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Padrão 05: Número de colisões efetuados nos níveis do jogo digital

3 A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET

3.1 A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE PIAGET

3.1.1 A inteligência segundo Jean Piaget

Em colaboração com a esposa Rebecca Suzane, Piaget analisou seus próprios filhos a fim de tentar ver neles como aparecem às primeiras manifestações de inteligência, antes da linguagem; para isso, realizou observações em estado nativo, recolhendo uma considerável massa de observações junto à sua filha primogênita Jacqueline (DOLLE, 1995).

As observações feitas por Piaget permitiram-lhe organizar um “corpus” de situações experimentais sistemáticas, para, depois, observar os demais filhos. Dolle (1995) cita que todo esse trabalho resultou na publicação de dois livros: o primeiro em 1936, “La naissance de

l’intelligence chez l’enfant” (O nascimento da inteligência na criança) e, no ano seguinte, o

segundo livro, “La construction du réel chez l’enfant” (A construção do real na criança). Piaget analisou os comportamentos de seus filhos desde o nascimento até por volta dos dezoito meses; investigou o desenvolvimento da inteligência prática e a função de adaptação em que explica o funcionamento e os progressos intelectuais. Com esse trabalho, Piaget delineou “[...] o desenvolvimento desde os reflexos inatos, passando pelos primeiros modos de comportamento e hábitos aprendidos, até os primeiros atos de representação e juízo correspondentes à idade de um ano e meio” (KESSELRING, 1993, p. 38).

As observações feitas por Piaget demonstraram a flexibilidade do seu método clínico, o qual consiste de uma “[...] conversação livre com a criança sobre um tema dirigido pelo interrogador que acompanha as respostas da criança, pede-lhe que justifique o que diz, que explique, que diga por que, que lhe faz contra sugestões [...]” (DOLLE, 1995, p. 21). Segundo o autor, com um conjunto de hipóteses precisas, Piaget apreendeu condutas com relação à construção do espaço, do tempo, do objeto permanente, condutas de imitação, entre outros. “Além de saber perfeitamente o que devia observar, ele verificava de algum modo ou experimentava uma ideia importante, a saber, que a inteligência é a forma assumida pela adaptação biológica ao nível da espécie” (DOLLE, 1995, p. 29).

Todos os organismos vivos para manter a sua sobrevivência precisam se ajustar ao meio em que estão; Piaget queria saber como o homem desenvolve a inteligência, seu fundamental recurso de adaptação ao meio, portanto, segundo as suas próprias palavras: “A inteligência é

uma adaptação” (PIAGET, 1987, p. 15). Assim, sob o ponto de vista do autor, a inteligência é um tipo particular de adaptação biológica, tendo como objetivo “[...] estruturar o universo tal qual o organismo estrutura o meio imediato” (PIAGET, 1987, p. 15).

Piaget menciona que o organismo, para conseguir se equilibrar com o meio, precisa de recurso, na espécie humana; o recurso para tal equilíbrio é a inteligência. Dentre os quatro fatores do desenvolvimento mental (maturação nervosa, o exercício e a experiência adquirida na ação sobre os objetos, interações e transmissões sociais e equilibração), a equilibração é o fator central, uma vez que ela, além de explicar cada um dos fatores citados, também promove o seu agrupamento e tem a sua própria especificidade que, é a reversibilidade (DOLLE, 1995). A reversibilidade é a capacidade de desfazer o que foi realizado, seja em ação ou pensamento. “Não sendo um estado de repouso, mas, procedendo de uma adaptação, o equilíbrio possui mobilidade, de tal modo que, na presença de perturbações exteriores, o sujeito procura reduzi-las por compensações de sentido inverso” (DOLLE, 1995, p. 56).

A inteligência é, portanto, a maneira pela qual a ação é organizada, seja ela motora, verbal ou mental, diante de uma situação nova, tendo como finalidade: “[...] a) de auto

organizar-se para enfrentar a situação e b) de encontrar um comportamento (invenção-

descoberta) que mantenha o equilíbrio entre o organismo e o meio. A inteligência, pois, é o fulcro da atividade do organismo” [...] (LIMA, 1980, p. 73, grifo do autor).

Segundo Piaget (1987), o organismo, ao se adaptar, constrói novas formas materiais para inseri-las no universo; já a inteligência prolonga tal criação ao construir mentalmente as estruturas capazes de serem aplicadas ao meio.

Entre crianças e adultos também se observa uma construção contínua de estruturas variadas, assim, “[...] no desenvolvimento mental, existem elementos variáveis e outros invariáveis” (PIAGET, 1987, p. 16), por exemplo, os funcionamentos invariantes são situados por duas funções biológicas: a organização e a adaptação.

Para o autor, certos biólogos definem o termo adaptação meramente “[...] pela conservação e a sobrevivência, isto é, o equilíbrio entre o organismo e o meio” (PIAGET, 1987, p. 16), sendo, portanto, necessário diferenciar a adaptação-estado da adaptação-processo. “No estado, nada é claro. Na sequência do processo, as coisas arrumam-se: há adaptação quando o organismo se transforma em função do meio, e essa variação tem por efeito um incremento do intercâmbio entre o meio e aquele, favorável à sua conservação [...]” (PIAGET, 1987, p. 16).

O organismo, para Piaget (1987, p.16), “[...] é um ciclo de processos físico-químicos e cinéticos que, em relação constante com o meio, engendram-se mutuamente”. A organização é uma função relativa do organismo para manter suas partes e o todo. Para melhor compreensão,

Piaget cita o exemplo: sejam os elementos a, b, c, etc., referentes ao organizado e x, y, z etc., os elementos do meio; os processos “a + x → b” e “b + y → c”, etc., podem incidir tanto em:

[...] reações químicas (quando o organismo ingere substâncias x que ele transformará em substâncias b que fazem parte da sua estrutura), como em transformações físicas quaisquer ou, enfim, de um modo particular, em comportamentos sensório-motores (quando um ciclo de movimentos corporais a combinados com os movimentos exteriores x chega a um resultado b que participa igualmente no ciclo de organização) (PIAGET, 1987, p. 17, grifo nosso).

A união desse processo constitui uma relação de assimilação porque o funcionamento do organismo conserva o ciclo de organização, coordenando os elementos dos meios a fim de inseri-los nesse ciclo (PIAGET, 1987).

Quando ocorre variação no meio que transforme x em x’, “ou, o organismo não se adapta e há uma ruptura do ciclo, ou há adaptação, o que significa que o ciclo organizado se modificou ao fechar-se sobre si mesmo” (PIAGET, 1987, p. 17).

De acordo com Piaget (1967, p. 28-29), “se a inteligência é a adaptação, convém, antes, definir esta última. Ora, salvo as dificuldades da linguagem finalista, a adaptação deve ser caracterizada como um equilíbrio entre as ações do organismo sobre o meio e as ações inversas”. Logo, “[...] o que equivale dizer, um equilíbrio das permutas entre o indivíduo e os objetos” (PIAGET, 1967, p. 29).

Dado o exposto, Piaget cita que, “podemos chamar de “assimilação”, empregando tal termo num sentido lato, à ação do organismo sobre os objetos que o rodeiam, entanto que esta ação dependa dos comportamentos anteriores em face dos mesmos objetos ou de outros análogos (PIAGET, 1967, p. 28-29). Portanto, “[...] a assimilação consiste em uma incorporação dos objetos aos esquemas de ação do sujeito. Esses esquemas, que podem ou não se aplicar aos objetos, são passíveis de modificação. Essa modificação é o que Piaget chama de “acomodação” (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1994, p. 10).

Para tanto, “se denominarmos acomodação esse resultado das pressões exercidas pelo meio [...], poderemos dizer, portanto, que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a

acomodação” (PIAGET, 1987, p. 17, grifo do autor).

Assim, “[...] a inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência” (PIAGET, 1987, p. 17), e ela

[...] nunca pode ser pura, visto que, ao incorporar os novos elementos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica incessantemente os últimos para ajustá-los aos novos dados. Mas, inversamente, as coisas nunca são conhecidas em si mesmas, porquanto esse trabalho de acomodação só é possível em função do processo inverso de assimilação (PIAGET, 1987, p. 17).

Para Piaget, o método geral da inteligência é a coordenação desses esquemas, ou seja, é a combinação dos esquemas ou estratégias de ação; por isso, o desenvolvimento da inteligência é um processo de construção, o qual consiste em assimilar e acomodar, isto é, incorporar a realidade e em se modificar para se adaptar à realidade (LIMA, 1980).

É importante entender que “esquema (do grego schêma, “esquema”) é a estrutura sensório-motora e operatória pela qual o sujeito se adapta ao meio e o organiza” (MATUI, 1995, p. 122). Nas palavras de Piaget, esquema é aquilo que é generalizável numa determinada ação, portanto:

O esquema é a condição primeira da ação, ou seja, da troca do organismo com o meio. Ele é engendrado pelo funcionamento geral de toda organização viva, a adaptação. O organismo com sua bagagem hereditária, em contato com o meio, perturba-se desequilibra-se e, para superar esse desequilíbrio, ou seja, para adaptar-se, constrói esquemas. O esquema tem-se repetido infinitas vezes, “é aquilo que é generalizável

numa determinada ação” (PIAGET, 1959 apud RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1994,

p. 34).

Por meio do esquema de ver (visão), a criança assimila o mundo, as cores, os movimentos e assim sucessivamente; exemplos de esquemas sensoriais: sucção, paladar, audição, percepção autocinética, preensão, entre outros; exemplos de esquemas mentais: reversibilidade, permanência, seriação, classificação, número, tempo, espaço, entre outros; e também há os esquemas, como, conceitos, noções, hipóteses e ideias (MATUI, 1995). “Desde o início do desenvolvimento, a criança apresenta certo número de esquemas. Diante de um objeto novo, ela tenta assimilá-lo a determinado esquema que possui” (MATUI, 1995, p. 122). Ou seja:

Os esquemas são a forma pela qual a criança entra em contato com o mundo. Assim, em presença de cada objeto novo, ela procurará encaixá-lo em seus esquemas, ou seja,

“classificá-lo”. A essa modificação, Piaget chama de acomodação dos esquemas [...].

Esta acomodação já testemunha uma atividade do sujeito que reage compensando a resistência do objeto como que para reestabelecer o equilíbrio do organismo perturbado pelo meio. Assim, os esquemas ou assimilam os objetos ou se acomodam a eles, o que quer dizer que se reequilibram por ocasião de cada variação do meio (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1994, p. 36-37).

A inteligência é sempre a melhor maneira possível de superar uma dificuldade, em se adaptar ao mundo exterior (o espaço e o tempo, a causalidade e a substância, a classificação e o número, entre outros); “[...] aí se vê que a inteligência está implícita em tudo que se constrói e em tudo que tem vida. A evolução é um fenômeno molar de inteligência. Cada organismo é a melhor solução frente à agressão do meio” (LIMA, 1980, p. 60).

Piaget, ao estudar o desenvolvimento cognitivo no ser humano a partir das estruturas iniciais do recém-nascido, elaborou um conjunto de quatro estágios característicos: os estágios do desenvolvimento das estruturas da inteligência de Piaget.