• Nenhum resultado encontrado

GEOLÓGICO REGIONAL

5.2. PRINCIPAIS FORMAÇÕES QUATERNÁRIAS DA REGIÃO E SEU ENQUADRAMENTO ESTRATIGRÁFICO

5.2.3. Interpretação da dinâmica das formações quaternárias e seu eventual significado

Identificadas as formações quaternárias mais significativas da bacia hidrográfica do rio Lis, coligidos os dados referentes à sua dispersão geográfica e posicionamento topográfico, definidas as suas principais características sedimentares e pedológicas, procuraram-se determi- nar os mecanismos subjacentes à sua génese, bem como inferir o seu potencial significado cronológico e paleoclimático, sem ignorar obviamente as limitações inerentes a uma interpre- tação excessivamente unívoca da sua causalidade.

Os resultados alcançados através dos estudos petrográficos, mineralógicos e morfológicos revelaram-se manifestamente inconclusivos. Na verdade, o facto de os principais materiais constituintes das formações quaternárias - seixos rolados e areias - terem sido remobilizados de formações detríticas mais antigas, do Secundário e do Terciário, quer marinhas, quer continen- tais, levou a que apresentassem características típicas das diferentes formações donde provinham, evidenciando ao mesmo tempo uma composição bastante heterogénea.

Não obstante esta convergência de fácies, as diferenças de natureza litológica observáveis na região em estudo permitiram detectar algumas variações na composição das aluviões cor- respondentes à formação fluvial F4, que é também de todas elas, recorde-se, a que se encontra mais amplamente representada por toda a bacia hidrográfica do rio do Lis. Com efeito, de acordo com a notícia explicativa da folha 23-C da Carta Geológica de Portugal na escala de 1/50000, “verifica-se que as areias são mais siliciosas a jusante da confluência do rio Lis com a ribeira dos Milagres. A montante da mesma confluência as areias são mais calcárias. As aluviões argilosas são mais desenvolvidas no vale do rio Lis, a jusante da confluência com o rio Lena e, também, no vale daquele rio” (TEIXEIRA e ZBYSZEWSKI, 1968, p. 12).

No que se refere ao processo de desenvolvimento das formações fluviais, bem como à sua disposição, há que ter em conta o quadro estrutural da região e o papel nele desempenhado pela tectónica. Desde logo a disposição dissimétrica das formações fluviais ao longo da margem di- reita do Lis, testemunhando uma deslocação progressiva do leito do rio de este para oeste, re- sulta manifestamente de constrangimentos estruturais. O próprio escalonamento relativamente regular que aí se observa destas formações, bem como a inclinação que elas evidenciam de montante para jusante (EST. 3), indiciam a ocorrência de um fenómeno de elevação mais ou menos constante da zona onde se desenvolvem, a qual corresponde, como já se viu, à chamada depressão da Gândara dos Olivais que separa o diapiro de Leiria do diapiro de Monte Real. Já a proximidade destes dois acidentes, por seu turno, terá sido responsável quer pelo aparecimento

pontual de falhas de origem sísmica afectando a estratificação dos depósitos (CUNHA- RIBEIRO, 1992-1993), quer pelo desenvolvimento de estruturas plissadas (“slumping”) nalguns níveis sedimentares, tendo-se documentado ambas situações na unidade sedimentar F1b (TEXIER e CUNHA-RIBEIRO, 1991-1992).

Como já se referiu em anteriores trabalhos, sendo a unidade sedimentar F1b aquela que melhor se conhece, já que a sua presença se encontra documentada em numerosos cortes dispersos pelos areeiros da margem direita do Lis, é também ela que permite tentar reconhecer uma melhor compreensão da dinâmica sedimentar subjacente à génese das diferentes formações quaternárias. Com efeito, verificando-se nos vários cortes referidos uma sucessão estratigráfica similar, óbvio se torna que tal situação só poderia resultar de mudanças significativas sofridas pelo regime do rio, pelo que se procurou interpretar tais alterações à luz dos diferentes regimes fluviais contemporâneos, muito embora reconhecendo que se nalguns casos tal situação se poderia imputar ao desenvolvimento de significativas modificações paleoclimáticas que ocor- reram na região ao longo do Quaternário (TEXIER e CUNHA-RIBEIRO, 1991-1992), não se deveria subestimar a eventual responsabilidade de fenómenos de incidência frequentemente local e muitas vezes fortuita.

Desta forma a base de F1b, caracterizando-se pela presença de uma cascalheira heterométrica onde se integram materiais de dimensões muito variáveis, foi associada a um caudal de forte competência determinado por um regime de tipo torrencial. No topo deste primeiro conjunto sedimentar assiste-se, por seu turno, à passagem para uma sedimentação menos grosseira, onde emerge uma estratificação entrecruzada resultante aparentemente do preenchimento de uma rede de canais sinuosa e instável. Situação análoga observa-se ainda no conjunto sedimentar imediatamente superior, onde cada unidade sequencial da respectiva sedi- mentação evidencia uma deposição no fundo do canal de materiais de textura mais grosseira, colmatada em seguida por leitos de areias, estruturação esta decorrente de um regime de escoamento contrastado. Já a estratificação horizontal que se lhe sobrepõe, constituída por delgados leitos de areias, sugere de novo uma dinâmica de alta energia, podendo-se associar a sua génese à formação de depósitos de inundação em amplas áreas cobertas de águas pouco profundas mas rápidas, em cujo fundo se encaixavam múltiplos canais intercomunicantes. Em seguida regressa-se a um contexto sedimentar similar aos identificados na base de F1b, para posteriormente se observar a passagem directa a um depósito limo-argiloso de fim de sequência, sendo de admitir que tal transição mais ou menos brusca poderá corresponder a um hiato sedimentar e temporal algo significativo.

É no entanto de salientar que se os primeiros conjuntos sedimentares deixam entrever a existência de um rio com um traçado frequentemente instável e um regime torrencial de tipo es- pasmódico, com a passagem para o último conjunto sedimentar transparece a vigência de uma sedimentação fina relacionada com o desenvolvimento de depósitos de inundação. No quadro desta interpretação é de sugerir a associação da primeira situação descrita a uma fase climática

algo árida, em contraponto ao clima temperado e húmido que terá conduzido à estabilização das vertentes e ao aparecimento de finos depósitos de cheia (TEXIER e CUNHA-RIBEIRO, 1991- 1992).

Mas se esta tentativa de compreensão do significado dinâmico e até mesmo paleoclimática da sedimentação fluvial foi apenas exequível para F1b, dado o volume de informação aí disponível, é todavia possível tentar alargar de forma mais genérica o mesmo procedimento às restantes unidades sedimentares e formações fluviais identificadas.

Logo na unidade sedimentar inferior da formação fluvial F1a, anterior a F1b, transparece a eventual passagem de um clima semi-árido, aparentemente patente na textura cascalhenta da base, para um clima temperado e húmido responsável pela sedimentação de textura fina que se observa no seu topo. Paralelamente, na unidade sedimentar F1c identificou-se apenas o desen- volvimento recorrente de um regime fluvial de forte competência com um escoamento con- trastado, igualmente passível de indicar a vigência de um clima de características também mais ou menos áridas.

As restantes formações sedimentares, por seu turno, foram apenas observadas em cortes que seccionaram parcialmente os seus depósitos, como sucedeu com o topo de F2 e F3, ou então vi- ram a sua estratificação inferida dos dados provenientes de sondagens para prospecção de água que as perfuraram, como aconteceu em F2 e F4. Apesar de tais constrangimentos, recolheram- se igualmente em todas elas elementos que testemunhavam a ocorrência de depósitos de textura grosseira cuja génese era associável a uma regime fluvial típico de climas relativamente áridos. Em F3 identificou-se mesmo num dos cortes uma organização sedimentar e uma textura semelhante à observada no conjunto sedimentar intermédio de F1b, resultante da formação de depósitos de inundação num leito fluvial largo e definido por múltiplos canais intercomuni- cantes, características essas ainda associáveis muito provavelmente à vigência de um clima semi-árido. Paralelamente, apenas no topo da formação fluvial F4, correspondente às aluviões actuais, se assinalou a existência de uma sedimentação fina, areno-argilosa ou argilo-limonosa, susceptível de ser por seu lado correlacionada com o desenvolvimento de um clima temperado e húmido.

Complementarmente foi ainda possível ter em conta os dados provenientes da análise pedológica, os quais pareciam sugerir a confirmação de algumas das ilações paleoclimáticas an- teriormente adiantadas. Com efeito, se os solos lessivados identificados nas formações fluviais F1, F2 e F3 estão aparentemente relacionados com a vigência de condições climáticas tem- peradas e húmidas e com o desenvolvimento de uma cobertura vegetal relativamente densa, a rubefacção dos solos que afecta F1 e F2 parece estar associada ao aparecimento de um clima com uma estação seca bem marcada, mesmo se para tal fenómeno contribuiu a natureza dos materiais sedimentares aí presentes. Tais circunstâncias levaram aliás a considerar os referidos solos como solos polifaseados ou policiclicos, admitindo-se que a lessivação que os afecta re- sulta do acumular de fenómenos de pedogénese ocorridos no decurso de diferentes períodos de

clima temperado ou temperado quente do Quaternário (TEXIER e CUNHA-RIBEIRO, 1992- 1993).

Paralelamente, os estudos pedológicos reforçam ainda a antiguidade relativa que o escalonamento das várias formações fluviais permite delinear. Na verdade o desenvolvimento de um horizonte Bt por 5 a 6 m de espessura na formação fluvial F1 contrasta bem com a espes- sura de cerca de meio metro que um horizonte similar apresenta em F2, enquanto em F3 se identifica apenas um horizonte Bt.

Finalmente, em relação às coluviões, refira-se que a sua génese se terá traduzido num es- coamento de tipo difuso ou, menos provavelmente, num transporte em massa dos constituintes do topo das formações detríticas mais antigas que foram afectadas, embora em qualquer dos ca- sos seja associável a uma fase de rexistasia durante a qual se assistiu a uma diminuição substancial da vegetação. Esta última hipótese é aliás reforçada pela circunstância de os seixos rolados que frequentemente integram as formações coluvionares se apresentarem por norma profundamente eolizadosT

23

T

.

Ora, a similitude estratigráfica e pedológica que no seu conjunto estas coluviões evidenciam na área estudada sugere a sua conexão a uma mesma fase de aridificação do clima, muito provavelmente contemporânea do último período de morfogénese da região. A ausência de de- pósitos mais antigos, por seu turno, deverá ser imputada à sua manifesta fragilidade perante a incidência de fenómenos erosivos, em boa parte decorrente da sua constituição sedimentar e do seu posicionamento topográfico.

Em termos pedológicos predominam nestas formações solos de tipo podzólico aparente- mente recentes, para cujo desenvolvimento muito terá aliás contribuído a cobertura florestal actualmente aí existente. Refira-se ainda que a origem destes solos se encontra muitas vezes ligada à degradação de solos lessivados mais antigos relacionados com as formações detríticas subjacentes.