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INTER-RELAÇÃO DAS UNIVERSIDADES COM ATORES REGIONAIS

No documento AUGUSTO FERREIRA RAMOS FILHO (páginas 34-45)

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 INTER-RELAÇÃO DAS UNIVERSIDADES COM ATORES REGIONAIS

As universidades apresentam potencial de desenvolvimento regional, e inovação e

conhecimentos possuem papéis fundamentais. Nesse sentido, Sanchez-Barrioluengo e

Benneworth (2019) desenvolvem a ideia de uma universidade empreendedora, que integre e

explore os papéis da universidade internamente ao mesmo tempo em que contribui

estrategicamente para o desenvolvimento das regiões onde se encontram inseridas.

Nesse sentido, as universidades têm integrado o conceito da terceira missão aos seus

interesses. De forma primária, as universidades estão vinculadas a duas missões específicas:

ensino e pesquisa (PERKMANN et al., 2013). No entanto, o desenvolvimento junto aos atores

regionais tem se apresentado como a terceira missão das universidades (ETZKOWITZ;

LEYDESDORFF, 2000).

A terceira missão da universidade tem sido encarada como emergencial. Os atores

regionais, ávidos por desenvolvimento e inovação, têm buscado soluções para seus problemas

nas universidades (WANG; VALLANCE, 2015). Contudo, a interação entre a universidade e

a região ainda é comprometida pela ausência de engajamento (GODDARD; VALLANCE,

2011). Assim, universidades aliadas às indústrias como parceiras externas (SANTOS;

BENNEWORTH, 2019) são as que mais contribuem para a inovação, devido ao seu network

global de cientistas.

Ao responder aos estímulos da pesquisa, as universidades se posicionam como

mediadoras na produção e difusão de inovação. Ao produzir conhecimento e inovação

aplicáveis aos atores regionais (COHEN; NELSON, WALSH, 2002), as universidades

promovem o desenvolvimento regional. Segundo Santos e Benneworth (2019), isso se

concretiza por meio de profissionais altamente qualificados formados pelas universidades e de

pesquisas básicas como fonte de conhecimento especializado.

Há vários modelos explicativos das redes de cooperação entre universidades e

empresas. Destacam-se os modelos estadista, laissez-faire e hélice tripla. O modelo estadista

apresenta o governo como intermediador entre a indústria e universidades (SANTOS;

BENNEWORTH, 2019), conforme apresentado na figura 4.

Figura 4 – Modelo estadista

Fonte: Adaptado de Etzkowitz (2003)

No modelo estadista, o governo direciona as interações entre indústria e universidades.

O modelo coloca a visão do governo como imperativa para a cooperação entre indústria e

universidade, com o governo como fiscalizador nessas interações. Santos e Benneworth

(2019) elucidam a utilização desse modelo pelos Estados Unidos da América em épocas de

guerras, assim como pelo Brasil durante grande parte do regime militar. Por essa razão,

segundo Noveli e Segatto (2012), esse modelo está vinculado à antiga União Soviética e a

outros países orientais participantes do que se tornou conhecido como socialismo existente.

O modelo laissez-faire faz distinção entre os papéis do governo, da indústria e das

universidades. Ainda que o governo esteja na esfera superior, averiguando as relações entre

indústrias e universidades, há uma clara distinção entre as responsabilidades de cada um, uma

vez que cada esfera se mantém afastada das outras (SANTOS; BENNEWORTH, 2019).

Nesse sentido, a partir dos produtos educação (fornecendo mão de obra especializada) e

pesquisa (avanço da ciência e inovação), as universidades promovem um ambiente fértil para

o desenvolvimento das indústrias (ETZKOWITZ, 2013) e, portanto, das regiões que esses

produtos universitários alcançam. A figura 5 apresenta esta configuração.

Figura 5 – Modelo laissez-faire

Fonte: Adaptado de Etzkowitz (2003)

O modelo de hélice tripla apresenta uma relação de interdependência entre as esferas.

A figura 6 apresenta esta inter-relação. Segundo Etzkowitz e Leydesdorff (2000), a dinâmica

da infraestrutura do conhecimento gerado pelas interações entre governo, universidades e

indústria busca o desenvolvimento regional.

Gerar conhecimento, dentro do modelo da hélice tripla, é fundamental para o

desenvolvimento regional. Segundo Etzkowitz (2005), esse conhecimento gera inovação e

cria novas configurações entre as esferas institucionais. Nesse contexto, Santos e Benneworth

afirmam que esse modelo tem sido utilizado “como forma de ampliar e diversificar a

compreensão dos fenômenos estudados” (SANTOS; BENNEWORTH, 2019, p. 119). Assim,

universidades precisam produzir capital social por meio de suas pesquisas, ou seja,

conhecimento aplicável e necessário às regiões onde estão inseridas, capitalizando e

empreendendo a partir deste conhecimento (NOVELI; SEGATTO, 2012).

Figura 6 - Modelo de hélice tripla

Fonte: Adaptado de Etzkowitz (2003)

Existem duas abordagens para a capitalização do conhecimento pelas universidades. A

primeira refere-se à capacidade dos acadêmicos de empreender por conta própria por meio de

suas descobertas (ETZKOWITZ, 1998), ou de cooperar e se articular com a indústria sem

necessidade de intermediários (NOVELI; SEGATTO, 2012). O destaque em preto do modelo

da hélice tripla, conforme apresentado na figura 6, mostra a interconectividade entre essas

esferas que, de acordo com Etzkowitz (2005), funcionam com relativa autonomia. Dito de

outra maneira, as esferas, ainda que existam de maneira independente, podem e devem

cooperar, com o objetivo de alcançar o desenvolvimento regional.

A universidade deve assumir papel protagonista no processo de desenvolvimento

regional. Com a ampliação da missão da universidade para propulsora do desenvolvimento

regional, ela evolui para o patamar de empreendedora (ETZKOWITZ, 2005). O

empreendedorismo da universidade deve ser visto como uma extensão do ensino e pesquisa, e

não percebido como algo contrário ou antagônico a suas missões primárias (CHATTERTON;

GODDARD, 2000). Empreender segue o fluxo inovativo, comum ao ambiente das

universidades (SANTOS; BENNEWORTH, 2019).

Assim, uma região baseada no modelo da hélice tripla é fomentada por universidades

empreendedoras. Por meio de universidades empreendedoras, as regiões inovam e se renovam

(ETZKOWITZ, 2005). O processo de inovação e conexão com as esferas do modelo de hélice

tripla, além de criar redes trilaterais, ou seja, oriundas das esferas e suas particularidades

(NOVELI; SEGATTO, 2012), também origina organizações híbridas, fruto das interações e

do desenvolvimento das esferas em direção ao desenvolvimento regional (ETZKOWITZ;

LEYDESDORFF, 2000).

O papel das universidades para o desenvolvimento regional é contraditório. Ainda que

as universidades recebam financiamento de recursos públicos, não são agências de

desenvolvimento regional (BENNEWORTH; FITJAR, 2019). Entretanto, universidades têm

enfrentado pressões para incorporar às suas demandas a missão de engajar atores regionais

rumo à inovação e desenvolvimento (BENNWORTH; PINHEIRO; KARLSEN 2017). Essa

missão poder levar as universidades ao esgotamento de responsabilidades (DE BOER;

ENDERS; LEISYTE, 2007) ou ao questionamento do porquê ela deveria assumir esta

responsabilidade (BENNEWORTH; FITJAR, 2019).

A dualidade de pensamentos a respeito do papel das universidades em relação ao

desenvolvimento regional pode levar a tensões e contradições. De um lado, os interesses,

muitas vezes divergentes, do governo, da indústria e das universidades (VAN DEN BROEK;

RUTTEN; BENNEWORTH, 2019); de outro, a postura da universidade frente à pressão para

o desenvolvimento regional, a mobilidade de carreira por acadêmicos, e a expectativa de

contribuições no longo prazo (BENNEWORTH; FITJAR, 2019).

Estas tensões podem ser aliviadas, segundo Benneworth e Fitjar (2019), a partir de

quatro aspectos. O primeiro diz respeito ao trabalho especializado, que provê suporte para

indústrias emergentes. Evers (2019) identifica que as universidades podem contribuir

significativamente para o desenvolvimento regional, a partir da entrega de mão-de-obra

qualificada que pode ser absorvida pelas regiões. Nesse sentido, ao citar regiões periféricas, o

autor argumenta que essas contribuições não são significativas, devido à tendência de

migração de mão-de-obra especializada para grandes centros. Esses dados são corroborados

pelos achados de Germain-Alamartine (2019) em seu estudo na região da Catalunha.

O segundo aspecto indica que acadêmicos de classe mundial podem contribuir nas

redes de inovação regional no local onde atuam. Benneworth e Fitjar (2019) sugerem que,

nesses casos, os acadêmicos precisam permanecer nas regiões que os receberam tempo

suficiente para contribuir para o engajamento entre universidade e indústria. Ainda,

Atta-Owusu (2019) indica que acadêmicos em trânsito promovem acesso a uma rede internacional

de pesquisadores que podem contribuir de forma significativa para problemas regionais,

criando, assim, fluxo de conhecimento.

O terceiro aspecto revela que universidades precisam criar estruturas que promovam o

desenvolvimento regional. Segundo Salomaa (2019), essa estrutura se baseia no conceito de

arquitetura empreendedora, estabelecendo, portanto, uma universidade empreendedora,

anteriormente apresentada neste tópico. Isso se torna necessário, uma vez que, segundo Cinar

(2019), há possível divergência entre as necessidades e agendas das universidades e as

necessidades regionais.

Por fim, as universidades podem aumentar a qualidade dos processos de inovação,

servindo de anteparo às necessidades regionais e assumindo papel fiscalizador. De acordo

com Fonseca (2019), a colaboração das universidades nas políticas regionais ativa processos

de aprendizagem necessários para as demandas regionais. No entanto, Benneworth e Fitjar

(2019) alertam que é necessário entender como as necessidades das universidades podem se

integrar de forma orgânica às necessidades regionais. A figura 7 sumariza esses

conhecimentos.

Figura 7 - Tensões e contradições entre universidades e desenvolvimento regional

Fonte: Adaptado de Benneworth e Fitjar (2019)

Observando a figura 7, percebem-se possibilidades de alívio das tensões e

contradições entre universidades e desenvolvimento regional. Uma contribuição é o trabalho

especializado, que será descrito no tópico 2.3.3 como um produto universitário, como

determinado por Lendel (2010). Em seguida, há a atuação de acadêmicos oriundos de outras

regiões, mas em trânsito em outras universidades, o que pode contribuir de forma sistemática

para as demandas regionais. A criação de estrutura para desenvolvimento pelas universidades

pode despertar a cultura empreendedora na comunidade acadêmica, o que pode explicar os

produtos universitários no framework proposto por Lendel (2010). Por fim, surge a concepção

da universidade como anteparo e como fiscalizadora dos pontos de convergência entre

governo e indústria. Nesse sentido, Benneworth e Fitjar (2019) questionam o motivo pelo

qual as universidades iriam querem se engajar nessa missão.

As universidades, de fato, têm opção de não se engajar com as necessidades da

sociedade? Etzkowitz argumenta, ao apresentar a evolução da universidade desde o

isolamento do conhecimento até o modelo linear de doação do conhecimento, dizendo que “a

universidade atualmente está assumindo um papel mais fundamental para a sociedade, que a

torna crucial para a inovação futura, criação de empregos, crescimento econômico e

sustentabilidade” (ETZKOWITZ, 2005, p.7). Nesse sentindo, as universidades ao

acompanharem as transformações na sociedade, se viram emergidas em sua terceira missão

(TRENCHER et al., 2013).

Na realidade, as universidades foram pressionadas a implementar a terceira missão.

Assim, universidades precisam, de alguma forma, beneficiar as regiões que as hospedam,

desenvolvendo-as a partir de conhecimento e de pesquisas produzidas (ZOMER;

BENNEWORTH, 2011). Ainda que a ideia atual da terceira missão tenha sido identificada

pela OECD CERI em 1982, Zomer e Benneworth, (2011) afirmam que esse conceito emergiu

nas próprias universidades europeias, motivadas por diferentes vetores, conforme apresentado

no quadro 1.

O quadro 1 mostra os vetores diversos que contribuíram para a emergência de

contribuições das universidades para o desenvolvimento regional. O primeiro foi a crise

perpétua de fundos, limitando as pesquisas nas universidades em um ambiente de escassez

(Martin, 2003). Assim, universidades precisaram buscar fundos externos; no entanto,

tornaram-se vinculadas aos interesses desses, ou seja, deveriam resolver problemas dos seus

financiadores (ZOMER; BENNEWORTH, 2011).

Outro vetor foi a liberalização e mercantilização do conhecimento científico. Políticas

públicas colocaram em pauta os interesses nacionais e vincularam financiamentos para

pesquisas acadêmicas, vislumbrando possíveis soluções (NEAVE, 2000). Zomer e

Benneworth (2011) complementam, afirmando que as universidades europeias aceitaram esse

desafio, vinculando-se a clientes (financiadores) que pressionavam por resultados.

Quadro 1 - Inter-relações entre pressões sociais e o despertar da terceira missão na Europa

Mudança na sociedade Despertar da terceira missão

Crise perpétua de fundos Pressão de investidores para diversificação das atividades das

universidades.

Liberalização e

mercantilização do

conhecimento

Busca de posições de privilégio, criando novos sistemas de

gerenciamento e relacionamento.

Mudança da natureza de

produção do conhecimento

Papéis não claros na produção de conhecimento com vistas a

especialização individual e complexidade de problemas para

novas disciplinas.

imperativo de uso urgentes da sociedade.

Fonte: Adaptado de Zomer e Benneworth (2011)

A mudança da natureza da produção do conhecimento se apresenta como outro vetor.

A pressão por resultados levou a academia à especialização das disciplinas, tornando-as muito

específicas e complexas e com pouco tempo disponível para maturá-las (ZOMER;

BENNEWORTH, 2011). Nesse sentido, a evolução da terceira missão universitária implica

em uma relação multidisciplinar com a inclusão de atores não acadêmicos (BONACCORSI,

2008).

Competitividade e o urgente imperativo de uso se apresentam como a última mudança

na sociedade na evolução da terceira missão universitária. Nesse momento, políticas públicas

e atores regionais já reconhecem as contribuições das universidades para estímulo da

inovação (BENNEWORTH, 2007). Portanto, a terceira missão universitária apresenta,

segundo Zomer e Benneworth (2011), respostas e soluções aos problemas dos atores

regionais, criando valor e uso prático de suas saídas.

A terceira missão das universidades brasileiras se deu como uma onda. Embaladas

pelas mudanças nas universidades europeias, as universidades brasileiras, movidas por

acadêmicos em trânsito, seguiram o mesmo fluxo. Nesse sentido, o governo regulamentou a

terceira missão das universidades a partir da Lei de Diretrizes Curriculares, nº 9.394/1996,

Art. 43, inciso VI, que afirma que as universidades devem “estimular o conhecimento dos

problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços

especializados a comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade”.

Ainda que, no caso brasileiro, a terceira missão esteja regulamenta por lei, ela ainda

apresenta uma conceituação difusa, complexa, e em desenvolvimento, conforme apresentado

no quadro 2.

O quadro 2 mostra a evolução do conceito da terceira missão da universidade. Em um

sentido mais amplo, segundo Kerr (1963), as universidades, devido a sua centralidade,

assumem compromisso com a sociedade no que se refere aos serviços por ela ofertados. Esses

serviços se traduzem em conhecimento produzido pelas universidades e distribuído como

capital social.

O modelo da hélice tripla de Etzkowitz e Leydesdorff (1997), debatido nos parágrafos

anteriores, eleva a discussão do desenvolvimento das universidades no âmbito social a partir

dos vetores do governo e da indústria. Seguindo este argumento, a terceira missão da

universidade se perfaz a partir da interação desses vetores em conformidade com as demandas

sociais, transformando as universidades em centros empreendedores.

Clark (1998, 2004) aponta para a necessidade de realinhamento das missões

tradicionais das universidades (ensino e pesquisa) aos contextos da sociedade do

conhecimento, evoluindo o conceito de universidade empreendedora de Etzkowitz (2002)

para o de universidade inovadora. Não basta apenas empreender, mas se torna necessário e

vital que esse processo acompanhe a inovação.

Quadro 2 - Conceitos da terceira missão da universidade

Autores Terceira Missão

Kerr (1963) Compromisso com a sociedade: serviços.

Etzkowitz e

Leydesdorff (1997);

Etzkowitz (2002)

Desenvolvimento econômico e social: “Hélice Tripla”, universidade

empreendedora.

Clark (1998, 2004) Realinhamento das missões tradicionais aos novos contextos

(econômicos, sociais, etc.) da sociedade do conhecimento:

universidade empreendedora/universidade inovadora.

Molas-Gallartet al.

(2002)

Quando a universidade interage com a sociedade; quando seus

resultados alcançam comunidades não acadêmicas.

Schoenet al. (2006) Relações da universidade com o mundo não acadêmico: indústria,

autoridades e sociedade.

Laredo (2007) A terceira missão dependerá do posicionamento da universidade em

torno das suas três missões institucionais: (i) levar o ensino superior

às massas; (ii) treinar recursos humanos especializados; (iii) realizar

pesquisa e qualificar pesquisadores.

Jongbloed, Enders e

Salerno (2008)

Não é uma atividade residual, mas um conjunto de atividades

indissociáveis do ensino e da pesquisa.

Montesinos et al.

(2008)

Serviços para a sociedade: dimensão social; dimensão empreendedora

e dimensão inovadora.

Göransson, Maharajh

e Schmoch (2009)

Relações entre o ensino superior e a sociedade em torno da primeira e

da segunda missão.

Zommer e

Benneworth (2011)

Transferência de conhecimento e comercialização de inovação.

European

Commission (2012)

É constituída por três dimensões: (i) educação continuada; (ii)

transferência de tecnologia e inovação; (iii) compromisso social.

Trencher et al (2014) Atividades de transferência de tecnologia e co-criação de

sustentabilidade.

Roessler, Duong,

Hacheister (2015)

Pode ser vista de duas maneiras: (i) separada de ensino e pesquisa;

(ii) embrincada e cumprida por meio de atividades de ensino e

pesquisa

Secundo et al (2017) Corresponde a uma variedade de atividades, incluindo capital

intelectual, humano, organizacional e social.

Fonte: Adaptado de Gimenez e Bonacelli (2015)

As contribuições de Molas-Gallart et al. (2002) correspondem à ideia de que o

conhecimento produzido pelas universidades precisa cruzar as fronteiras acadêmicas. Em

outras palavras, os resultados de ensino e pesquisa precisam alcançar o ambiente externo,

beneficiando-o de alguma maneira. Essa interação, segundo os autores, produz troca de

conhecimento e serve de anteparo para o desenvolvimento econômico e social.

Por outra perspectiva, Schoen et al. (2006) aponta a inovação como diferenciador das

missões de ensino e pesquisa em relação a terceira missão. Ainda que as missões estejam

embrincadas, os autores argumentam que a terceira missão é dinâmica e dependente das

esferas econômica e social, sendo, portanto, promovida por licenças, contratos e interação

com a cultura e sociedade.

Em contrapartida, Laredo (2007) apresenta a terceira missão vinculada à contingência,

ou seja, subjetiva e única em cada universidade. Assim, a condução da terceira missão está

relacionada a como as universidades cumprem as missões de ensino e pesquisa e como se

posicionam na região onde atuam. Isso porque os resultados das contribuições universitárias

(ver produtos universitários no tópico 2.3) são elementos vinculados, em sua grande maioria,

às demandas regionais, e as combinações que as universidades promovem no seu entorno

apresentam características únicas e de difícil replicação.

Jongbloed, Enders e Salerno (2008) compreendem a terceira missão como integrada às

atividades de ensino e pesquisa, e não como uma atividade residual. Dessa forma, para que a

terceira missão das universidades seja cumprida, os autores supramencionados concordam

com Laredo (2007), afirmando que as universidades devem estabelecer suas prioridades, seu

público-alvo, e o contexto nacional e/ou regional.

De forma mais pontual, Montesinos et al. (2008) estabelecem uma relação de serviço

da universidade para com a sociedade, envolvendo as dimensões sociais, empreendedora e

inovadora. A primeira dimensão se cumpre por meio dos produtos universitários (LENDEL,

2010), ou seja, cursos, voluntariado, atividades culturais, e outros. A segunda, a dimensão

empreendedora, ocorre por meio de patentes, consultorias, propriedade intelectual. Por fim, a

terceira, a dimensão inovadora, visa a captação de recursos para empreendimentos, parques

tecnológicos e redes de negócios.

Göransson, Maharajh e Schmoch (2009) definem a terceira missão da universidade

como integrada à primeira missão (ensino) e à segunda (pesquisa), o que não está em

desacordo com o que contribuíram seus antecessores (CLARK, 1998, 2004; JONGBLOED;

ENDERS; SALERNO, 2008).

As palavras transferência de tecnologia e inovação passaram a incorporar a definição

da terceira missão universitária em Zommer e Benneworth (2011). Contudo, apenas pelo

European Commission (2012), no centro de estudo do gerenciamento da educação superior, é

que as dimensões da terceira missão universitária ficam mais compreensíveis, a saber:

transferir tecnologia por meio das diversas saídas universitárias (ver tópico 2.3), educação

continuada, ou seja, terreno fértil para a inovação, e, não menos importante, o

desenvolvimento social.

Trencher et al. (2014) associam à universidade e à sociedade um papel de co-criação

para geração de sustentabilidade. Nesse sentido, universidades colaboram com governo,

indústria e sociedade civil para auxiliar no processo de transformação sustentável de

subsistemas sociais em regiões geográficas específicas. Segundo os autores, essa

sustentabilidade é alcançada por meio da colaboração de diferentes atores na criação e

transformação de metas para a materialização de desenvolvimento sustentável em lugar,

região ou setor social específico.

Segundo Roessler, Duong, Hacheister (2015), a terceira missão da universidade pode,

dependendo das especificidades, ser percebida como separada da primeira e da segunda

missão, ou como um produto de ambas. Segundo os autores, a terceira missão pode se

apresentar a partir de formas híbridas das duas abordagens.

Por fim, Secundo et al. (2017) compreendem que a terceira missão é um conjunto de

várias atividades (transferência de tecnologia, educação continuada e desenvolvimento social)

que inclui capital intelectual, humano, organizacional e social. Assim, segundo os autores, a

terceira missão não precisa ser somente cumprida, mas mensurada, para entender como o

desenvolvimento ocorre mediante seu cumprimento. Segundo esses, o cumprimento da

terceira missão leva resultados para departamentos industriais (garantia da qualidade e

avaliação de processos), para a universidade (missão e desempenho) e para a sociedade civil

(desenvolvimento regional e econômico).

Ao final desse item, é importante esclarecer que a inter-relação entre as universidades

e os atores regionais e, portanto, o desenvolvimento regional, se constitui a partir da terceira

missão das universidades. Nesse sentido, esta tese parte da ontologia de que a terceira missão

universitária se concretiza a partir da quantidade e qualidade das saídas das instituições de

ensino superior para a sociedade. Assim, a articulação dos interesses das instituições de

ensino superior com os demais atores sociais promove terreno fértil para o desenvolvimento.

No entanto, o potencial de contribuição para o avanço de uma região é medido pela

capacidade de comunicação entre os atores sociais com vistas ao interesse da região, de forma

que todos possam se beneficiar, respeitado suas caraterísticas singulares. Uma possível forma

de articulação pode ser alcançada por meio dos produtos universitários que serão apresentados

a seguir.

No documento AUGUSTO FERREIRA RAMOS FILHO (páginas 34-45)