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DA INTEGRAÇÃO À INCLUSÃO: RESPOSTAS LEGAIS E SOCIOEDUCACIONAIS FRENTE AOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO OCIDENTE

3 A INCLUSÃO DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: A EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA

3.1 DA INTEGRAÇÃO À INCLUSÃO: RESPOSTAS LEGAIS E SOCIOEDUCACIONAIS FRENTE AOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO OCIDENTE

CONTEMPORÂNEO

Os séculos XVIII e XIX foram de grande relevância para as pessoas com deficiência, e particularmente deficiência visual, ganhando destaque dois acontecimentos: no ano de 1784, foi inaugurado na França o Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, destinado à educação de pessoas cegas e em 1829, Louis Braille, um jovem cego e estudante desse instituto criou o Sistema Braille (cf. ROCHA, 1987, CERQUEIRA E LEMOS, 1996 e MAZZOTA, 2001).

O Sistema Braille consiste num processo de leitura e escrita em relevo. Ele tem como base a signografia inventada por Charles Barbier (oficial do exército francês), que consistia num código secreto militar denominado "escrita noturna" (pois possibilitava a comunicação noturna entre oficiais nas campanhas de guerra), composto da disposição de doze linhas e pontos em relevo, cujas combinações formavam sílabas na língua francesa. A significação tátil dos pontos em relevo do invento de Barbier foi a base para a criação do Sistema Braille. Neste sistema, temos uma combinação de seis pontos dispostos em duas filas verticais de três pontos cada uma, que combinados de acordo com o número e a posição geram sessenta e três símbolos, suficientes para todo o alfabeto, números, símbolos matemáticos, químicos, físicos e notas musicais, e recentemente símbolos da informática. A invenção do sistema Braille foi extremamente importante para que as pessoas cegas pudessem se colocar autonomamente na sociedade, pois que lhes facultava a possibilidade de ler e de escrever (REINO, 2000).

Em 1837, a fundação do instituto "Ohio School for the Blind”, subsidiado pelo governo americano, fez com que a sociedade americana despertasse para uma reflexão em relação à obrigação do Estado para com a educação das pessoas com deficiência visual (MAZZOTTA, 2001). Já no final do século XVIII e início do século XIX, foram fundadas escolas para pessoas cegas na Alemanha e na Grã-Bretanha, baseadas no modelo do Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris (SILVA, 1986).

As duas grandes guerras mundiais no século XX fizeram com que surgisse na Europa programas sociais para reintegrar os mutilados de guerra. Aliado a este aspecto, passou a haver uma preocupação das organizações dos direitos humanos em garantir que essas pessoas, depois de reabilitadas, pudessem de fato reintegrarem-se socialmente: foi a chamada "era da integração" (cf. SANTOS, 1995, SILVA, 1986, ROCHA, 1987). Esta assim denominada "integração" da pessoa com deficiência, nas décadas de 1960 e 1970 no Ocidente teve como características a busca por sua inserção na escola regular e no mercado de trabalho, objetivando a adaptação da pessoa com deficiência às exigências ou necessidades da sociedade como um todo (SASSAKI, 1999; SANTOS, 1995). Até os anos de 1980, esta se desenvolveu em "um contexto histórico em que pesaram questões como igualdade e direito de oportunidades" (SANTOS, 1995, p.24).

Em face do exposto, salientamos que este chamado "movimento de integração" trazia como princípio a ideia (hoje bastante criticada) de que as pessoas com deficiência deveriam adaptar-se ao meio onde viviam para que pudessem ser integradas à sociedade.

O ano de 1981 proporcionou a abertura de algum espaço nos meios de comunicação para uma maior orientação da sociedade sobre a importância desta integração da pessoa com deficiência, depois que a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu este ano como sendo o Ano e a Década da Pessoa com Deficiência. Devemos ressaltar também a realização da Conferência Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca13 de Princípios, Política e Prática para as Necessidades Educativas Especiais (1994).

A Declaração de Salamanca é fruto de uma Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais que foi realizada em Salamanca na Espanha, em junho de 1994. Com a presença de representantes de 92 países e 25 organizações internacionais, a convenção ratificou o comprometimento destes Países com uma Educação para Todos e assegurou o acesso das crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais ao sistema regular de educação vigente. A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas realizou um evento mais recente, em 2008 na cidade de Genebra. Nesta, se reuniram ministros da Educação, chefes de delegação e delegados dos 153 Estados-Membros, bem como representantes de 20 organizações intergovernamentais, 25 Organizações Não Governamentais (ONGs), fundações e outras instituições da sociedade civil, na 48ª

13 A Declaração de Salamanca nos diz que integração é "um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação com o meio físico e social" (Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais, 1994, p. 18).

Conferência Internacional sobre Educação da UNESCO. Nesta Conferência na agenda política foi discutida a Educação Inclusiva como uma das principais temáticas a serem abordadas.

Na atualidade, vivemos a assim chamada "era da inclusão", que no entender de Sassaki (1999), se dispõe a enfatizar: na verdade, é a sociedade que deve se adaptar para poder incluir as pessoas com deficiência, e não o contrário. Neste sentido, estas, as "pessoas com necessidades especiais" devem se preparar para assumir seu lugar na sociedade. Sob esta perspectiva, cabe à sociedade como um todo o dever de se adaptar às diferenças individuais, aceitando-as como atributo, e não como obstáculo, valorizando assim as diferenças e o potencial de todos. Defendemos assim, de acordo com Sassaki (1999) que a inclusão social é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos e na mentalidade de todas as pessoas.

Ora, o anterior pensamento de integração atribuía a pessoa com deficiência a responsabilidade de se "adequar" ao sistema, não havendo a necessidade de nenhuma mudança na estrutura social vigente. Vê-se, assim, que este processo favorecia a manutenção do sistema capitalista (MANTOAN, 1998). Já o processo que busca a inclusão é inverso, pois além de denunciar as desigualdades e o desrespeito às minorias14, também reivindica a mudança de estruturas físicas, concepções, pensamento e planejamento da sociedade, ou seja, busca ser um processo contínuo, concretizado em ações cotidianas para fortalecer a identidade social do indivíduo, procurando respeitar as diferenças individuais e não menosprezá-las.

Porém, apesar de o movimento da inclusão ter como princípio a finalidade de que as pessoas devem ser respeitadas e inseridas socialmente independentemente de suas características individuais, nas sociedades fundadas no modo de produção capitalista este processo não é realizado em sua plenitude, em virtude da desigualdade estrutural do próprio sistema; ora, no capitalismo não apenas as pessoas com deficiência são excluídas, mas também todas aquelas que estão nos extratos mais pauperizados da sociedade ou que não se encontram inseridas no mercado de trabalho, ou ainda as que necessitam da assistência do Estado.

14 O conceito de minoria que adotamos é o genericamente aceito pelas Nações Unidas. Ele assinala minorias como grupos distintos dentro da população do Estado, possuindo características étnicas, religiosas ou linguísticas estáveis, que diferem daquelas do resto da população; em princípio numericamente inferiores ao resto da população; em uma posição de não dominância; vítima de discriminação (cf. MORENO, 2009).

Ora, as populações com deficiência no mundo capitalista em geral, ainda que estejam sob a defesa do Estado, que em termos legais as insere nos marcos da inclusão e da garantia de direitos, ainda são vistas como "diferentes" e marcadas pelo estigma da dificuldade e da impossibilidade. Além disso, a discriminação e o preconceito têm também cor, classe social e gênero, gerando assim o nó da desigualdade (SAFFIOTI, 2004) que permeia a sociedade racista/patriarcal/capitalista (CISNE, 2014), assim atingindo muito mais pessoas com deficiência se estas são mulheres ou se são pretas/pardas ou se são pobres.

3.2 RESPOSTAS DO ESTADO E DA SOCIEDADE ÀS NECESSIDADES DAS