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Quando enunciado por Habermas, o conceito de esfera pública referia-se a es- paços presenciais onde debates e discussões poderiam ocorrer e a opinião pública seria formada. Cita como exemplos os cafés franceses no século XIX, organizações sindicais, pastorais, feministas, entre outras. Apesar de atento às vicissitudes do século XXI, Ha- bermas não previu a expansão do espaço real para o virtual num mundo transformado pelas TICs, em especial a internet.

A internet começou a ser ensaiada ainda na década de 60, quando não passava de um projeto secundário do governo dos EUA. O franco desenvolvimento das tecnolo- gias de comunicação ao longo das décadas seguintes culminaram no desenvolvimento de protocolos de comunicação entre computadores em rede. Em 1988, a internet finalmente ganha forma como uma rede global, apesar de ainda restrita ao mundo acadêmico, graças ao amadurecimento do protocolo TCP/IP e a consolidação do design de rede (ZAKON, 2010).

Segundo Zakon (2010), a partir de 1989, a internet iniciou uma expansão con- tínua no número de usuários conectados e começou a ultrapassar a fronteira acadêmica. Neste mesmo ano, o serviço de e-mail comercial tem início nos EUA, e 10 países passam a ter pontos nessa rede. Em 1990, países em desenvolvimento passaram a ter conexão entre computadores, com destaque para Brasil, Argentina e Índia, quando provedores passaram a fornecer o acesso à rede. De acordo com Castells (2011), em 1995, a internet deixou de ser um ambiente hostil para o usuário comum e mais aberto para o comércio quando a Microsoft lança a versão do Windows 95 com uma interface de fácil acesso ao usuário, tornando-se um marco de popularização da rede.

de um pouco mais de 10 milhões de usuários em 1990 para quase 450 milhões no ano 2000. Tal impulso se deu graças à melhora na velocidade dos servidores e à queda do preço de acesso. Os anos seguintes foram marcados pelos novos paradigmas da rede, a qual se reinventou com a Web 2.0, em meados da primeira década, trazendo interativi- dade e colaboração dos usuários (O’REILLY, 2009) e, mais recentemente, a Web 3.0 e as possibilidades da inteligência artificial (BARASSI; TRERÉ, 2012). Segundo estima- tivas do Worldometers’ RTS algorithm3, no final de 2016, 4 bilhões de pessoas tinham

acesso à rede mundial de computadores, em especial através de dispositivos móveis como smartphones, os quais popularizam o uso da rede. Apenas no Brasil, no final deste mesmo ano, havia 140 milhões de usuários conectados à rede, o que equivale a 66% da população. A popularização do acesso à internet tem estabelecido importantes espaços de expressão e difusão da informação de forma mais igualitária e com menos influência de grupos midiáticos. Coletividades antes silenciadas pela falta de espaço para expressão encontraram no mundo virtual uma forma de difundir seu pensamento, sem censura e a baixo custo. Graças a sua característica participativa, plural, inclusiva e (ainda) pouco censurada, a internet abre possibilidade para um novo espaço de debate e argumentação, podendo transformar (ou até realmente possibilitar) a existência de uma esfera pública política. Mitra (2001) vê esta possibilidade como real, pois acredita que a internet concede oportunidade de expressão a vozes marginais, sem as barreiras impostas pela censura go- vernamental ou interesses das indústrias do entretenimento e da informação. Allan (2003) vê no espaço virtual a chance da reciprocidade discursiva advinda da esfera civil, dado que a virtualização é capaz de superar a limitação espaço-temporal, uma vez que pode estabelecer espaços praticamente sem fronteiras, independentes do contexto geográfico do participante. As assembleias gregas, com possibilidade de participação de todos os cida- dãos, voltam a se tornar uma real possibilidade com o estabelecimento de um ambiente argumentativo digital.

Marques (2006) cita duas correntes de pensamento a respeito desta viabilidade. De um lado está uma corrente otimista, na qual autores acreditam no funcionamento dos espaços discursivos virtuais como uma genuína esfera pública. Argumentam que as redes telemáticas atuariam como canal de expressão de vozes, antes marginalizadas, e como espaço de debates de visões contraditórias e complementares. O acesso irrestrito à rede e a possibilidade de participação em massa, já que não se faz necessário o deslocamento a lugares específicos, tornariam a esfera pública virtual ainda mais representativa e eficiente. Por outro lado, encontram-se autores que negam o conceito de esfera pública virtual. Dentre seus argumentos, destacam-se: (a) a internet ainda não seria inclusiva, o que impossibilitaria a participação de todos os interessados, negando a dimensão de espaço irrestrito conceitualizado por Habermas; (b) há carência de racionalidade nos debates, ou

Capítulo 2. Democracia 49

seja, é um ambiente sem ordem discursiva e nada conclusivo; (c) faltaria civilidade, já que o anonimato, por exemplo, serviria para os usuários agredirem uns aos outros. (d) a desorganização da internet e de seus espaços esvazia a possibilidade de as discussões influenciarem de fato o poder político. A amplidão da rede dificulta o conhecimento público da pluralidade das ideias e seus grupos. (e) mesmo nos espaços de debate, raramente se vê um esforço pelo entendimento e busca de consenso, chaves para o agir comunicativo.

Porém, além das incertezas sobre as possibilidades de estabelecimento de uma esfera pública virtual, é possível observar um aumento no engajamento político nos am- biente virtuais nos últimos anos. O próximo tópico tratará deste movimento, analisando o papel das redes sociais em um novo contexto histórico e político.

2.7

As Redes Sociais e a Esfera Pública na Era da Informação