2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 UNIVERSIDADES E REGIÃO
As universidades são instituições de importância para o desenvolvimento regional. A
afirmação anterior parte, segundo Rolim e Serra (2009), da necessidade de se criarem projetos
políticos de desenvolvimento articulados entre as universidades, berço das inovações
tecnológicas (LENDEL, 2010) e do conhecimento (ROLIM; SERRA, 2009), e os diferentes
atores sociais. No entanto, antes de debater essas confluências, é necessário compreender as
universidades a partir de seus diferentes modelos de atuação, descritos nos parágrafos
seguintes.
As universidades podem ser observadas a partir de diferentes vieses. Segundo a visão
humboldtiana, impulsionada depois da segunda guerra mundial, a universidade tinha o
propósito de combinar educação e investigação (AROCENA, 2018). Ainda, segundo
Waizbort (2005), para que este modelo seja propulsado, a universidade deverá se encontrar
livre das influências do mercado, política e religião. Recorrendo a Arocena (2018), caso a
liberdade da universidade ocorra, essa estaria preocupada com investigações limitadas ao que
acontece no interior das universidades. A proposta humboldtiana se contrapõe à ideia de
universidades com papel protagonista para o desenvolvimento regional (ROLIM; SERRA,
2009).
Outro viés das universidades é proposto pelo modelo estadunidense. Esse modelo se
fundamenta na contramão da proposta humboldtiana, ou seja, se orienta a partir da lógica do
mercado (WAIZBORT, 2005). Portanto, o foco principal desse modelo é a especialização
para formação de profissionais que sejam úteis ao mercado. O Brasil passa a adotar esse
modelo a partir da metade do século XX, formando especialistas de acordo com as
necessidades dos seus patrocinadores (WAIZBORT, 2005).
O último viés, predominante na atualidade, seria o de instituições de ensino superior.
Waizbort (2005) não classifica essas instituições como universidades, mas como instituições
que se contaminaram pelo que denominou de capitalismo acadêmico. Em outras palavras, são
marcadas por nenhuma preocupação com a formação, pouca ênfase na especialização e
grande foco na diplomação com vistas ao lucro.
Figura 2 – Foco das universidades ao longo do tempo
Universidade moderna
(século XIX)
Formação
(personalidade)
(Almeja a)
Diferenciação interior
“Forma”
(poucos)
Universidades
pós-modernas (ou universidade
moderna II)
(século XX)
Especialização
(Weber:
“humanidade
profissional”
(Responde a)
Diferenciação exterior
(diferenciação social
funcional, mercado)
“Especializa”
(alguns)
Instituição de ensino
superior (não convém
denominar universidade)
(século XXI)
Diplomação
(não forma nem
especializa)
(Responde a)
indiferenciação
diferenciada exterior
(diferenciação social
funcional, mercado)
“Diploma”
(muitos)
Fonte: Waizbort (2015, p.54).
A figura 2 resume o que foi discutido até o momento, mostrando a evolução do foco
das universidades ao longo do tempo. Segundo Waizbort (2015), em um primeiro momento, a
partir do século XIX, as universidades, mobilizadas pelo modelo humboldtiano, se preocupam
com o desenvolvimento discente, com vistas à formação, ou seja, desenvolver a personalidade
e fortalecer a cultura. Nesse aspecto, as universidades formavam poucos, primeiro porque o
acesso aos seus portões estava reservado a uma minoria e segundo porque estava envolto
pelos princípios da meritocracia. Em um segundo momento, no século XX, as universidades
começam a sofrer pressão externa do mercado, abandonando gradativamente os princípios de
formação e transformando-se em um ambiente de cultivo aos especialistas. Esses ideais,
balizados pelas contribuições de Max Weber, partem da ideia da “ciência como profissão”.
Assim, atendendo os interesses da utilidade universitária, empreende-se a perspectiva de
especialização. A partir do século XXI, surge um novo conceito que não se configura como
universidade, mas como instituições de ensino superior. Nessa categoria, o ensino superior
busca atender as aspirações de consumo, oferecendo mais diploma do que educação. Segundo
o autor, o anseio pelo diploma, é, na verdade, a busca por empregabilidade e vantagem
competitiva, movida pelas múltiplas formas de distinção social e motivação para consumo.
Na atualidade, as universidades têm ampliado seu portfólio disciplinar. Segundo Frank
e Meyer (2007), as universidades expandiram suas disciplinas para aglutinar esquemas
detalhados sobre a natureza, sociedade e diversas perspectivas de interesses inerentes à
academia. Nesse sentido, parece que, atualmente, prevalece uma universidade que tenta se
desapegar do modelo humboldtiano, mas sem imergir totalmente no modelo estadunidense.
Em termos de contribuições das universidades para o desenvolvimento regional, o
modelo estadunidense apresenta as características necessárias para seu fomento. Dito de outra
maneira, esse modelo proporciona uma universidade vinculada aos interesses do mercado,
uma vez que esse, de forma direta ou indireta, a financia. Nesse sentido, as saídas (produtos)
das universidades deveriam contribuir para o desenvolvimento regional. No entanto, as
universidades devem apenas se preocupar com o desenvolvimento das regiões onde estão
inseridas? Frank e Meyer (2007) argumentam que as universidades não organizam estudantes
e materiais culturais em torno da produção eficiente, mas sim em torno de realidades que
transcendem as dinâmicas locais, mantendo-se, portanto, distante de quaisquer
particularidades concretas. Inferindo sobre as argumentações dos autores, as universidades
assumem um papel coadjuvante em relação às dinâmicas regionais e permanecem, em muitos
casos, indiferentes as realidades concretas do ambiente onde se encontram.
As universidades devem assumir liderança no fomento do desenvolvimento regional.
Essa argumentação parte não apenas do resultado das pesquisas de Rolim e Serra (2009) sobre
a importância das universidades para o desenvolvimento regional, mas principalmente do que
foi descrito por Garcia e Rolim (2012) a respeito do conceito de área de influência territorial.
Segundo os autores, a área de influência territorial de uma universidade pode ser um de vários
indicadores da sua relevância enquanto instituição de ensino superior.
As universidades, no entanto, têm mudado bastante suas frentes de atuação e seu
posicionamento social. Segundo Frank e Meyer (2007), essas mudanças são frutos de cinco
fatores modificados pelas universidades nas últimas décadas, a saber: 1 – Aumento do número
de universidades mundialmente; 2 – Aumento de matrículas de alunos; 3 – Variáveis
tradicionais necessárias na educação superior, como diferenciação social e desenvolvimento,
não são mais preditoras da expansão das universidades; 4 – Os materiais culturais
incorporados às universidades mudaram drasticamente (muitas ofertas de cursos em diferentes
áreas do conhecimento); e 5 – As estruturas das universidades se desenvolveram com
dinâmicas gerenciais mais profissionalizadas. Diante do exposto, percebe-se que, frente a
tantas mudanças, as universidades se encontram desvinculadas de comunicação com os atores
regionais, uma vez que estão buscando compreender e atualizar suas próprias mudanças.
Figura 3 – Influências de modelos estrangeiros na universidade brasileira
Fonte: Costa (2017).
Frente a esse panorama, a figura 3 apresenta os modelos das universidades brasileiras,
lócus dessa pesquisa. Nessa figura, percebe-se que a universidade brasileira tem sido
influenciada por todos os modelos universitários apresentados nesse tópico. A ideia da figura
parte das interações de Costa (2017) sobre os escritos de Waizbort (2015). Em um primeiro
momento, o modelo francês, relacionado aos ideais de especialização, marcou as
universidades brasileiras até o início do século XX. Em seguida, o modelo alemão,
humboldtiano, segregado de influências externas, com grande sentimento de liberdade, perfila
as universidades no território brasileiro até a década de 1970. E, na junção do modelo francês
e alemão, aglutina-se o modelo estadunidense, que define as características das universidades
brasileiras na atualidade. Esse modelo, incorporado na maioria das universidades brasileiras,
está orientando a lógica da eficiência do mercado, ou seja, integração da educação superior
com a economia.
O modelo de operacionalização das universidades brasileiras não se distancia dos
modelos internacionais. Balizadas pelo modelo estadunidense, como mostra a figura 3, as
universidades brasileiras apresentam os elementos necessários para o desenvolvimento
regional – ou pelo menos caminham nesta direção. Sabendo que as universidades são terrenos
férteis para contribuições regionais, apresentam-se a seguir as inter-relações das universidades
com os atores regionais no cumprimento de sua terceira missão.
No documento
AUGUSTO FERREIRA RAMOS FILHO
(páginas 30-34)