentado por Fraser é assustadoramente desprovido de ação» (ibid.: 160).

Mais uma vez, a resposta, não se fez esperar. Fraser (1997), numa breve nota crítica, reafirmou a pertinência da sua proposta teórico-política e rebateu as críticas de Young. Por um lado, afirma que esta tem uma noção errada e por vezes ingénua da realidade social e política; por outro, que não compreendeu a sua proposta e, como tal, interpretou-a incorretamente, distorcendo sistematicamente os argumentos que procura criticar. A proposta apresentada, explica Fraser, não implica a necessidade de proceder a uma escolha mutuamente exclusiva entre economia ou cultura, redistribuição ou reconhecimento. Ao invés, funda-se na convicção de que é possível combinar políticas igualitárias de redistribuição com políticas emancipatórias de reconhecimento. Em vez de aprofundar divisões e antinomias, procuram-se forjar ligações entre cultura e economia e compreender as múltiplas reciprocidades entre ambas. Com efeito, conclui Fraser, aquilo que Young designou dicotomia é, na verdade, um “dualismo perspetivo” e a sua utilidade analítica e política decorre não do número de categorias ou faces, mas da sua qualidade epistemológica e capacidade explicativa.

Talvez motivada pelas críticas que lhe foram endereçadas, Fraser (1999), viria posteriormente a desenvolver e aprofundar a sua proposta filosófico-política. Com base na crítica de uma gramática política que tende a dissociar os dois tipos de reivindicações de justiça, tornando-os falsas antíteses, reafirmou que a justiça requer simultaneamente redistribuição e reconhecimento e por isso é indispensável a sua integração num quadro teórico-prático unificado, nomeadamente num contínuo cujos extremos estão preenchidos pelos “tipos-ideais” de redistribuição (classe social) e de reconhecimento (estatuto cultural). É quando nos afastamos dos extremos, porém, que as complexas texturas do real vêm ao de cima, emergindo então diferenciações sociais híbridas que combinam características económicas e culturais e que por estarem simultaneamente enraizadas nas estruturas económicas e nas hierarquias culturais, podem produzir injustiças de pendor económico e/ou cultural.

Fraser introduz também um termo novo – paridade de participação – que designa o núcleo normativo do seu esquema teórico e segundo o qual a justiça implica a existência de

uma organização social que permita a interação paritária de todos os seus membros constituintes. Para que isso seja possível, no entanto, para além da igualdade formal, são