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Intervenções com refletores de luz

Capítulo 3: Projeções na cidade obras e artistas destacados

3.1 Intervenções com refletores de luz

Para ilustrar o uso de projetores de luz no espaço urbano como expressão artística destacam-se, inicialmente, duas obras do artista Rubens Mano). A opção do artista em buscar o ambiente urbano para as suas ações, vazio de significação artística, a priori, é destacada nas palavras do historiador de arte Tadeu Chiarelli:

o artista propõe a cada indivíduo outras possibilidades de percepção do espaço urbano, por meio da compreensão de uma das ‘especificidades’ da fotografia moderna - a luz como energia, como agente de transformação do espaço e do tempo62.

A primeira obra selecionada é O Detetor de ausências, 1994, realizada na segunda etapa do projeto Arte/Cidade63. Basicamente, a instalação é constituída por dois holofotes militares de 12000 watts de potência sobre estruturas tubulares de 13 metros de altura, a partir do piso do vale do Anhangabaú, instalados ao lado do Viaduto do Chá. Os potentes fachos de luz, de 1,5 metros de diâmetro, paralelos e não coincidentes, cortam a passarela na altura dos pedestres e os atingem de forma perpendicular, fazendo com que o passante, ao atravessá-lo à noite, tenha sua silhueta instantaneamente recortada64.

Os focos de luz traduzem a velocidade crescente da cidade, desqualificando o espaço, acarretando desterritorialização. Esses feixes luminosos indicam a situação do indivíduo na metrópole:        

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Enciclopédia Itaú Cultural/Artes Visuais. Disponível em

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&c d_verbete=3248&cd_item=2&cd_idioma=28555 Acesso em 23/01/2011.

63 Projeto Arte/Cidade (A Cidade e seus Fluxos), 1994.

permitem que ele seja visto, mas também evidenciam seu anonimato, sua precariedade. As sombras dos passantes se projetam sem que lhes seja permitido sequer um registro. (PEIXOTO, 2002:84).

  Figura 11:Rubens Mano, Detetor de Ausências, 1994. 

O curador da intervenção, Nelson Brissac Peixoto, sobre essa instalação, aponta que,

Os rastros luminosos indicam a situação do indivíduo na metrópole: se por um lado permite ver e identificar, por outro também constata o anonimato de todo indivíduo. As sombras dos caminhantes se projetam sem que lhes seja permitido qualquer registro de sua passagem. Essas figuras não têm mais lugar, seu destino são as trevas, o ilimitado da cidade. Silhuetas dotadas da mesma impalpabilidade dos elementos celestes. (PEIXOTO, 2004:50).

Ao enquadrar essa intervenção de Mano, podemos nos perguntar, onde está a obra?, Onde está o artista?, Onde está o espectador? A instalação de Mano apresenta mais dúvidas do que certezas. A palavra 'ausência' no titulo da obra é mais reveladora do que é possível imaginar em um primeiro momento, pois se pode

tomá-la como referência ao transeunte, o homem urbano, e também às questões como materialidade do objeto artístico e a sua respectiva interação com o receptor.

Convidado, em 1999, pela Oficina Cultural Oswald de Andrade para produzir trabalhos in situ, com a colaboração de alunos da instituição, Rubens Mano criou quatro instalações nas proximidades do prédio da Oficina Cultural e os nomeou de acordo com a sua localização65. Na instalação intitulada Bueiro, 1999, foram colocas 6 lâmpadas fluorescentes de 60W no interior de um bueiro do bairro do Bom Retiro, região central da cidade de São Paulo. Nas palavras do idealizador da intervenção,

O projeto teve como intenção inverter a usual condição de captador passivo, transformando em transmissor luminoso um local subjacente aos movimentos de alteração da paisagem impressos na cidade. Intervenção e recepção foram consideradas como um espaço contínuo, como campo da intertextualidade que articula duas realidades – a ‘realidade material’ do ambiente urbano e a ‘realidade sensível’ do espaço percebido ou modificado. a ação permaneceu acesa durante três dias. (MANO, 2008:107).

Mano diz que boa parte das intervenções que faz em espaço aberto das cidades não é precedida de material de divulgação como convites, matérias de jornal ou qualquer outro tipo de anúncio prévio66. Na intenção de causar um efetivo estranhamento no período da ação urbana, o artista opta por não antecipar sobre o que é e onde será realizada a ação. Comunicar com antecedência a intervenção diluiria o impacto no espectador. Divulgação essa que poderia ser realizada com sucesso por meio do ambiente de redes digitais. É importante salientar a opção, feita pelo artista, pelo não uso de sistemas tecnológicos de informação num período pré- intervenção. Ciente da importância das redes tecnológicas no atual contexto das artes contemporâneas, Mano faz uso delas com precisão. Na era da comunicação presente a todo momento, não informar é informar. Seguindo as descrições feitas pelo autor,

[...] são inserções silenciosamente estranhas à paisagem, preocupadas em descobrir, através de um processo de resignificação dos espaços, a presença de outros fluxos, circuitos ou narrativas no interior das esferas constitutivas do ambiente urbano. (MANO, 2008:101).

       

65 Tone, Lilian. Disponível em http://artarchives.net/artarchives/liliantone/mano.html. Acesso em

22/01/2011.

66 Rubens Mano. Um lugar dentro do lugar. Revista Urbania, número 3, 2008. Disponível em

A curadora Lilian Tone aponta para as intervenções de Mano e identifica que o autor, ao levar energia67 e iluminação para fora do espaço da instituição, questiona tensões e conflitos entre poder público e bem público.

  Figura 12: Rubens Mano, Bueiro, Série Huecos, 1999.

Não é admissível falar de projeção de luz em espaço urbano sem dar o devido destaque aos trabalhos de Regina Silveira. A artista é reconhecida, entre outros, por trabalhos que exploram perspectivas e desenhos de sombras ao lidar com diversificados materiais e suportes, como gravuras, tapetes, vinil, objetos, vídeos, instalações e projeções.

A projeção das sombras leva à transparência e a volatilidade adotada pela artista que emprega também a projeção noturna de seres em pleno vôo sobre a paisagem urbana. Utilizando canhões de luz à noite, traz suas imagens-acontecimento para a projeção de figuras como o Super-Homem, uma mosca, um UFO, uma paisagem inteira        

67 Tone, Lilian. Disponível em http://artarchives.net/artarchives/liliantone/mano.html. Acesso em

22/01/2011. Na intervenção Calçada, 1999, uma tomada elétrica foi disponibilizada para uso das pessoas que circulavam ao redor da Oficina Cultural Oswald de Andrade por um período de 6 semanas.

ou um caligrama árabe habitam, de modo extremamente efêmero, prédios e avenidas. (FUREGATTI, 2007:173).

Nesta seleção de obras, o destaque ao trabalho de Regina Silveira está voltado somente para obras que fazem uso de projeção de luz em espaço urbano com o uso de projetores com um gobo, que é uma placa metálica resistente ao calor das lâmpadas, que permite projetar em outras superfícies as imagens nele vazadas, funcionando como máscaras.

Com projetor com gobo adaptado a um carro aberto, a obra Transit, (2001), transporta aos prédios e muros da cidade de São Paulo a imagem de uma enorme mosca. Realizada na ocasião da Bienal de São Paulo (Rede de Tensão: Bienal 50 anos, Fundação Bienal de São Paulo, SP, Brasil), essa intervenção urbana, segundo a autora, apresenta o dado efêmero e a imaterialidade da obra para se posicionar em contraponto à extrema presença e materialidade do suporte, que é a própria cidade68.

  Figura 13 a, b: Regina Silveira,Transit, 2001. 

Com a projeção de uma mosca gigante que 'passeia' pela cidade e pousa em prédio e fachadas, Regina Silveira altera a paisagem urbana mesmo que de maneira efêmera. Observamos o deslocamento da prática artística para o ambiente urbano e, com isso, a alteração da experiência sensorial dos transeuntes. Na percepção de

       

68 Entrevista concedida ao blog Prêmio Sergio Motta. Disponível em

http://blog.premiosergiomotta.org.br/2009/01/27/luz-e-sombras-de-regina-silveira/. Acesso em 03/02/2011.

Christine Mello (2008)69, a artista Regina Silveira realiza o trabalho na cidade de São Paulo como um diálogo visual com o espaço urbano, por meio de um sistema de projeção de imagens difundidas na superfície de seus prédios, túneis, avenidas. Quais os significados da mosca gigante projetada nos prédios, monumentos e shoppings? Parece ser o aspecto de deterioração urbana uma das informações mais claras do trabalho de Regina Silveira.

Desenvolvida com a mesma técnica da intervenção Transit, UFO foi realizada em São Paulo por conta da Virada Cultural de 2006. Desta feita, a projeção luminosa com o recorte do gobo criava a imagem de um disco voador pairando por entre os prédios da cidade.

  Figura 14 a, b: Regina Silveira,UFO, 2006. 

Qualidades distintivas fundamentais das práticas contemporâneas como efemeridade, valorização da ideia, desmaterialização do objeto de arte e busca de novos espaços para o fazer artístico evidenciam-se nas intervenções urbanas da artista.

Em Bogotá (Colômbia), Regina Silveira realizou a intervenção pública Luz (2007). Apesar do procedimento do trabalho ser o mesmo dos dois citados anteriormente, destacamos mais essa intervenção de Regina Silveira para melhor ilustrar a técnica que organiza a primeira categoria da classificação aqui realizada, a projeção de luz, uma vez que há uma evidente redundância na imagem. A luz        

projetada inscreve nas superfícies atingidas pelo facho a palavra "luz". Em uma entrevista ao blog Prêmio Sérgio Motta, Regina Silveira comenta que “Também está envolvida a intenção de modificar percepções e significados das áreas urbanas onde a imagem se projeta e se adere como espécie de pele iluminada”70.

Figura 15 a, b: Regina Silveira, Iluminaluz, 2007.

O artista mexicano Rafael Lozano-Hemmer possui várias obras que ocupam o espaço urbano com projeções de luz e imagens. Tem como característica de seus trabalhos a interação entre arte e tecnologia, desenvolvendo interfaces específicas para suas realizações. Em seu trabalho intitulado Pulse Front, 2007, realizado na cidade de Toronto, foi construída uma matriz de luzes sobre a cidade utilizando-se vinte poderosos feixes de luz. Ao lado dos projetores de luz foram instaladas manoplas que ao serem manuseadas pelos transeuntes captavam os seus respectivos batimentos cardíacos. Os dados resultantes das medições eram transformados imediatamente em pulsos que controlavam a intensidade dos fachos de luz e o seu direcionamento71.

       

70 Disponível em http://blog.premiosergiomotta.org.br/2009/01/27/luz-e-sombras-de-regina-silveira/.

Acesso em 03/02/2011.

  Figura 16 a, b: Rafael Lozano‐Hemmer, Pulse Front, 2007.

A mudança da percepção do espaço público, mesmo momentânea, é um dos objetivos do artista. Nessa obra ele propõe a visualização dos sinais vitais dos transeuntes, no caso o batimento cardíaco, em grande escala, evidenciando a presença humana como elemento fundamental na construção do ambiente urbano. Para esse tipo de interação, entre a intervenção artística e o público no espaço da cidade, Lozano-Hemmer dá o nome de Arquitetura Relacional.

Para finalizar o rol de artistas que trabalham com projeção de luz no ambiente urbano com o uso de refletores, foi selecionado um trabalho da artista Simone Decker, que vive e trabalha na Alemanha. Nos registros fotográficos de So weiß, weißer geht’s nicht (So white, it can't get any whiter), 2001, observam-se paredes, casas e garagens completamente brancas se destacando totalmente do resto da paisagem noturna, são tão brancas que chegam a brilhar, como se emitissem luz.

  Figura 17 a, b e c: Simone Decker, So weiß, weißer geht’s nicht, 2001.

O efeito visual proporcionado pelos registros fotográficos é extremamente interessante, as imagens mostram como se os objetos iluminados pelos refletores se materializassem em energia luminosa; como se perdessem seu aspecto corpóreo para se transformar em energia. Objetos que brilham tanto a ponto de desaparecerem.

Mas será que essa sensação seria possível de ser vivenciada no local da intervenção? Mesmo que as superfícies sejam iluminadas por potentes refletores usados em shows, o olho humano é capaz de compensar o excesso de luz. É no registro fotográfico que o efeito da superexposição cria a sensação de brilho tão intensa72.

Reside aí um ponto crucial para se entender os mecanismos de produção artística contemporânea, principalmente nas obras que trabalham com ações efêmeras no ambiente urbano. O que é mais importante? O resultado local da ação da artista, com sensações criadas no espaço onde a intervenção acontece, ou a que é proporcionada pelo registro? Por exclusão, a inexistência de imagens fotográficas das ações de alguns artistas leva ao entendimento de que não é o registro da intervenção o ponto fundamental desse tipo de ação artística. É o contato direto com as pessoas ao redor do acontecimento. A apreensão da obra deve ocorrer individualmente em cada percepção atingida diretamente pela intervenção. Mas mesmo se temos o registro como uma das poucas formas de apreensão da intervenção, não podemos falar, em momento algum, de isenção estética documental. Os registros tornam-se as obras, ou parte delas. São, ao menos, a parte visível do que "ocorreu" que atinge ambientes de redes, tanto os artísticos quanto os digitais.

A escolha da artista Simone Decker em registrar a sua intervenção por meio fotográfico e com um grande tempo de exposição à luz, mostra, antes de tudo, que a sua intenção era que as pessoas 'percebessem' as paredes e casas com um brilho desmedido. O contato dessa intervenção com a grande maioria dos espectadores vai se dar por meio de uma imagem da alteração do espaço real. O registro também sofre alterações e, apesar de não possuir o aspecto de 'real', imortaliza a obra numa imagem objeto. Peixoto (2004) menciona que a fotografia na obra de Robert Smithson não desempenha apenas por sua capacidade documental, mas principalmente seu potencial de colagens, montagem e disposição sequencial73. O contato com as obras de Smithson também é, em sua enorme maioria, feito por meio das fotografias das intervenções, dado o difícil acesso aos locais onde elas se encontram. Portanto, percebemos que a utilização consciente da linguagem dos        

72 VOLZ, Jochen. Strange Shifts. Disponível em http://www.simonedecker.com/pointofview.html.

Acesso em 25/02/20111.

mecanismos de registro (fotografia ou vídeo), como, por exemplo, um determinado posicionamento em relação à obra, enquadramento ou lente, é condicionante fundamental para a percepção e valorização da ação.

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