• Nenhum resultado encontrado

4 OS TEMAS DA DIDÁTICA

4.1 Relação professor-aluno

Não é possível negar que o relacionamento entre professor e aluno configura uma importante face na realização dos processos de ensino e aprendizagem. Discutir sobre essa relação na disciplina de Didática é pensar na complexidade do trabalho docente, qualquer que seja seu locus de atuação, pois essa interação ocorre e exerce uma influência direta sobre esses processos.

É sabido que aspectos psicológicos, afetivos e sociais influenciam diretamente nessa interação. Muitos professores asseguram que “[...] seu comportamento docente é inspirado em docentes que marcaram sua própria trajetória educacional”, assim “[...] a relação professor-aluno é fundamental, capaz de deixar marcas no indivíduo por muito tempo. É preciso resgatá-la, compreende-la e redimensioná-la” (CUNHA, 2004, p. 157).

Destarte, inicio a reflexão acerca desse tema inspirada nas reflexões de Paulo Freire (2009, p. 23-24), ao me lembrar de que

6

É importante destacar que na atualidade outros temas como o multiculturalismo, transversalidade e cidadania global são relevantes no estudo da Didática, entretanto, nesta tese, abordarei apenas a interdisciplinaridade e as tecnologias.

[...] ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender [...] Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar.

Ao trabalhar com o ensino, o professor atua na vida de seus alunos e estes na do professor. Compreender que “não há docência sem discência” e que, ao ensinar, o professor também aprende com seus alunos é o primeiro passo para o bom encaminhamento dessa relação. É sabido que o trabalho docente é complexo e cheio de especificidades. Da mesma maneira, a relação que ocorre durante essa atividade, entre professores e alunos, não é uma relação simples. Diversos fatores interferem nessa interação e Libâneo (1994, p. 249) destaca dois aspectos:

[...] o aspecto cognoscitivo (que diz respeito a formas de comunicação dos conteúdos escolares e às tarefas escolares indicadas aos alunos) e o aspecto sócio-emocional (que diz respeito às relações pessoais entre professor e aluno e às normas disciplinares indispensáveis ao trabalho docente).

Os aspectos cognoscitivos englobam temáticas como estratégias de ensino, planejamento e avaliação, de que vou tratar adiante. Neste tópico, cuidarei mais especificamente dos aspectos socioemocionais dessa relação. O pesquisador explica que estes se referem aos vínculos afetivos entre professores e alunos, como também às questões disciplinares. Em relação aos vínculos afetivos, o estudioso faz a seguinte observação

Não estamos falando da afetividade do professor para com determinados alunos, nem de amor pelas crianças. A relação maternal ou paternal deve

ser evitada, porque a escola não é um lar. Os alunos não são sobrinhos e

muito menos filhos. Na sala de aula o professor se relaciona com um

grupo de alunos. Ainda que o professor necessite atender um aluno em

especial ou que os alunos trabalhem individualmente, a interação deve estar voltada para a atividade de todos os alunos em torno dos objetivos e do conteúdo da aula. (LIBÂNEO, 1994, p. 251, grifos meus).

Verifica-se na contemporaneidade uma tentativa de atribuição de muitos papéis aos docentes. Ouve-se na crença popular a afirmação de que hoje “professor é pai, psicólogo, médico...”. É essencial não aceitar e reproduzir esse discurso sem uma reflexão crítica. A docência é uma profissão que necessita ser valorizada e vista como tal.

Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão [...] A recusa, a meu ver, se deve, sobretudo a duas razões principais. De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa profissional da professora, de outro, desocultar a sombra ideológica repousando manhosamente na intimidade da falsa identificação. Identificar

professora com tia, o que foi e vem sendo ainda enfatizado, sobretudo na

rede privada em todo o país, quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não devem fazer greve. (FREIRE, 1993, p. 11, grifos do autor).

Tanto Libâneo (1994) como Freire (1993) destacam que a atividade docente não é uma atividade parental. Como disse anteriormente, esse não é um trabalho simples que qualquer um, apenas por dominar o conteúdo, pode desempenhar com qualidade e comprometimento com a formação de cidadãos críticos e pensantes. Negar a visão paternal não é, contudo, denegar que nessa interação se manifesta o aspecto emocional, haja vista que

[...] um componente emocional manifesta-se inevitavelmente, quando se trata de seres humanos. Quando se ensina, certos alunos parecem simpáticos, outros não. Com certos grupos, tudo caminha perfeitamente bem; com outros tudo fica bloqueado. Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções, em afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber e sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos. (TARDIF, 2007, p. 130).

Essa identificação do docente com determinados alunos não pode, entretanto, representar privilégios. Nesse sentido, a dimensão ética é essencial nessa interação. Outra dimensão importante na interação de professores com alunos é a afetiva. “Faz diferença o acolhimento; a aceitabilidade e a sinceridade são suportes para a interação” (ROMANOWSKI, 2009, p. 120).

Mesmo destacando a importância dos aspectos socioemocionais na relação entre professor-aluno, é fundamental ressaltar que

Analisar, pois, as relações que acontecem entre professores e alunos, apenas usando como referência o campo psicológico ou afetivo é, no mínimo, um comportamento ingênuo. Eles acontecem no palco de uma sociedade e, portanto, são profundamente marcadas pelas contradições sociais. (CUNHA, 2004, p. 153).

Na esteira do pensamento de Cunha, lembro que a identidade docente, aquilo que se pensa e é como pessoa, interfere diretamente nessa interação. Como lembra Tardif (2007), o exercício da docência é, em boa parte, determinado por

aquilo que o professor é feito pessoa, pela forma como pensa, age, seus valores, sua vivência, sua personalidade

Além da identidade, Cunha (2004, p. 158) prossegue suas considerações, observando que a instituição onde essa interação ocorre também interfere nessa relação, argumentando que

Quando a escola valoriza o professor como profissional e lhe permite melhorar seu desempenho, coloca em ação um mecanismo de ruptura do círculo vicioso que apresenta como intransponíveis as dificuldades inerentes a seu papel e às condições de ensino de modo geral. Assim, também, a história da instituição interfere nos valores das práticas que são incorporadas nas relações escolares.

Da mesma maneira, o que acontece na sociedade historicamente influenciou e continua influenciando a Educação, o ensino e, consequentemente a relação professor-aluno. Assim, “[...] a interação entre professores e alunos e suas implicações na aprendizagem escolar assumem diferentes formas, de acordo com o momento histórico em que essa aprendizagem se realiza” (MARTINS, 2009, p. 75).

Nessa complexa relação, na qual muitos fatores exercem influência, a indisciplina interfere diretamente, dificultando não apenas a interação de professores com alunos, como, consequentemente, os processos de ensino e aprendizagem. Por esse motivo, Libâneo (1994) englobou as questões disciplinares juntamente com a afetividade dentro dos aspectos socioemocionais.

Concordo com a noção de que a indisciplina interfere diretamente na relação entre professores e alunos e que, em alguns casos, pode ser gerada por conta de problemas nessa relação. Lembro, contudo, que as causas são bem mais complexas do que se pensa e defende no senso comum. Dessa maneira, é importante que os pedagogos em formação e em atuação reflitam sobre esse assunto, compreendendo o que pode ensejar a indisciplina para, dessa maneira, produzir conhecimentos a fim de enfrentá-la e agir no momento certo.

Diversos fatores podem ocasionar situações de indisciplina. Vasconcellos (2009) associa a indisciplina nos dias de hoje a uma crise nos vínculos, limites e possibilidades. Entre os elementos que compõem a crise de vínculo, denominada pelo autor como crise de vínculo do aluno com a escola, estão: a crise de sentido ao estudo junto à falta de sentido à escola, assim como uma crise de afeição do aluno pelo professor.

Ao explicar a crise de sentido ao estudo, o autor trata da “ausência de atribuição de sentido ao estudo” (VASCONCELLOS, 2009, p. 65), em que os alunos não veem motivos para estudar e ir para a escola, pois, de acordo com Vasconcellos (2009, p. 65), “[...] estamos vivendo a queda do mito da ascensão social por meio da escola”. Essa falta de sentido ao estudo e à escola interfere também na crise de afeição do aluno pelo professor, e esta, somada à desvalorização social da profissão docente, acarreta uma crise de afeição também dos pais dos alunos a estes profissionais.

Com os meios de comunicação e, em especial, a internet, há uma ampliação do conhecimento prévio do aluno; porém, muitas vezes, este faz confusão e despreza o papel do professor, achando que ‘já sabe’ aquilo de que apenas ‘ouviu falar’ ao acessar rapidamente a informação. (VASCONCELLOS, 2009, p. 67).

Essa crise de sentido ao estudo, citada pelo autor, interfere diretamente na relação entre professor e aluno, ocasionando um desrespeito do aluno em relação à figura docente e, consequentemente, um desestímulo do professor em restabelecer esse vínculo, pois já está muito sobrecarregado com tantas atribuições e, muitas vezes, nem ele atribui valor ao seu saber e ao seu fazer.

A crise dos limites refere-se ao que o autor denominou de crise dos limites comportamentais produzida tanto pela falta de afeição do aluno pelo docente quanto pela dificuldade dos responsáveis em impor limites para as crianças e jovens. Essa crise é asseverada pela insegurança de alguns docentes e pela sobrecarga de trabalho, que faz com que deixem de enfrentar o problema por não se sentirem capacitados ou pela pressa, na crença de que “transmitir o conteúdo” é mais importante, assim como pela culpa, já que é atribuída ao docente a obrigação do “domínio de classe” e aquele que não consegue controlar sua turma, muitas vezes, é visto como incompetente, fazendo com que, dessa maneira, não discuta essa situação com seus colegas por medo de ser mal avaliado profissionalmente.

Já a crise das possibilidades se refere à crise das possibilidades educativas, na qual “[...] historicamente, o espaço de possibilidades existente para alunos e professores é muito restrito” (VASCONCELLOS, 2009, p. 72), que culmina com o que o autor denominou de “profundo desrespeito à autonomia docente” (VASCONCELLOS, 2009, p. 74).

Abordo neste estudo, por motivo de organização, esse assunto como parte da temática relação professor-aluno em Didática, entretanto, compreendo que

é um tema amplo e bastante complexo influenciado por elementos que vão além dessa relação. Esse tema é defendido por Vasconcellos (2009, p. 35) como um campo teórico próprio, que deve (como também postulo linhas atrás) ser estudado durante a formação do educador.

Frequentemente, o educador não tem tido formação adequada no campo dos processos de mudança: quando chega à escola, depois da formação acadêmica, choca-se com os entraves, resistências, envolve-se em conflitos e não sabe como enfrentá-los. Uma abordagem rigorosa do problema evita análises simplistas e encaminhamentos equivocados. Daí nossa opção por tratar a disciplina não de forma isolada, mas num ferramental teórico- metodológico.

Observo nas palavras do estudioso, a necessidade de abordarmos essa temática de forma teórico-metodológica. Para isso, é importante que o pedagogo reflita criticamente e compreenda também o que é disciplina assim como a noção de um aluno “disciplinado”, tendo a percepção de que a evolução histórica da educação, induzida por questões sociais e econômicas, influenciou bastante na visão acerca desses conceitos. É preciso também buscar atribuir algum sentido ao estudo e, especificamente, ao conteúdo ensinado. Nessa perspectiva, conhecer, compreender e refletir criticamente sobre as variadas estratégias de ensino continua sendo essencial na reflexão didática.