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MILIES, C P.; COELHO, S P., Números: uma introdução à matemática 3.ed.

S. A., 1971

5.2 Análise dos livros do segundo grupo

5.2.1 MILIES, C P.; COELHO, S P., Números: uma introdução à matemática 3.ed.

O livro é resultado de notas de aulas, no período de 1977 a 1980, do curso de Álgebra 1, ministrado pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. No prefácio, os autores manifestam a preocupação com a familiarização do estudante com o método axiomático, afirmando que irão adotar como estratégia para atingir esse objetivo, a apresentação de uma grande quantidade de demonstrações. Afirmam, também, que a obra introduz muitas informações históricas com os seguintes objetivos: apresentar as motivações que levaram ao desenvolvimento dos temas tratados, procurando mostrar a sua importância; dar uma formação ao estudante, que visa não só ao domínio de aspectos técnicos de um conteúdo, mas também ao conhecimento do contexto histórico de seu desenvolvimento.

Quanto aos conceitos abordados, consideram-nos bem conhecidos do aluno. São tratados os seguintes temas:

1.Números Inteiros: introdução, uma fundamentação axiomática; o Principio da Indução Completa; o teorema do binômio.

2. Divisibilidade: algoritmo da divisão; numeração, ideais e máximo divisor comum; o algoritmo de Euclides; mínimo múltiplo comum; o teorema fundamental da aritmética; a distribuição dos primos.

3. Congruências: equações diofantinas lineares; congruências; resolução de congruências lineares; sistemas de congruências lineares; os teoremas de Fermat, Euler e Wilson; inteiros módulo m.

4. Números racionais: relações de equivalência; construção de Q.

5. Apêndice: Número natural: axiomática de Peano; a construção dos números inteiros.

No Capítulo 1, os autores introduzem os números inteiros, iniciando com algumas notas históricas acerca do desenvolvimento dos números. Reconhecem que a maioria dos livros apresenta o conhecimento matemático organizado de tal forma que não deixa transparecer o processo de construção desses conhecimentos, dando uma falsa idéia da natureza da matemática. No entanto, manifestam que é esse o caminho que também eles irão adotar. Assim os números inteiros são introduzidos de uma forma axiomática, através de alguns axiomas, referentes às operações de adição e de multiplicação e à relação de ordem.

O princípio de indução completa é um dos temas apresentados, sendo introduzido com uma breve diferenciação entre indução empírica e indução matemática. A importância dessa ferramenta para a demonstração de proposições definidas para números inteiros e as situações

é algo próprio ao trabalho com os números inteiros, podendo, assim, ser considerada um elemento caracterizador desse conjunto. Caberá ao leitor fazer essas inferências acerca desse fato, dado que de alguma forma ele está presente no texto.

O mesmo pode ser observado para o método de recorrência, bastante utilizado, mesmo na escola básica, no estudo de vários assuntos como potências de expoentes inteiros não negativos, fatorial, somatórios, progressões aritméticas e geométricas, dentre outros. Esses tópicos são apresentados, nesse capítulo, como exemplos ou como exercícios, supondo que o aluno já tenha conhecimento suficiente deles. O teorema do binômio mereceu um destaque maior, com vários exercícios, inclusive, alguns que não envolvem demonstrações. Em número muito reduzido, são as tarefas em que o aluno tem que fazer investigações, isto é, formular conjecturas, testar e refinar estas conjecturas, fazer generalizações e daí fazer tentativas de provas, embora seja esse um tema propicio para esse objetivo.

O capítulo 2 trata do estudo de divisibilidade. É introduzido com a equação bx = a, com a e b inteiros, cuja solução no conjunto dos inteiros depende dos valores de a e b. Em seguida, define-se divisor de um número inteiro e demonstra-se uma série de propriedades elementares da divisibilidade. Introduz-se o estudo do algoritmo da divisão, a partir de um exemplo numérico, fazendo-se posteriormente a demonstração. Os sistemas de numeração são introduzidos com uma rápida abordagem histórica, usando-se, em seguida, o teorema da divisão para provar que todo número inteiro pode ser representado de maneira única, numa base b≥2. O que se entende por base não é discutido.

Os critérios de divisibilidade são propostos como exercícios suplementares, para serem demonstrados, a partir da representação do número inteiro positivo na base 10. O estudo do máximo divisor comum é feito, em seguida, considerando o estudo de ideais. Introduz-se o algoritmo de Euclides axiomaticamente, para depois mostrar como ele pode ser usado em um caso particular. Uma analogia interessante é feita, relacionando o papel dos números primos na aritmética e o papel dos átomos no estudo da estrutura da matéria. O teorema fundamental da aritmética é abordado em seguida de forma estritamente axiomática, com algumas notas históricas, assim como o item sobre a distribuição dos primos. A introdução às equações diofantinas do tipo ax + by = c é feita no capítulo sobre congruências.

Desse modo, podemos observar que, embora os autores tenham a consciência de que a evolução do conhecimento matemático não se dá de forma sistematizada, partindo de axiomas e demonstrando ordenadamente as propriedades subseqüentes, preferem mantê-la, inserindo apenas algumas notas históricas, o que não poderia ser caracterizado como uma abordagem histórica dos conteúdos tratados.

Quanto ao fato de iniciar com um capítulo sobre os números inteiros, é uma proposta interessante, pois os temas tratados neste capítulo e no de divisibilidade abordam conteúdos presentes na escola básica. No entanto, como os autores fizeram opção por uma abordagem estritamente axiomática, há poucas oportunidades para o aluno associar o conhecimento “novo” com o “antigo” e com o que deverão ensinar.

Tomando como referência a praxeologia matemática definida por Chevallard, que une a prática matemática e o discurso teórico que a sustenta, procurei verificar o gênero das tarefas propostas pelos autores, no capítulo referente à introdução dos números inteiros e no que trata da divisibilidade. Coerente com o objetivo colocado, que é o de familiarizar o aluno com o método axiomático, há uma predominância de tarefas do gênero provar. De 146 tarefas propostas nos dois capítulos referidos (incluindo os exercícios suplementares), 89, ou seja, 60% são do gênero provar; 14, o que corresponde a 10% , são do gênero demonstrar; 8, ou 5%, do gênero mostrar; 32, ou 22%, do gênero escrever, calcular ou determinar; apenas 3, ou seja, 2%, são do gênero verificar a veracidade de uma proposição. Desta forma, as técnicas, isto é, o saber fazer, envolvem uma noção paramatemática, a demonstração formal, que, não sendo um objeto matemático, acaba por não ser um objeto de ensino, colocando-nos uma questão crucial, neste tipo de abordagem: como os alunos aprendem a demonstrar? Seria por imitação, observando demonstrações feitas e fazendo muitas outras? Podemos, assim, observar que as tecnologias, discurso racional sobre a técnica, são algo que fica implícito, o que pode ser uma das causas das dificuldades dos alunos com relação a estes tipos de tarefas. Embora os autores em algumas delas usem o comando provar, em outras demonstrar e ainda mostrar, não fazem nenhum comentário a respeito deles, o que nos leva a inferir que não fazem diferenças entre eles.

As teorias, constituídas de definições e teoremas, são apresentadas no texto, aliás, não em função de uma tarefa, pois precedem qualquer tarefa, o que pode acarretar um afastamento dos dois aspectos: a práxis e o logos. Assim, podemos dizer que a abordagem é formalista clássica, o que conduz a um ensino tradicional, em que inicialmente são apresentadas as definições e as propriedades, ou seja, a teoria, e, depois, as tarefas, que raramente são dos tipos investigação42 ou exploração, segundo classificação de Ponte (2003).

Pelo modo como as demonstrações são feitas, mesmo em se tratando de provas de proposições simples, os autores parecem supor que o estudante tem familiaridade com o método axiomático, propondo, após a demonstração de alguns poucos teoremas, uma grande

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quantidade de exercícios, a maioria envolvendo mostrar, provar, demonstrar, como registramos anteriormente.

Assim, podemos observar o que Chevallard considera uma ilusão de naturalidade das técnicas próprias de uma instituição I, no caso das técnicas próprias da comunidade dos matemáticos. Fazer assim é natural, e outras alternativas não são aceitáveis ou não são cogitadas. Apenas estas são institucionalmente reconhecidas. No entanto, é preciso lembrar que a Instituição na qual a atividade matemática apresentada no livro didático se desenvolve é outra. Trata-se de uma Instituição de ensino, ainda que seja de ensino superior.

Mesmo sendo um livro também destinado a alunos de licenciatura em matemática, podemos perceber que a transposição didática dos temas tratados é tímida, ainda cautelosa, muito mais próxima do saber sábio do que do saber escolar que o licenciado deverá ensinar. Por esse motivo, acreditamos que o conhecimento pedagógico do conteúdo, como descrito por Shulman, esteja presente também de maneira tímida, pois há poucos exemplos (a não ser de demonstrações), poucos contra-exemplos, analogias e representações diversas para os problemas. Como as tarefas propostas, em sua maioria são demonstrações, poucas são as oportunidades para o desenvolvimento de habilidades, tais como conjecturar, aplicar, generalizar, necessárias à prática docente.

No entanto, voltamos a reafirmar, a abordagem é coerente com o objetivo da obra, qual seja, o de familiarizar o aluno com o nível de rigor necessário ao desenvolvimento da matemática superior, através da resolução de uma grande quantidade de exercícios.

5.2.2 SIDKI, S., Introdução à teoria dos números. Rio de Janeiro: Instituto de Matemática