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O papel da pesquisa científica na reestruturação do setor

Reestruturação produtiva do setor

Fotos 05 e 06 – Coqueiros irrigados por microaspersores, em destaque.

2.2.3 O papel da pesquisa científica na reestruturação do setor

Boa parte dessas inovações só foi possível a partir de investimentos realizados no setor de pesquisa científica, um forte indutor da modernização da produção agrícola, e em certos casos também da produção industrial. Segundo Elias (2003), com a pesquisa científica foi possível reestruturar o conjunto de elementos técnicos empregados na agricultura, “transformando os tradicionais sistemas agrícolas e abrindo novas e inúmeras possibilidades à realização da mais-valia mundializada, por meio de um processo de fusão de capitais com os demais setores econômicos” (p. 60), e contribuindo sobremaneira para a racionalização, instrumentalização e informatização da agricultura, um setor cada vez mais exigente em capital. Nesse sentido, e de acordo com Ramos (2003, p. 382), a atuação da ciência na agricultura “tem colaborado, por exemplo, para o atendimento das exigências de mercado quanto à padronização dos produtos agrícolas por meio de variedades melhoradas, uniformizando-se o tamanho, a cor, a forma e o sabor dos produtos”. Dessa forma, a ciência é colocada a serviço do capital, conforme sugere Arruda (2007), reforçando o controle do processo produtivo por aqueles que têm acesso aos resultados das pesquisas realizadas com vistas a um aumento de produtividade e uma redução de custos, a exemplo do que também é observado na produção nacional de coco.

De acordo com Costa e Gebara (2001), as pesquisas com coco no Brasil podem ser divididas em dois grandes momentos. O primeiro momento é marcado pelas tentativas de obtenção de novas variedades de coqueiro anão e por pesquisas que visavam maior eficiência na aquisição de mudas, mais resistentes e que apresentassem uma melhor produtividade, atividades essas realizadas por grandes produtores e agrônomos de maneira quase que individual. Já o segundo momento é marcado pela forte presença do Estado, com uma cerrada

intervenção iniciada em meados da década de 1980, período em que a Embrapa começa a ter uma participação expressiva no que tange às pesquisas realizadas com coco, desenvolvendo uma série de experimentos e incorporando tecnologias ao processo produtivo.

Dentre as várias pesquisas que foram e estão sendo realizadas no setor do coco, de acordo com o que consta no histórico de estudos desenvolvidos pela Embrapa68, destacamos aquelas, entre muitas outras, que abordam questões tais como: melhoramento genético das sementes; análises de composição do solo; medições para se determinar a quantidade de água e nutrientes que cada coqueiro necessita; análises de eficiência da fertirrigação em coqueiros; incremento de novos métodos de irrigação; desenvolvimento de novos mecanismos para controle de pragas; desenvolvimento de variedades de coqueiro híbrido; tratamento de pós- colheita de coco verde; métodos de extração e envase de água de coco; experimentos para expandir o tempo de conserva dessa água; desenvolvimento de mecanismos que propiciem um melhor aproveitamento da casca do coco.

Ainda hoje a Embrapa assume o destaque com pesquisas com coco no Brasil, sobretudo as unidades Tabuleiros Costeiros e Agroindústria Tropical, liderando e coordenando a maior parte dos estudos acerca da produção de coco no país, desenvolvendo novas tecnologias e gerando novas informações que, quando repassadas aos produtores, contribuem para alavancar a produtividade dos coqueirais, aumentando a quantidade de frutos produzidos. A Embrapa Tabuleiros Costeiros se destaca pela atuação direta do processo produtivo agrícola do coco, enquanto a Embrapa Agroindústria Tropical se distingue pelas pesquisas com um direcionamento maior para o processamento industrial do fruto.

A Embrapa Tabuleiros Costeiros, localizada em Aracaju (SE), em funcionamento desde 1993, foi originada a partir do Centro Nacional de Pesquisa de Coco (CNPCo), criado em 1985 e encarregado até então da coordenação de toda a pesquisa relacionada com o cultivo do fruto no Brasil, tornando-se ao longo de sua existência o maior e mais importante centro de pesquisa e difusão de tecnologia relacionada ao cultivo de coco do continente americano (MOTA et al., 1995). Hoje essa unidade da Embrapa é a mais especializada do país no que se refere à pesquisa no setor de produção de coco. A Tabuleiro Costeiros possui ainda um destaque internacional por abrigar o importante Banco Internacional de Germoplasma de Coco para a América Latina e Caribe, instalado em 2005 com o objetivo de organizar um banco de informações genéticas de várias variedades diferentes de coqueiro, originadas de diversas partes do mundo.

Atualmente há na Embrapa Tabuleiros Costeiros um total de 13 laboratórios de pesquisa, entre os quais destacamos alguns que realizam projetos relacionados com o cultivo de coco69: o Laboratório de Entomologia, que desenvolve estudos visando o controle biológico de pragas que atingem os coqueirais; o Laboratório de Cultura de Tecidos, especializado na produção in vitro de coco; o Laboratório de Ecofisiologia Vegetal, que pesquisa sobre germinação da semente, produção de mudas, sistemas de irrigação utilizada, influência dos fatores edafoclimáticos na produção de coco etc; e o Laboratório de Fertilidade de Solos e Nutrição de Plantas, referência na análise foliar do coqueiro.

Já a Embrapa Agroindústria Tropical, localizada em Fortaleza (CE) e em funcionamento também desde 1993, foi originada do antigo Centro Nacional de Pesquisa de Caju e atualmente desenvolve estudos sobre vários produtos de origem tropical, entre eles o coco. Essa unidade conta com 12 laboratórios, e em alguns deles é realizada uma série de pesquisas com coco, como análises de eficiência da fertirrigação em coqueiros, manejos de irrigação, desenvolvimento de variedades de coqueiro híbrido, tratamento de pós-colheita de coco verde, conservação da água de coco por métodos combinados, métodos de extração e envase de água de coco, reaproveitamento da casca de coco verde, fabricação de briquetes com casca de coco, produção de nanocompositos e de placas de MDF a partir de fibras de coco, entre outras70.

Consideramos essas duas unidades da Embrapa como dois dos mais importantes agentes responsáveis pela reestruturação do setor de coco no Brasil, atuando diretamente na modernização dos processos produtivos agrícolas e industriais. O pesquisador responsável pelo Setor de Processos Agroindustriais da Embrapa Agroindústria Tropical71, quando perguntado sobre o papel da empresa na modernização do setor, relatou que essa era a missão natural na Embrapa, ou seja, “estar ao lado do setor produtivo gerando e desenvolvendo tecnologias ou até mesmo trabalhando uma articulação entre toda a cadeia produtiva, identificando gargalos e elaborando novos projetos para suprir as necessidades imediatas desse setor”.

Além das pesquisas de responsabilidade da Embrapa, merece destaque também os estudos desenvolvidos pela Cohibra, empresa privada que concentra suas atividades do litoral do Ceará, no município de Amontada, e que começou suas pesquisas com o melhoramento genético de mudas de coqueiro em 1987, quando realizou o plantio de suas primeiras matrizes. Posteriormente, em 1995, iniciou a produção de mudas de coqueiro híbrido para fins comerciais, sendo atualmente a maior empresa de pesquisa, produção e venda de híbridos do

69 Fonte das informações: http://www.cpatc.embrapa.br/index.php 70 Fonte das informações: http://www.cnpat.embrapa.br/cnpat/

Brasil, conforme informações obtidas com o seu presidente. A Cohibra é ainda a principal empresa privada do país que atua no ramo de pesquisa agrícola voltada para o cultivo de coco, possuindo também um relevante destaque internacional.

Essa empresa possui três fazendas instaladas em Amontada, que somadas contam com uma área produtiva de 1.500 hectares cultivados com mudas e coqueiros. Há ainda, nessa mesma propriedade, uma estação meteorológica própria, um moderno laboratório de extração de pólen, duas estufas, uma unidade de apoio a pesquisadores e um escritório central, onde atuam cerca de 150 trabalhadores formais, entre eles técnicos em irrigação e drenagem, técnicos em fruticultura irrigada, engenheiros agrônomos, engenheiros químicos e biólogos. A Cohibra tem também outras duas unidades de produção, uma localizada em Paraipaba (CE) e outra em Petrolina (PE), e a sua sede empresarial fica em Fortaleza, capital cearense.

O carro-chefe da Cohibra é o desenvolvimento de tecnologias para a produção de mudas de coqueiro híbrido, geneticamente melhorado e apontado como mais resistentes às pragas. Nesse sentido, de acordo com Elias (2003), um dos avanços técnicos mais importantes conseguidos com a biotecnologia foi justamente a produção de híbridos, uma semente melhorada gerada em laboratório com a utilização da engenharia genética, “constituindo-se um dos principais signos da modernização da agricultura e um dos insumos industrializados mais utilizados no processo de mudança da sua base técnica” (ELIAS, 2003, p. 89). Destaca-se que a variedade de coqueiro híbrido foi a última a ser cultivada no Brasil e sua produção está em larga expansão por todo o país, motivada especialmente por empresas e grandes produtores sedentos por uma maior produtividade.

A tecnologia para o melhoramento genético e para a produção de mudas dessa variedade híbrida é aprimorada pela Cohibra a cada dia. Segundo sua gerente agrícola72, a empresa é a única instituição do Brasil que possui o certificado de sementes e mudas expedido pelo Ministério da Agricultura no que se refere à origem genética, procedência e qualidade dessas sementes e mudas de coqueiro híbrido. Já para o seu proprietário, as pesquisas realizadas pela Cohibra são tão avançadas – sobretudo no tocante à seleção genética dos cultivares e mudas e devido à produção completamente automatizada – que a produtividade em suas fazendas chega a ser uma das maiores do mundo, com uma produção de 250 frutos/ano/coqueiro, enquanto a média nacional é de apenas 100 frutos.

Além disso, a Cohibra é a maior responsável pela difusão de mudas de coqueiro anão e híbrido pelo país, atendendo a produtores de praticamente todos os Estados do Brasil,

principalmente Ceará, Pará e Sergipe73, além de exportar suas mudas para países como Angola, Cabo Verde, Jamaica e México. Para o presidente da empresa, “a Cohibra não vende apenas mudas, ela faz um completo plano de negócios para o coco”, ou seja, além de comercializar as mudas, a Cohibra faz também um plano de negócios para os seus compradores e um acompanhamento da sua produção. Atualmente, os maiores empreendimentos do ramo do coco no Brasil foram montados pela Cohibra, com destaque para empresas agrícolas como Del Monte, Aurantiaca, Ducoco, Queiroz Galvão, Kero Coco (PepsiCo), Paragro, Unique, Sococo, Meri Pobo, entre outras, todas clientes da Cohibra.

A produção anual da Cohibra é de 600 mil mudas de coqueiro híbrido74, conforme informou a gerente agrícola da empresa. Essas mudas já têm compradores certos mesmo antes de ser plantadas, e, de acordo com o presidente, os pedidos realizados hoje só poderão ser atendidos em um ano ou mais. Nas fotos abaixo (fotos 09 e 10) podemos ver o campo onde são plantadas as mudas de coqueiro, tanto híbrido quanto anão. Para a realização de suas pesquisas, a Cohibra conta com a parceria de alguns órgãos, majoritariamente públicos, entre eles a Embrapa Tabuleiros Costeiros, a Embrapa Transferência de Tecnologia e a Embrapa Agroindústria Tropical, que oferecem assistência técnica nas áreas de irrigação, zootecnia, melhoramento genético e fitossanidade; conta também com o auxílio da Universidade Federal do Ceará, no tocante às áreas de apicultura e polinização.

Fotos 09 e 10 – Mudas de coqueiro híbrido e anão cultivadas pela Cohibra em Amontada/CE.

Fonte: Cavalcante, 2011. Fonte: Cavalcante, 2011.

Outro órgão de grande relevância para a produção de coqueiro híbrido no país é o Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (CIRAD), da França, que atua no Brasil desde a década de 1970 em inúmeras pesquisas e projetos de

73 Além desses Estados, a Cohibra já comercializou suas mudas para São Paulo, Tocantins, Maranhão, Mato

Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte, Alagoas, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro e Pernambuco.

extensão rural, entre eles o desenvolvimento de mudas dessa variedade de coqueiro. Fundado em 1984 após agregar nove centros de pesquisa agronômica franceses, entre eles o IRHO75, o CIRAD é atualmente um dos maiores institutos de pesquisa agrícola do mundo, desenvolvendo seus estudos em mais de 90 países, inclusive o Brasil76. O primeiro parceiro do CIRAD em nosso país no tocante à produção de coqueiros híbridos foi a empresa Sococo, que na década de 1980 realizou o plantio dessa variedade em suas fazendas do Pará. Além dessa empresa, o CIRAD atua também em constante parceria com a Embrapa e a Cohibra, aprimorando a engenharia genética aplicada à produção de coco.

A atuação dessas empresas citadas e as pesquisas por elas desenvolvidas foram fundamentais para modernizar o processo produtivo do coco e para impulsionar a reestruturação produtiva do setor. Essa introdução de inovações e da ciência na produção de coco mostrou-se, antes de mais nada, como uma necessidade real para a territorialização do grande capital no processo produtivo do fruto, já que as barreiras naturais que impediam o pleno desenvolvimento dessa produção tiveram de ser transpostas77 visando dotar esse cultivo de uma maior racionalidade capaz de impulsionar a produtividade das árvores, elevando a produção de coco a patamares anteriormente inimagináveis, mas que já é uma realidade para diversos produtores. Isso colaborou sobremaneira, entre outros, para acentuar a dispersão espacial do cultivo desse fruto em direção a regiões que até então não possuíam condições edafoclimáticas ideais para que a produção de coco fosse aí realizada.