• Nenhum resultado encontrado

A Teoria dos Números tem interfaces e elementos de intersecção com outros campos da matemática, em especial com a Álgebra e com a Aritmética. Este fato tem trazido algumas interpretações indevidas no ensino. Tem justificado, inclusive, a ausência ou pouca ênfase

28

dada à Teoria dos Números nos currículos dos diferentes níveis de ensino, não só no Brasil, como em outros países, conforme apontam Campbell e Zazkis (2002). Segundo esses pesquisadores, conteúdos de Teoria dos Números são incluídos nos cursos de Álgebra ou de Aritmética, em contextos menos formais, ou contextos do dia-a-dia, o que não lhes garante, muitas das vezes, uma posição de destaque e de importância nas propostas curriculares.

No Brasil, conjecturamos que a situação não tem sido diferente. Como os currículos

mínimos de antes e as diretrizes curriculares de agora, indicam a Álgebra como matéria a ser

ensinada nas licenciaturas, a ênfase é colocada em outros assuntos, como nas estruturas algébricas. Na escola básica, alguns temas de teoria elementar dos números, por uma falta de compreensão mais ampla, vão sendo esvaziados nos currículos por não ter uma aplicação imediata.

Essas várias concepções desses ramos da matemática parecem ter raízes históricas. Segundo Boyer (1974), os gregos estabeleceram uma distinção clara entre a aritmética, entendida no sentido da teoria dos números, e a logística, considerada como a arte de calcular, estabelecendo, assim, uma separação entre os aspectos teóricos e computacionais. Para Platão, a logística deveria interessar aos comerciantes e guerreiros, enquanto os filósofos deveriam raciocinar sobre os números de forma abstrata. Como para os gregos, número significava números naturais, Aritmética e Teoria dos Números se confundiam. Isso parece ainda prevalecer para muitos.

Teoria dos Números e Aritmética em várias situações parecem ser equivalentes, em outras parecem ter particularidades próprias que não ficam muito claras. De acordo com o

Dictionnaire des mathèmatiques (1979)29, a Aritmética foi inicialmente limitada aos procedimentos de cálculo com os inteiros naturais, em seguida, passou a ter como alvo, as relações entre os números racionais e as operações entre eles. Teve a sua eficácia aumentada com a introdução do cálculo literal, abrindo caminho para os métodos algébricos. À medida que outras teorias de números foram desenvolvidas - números algébricos, transcendentes, números p-ádicos - uma aritmética foi a eles associada. Nesse sentido, a Aritmética parece estar ligada aos procedimentos de cálculo com os números.

No Dictionnaire raisonné de mathèmatiques (1966)30, a Aritmética é definida como o estudo de dois conjuntos particularmente, N e Z, respectivamente conjunto dos números naturais e conjunto dos inteiros, incluindo também em alguns casos o conjunto Q, conjunto

29

dos números racionais. Quando esse estudo deixa de ser elementar31, a Aritmética passa a ser denominada Teoria dos Números. Segundo o autor, o conjunto fundamental, N, é o primeiro ser matemático conhecido sobre o qual se definem as operações de adição e de multiplicação, servindo, pois, de modelo para toda a Álgebra. A Aritmética estuda estas operações, suas características particulares e a divisibilidade; enquanto em Teoria dos Números intervêm problemas mais especializados de Matemática, tais como os envolvendo números primos. Teoria dos Números é um campo em que os enunciados são aparentemente simples, fáceis de serem enunciados e compreendidos, mas cujas demonstrações requerem muitas vezes engenhosidade. Assim, de acordo com esse dicionário, a Aritmética estuda as operações no conjunto dos inteiros, incluindo a divisibilidade, enquanto a Teoria dos Números tem como foco problemas mais específicos, envolvendo principalmente os números primos.

Assim, a Teoria dos Números, hoje um vasto campo da matemática, tem como objeto de estudo as propriedades dos números inteiros, sendo que alguns estudos em Teoria dos Números focalizam propriedades dos números racionais, dos reais e dos complexos que dependem diretamente das propriedades dos inteiros. Pode ser dividida, de acordo com os métodos que são usados e com as questões que são investigadas, em:

• Teoria Elementar dos Números: utiliza os métodos elementares da aritmética para a verificação e comprovação das propriedades essenciais do conjunto dos números inteiros e em particular as propriedades dos números primos;

• Teoria analítica dos números: utiliza a análise real e análise complexa, especialmente para estudar as propriedades dos números primos;

• Teoria algébrica dos números: utiliza álgebra abstrata e estuda os números algébricos; • Teoria geométrica dos números; utiliza modelos geométricos, algébricos e analíticos.

(retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria _dos_n%C3%BAmeros). Acesso em 29/10/2006)

LeVeque (1968) e Campbell (2002) buscam definir a Teoria dos Números a partir da classificação dos problemas de que ela trata, embora alertem que as classificações feitas não são únicas e que as categorias não são disjuntas, podendo um mesmo problema ser considerado em mais de uma delas.

Para LeVeque, as questões em Teoria dos Números podem ser classificadas em três categorias. A primeira inclui os problemas multiplicativos que envolvem as propriedades da divisibilidade dos inteiros. É central o teorema fundamental da Aritmética ou teorema da fatoração única - que afirma que um número inteiro pode ser expresso de forma única,

31

independentemente da ordem, como um produto de um ou mais números primos - tendo múltiplas e variadas aplicações. São questões incluídas nesta categoria: Quantos divisores têm um número natural n? Qual a relação entre n e o número de divisores de n?

A segunda categoria diz respeito aos problemas da teoria aditiva dos números, envolvendo aspectos da representação de um inteiro como uma soma de inteiros de uma classe especificada. Por exemplo, a representação de qualquer inteiro positivo como uma soma de quatro quadrados de inteiros não-negativos. Essa conjetura, que parece ter sido levantada por Diofanto, foi demonstrada por Fermat em 1636 e provada de modo mais geral por Hilbert, em 1909. A resolução de problemas de escrever um inteiro positivo como soma de quadrados tem sido objeto de estudo de grandes matemáticos, como Fermat, Euler, Lagrange e Gauss. No século XX, segundo Shokranian et. al. (1999), a resolução desses problemas sob um ponto de vista mais geométrico deu origem à teoria geométrica dos números. A conjectura de Goldbach, ainda não demonstrada, de que qualquer inteiro par maior que 4, é a soma de dois primos impares, é também um tipo de problema desta segunda categoria.

Na terceira classe, LeVeque inclui as equações diofantinas, as lineares, por exemplo, ax + by = c, cujas soluções inteiras podem ser calculadas, mediante determinadas condições, e as equações do tipo xn + yn = zn que não têm soluções inteiras, diferentes de zero, para n > 2, conforme provado recentemente.

A classificação feita por Campbell (2002) é semelhante à realizada anteriormente, desdobrando a última categoria em duas: a dos problemas lineares, baseados no algoritmo da

divisão ou algoritmo euclidiano,considerado um dos teoremas fundamentais na Teoria dos

Números, e a dos problemas, envolvendo equações não-lineares.

Há outros ramos da Teoria dos Números que constituem a Teoria dos Números Avançada, incluindo problemas e métodos de abordagens algébricos, geométricos e analíticos mais avançados, como a teoria das formas quadráticas, a teoria analítica dos números, a geometria dos números, dentre outras, conforme indica LeVeque.

Para Campbell (2002), a compreensão da Teoria dos Números em relação à Álgebra e à Aritmética envolve a questão da divisão, o que exige cuidados especiais no ensino- aprendizagem, principalmente a divisão com resto, a divisibilidade e a decomposição em fatores primos. A questão da divisibilidade, nos conjuntos numéricos (N, Z, Q e R), só faz sentido quando tratada sobre os inteiros. A divisão, no conjunto dos inteiros, é

fundamentalmente diferente da divisão com números racionais e números reais, pois no conjunto dos inteiros o inverso multiplicativo nem sempre existe. Assim, a divisão com resto ou divisão euclidiana é uma questão fundamental que tem conseqüências importantes no estudo dos inteiros. Em outras palavras, o conjunto dos inteiros tem estrutura de anel de

integridade, enquanto os números racionais e os reais têm uma estrutura de corpo comutativo.

Assim, a existência de inversos para todos os elementos (exceto para o zero na multiplicação) em uma estrutura de corpo comutativo permite que as operações de subtração e de divisão sejam respectivamente definidas a partir da adição e da multiplicação do seguinte modo: x – y = y + (-x) e y: x = y. (1/x). No conjunto dos inteiros, sem inversos multiplicativos, a divisão não pode ser definida e compreendida do mesmo modo.

Estas considerações têm implicações no ensino-aprendizagem, pois tratar os inteiros, simplesmente, como subconjuntos dos números reais, pode conduzir a simplificações que desprezam aspectos fundamentais, como os apresentados anteriormente. Segundo Campbell, pesquisas têm mostrado que dificuldades apresentadas pelos estudantes na compreensão da Teoria dos Números têm raízes no pensamento da divisão com resto, pois este assunto não é tratado na escola básica como algo que é fundamental no conjunto dos inteiros.

Diante deste quadro, não muito claro, de interfaces entre Álgebra, Aritmética e Teoria dos Números no ensino é que nos propusemos a verificar como a Teoria dos Números aparece nos cursos de licenciatura em matemática, considerando que a disciplina acadêmica que trata de temas ligados a este campo, na nossa concepção, tem origens nesse saber científico, embora a ele não se limite, pois inclui finalidades, métodos, abordagens, práticas, que supõem um processo de transposição didática e, no caso das licenciaturas, a consideração dos saberes veiculados na escola básica.

A DISCIPLINA TEORIA DOS NÚMEROS NOS CURSOS DE

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

4.1 Introdução

No capítulo 2, caracterizamos as disciplinas acadêmicas como um conjunto de conteúdos e práticas, frutos de uma transposição didática, incluindo finalidades, elementos pedagógicos e outros do meio profissional de referência e da sociedade em geral, organizado de modo a manter uma unidade cientifica e didática. Assim, as disciplinas acadêmicas da licenciatura em matemática são artefatos sociais que incorporam valores, finalidades, e não podem ser vistas como meras listas de conteúdos, organizadas lógica e cronologicamente, por esse motivo devem ser analisadas no contexto do projeto pedagógico do curso de matemática de cada instituição.

Nesse sentido é que pretendemos compreender a Teoria dos Números como saber a ensinar na formação do professor de matemática da escola básica, tendo como fonte os currículos propostos pelas instituições de ensino pesquisadas. Conforme anunciado na metodologia, realizamos um levantamento das propostas curriculares de disciplinas em que são tratados conteúdos de Teoria dos Números, constantes dos currículos de doze universidades brasileiras. O objetivo desta pesquisa documental aos currículos é verificar qual teoria dos números está sendo ensinada atualmente nos cursos de licenciatura em matemática, no Brasil.

No entanto, é preciso ponderar que a análise das disciplinas, a partir das propostas curriculares, tem os seus limites, pois a maioria dos currículos disponibilizados em catálogos eletrônicos ou impressos são “econômicos”, não apresentando todos os elementos importantes para a sua compreensão; e, também, considerar que a disciplina a ensinar será, ainda, reinterpretada, transformada, por um docente e por um grupo de estudantes que lhes dará vida própria dentro de um contexto pessoal e institucional, num processo de transposição didática interna.

4.2 Análise das propostas curriculares que tratam de Teoria dos Números