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NOÇÕES ATUAIS SOBRE A DEFICIÊNCIA: MODELO MÉDICO VERSUS MODELO SOCIAL

2 ASPECTOS HISTÓRICO-CONCEITUAIS EM TORNO DE DEFICIÊNCIA NO OCIDENTE

2.6 NOÇÕES ATUAIS SOBRE A DEFICIÊNCIA: MODELO MÉDICO VERSUS MODELO SOCIAL

Em meados do século XX as discussões acerca da deficiência atravessaram dois conceitos relativos à questão, que foram identificados como modelos clássicos em torno da deficiência: o modelo médico e o modelo social. Ambos exprimem específicos entendimentos acerca da deficiência.

2.6.1 Deficiência enquanto falta corporal: o modelo médico

O modelo médico, também conhecido como “modelo individual” (BARNES, BARTON, OLIVER, 2002), encontra-se alicerçado nos impedimentos funcionais do corpo, na esfera física, intelectual ou sensorial. Neste caso, entende-se que as limitações sociais que as pessoas com deficiência apresentam são oriundas de impedimentos corporais, não aceitáveis, perante a sociedade. Esta abordagem não admite a deficiência como uma expressão referente à condição da diversidade humana.

Parafraseando Pereira (2006), esse modelo caracteriza a deficiência sempre pelo viés de um diagnóstico a ser desvelado. Ante esse contexto, considera a existência de "anormalidades" nos corpos, e as maneiras como estas condições são configuradas revelam as "causas" das deficiências. Neste sentido, o enfoque é aplicado como uma fatalidade pessoal, culpabilizando o indivíduo pelo fato de este apresentar alguma “deformidade” no corpo que demanda ser ajustado aos padrões ou “normalizado”, por intermédio de algum procedimento médico. Assim, a ênfase reside no corpo como procedência deste quadro e abordagem médica não responsabiliza a sociedade pelo processo de exclusão pelas quais as pessoas com deficiência são submetidas.

Neste modelo, se observa a deficiência como um estado trágico, sem considerar as ações, as barreiras sociais e ambientais que envolvem esta condição. (BONFIM, 2009, p. 41), já que advém deste modelo a premissa de que as limitações do corpo com deficiência são inerentes à lesão. A crítica que se faz a este modelo é a de que sua preocupação está voltada, exclusivamente à chamada cura, prevalecendo o diagnóstico e desconsiderando qualquer responsabilidade social ou emocional. Charlton (2000) aponta a tendência da medicina em categorizar os sujeitos:

Historicamente, a deficiência tem sido considerada a priori como uma condição médica e as pessoas com deficiência, como doentes. Isto não tem a ver com a doença em si, mas com uma categoria médica. Se as pessoas com deficiência são, inicialmente, uma categoria da medicina, então, por conceituação, somos muitas vezes considerados pela aparência e "corpos"

enfermos. A união da ciência (medicalização) e corpo (imagem) é um eficaz limitador. (CHARLTON, 2000, p. 56, tradução nossa).12

O questionamento ao modelo médico se dá muito em torno de sua procura pela normalização dos sujeitos, que acaba ocasionando o que Carvalho (2011, p.4) nos afirma: “O modelo dificulta a aceitação da deficiência e, portanto, é concebível que a sociedade mantém barreiras físicas e atitudinais que, muitas vezes, impossibilitam as pessoas com deficiência de usufruir seus direitos básicos.” Esta concepção médica, de “anormalidade”, ante a deficiência, resulta frequentemente na segregação dos sujeitos com deficiência em relação à maioria da população, impulsionando assim, a discriminação.

O modelo médico de compreensão da deficiência caracteriza um indivíduo enquanto cego a partir do fato de que este não enxerga, ou seja, por ser alguém a quem falta à visão. Todavia, a visão social da deficiência vai além da experiência da desigualdade pela cegueira, que é expressa em uma sociedade pouco sensível às diferenças.

2.6.2 Além da biologia: o modelo social de análise da deficiência

Na década de 1970, surgiram novos estudos no Reino Unido e nos Estados Unidos em torno da deficiência. Ao lado de uma perspectiva estritamente biomédica concernente aos saberes médicos, psicológicos e de reabilitação, a deficiência passou a ser também um campo das ciências sociais. Nessa revolução acadêmica, a deficiência deixa de ser vista como lesão que estabelece restrições à participação social plena de um indivíduo. (DINIZ, 2007, p.9)

Esta perspectiva compreende que a pessoa com deficiência deve ter categorização abrangente e complexa. Esta reconhece o corpo lesionado, porém também indica a organização social que o oprime. Paul Hunt, sociólogo e com deficiência física, foi um dos precursores do modelo social de deficiência no Reino Unido, na década de 1960. Hunt procurava desmistificar o fenômeno sociológico da deficiência, a partir da conceituação de estigma proposto por Erving Goffman (1988). Na visão goffmaniana, os corpos são espaços demarcados por sinais que antecipam funções a ser exercidas pelos indivíduos. Um conjunto

12 Historically, disability has been considered a priori a medical condition and people with disabilities, sick. This has nothing to do with disease per se but with a medical category. If people with disabilities are first a category of medicine, then by definition we are often set apart and infirm "bodies" and their appearance. The fusion of science (medicalization) and body (image) is a powerful constraint. (CHARLTON, 2000, p. 56).

de valores, simbolicamente, estaria associado aos sinais corporais. Neste sentido, deficiência foi um dos temas que mais impulsionou os teóricos do estigma (DINIZ, 2007). Hunt escreveu uma carta remetida ao jornal inglês “The Guardian”, em 20 de setembro de 1972, com o seguinte teor:

Senhor Editor, as pessoas com lesões físicas severas encontram-se isoladas em instituições sem as menores condições, onde suas ideias são ignoradas, onde estão sujeitas ao autoritarismo e, comumente, a crueis regimes. Proponho a formação de um grupo de pessoas que leve ao Parlamento as ideias das pessoas que, hoje, vivem nessas instituições e das que potencialmente irão substitui-las. Atenciosamente, (PAUL HUNT apud DINIZ, 2007, p.13-14).

Hunt jamais conceberia o quanto este documento ocasionaria tantas repercussões. Em decorrência deste ato diversas pessoas se manifestaram positivamente e propuseram a representação de um grupo de pessoas com deficiência, de modo que em quatro anos foi constituída a primeira organização política que deu origem à “Liga dos Lesados Físicos Contra a Segregação” – Upias. A Upias foi a primeira organização política sobre deficiência a ser formada e gerenciada por pessoas com deficiência no mundo. Instituições antigas, como o Instituto Nacional para Cegos, talvez a mais antiga do mundo, no Reino Unido, ou o Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Brasil, eram entidades para a população com deficiência, isto é, locais onde se confinavam pessoas com diferentes lesões físicas ou mentais, cuidando delas e lhes oferecendo educação. Em geral, o objetivo dessas instituições e centros era o de afastar as pessoas com lesões do convívio social ou o de normalizá-las para devolvê-las à família ou à sociedade (DINIZ, 2007). A estratégia da Upias era provocadora, pois desresponsabilizava o indivíduo pela opressão experimentada, transferindo-a para a incapacidade da sociedade em prever e incluir a diversidade. Assim sendo, Diniz afirma que:

Oliver, Abberley, Finkelstein e tantos outros que responderam ao chamamento de Hunt provocaram uma reviravolta no debate biomédico: ao invés de internados para tratamento ou reabilitação, os deficientes estavam encarcerados; a experiência da deficiência não era resultado de suas lesões, mas do ambiente social hostil à diversidade física. O mais importante desse movimento político vigoroso de crítica social foi que a Upias foi responsável por um feito histórico, pois redefiniu lesão e deficiência em termos sociológicos, e não mais estritamente biomédicos. (DINIZ, 2007, p.15).

É neste cenário que o modelo social identifica de maneira crítica o modo como a sociedade ocidental lida com as diferenças, desconsiderando a diversidade dos cidadãos e

excluindo as pessoas com deficiência dos espaços sociopolíticos. Em oposição, esta abordagem defende que o sujeito com deficiência retome o controle de sua própria vida e ainda tenha a possibilidade de tomar decisões com sua participação ativa e politicamente na sociedade. Nessa ótica, a deficiência é um construto coletivo entre indivíduos (com e/ou sem deficiência) e a sociedade. Para o modelo social, a acessibilidade à saúde é um direito a ser protegido entre tantos outros, igualmente primordiais e simultâneos como educação, emprego, cultura, vida, lazer e desenvolvimento socioeconômico. Esses direitos contribuem para garantir a equiparação de condições às pessoas com deficiência. É a partir desta perspectiva que a sociedade passa a absorver conceitos como igualdade e inclusão em relação as pessoas com deficiência.

3 A INCLUSÃO DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO