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4 OS TEMAS DA DIDÁTICA

4.6 Interdisciplinaridade

Malgrado a interdisciplinaridade ter sido introduzida na educação brasileira há quase 40 anos, com a publicação, em 1976, do livro

Interdisciplinaridade e a patologia do saber, de Hilton Japiassu e, anos depois, ter

sido indicada para a educação escolar nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e posteriormente, reafirmada com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), essa temática ainda é pouco debatida no meio educacional, sendo alvo de dúvidas e dificuldades entre os educadores.

Formadores e professores em formação trazem consigo uma postura engessada, fruto da escolarização tradicional que receberam ou de preconceitos cristalizados pela disputa de campo. A mesma só pode ser superada, gradativamente, se existir abertura ao novo, ao desconhecido, a partir de vivências dialógicas, na interação entre humanos, numa perspectiva holística. (FREIRE, 2011, p. 34).

Observa-se nas palavras da pesquisadora a constatação de que a educação tradicional, fechada e fragmentada, ainda representa uma barreira que deve ser superada para a incorporação de uma postura interdisciplinar. Em sua dissertação de mestrado, Freire (2011, p. 93) investigou o desenvolvimento da compreensão interdisciplinar em cursos de formação de professores, constatando

que, “[...] apesar da perspectiva interdisciplinar ter uma boa aceitação no nível teórico, os alunos ainda possuem certa dificuldade de compreender como essa perspectiva pode ser aplicada na prática educativa.

É notável entre os alunos uma posição de encantamento com a lógica interdisciplinar, compreendendo que o ensino estanque e fragmentado não atende às demandas de formação. Contudo, apesar desse encantamento, eles destacam os entraves enfrentados para a adoção de uma prática interdisciplinar. Sabe-se que esses obstáculos são reais e diversificados “[...] de ordem material, pessoal, institucional e gnoseológica. Entretanto, tais barreiras poderão ser transpostas pelo desejo de criar, de inovar, de ir além” (FAZENDA, 1993, p. 18). Debater essas questões na disciplina Didática representa a possibilidade de outra visão dos educadores em formação para essa temática.

Atitudes e práticas interdisciplinares, todavia, não são incompatíveis com a organização do currículo por disciplinas escolares que têm por base as disciplinas científicas, porque não há prática interdisciplinar sem a especialização disciplinar. O vício principal do currículo por disciplinas é reduzir o ensino à exposição oral dos conteúdos factuais e ao material informativo do livro didático, sem considerar o processo de investigação, os modos de pensar a que as disciplinas recorrem, a funcionalidade desses conteúdos para a análise de problemas e situações concretas e para a vida prática cotidiana. É daí que se postula uma atitude interdisciplinar que mobiliza o professor a transitar do geral ao particular e deste ao geral, do conhecimento integrado ao especializado e deste ao integrado, do território da disciplina às suas fronteiras e vice-versa. (LIBÂNEO, 2003, p. 14).

A prática interdisciplinar não é contra a especialização científica das disciplinas, mas sim, contra a fragmentação cega, propondo a congregação das “[...] disciplinas ao redor de temas, ultrapassando fronteiras disciplinares e possibilitando a abordagem de tópicos comuns às diversas áreas” (MORAES, 2015, p. 10). A proposta é de que haja diálogo entre essas especialidades na busca de compreender as questões expressas pela realidade para resolvê-las. Assim, recorro às considerações de Moraes et al. (2014, p. 70-71), ao asseverarem que:

[...] a interdisciplinaridade é um passo no sentido de atingirmos um melhor grau de compreensão da complexidade do conhecimento com vistas ao uso consciente desse conhecimento para a solução dos problemas que a sociedade apresenta. Ela é ao mesmo tempo uma abordagem epistemológica e metodológica desde que não só desafia as fronteiras disciplinares como também acrescenta novas análises da realidade.

Ao buscar despertar os pedagogos em formação e em atuação para o olhar transversal e interdisciplinar, a Didática contribui para uma nova atitude desses educadores, em que se compreende que

Ensinar é organizar situações de aprendizagem, criando condições que favoreçam a compreensão da complexidade do mundo, do contexto, do grupo, do ser humano e da própria identidade. Diz respeito a levantar ou incentivar a identificação de temas ou problemas de investigação, discutir sua importância, possibilitar a articulação entre diferentes pontos de vista, reconhecer distintos caminhos a seguir na busca de sua compreensão ou solução, negociar redefinições, incentivar a busca de distintas fontes de informações ou fornecer informações relevantes, favorecer a elaboração de conteúdos e a formalização de conceitos que propiciem a aprendizagem significativa. (ALMEIDA, 2005, p. 72).

As palavras de Almeida mostram a complexidade da atividade do ensino. Ensinar não é simplesmente “transmitir” conteúdos da cabeça do professor para o aluno. O ensino voltado para a verdadeira aprendizagem requer outras habilidades docentes, para que provoquem seus alunos a pensar de maneira crítica, formulando hipóteses e estabelecendo relações. Para que isso ocorra, a postura interdisciplinar é, certamente, a mais adequada.

Martins e Romanowski (2010, p. 64) destacam a importância da “[...] busca de construção do espaço interdisciplinar por meio de atividades e conhecimento articulados”. Seguindo essa lógica, ao propor a realização de projetos interdisciplinares na disciplina Didática em cursos de formação de professores, Moraes (2015, p. 52) observou que estes “[...] têm a grande vantagem de dar espaço à iniciativa e à criatividade dos participantes. Além disso, estimulam o espírito coletivo, a solidariedade e a troca de informações, contribuindo decisivamente para a construção do conhecimento”. Na esteira das ideias desses pesquisadores, defendo a Didática como possuidora de um papel “indescartável” no estabelecimento da atitude interdisciplinar em cursos de formação de professores.

A pesquisa acerca dessa temática no campo investigativo da Didática, entretanto, ainda é tímida. Ao analisar os títulos dos trabalhos e dos pôsteres apresentados no Grupo de Trabalho (GT) de Didática no período da 23ª a 37ª Reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) entre os anos de 2000 a 2015, constatei que, apenas quatro trabalhos trataram do tema. É interessante observar que, durante o período analisado, dois trabalhos foram apresentados nos anos 2000 e 2001, na 23ª e 24ª reuniões,

respectivamente, e o outro apenas no ano de 2011, na 34ª reunião, ou seja, após nove anos. Nas duas reuniões seguintes, ocorridas nos anos de 2012 e 2013, a interdisciplinaridade voltou a desaparecer do GT de Didática e nenhum trabalho tratou do tema, que voltou a ser abordado em um estudo das 21 pesquisas, apresentadas na 37ª reunião, que aconteceu esse ano na cidade de Florianópolis.

Ao se analisar os Encontros Nacionais de Didática e Práticas de Ensino (Endipe), percebe-se que a realidade não é muito diferente. No XVI Endipe, realizado em Campinas, observa-se o esforço dos organizadores em tratar do assunto, haja vista que a interdisciplinaridade apareceu como subtema, em um dos três eixos, cujo título era: Currículo Interdisciplinar e Projeto Político-Pedagógico;

escola de nove anos, escola em ciclos e a avaliação – desdobramentos para a Didática e para as Práticas de Ensino no cotidiano escolar. Além disso, o tema foi

abordado em dois simpósios. Professor polivalente e o currículo interdisciplinar:

desafios para a Didática e as Práticas de Ensino (metodologias específicas) e Didática e práticas curriculares interdisciplinares no ensino médio, fato comprovativo

de que há intenção do evento em ampliar e valorizar essa discussão.

Embora seja valorizado esse debate por parte da organização do evento, algo me chamou a atenção: dos 809 trabalhos enviados pelos participantes – 458 pôsteres e 351 painéis – apenas dez traziam em seu título o tema interdisciplinaridade.

Esses indicadores confirmam que a temática interdisciplinaridade, apesar de sua importância para a prática educativa, sua relevância na formação de professores e valorização por parte de muitos intelectuais da Didática, ainda é um tema pouco abordado nas pesquisas desse campo investigativo. Quebrar esses paradigmas na formulação do conceito e da prática interdisciplinar por meio dos debates, pesquisas e encontros é um trabalho árduo, mas que, certamente, trará bons frutos.

Após delinear a revisão teórica sobre os temas clássicos e alguns dos assuntos havidos como novos pela Didática, prosseguirei o estudo, expondo no próximo capítulo as percepções dos pedagogos em formação a respeito da Didática, assim como suas expectativas e as temáticas com as quais esses discentes esperam entrar em contato durante a realização da disciplina.