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Projeção de luz como intervenção artística urbana

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RICARDO BOTINI SALGADO

PROJEÇÃO DE LUZ COMO INTERVENÇÃO

ARTÍSTICA URBANA

(3)

Ricardo Botini Salgado

Projeção de luz como intervenção

artística urbana

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Orientadora: Prof.ª Dra. Jane de Almeida

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S164p Salgado, Ricardo Botini.

Proj eção de luz com o int ervenção art íst ica urbana / Ricardo Botini Salgado.

114 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.

Bibliografia: f. 107-109

1. Intervenção urbana. 2. Projeção de vídeo. 3. Arte urbana. I. Título.

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RICARDO BOTINI SALGADO

Projeção de luz como intervenção artística urbana

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Vinicius Fainer Bastos

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

________________________________________________________________ Prof. Dr. Wilton Luiz de Azevedo

Universidade Presbiteriana Mackenzie

________________________________________________________________ Prof.ª Dra. Jane de Almeida - Orientadora

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Para meus pais,

(7)

Agradecimentos

À minha orientadora, Prof.ª Dra. Jane de Almeida, que, além do amplo conhecimento do tema e dos ensinamentos constantes, conseguiu me trazer à tona quando eu me via afogado em dúvidas e incertezas.

Aos Profs. Drs. Marcus Vinicius Fainer Bastos e Wilton Luiz de Azevedo pelas contribuições valiosas na banca de qualificação, que possibilitaram a melhoria deste trabalho.

À Lílian Abram dos Santos, pela revisão criteriosa e pelos comentários pertinentes. Aos meus colegas do CRT/Mackenzie, que sempre me ajudaram durante este percurso.

Ao Mackpesquisa (Fundo Mackenzie de Pesquisa), pelo apoio através da subvenção de Reserva Técnica, que financiou em parte este trabalho.

Agradecimentos especiais:

Aos meus pais, Antônio Benedito Azeredo Salgado e Célia Regina Botini Salgado, por todo o amor, dedicação e confiança. Sem a força e o afeto deles este trabalho não seria possível.

(8)

Há poesia em tudo – na terra e no mar, nos lagos

e nas margens dos rios. Há-a também na cidade

– não o neguemos – fato evidente para mim

enquanto aqui estou sentado: há poesia nesta

mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia na

trepidação dos carros nas ruas; em cada

movimento ínfimo, vulgar, ridículo, de um

operário que, do outro lado da rua, pinta a

tabuleta de um talho.

(9)

Resumo

A proposta deste trabalho de pesquisa é investigar a utilização de projeção de luz e de imagens como intervenção artística urbana. Inicialmente é realizado um roteiro da evolução de dispositivos e técnicas projetivas. Como o foco da pesquisa está nas projeções no ambiente urbano, são apontadas propostas estéticas que exploram os espaços não-institucionais como locais de ação artística. Uma seleção de obras de artistas reconhecidos é apresentada para ilustrar os resultados obtidos pelo uso de projeção de luz e de imagens em ambiente urbano. Por fim, são colocadas experiências práticas obtidas com ações de intervenção com projetores digitais na cidade de São Paulo.

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Abstract

The proposition of this paper is to investigate the use of light and image projection as urban art intervention. A guide to the evolution of projective devices and techniques is presented at the beginning. Given that the focus of this study is on projections in urban environment, aesthetic proposals that explore non-institutional spaces are appointed as places for artistic action. A selection of well-known artists works is presented as an instance of the results obtained through the use of light and image projection in urban environment. Practical experiments obtained by means of intervention acts using digital projection, performed in São Paulo City, are presented in the end.

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Lista de Imagens

Figura 1: Câmera escura de Athanasius Kircher, ilustração da segunda edição de Ars Magna Lucis 

Umbrae, 1671. ...20 

Figura 2: Câmera escura de Johann Zahn, 1685...22 

Figura 3: Esquema de projetor do tipo CRT. ...31 

Figura 4: Esquema de projetor do tipo LCD. ...31 

Figura 5: Esquema de projetor do tipo DLP ...32 

Figura 6 a, b: Monumentos de Passaic, 1967, Robert Smithson. ...39 

Figura 7: Richard Serra, Tilted Arc, 1981. ...42 

Figura 8: Christo and Jeanne‐Claude, Wrapped Monument to Vitorio Emanuele II, Piaza del Duomo,  Milão, 1970. ...43 

Figura 9: Roadsworth, Cattle crossing (Travessia de gado), 2004. ...54 

Figura 10: Vaga‐Viva, São Paulo, 2010. ...55 

Figura 11:Rubens Mano, Detetor de Ausências, 1994. ...59 

Figura 12: Rubens Mano, Bueiro, Série Huecos, 1999. ...61 

Figura 13 a, b: Regina Silveira,Transit, 2001. ...62 

Figura 14 a, b: Regina Silveira,UFO, 2006...63 

Figura 15 a, b: Regina Silveira, Iluminaluz, 2007. ...64 

Figura 16 a, b: Rafael Lozano‐Hemmer, Pulse Front, 2007. ...65 

Figura 17 a, b e c: Simone Decker, So weiß, weißer geht’s nicht, 2001. ...66 

Figura 18 a, b: Regina Silveira, Super Herói (Night and Day), 1997...68 

Figura 19 a, b, c e d: Regina Silveira, Passeio Selvagem, 1997. ...69 

Figura 20 a, b, c, e d: Graffiti Research Lab (GRL), Laser Tag 2.0, 2007...70 

Figura 21 a, b, c, d, e e: Heiko Hansen e Helen Evans, Nuage Vert, 2008. ...72 

Figura 22 a, b, c, d e e: Krzysztof Wodiczko, Cecut Project, 2001. ...74 

Figura 23 a, b, c e d: Krzysztof Wodiczko, Veteran Vehicle Project, 2008...75 

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Figura 25 a, b, c, e d: Fernado Llanos, Video‐Man 5.5, 2005. ...77 

Figura 26 a, b: Antivj, Nuit Blanche (Bruxelles), 2008. ...79 

Figura 27 a, b e c: Rafael Lozano‐Hemmer, Under Scan, 2005. ...80 

Figura 28 a, b, c e d: Visualfarm, Pátio do Colégio, 2010. ...81 

Figura 29: Esquema de funcionamento do SMSlingshot...82 

Figura 30: SMSlingshot...83 

Figura 31: Parede atingida pelas projeções do SMSlingshot...84 

Figura 32: Coletivo LOST ART, Vídeo Guerrilha, 2010. ...87 

Figura 33: Graffiti Virtual Analysis, Vídeo Guerrilha, 2010...88 

Figura 34 a, b e c: Agigantador de pessoas, Vídeo Guerrilha, 2010. ...90 

Figura 35 a, b e c: 48.100 EletroAcaústica Hz 1.0 #, Vídeo Guerrilha, 2010...91 

Figura 36 a: Prédio com projeção mapeada, Vídeo Guerrilha, 2010. ...92 

Figura 37 b e c: Exemplo de recorte da tela de projeção feita pelo software Modul8. ...93 

Figura 38 a, b: Video mapping (Casarão), Vídeo Guerrilha, 2010. ...94 

Figura 39 Esquina da Rua Augusta com a Rua Antônia de Queirós, 2011...95 

Figura 40: Mapa do local da intervenção Street art without borders...97 

Figura 41: Empena utilizada na intervenção Street art without borders, 2011. ...98 

Figura 42 a e b: Intervenção Street art without borders, 2011...99 

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Sumário

 

Introdução...13 

Capítulo 1: Tecnologias de projeção ...17 

Capítulo 2: Arte extramuros...35 

2.1 Arte extramuros no Brasil ...45 

2.2 Street art ...53 

Capítulo 3: Projeções na cidade ‐ obras e artistas destacados ...57 

3.1 Intervenções com refletores de luz...58 

3.2 Intervenções com projetor de raio laser ...68 

3.3 Intervenções com projetores digitais...73 

Capítulo 4: Práticas de intervenção com projetores digitais...86 

4.1  Vídeo Guerrilha ...86 

4.2 Street Art without borders ...96 

Considerações Finais ...102 

Referências Bibliográficas ...106 

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Introdução

Este trabalho de pesquisa aborda intervenções artísticas urbanas com a utilização de dispositivos de projeção de luz e de imagens.

Por meio de uma pesquisa bibliográfica, foi possível identificar vários artistas reconhecidos dentro do panorama da arte contemporânea que fazem uso de dispositivos de projeção de luz e de imagens no espaço urbano, como instrumental de sua expressão artística. No exterior, destacam-se nomes como Krzysztof Wodiczko, Tony Oursler e Rafael Lozano-Hemmer; no Brasil, Regina Silveira e Rubens Mano estão entre os mais conhecidos.

Mas, atualmente, é possível observar também que, paralelamente aos trabalhos desses artistas consagrados, cresce o número de intervenções urbanas com projetores digitais, viabilizadas pelo desenvolvimento tecnológico ocorrido a partir dos anos 1970, época em que ocorreu a democratização do acesso aos mecanismos de produção e de projeção de imagens. Ainda que essas intervenções tenham uma duração efêmera, o registro fotográfico ou videográfico dessas ações expressivas, amplamente divulgado em redes digitais, amplia a sua existência e o seu alcance.

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contemporaneidade e sua relação com as intervenções urbanas com imagens projetadas.

O primeiro capítulo pretendeu descrever o desenvolvimento das primeiras técnicas projetivas e as suas respectivas utilizações. Para isso, foi construído um roteiro que resgata desde o uso de lentes em dispositivos como a câmara clara e a câmara escura, que representaram um marco nas técnicas de construção de representações figurativas por volta da metade do século XV, passando pelos teatros luminosos de Giovanni Battista dela Porta, realizados com a câmara escura até a lanterna mágica, surgida com o desenvolvimento das fontes luminosas no século XVII. A lanterna mágica passa a ser uma referência instrumental na prática de projeção de imagens, possibilitando apresentações mais instigantes e elaboradas.

O advento da eletricidade juntamente com o aprimoramento das tecnologias de iluminação ampliaram a potência dos dispositivos de projeção. O desenvolvimento tecnológico e dos meios de comunicação de massa do começo do século XX trouxe mudanças significativas na concepção de sociedade. No campo da História da Arte, a práxis artística, ao assimilar essas inovações, também foi impactada. Um exemplo dessa mudança pode ser percebido com o surgimento da arte eletrônica, ou media art, nos anos 1960 (Giannetti, 2006:21).

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materiais utilizados nas obras. Obras de artistas como Robert Smithson, Richard Serra e Christo and Jeanne-Claude, mais do que o simples deslocar-se para o ambiente aberto, propõem um novo modo de percepção para tais espaços.

No Brasil, foram apontados exemplos de artistas e projetos que exploram o espaço urbano e a vida cotidiana das cidades, seguindo a análise realizada pela pesquisadora Sylvia Furegatti (2007), que identifica três momentos na produção extramuros no Brasil. O primeiro momento ocorre por volta dos anos 1960, com artistas como Hélio Oiticica, Arthur Barrio e Cildo Meireles. O segundo período de ação se dá no final dos anos 1970, com grupos que trabalham de maneira furtiva e efêmera no espaço público da cidade de São Paulo como, por exemplo, o grupo 3nós3. O terceiro momento de ação artística extramuros acontece a partir dos anos 1990, com as quatro edições do evento Arte/Cidade, organizado por Nelson Brissac Peixoto, que levaram intervenções de vários artistas para o espaço público deteriorado da cidade de São Paulo.

Ainda tratando da utilização do espaço urbano como suporte para manifestações artísticas, colocou-se a questão das ações não autorizadas no espaço público, comumente chamadas de Street Art. Crescendo vertiginosamente na tez urbana, essas ações estéticas têm como uma de suas reivindicações a apropriação do ambiente urbano como território democrático de expressão, mesclando manifestações estéticas com ativismo político.

Uma seleção de obras e artistas que fizeram uso de projeção de luz e de imagens no espaço urbano foi a base do terceiro capítulo. Foram selecionados trabalhos que utilizam uso de projeção de luz de refletores, projetores de raio laser e projetores digitais de artistas brasileiros e estrangeiros, como Rubens Mano, Regina Silveira, Krzysztof Wodiczko, Rafael Lozano-Hemmer, Tony Oursler, entre outros. A apresentação desses trabalhos se fez necessária para ilustrar de que forma os dispositivos de projeção de luz foram utilizados por artistas reconhecidos dentro do panorama da arte contemporânea.

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novembro de 2010. Concebida e coordenada por Alexis Anastascious, também conhecido como VJ Alexis, a intervenção teve o suporte técnico da empresa Visualfarm. O evento levou para as empenas cegas e fachadas dos prédios da Rua Augusta onze mega projeções, com trabalhos de artistas de várias nacionalidades. Nesse capítulo, foram descritas as ações dessas manifestações, as tecnologias utilizadas, os propósitos das ações e algumas reflexões foram traçadas a partir da experiência in loco.

O segundo trabalho de campo apresentado no capítulo quatro não teve as proporções do Vídeo Guerrilha, tanto no número de projetores quanto no tamanho das imagens projetadas. Mas, verifica-se nele, o aspecto pleno de apropriação da paisagem urbana, uma vez que foi feito sem nenhum tipo de solicitação prévia ou autorização emitida por órgão competente. Intitulada Street art without borders, essa ação, realizada com dois projetores de 2.500 ANSI Lumens, fez uma leitura e ampliação de imagens de Street art situadas na região da Rua Augusta, com o intuito de propor ao transeunte atingido pelas projeções um olhar mais atento às interferências visuais presentes em muros e paredes.

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Capítulo 1: Tecnologias de projeção

Discorrer sobre projeção de luz como intervenção artística em ambiente urbano remete imediatamente à ideia de inserção de dispositivos tecnológicos nas modalidades de expressão humana. Esse pensamento é correto, e é preciso destacar que essa prática não é, de maneira alguma, algo recente. Tomando o termo grego técne para designar os procedimentos de fabricação de objetos belos ou utilitários, tanto materiais (pintura, escultura, vestimenta, arquitetura) quanto imateriais (dialética, matemática, retórica, música), pode-se supor que a técnica, entendida aqui como habilidade e ferramenta, desde sempre caminhou com a criação artística1.

O uso de recursos de projeção de luz e de imagens no campo das manifestações de artes visuais possui um passado remoto que mudou a concepção da construção técnica das representações plásticas. O artista e pesquisador David Hockney (2001) propõe uma revolução tecnológica no modo de pintar quadros a partir do uso de projeção luminosa realizada com dispositivos ópticos. Isso já teria ocorrido por volta de 1430 pelas mãos de artistas do norte da Europa. A utilização de recursos como lentes, espelhos, câmara escura e câmera lúcida trouxe um nível de realismo até então nunca observado em pinturas e desenhos. Nas palavras de Hockney: 

Vale repetir aqui, a meu ver, que a óptica não faz marcas - ela produz apenas uma imagem, uma aparência, um meio de medida. O artista ainda é o responsável pela concepção, e é necessária grande habilidade para superar problemas técnicos e reproduzir a imagem em tinta. No entanto, tão logo se perceba que a óptica exercia profunda influência na pintura, e era usada pelos artistas, começa-se a observar as pinturas de um novo modo. Vêem-se notáveis semelhanças entre artistas que normalmente não estariam associados, notam-se diferenças entre pintores tradicionalmente agrupados juntos, e observam-se distorções e descontinuidade nos quadros que são difíceis de explicar a menos que a óptica tenha sido usada. (HOCKNEY, 2001:131).

  Essas distorções e descontinuidades às quais Hockney se refere indicam que a construção da totalidade da imagem de um quadro se dava via somatória de imagens, ou seja, uma colagem. Com auxílio de uma lente-espelho côncavo para a        

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pintura de uma tela, por exemplo, não era possível obter uma imagem utilizável de mais de 30 cm, daí que essas pinturas tinham de ser pequenas ou representar pequenos relances, detalhes de mão, roupas, pés, fragmentos de paisagens e natureza morta, para depois serem agrupadas em uma única imagem. Apesar da riqueza de detalhes da pintura, esta por vezes parecia distorcida por conta dos inúmeros pontos de vista necessários para a construção das partes do quadro.

A partir do uso desses dispositivos que são, basicamente, formados por projeção de luz solar através de lentes e espelhos, a verossimilhança nas expressões humanas e detalhes passa a se configurar como a grande inovação técnica na construção de imagens entre os séculos XV e o XIX.

Philippe Dubois destaca o fato de as máquinas de imagens serem muito mais antigas do que se supõe, tendo como referência somente a fotografia e as artes tecnológicas2:

É evidente, por exemplo, que todas as construções ópticas do Renascimento (as portinholas de Albert Durer, a tavoletta de Fillipo Bruneleschi, as diversas espécies de câmara escura (camara obscura) etc.), com o modelo de perspectiva monocular que elas pressupunham, foram máquinas de conceber e fabricar imagens dos pintores/engenheiros - e isso já no Quatrocento: verdadeiras technè optikè que ajudaram a fundar uma forma de figuração 'mimética" baseada na reprodução do visível (tal como ele se dava à percepção humana) e ao mesmo tempo intelectualmente elaborada, para não dizer calculada (como processo mental). (DUBOIS, 2004:36).

A fonte de luminosidade que, na época do uso desses equipamentos, atravessava os orifícios das câmaras escuras, tavolettas e câmaras lúcidas era a luz solar. Os instrumentos serviam como um guia para o trabalho do pintor ou desenhista, uma vez que não existia o registro físico da imagem em um suporte, mas apenas a sua projeção em uma superfície.

O pesquisador Laurent Mannoni indica o uso da câmara escura, já no final do século XVI, pelo físico napolitano Giovanni Battista della Porta, na realização de teatros luminosos que, por sua vez, já prenunciavam as projeções de lanterna

       

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mágica do século seguinte. As imagens de Della Porta eram projetadas por lentes de cristal e espelhos e apresentavam atores de verdade, com cenários e música.3

Entretanto, a câmara escura não podia oferecer mais do que um espetáculo efêmero, ao cair da noite, suas imagens se desvaneciam. As encenações de Della Porta também devem ter sido custosas e difíceis de produzir. O sol deveria brilhar para iluminar a cena, e esta deveria estar bem enquadrada no campo de visão da lente. O processo não era perfeito, mas estimulou a busca de meios mais eficazes para a obtenção de imagens luminosas e animadas. Graças a ele, a câmara escura, subitamente desviada de sua vocação científica, torna-se um "teatro óptico", um método de iluminação capaz de projetar histórias, cenários fictícios, visões fantasmagóricas. Deixou os domínios da ciência e da astronomia para mergulhar nos do artifício, da representação, do maravilhoso, da ilusão. (MANNONI, 2003:37).

Adaptações e ajustes foram realizados para aprimorar os resultados obtidos com os efeitos ópticos da câmara escura em aparelhos menores e manuseáveis. Por volta de 1670, o matemático Johann Chistoph Sturm inventou a "camera obscura portatilis".

A união profícua entre as técnicas de projeção da câmara escura e o conhecimento catóptrico, com a utilização de lentes, espelhos, refrações, reflexões, distorções, cores, luz e sombra foi desenvolvida com o integrante da Companhia de Jesus, Athanasious Kircher, em meados do século XVII. Em 1644, o jesuíta concluiu o livro Ars magna lucis et umbrae, obra que é uma das mais completas compilações de óptica da época. Kircher chegou a utilizar "luz artificial" em suas projeções que, na verdade, era a adaptação de uma vela em um tonel pequeno de vinho com uma chaminé; a chama da vela era refletida por um espelho parabólico e concentrada por uma lente biconvexa. Alguns historiadores creditam à Kircher a invenção da lanterna mágica. Mas além do uso muito elaborado de lentes e espelhos, o destaque atribuído ao gênio de Athanasious Kircher deriva das projeções criptológicas que realizava, usando espelhos côncavos com letras grafadas ou lentes biconvexas sobre as quais pintava imagens. Sem dúvida, significativos espetáculos de imagens, mas ainda dependentes da luz solar4.

       

3 MANNONI, L. A Grande Arte da Luz e da Sombra: arqueologia do cinema. São Paulo:

Senac/UNESP, 2003.

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Figura 1: Câmera escura de Athanasius Kircher, ilustração da segunda edição de Ars Magna Lucis Umbrae,  1671. 

Até o final do século XVII, as práticas de projeções luminosas eram ao mesmo tempo engenhosas, complexas e limitadas. Um dispositivo da época, a lanterna viva ou giratória, era formado por um corpo cilíndrico com figuras vazadas nas laterais e iluminada por uma vela ao centro. Por não possuir um tubo óptico, as projeções emitidas eram mais próximas de borrões do que de imagens nítidas5.

Mannoni (2003) aponta que a inclusão de um jogo de lentes e um passa-vistas à lanterna viva viria a acontecer somente 71 anos após a segunda edição de Magiae naturalis, de Della Porta, e 13 anos após a publicação de Ars magna lucis et umbrae, de Kircher.

A lanterna "mágica" (ela só será assim batizada em 1668) representa a mais duradoura, a mais inventiva, a mais artística das idéias-mestras que antecederam o nascimento do cinema. Ao longo de todo o seu reinado, que se estende por três séculos, ela exibiu imagens artificiais, fixas e animadas a um público sempre maravilhado e exigente. Correu mundo, a uma velocidade prodigiosa. Sábios e artesãos inventaram mil modos, ingênuos ou engenhosos, de dar movimento às imagens, de aperfeiçoar "a ilusão do movimento", a força-motriz da pesquisa pré-cinematográfica. (MANNONI, 2003:57). A estrutura técnica da lanterna mágica sofreu poucas alterações entre o século XVII e o final do século XIX.

       

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Trata-se de uma caixa óptica de madeira, folha de ferro, cobre ou cartão, de forma cúbica, esférica ou cilíndrica, que projeta sobre uma tela branca, tecido, parede caiada ou mesmo couro branco, numa sala escurecida, imagens pintadas sobre uma placa de vidro. Diabruras, cenas grotescas, eróticas, escatológicas, religiosas, históricas, científicas, políticas, satíricas: todos os assuntos foram abordados. A imagem é "fixa" ou "animada", pois a placa comporta um sistema mecânico que permite dar movimento ao assunto representado. (MANNONI, 2003:58).

Aqui nos interessa mais a ideia de como se deu o desenvolvimento das técnicas de projeção de imagens do que precisar quais foram os seus inventores, devido às dúvidas que ocorrem nas informações nesse campo, e por conta das adaptações e ajustes que ocorriam em estudos e equipamentos já existentes sem que fosse dado o devido crédito ao antecessor. Inicialmente, podemos relacionar a lanterna mágica, no século XVII, com o nome do holandês Christiaan Huygens (1629-1695), matemático e mestre na arte de fundir lentes. Pouco tempo depois, por conta de contato com o próprio Huygens, a lanterna mágica foi utilizada pelo óptico inglês John Reeves e pelo dinamarquês Thomas Rasmussen Walgenstein (1627-1681), que viajava pelas cidades da Europa como lanternista e exibidor de imagens. O matemático, físico e astrônomo inglês Robert Hooke (1653-1703) chamava para si o crédito da invenção da lanterna mágica, apesar de nunca ter usado esse termo para designá-la. Com o matemático italiano Francesco Eschinardi (1623-1703), finalmente a lanterna era batizada de "mágica", por meio da publicação Centuria problematorum opticorum, de 1666. Em 1685, o monge alemão Johannes Zahn publica um livro sobre magia catóptrica, no qual o assunto principal é a arte de fabricar telescópios, mas também encontramos nele esclarecimentos e ilustrações sobre a câmera obscura e a lanterna mágica6.

       

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Figura 2: Câmera escura de Johann Zahn, 1685.

O desenvolvimento de mecanismos de iluminação artificial viria, ao longo do século XVIII, ser de extrema importância para a melhoria da qualidade das imagens e do alcance das projeções. Isso, somado ao fato de a óptica ter deixado de ser privilégio de uma elite de sábios e estudiosos, como era no século anterior, fez com que um grande número de pessoas, dos senhores abonados aos humildes camponeses, tivessem contato com as imagens provenientes de instrumentos ópticos.

A popularização dos dispositivos ópticos portáteis de projeção acabou por criar um novo ofício, o de lanternista ambulante. Mesmo sendo pouco rentável financeiramente, os lanternistas iam de vilarejo em vilarejo, levando, às suas costas, caixas amarradas. Esses lanternistas levaram as imagens projetadas às localidades mais distantes do continente europeu. Thomas Rasmussen Walgenstein é conhecido como um dos primeiros projecionistas ambulantes, já no século XVII.

A transformação da lanterna mágica em uma espécie de brinquedo acabou por decretar o fim dos ambulantes:

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o final do século XIX, muitos lanternistas ainda percorriam o interior fazendo projeções de excelente qualidade, com possantes lanternas a gás oxídrico. Entretanto, os verdadeiros exibidores ambulantes, aqueles que percorriam a pé as estradas com suas pobres lanternas às costas, parecem ter desaparecido quase completamente por volta dos anos 1870. (MANNONI, 2003:119).

Os aprimoramentos técnicos que aconteceram com as lanternas mágicas no século XVIII se deram, principalmente, nas placas de vidro, que então passaram a ser pintadas com mais precisão e transparências adequadas à projeção, fossem de iconografia mítica ou realista. As fontes luz estavam mais potentes e não dependiam exclusivamente do sol, os lanternistas geralmente usavam luz de gás óxi-hidrogênio ou de uma mistura de oxigênio e éter. E as lentes, que no século XVII não eram tão boas e tinham produção limitada, passaram a ter maior qualidade óptica. Com a justaposição de duas lentes, uma totalmente transparente e côncava, que produzia uma forte dispersão da luz, e outra esverdeada e convexa, que gerava uma fraca dispersão, conseguia-se uma projeção de ótima qualidade7.

No final do século XVII, foi concebido um novo gênero de espetáculo luminoso que recebeu o nome de fantasmagoria.

A técnica da fantasmagoria dependia de alguns princípios constantes. Os espectadores jamais deviam ver o equipamento de projeção, que ficava escondido atrás da tela. Quando a luz da sala se apagava, um fantasma apareceria na tela, bem pequeno a princípio, aumentando de tamanho rapidamente, e assim pareceria se mover em direção à platéia. Isso também podia ser feito no sentido inverso, com o fantasma distanciando-se e parecendo diminuir de tamanho. A retroprojeção tinha de ser sempre nítida: isso era possível graças ao tubo óptico aperfeiçoado da lanterna mágica, agora equipada com um diafragma, permitindo o ajuste da posição das lentes, e com uma cremalheira, que possibilitava o deslocamento da lanterna ao longo dos trilhos. (MANNONI, 2003:151).

As sessões realizadas de fantasmagoria eram mais longas e bem acabadas do que as tentativas anteriores de projeção. O público não se importava de pagar pequenas quantias pelos espetáculos, uma vez que eram adicionados elementos como música e animações. Étienne-Gaspard Robert, conhecido como Robertson, é geralmente apontado como o inventor da fantasmagoria, e assim ele se apresentava, mas na verdade ele apenas se apropriou da técnica utilizada por

       

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outros, bem antes dele. Fazendo espetáculos em um pavilhão que não comportava mais do que 60 pessoas, Robertson ficou rico com a fantasmagoria8.

Nelson Brissac Peixoto (2004), ao falar da enorme quantidade de artefatos capazes de reproduzir o olhar panorâmico sobre o mundo, como instalações de cenários e caixas de olhar existentes no século XIX, põe a questão da seguinte maneira9:

As lanternas mágicas acabariam resultando, ao fim do desenvolvimento desses ‘aparelhos de fantasmagoria’, nos panoramas e dioramas. As formas mais acabadas, antes da fotografia e do cinema, de reprodução da paisagem. Mas antes tivemos o panóptico - pan (tudo) + óptico (visão) -, sistema de construção que permite, de determinado ponto, avistar todo o interior de um lugar. Assim eram feitas as barracas com figuras de cera das feiras, ‘manifestação da obra de arte total’, em que se pode ‘não apenas ver tudo, mas de todas as maneiras’. O mesmo princípio que o panorama - pan (tudo) + orama (vista) - levaria para o exterior. (PEIXOTO, 2004:115).

As projeções de lanterna mágica passaram por ambientes fechados, devido às condições de luz que não podiam atrapalhar as apresentações, e por ambientes abertos, como praças e feiras, no período dos lanternistas itinerantes. Mesmo que o espetáculo de Robertson possua proximidade com o que hoje conhecemos como exibição cinematográfica, nas apresentações com aparelhos mais desenvolvidos do que a lanterna mágica, como o cinematógrafo, a exibição de filmes não se dava em salas destinadas unicamente a esse fim. Nas palavras do pesquisador Arlindo Machado10

Salas de exibição dedicadas exclusivamente à difusão de filmes é um fenômeno mais recente. Durante certo tempo, os filmes foram exibidos como curiosidades ou peças de entreato nos intervalos de apresentações ao vivo em circos, feiras ou carroças de mambembes. Ao mesmo tempo, os domadores de feras, os homens-tronco os praticantes de luta livre, os proprietários de museus de cera ou de palácios da eletricidade serviam-se dos filmes como atração nas portas das barracas. (MACHADO, 1997:78).

Ainda que o foco deste estudo seja as manifestações individuais, ou de pequenos grupos, com propósito artístico e por meio de projeção de luz no meio urbano, não podemos deixar de ressaltar o impacto que a própria iluminação pública        

8 MANNONI, Laurent. op. cit.

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causou no nascimento das cidades, que mais tarde viriam a se tornar os centros urbanos que crescem vertiginosamente ao redor do globo. O modelo de cidade pós-liberal, que reorganizou as grandes cidades européias, ainda hoje determina a organização das cidades em que vivemos. Características como o ajuste entre administração pública e propriedade imobiliária, aumento da região periférica e do custo de suas moradias, densidade excessiva do centro descrevem esse esquema de cidade. A primeira cidade a ser reorganizada sob esses princípios foi Paris, durante o Segundo Império, de 1851 a 1870. Dentre outras, a instalação de iluminação pública estava como uma das medidas tomadas visando à transformação da cidade11.

Ainda muito antes da utilização da energia elétrica como fonte de iluminação pública, podemos observar o uso de combustíveis vegetais e fósseis para essa finalidade12. O mesmo ocorre com os dispositivos portáteis de projeção. Mas, mesmo com limitações técnicas, as projeções realizadas por meio das lanternas mágicas foram direcionadas para fora dos ambientes fechados e das salas de exibição. O que possibilitou as projeções ao ar livre foram justamente as melhorias na tecnologia de iluminação, em particular a luz oxídrica (luz de cálcio) e a luz de arco elétrico13. Nos Estados Unidos, onde a lanterna mágica foi também conhecida como stereopticon, a prática de projeção de imagens em telas ao ar livre, muros e monumentos públicos é feita desde 186014.

Sem dúvida, o que garantiu a evolução das técnicas de projeção em ambiente externo foi o desenvolvimento das tecnologias de iluminação. Enxergamos os corpos devido à luz que eles emitem. O fluxo luminoso pode ser caracterizado de três maneiras: próprio, emitido ou transmitido. No primeiro caso, o corpo seria uma fonte primária de luz; no segundo e terceiro casos, o corpo seria uma fonte secundária de fluxo luminoso15. Podemos considerar, de acordo com Moreira, que

       

11 BENEVOLO, L. A. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2009.

12 "As primeiras referências, de que se tem notícia sobre a iluminação pública de São Paulo datam do

início do século XIX, quando a Câmara dos Vereadores solicita ao governo provincial 24 lampiões para serem colocados nas ruas da cidade. A iluminação era produzida a partir do azeite. (LO SHIAVO, 1996:8).

13 HUHTAMO, Erkki. Messages on the wall, An archaeology of public media displays. In MCQUIRE,

S.; MARTIN, M.; NIEDERER, S. (Ed.). Urban Screens Readers. Amsterdam: Institute of Network Cultures, 2009.

14 HUHTAMO, Erkki, op cit.

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As fontes primárias podem ser naturais ou artificiais. A principal fonte primária natural de luz para a Terra é o sol. As primárias artificiais são, geralmente, classificadas de acordo com o fenômeno que é a sua causa produtora do fluxo luminoso (combustão, incandescência, descarga elétrica, eletroluminescência, etc), e são chamadas de ‘lâmpadas’. (MOREIRA, 2003:51).

A lâmpada elétrica foi o passo decisivo para o aperfeiçoamento das técnicas de projeção em ambientes abertos. Em 1879, Thomaz A. Edison, desenvolveu a primeira lâmpada incandescente que possuía um desempenho considerável.

Um grande passo foi dado em 1911, com o desenvolvimento da técnica da trefilação do tungstênio, o que permitiu a produção de filamentos mais robustos e que podiam trabalhar em temperaturas mais elevadas. (MOREIRA, 2003:51).

No estudo realizado por Moreira (2003) sobre o desenvolvimento da iluminação elétrica, fica evidente que as pesquisas levam ao aprimoramento da manufatura das lâmpadas e a incandescência deixa de ser o único meio de obtenção de luminosidade. Outros tipos de reações físico-químicas são utilizadas, como, por exemplo, as lâmpadas de descarga elétrica.

As modernas lâmpadas de descarga são constituídas por um tubo contendo gases ou vapores, através dos quais de estabelece um arco elétrico. Os gases mais utilizados são o argônio, o neônio, o xenônio, o hélio ou o criptônio e os vapores de mercúrio e sódio com alguns aditivos. A pressão do gás ou vapor dentro do bulbo pode variar desde fração de atmosfera até dezenas de atmosferas. Daí podermos classificar as lâmpadas como de baixa, média e alta pressão. As lâmpadas de neônio (anúncios de gás neônio) e as fluorescentes são lâmpadas de baixa pressão. As lâmpadas de vapor de mercúrio, vapor de sódio, iodeto metálico e gás xenônio são de alta pressão. (MOREIRA, 2003:67).

O aumento de luminosidade que essa nova geração de lâmpadas gerou foi determinante na expansão da produção de projetores, aparelhos destinados a produzir um feixe de luz numa direção determinada. Quanto à sua construção, eles podem ser classificados como abertos ou fechados. As unidades abertas possuem, geralmente, somente uma fonte de luz e o refletor; os fechados podem ter lentes e uma carcaça independente16. Em sua descrição dos equipamentos de iluminação elétrica, que prima pelo detalhamento técnico e operacional, Moreira faz uma breve referência ao emprego de tais dispositivos como iluminação artística,

Nos espetáculos de luz e som, que hoje se tornam cada dia mais comuns, utiliza-se a iluminação por projetores para reviver locais e objetos de interesse histórico. Enquanto a história do edifício ou        

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monumento é contada através de vários canais de som estereofônico, grupos de projetores são energizados, iluminando trechos dos edifícios, fazendo um fundo luminoso à narrativa. A iluminação poderá ser branca ou colorida, particularizada ou por silhueta. Com essa técnica combinada, conseguem-se efeitos que não seriam possíveis com uma apresentação estática. (MOREIRA, 1999:149).

A passagem do século XIX para o século XX foi marcada, dentre outras características, pela mudança do modo de vida urbano por conta da eletrificação das cidades, pelo aprimoramento e ampliação dos sistemas de produção em série e o rápido desenvolvimento de tecnologias de comunicação sem fio, como o telégrafo e o rádio. O impacto dessa nova ordem foi extraordinário em todos os setores da sociedade, e no campo artístico não poderia ser diferente. A manifestação artística foi transformada pelo avanço tecnológico. A pesquisadora Claudia Giannetti apresenta a questão da seguinte forma,

A partir do século XIX, a polêmica entre arte e artesanato, ou arte e tecnologia, se polariza paulatinamente, sobretudo com o aparecimento e o uso de máquinas como as da fotografia e da cinematografia. Posturas radicais adversas ao nexo entre arte e técnica, como as dos decadentistas John Ruskin e Willian Morris, confrontam-se com as idéias renovadoras da vanguarda. O caso da fotografia é, sem dúvida, paradigmático. Desde a metade do século XIX, pintores realistas, como Millet e Coubert, utilizam a imagem fotográfica como modelo de referência. A aceitação da imagem técnica não é, porém, unânime. Baudelaire não aceita a fotografia, por ser ‘o refúgio de todos os pintores frustrados, mal dotados ou demasiados preguiçosos’ (1859). Essa controvérsia se mantém por mais de 70 anos após aparição da técnica fotográfica. Nos anos 1930, Walter Benjamim continuava considerando a imagem fotográfica o motivo da crise da pintura: ‘No momento em que Daguerre conseguiu fixar as imagens da câmara escura, os técnicos substituíram os pintores’. (GIANNETTI, 2006:19-20).

Desde então, artistas procuram assimilar os desenvolvimentos tecnológicos na construção do objeto de arte, seguindo os ideais trazidos pelas vanguardas históricas, como, por exemplo, os Futuristas, que acreditavam que com o uso dos avanços tecnológicos era possível quebrar as barreiras entre arte e vida. Com a utilização desses novos elementos técnicos, o que muda não é somente a forma do fazer artístico, mas a própria aparência estética das obras17.

Para que não ocorra uma extensa descrição de todas as novidades tecnológicas vindas com o século XX, colocam-se aqui algumas invenções e avanços que possuem alguma relação com a projeção de luz e imagens em        

17 GIANNETTI, Claudia. Estética digital: sintopia da arte, a ciência e a tecnologia. Belo Horizonte:

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ambiente urbano. Em 1920, realiza-se a primeira transmissão de TV e, em 1936, os Jogos Olímpicos de Berlin são transmitidos por 25 emissoras públicas. Em 1940 foi feita uma transmissão ao vivo de longa duração e a invenção da TV em cores. Em 1954, é criada a primeira fita de vídeo e, em 1956, é lançado o suporte magnético videotape ampex. Em 1967 a Sony lança o Portapack, equipamento portátil de vídeo que se torna um marco na videoarte18.

A velocidade com que os dispositivos tecnológicos se colocam a frente da sociedade fica cada vez maior e é movida, sobretudo, por questões mercadológicas. Artistas buscam a assimilação desses dispositivos e sua inserção no universo cultural e artístico.

No século XX, a aceitação deste processo conduz, sobretudo a partir dos anos 1950, às pesquisas realizadas por artistas ou por grupos de artistas no que concerne à utilização das chamadas novas tecnologias, gerando, assim, o aparecimento da arte eletrônica ou

media art. (GIANNETTI, 2006:21).

A videoarte é reconhecida como uma das mais expressivas manifestações artísticas produzida com o uso das tecnologias. Os trabalhos de Nam June Paik, junto ao grupo Fluxus, nos anos 1960, são referências históricas desse processo, e isso se deve mais pela presença do aparato técnico nas obras do que propriamente pelo conteúdo imagético de suas instalações. Mesmo sendo um fenômeno recente, cerca de 50 anos, o vídeo já pode ser encontrado dentro do universo das artes plásticas como uma maneira que artistas encontraram para romper com esquemas clássicos de representação visual. Podemos identificar essas experiências sob a forma de instalações, videointervenções, videodança, videoperformance, videoescultura, intervenções urbanas, videopoesia e poesia digital, entre outros. Mas, ainda hoje, as manifestações de expressão artística que fazem uso do vídeo não possuem uma crítica estética estabelecida, nem critérios de análise consolidados. Para o crítico de arte Hans Belting, é justamente a proliferação de imagens técnicas o que acaba por alterar a imagem da História da Arte19. Uma das colocações de Belting sobre a impossibilidade de adequação da arte em novos suportes (vídeo e a instalação) ao contexto da história da arte é que,

       

18 Cronologia pesquisada por BAMBOZZI, L., BASTOS, M., TOLEDO, M. (Orgs). Mediações,

tecnologia e espaço público: panorama crítico da arte em mídias digitais. São Paulo, Conrad do

Brasil, 2010.

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A história da arte, como crônica oficial de um acontecimento coerente, nem sequer tomou pé ainda, isto é, não começou a elaborar um acontecimento que já tem, entretanto, três décadas e incontestavelmente ocupou lugar no cenário artístico. (BELTING, 2006:117).

O desenvolvimento e ampliação do uso do vídeo por artistas passam, inicialmente, pelo acesso a uma determinada estrutura técnica, que, no final dos anos de 1960, foi possibilitado pela aquisição de equipamentos portáteis de vídeo. Inicialmente, o recurso do vídeo – a possibilidade de assistir a imagem em tempo real, gravá-la e vê-la logo em seguida – foi usado principalmente como forma de registro de performances e happenings e, posteriormente, observa-se o desenvolvimento de instalações e ambientes imersivos, nos quais o vídeo passa a ser um dos elementos fundamentais. A historiadora de arte Amy Dempsey descreve que:

Nos anos 60, quando artistas pop estavam introduzindo o imaginário da cultura de massa nas galerias e as tecnologias do movimento e do som estavam sendo exploradas, um grupo de artistas adotou o mais novo poderoso meio de comunicação – a televisão. A partir de 1959 o artista do Fluxus Wolf Vostell (1932-88) e o artista e músico norte-americano, nascido na Coréia, Nam June Paik (n. 1932) começaram a incluir televisores em suas instalações. Mas o nascimento simbólico da videoarte só foi ocorrer mais tarde, em 1965, quando Paik comprou a nova câmera Portapak, da Sony, operada manualmente. (DEMPSEY, 2003:257).

Retornando ao percurso do avanço científico dos procedimentos de iluminação e projeção de luz, ressalta-se o desenvolvimento da tecnologia do laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation). Segundo Young Matt20, pode-se definir o laser como

um material fluorescente colocado numa cavidade óptica apropriada que, em geral, é composta por dois espelhos, um em frente para o outro. A luz fluorescente não é direcional, mas uma parte da luz emitida pelo material incide nos espelhos e volta passando pela fonte. Se os dois espelhos estão alinhados corretamente e o meio fluorescente é opticamente homogêneo, é possível haver um certo número de reflexões. Podemos amplificar a luz que atravessa a substância fluorescente utilizando um processo chamado emissão estimulada. Se o material for preparado adequadamente, a emissão estimulada conseguirá superar a absorção da luz. Quando há amplificação suficiente, o caráter da emissão muda completamente e, em vez de haver difusão difusa e não-direcional, propaga-se um feixe intenso e altamente direcionado acompanhando a direção do eixo definido pelos dois espelhos. Quando há esse tipo de emissão dizemos que o dispositivo oscila ou apresenta efeito laser e damos a        

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ele o nome de laser. De modo geral, a emissão laser é muito coerente, tanto no espaço quanto no tempo. (MATT, 1988: 253-254). Como mencionado anteriormente, a apropriação dos desenvolvimentos tecnológicos no fazer artístico foi desencadeada pelas vanguardas históricas no início do século XX. Essa apropriação foi herdada pela arte contemporânea que possui práticas caracterizadas pela utilização dos mais diversos elementos e tecnologias. Com o laser não foi diferente e logo artistas passaram a utilizá-lo como suporte. Maria das Graças Conde Caldas aponta, em seu livro sobre as perspectivas tecnológicas e de mercado para o uso do laser, a utilização dessa tecnologia com finalidade expressiva:

O Mercado de laser para efeitos visuais em shows é cada vez maior. Os lasers de hélio-neônio são os de maior aplicação para esta área de lazer. […] o sistema inclui um laser montado numa bancada óptica, equipamento de scanner e outros equipamentos programadores e acessórios para criar efeitos especiais. (CALDAS, 1986:42).

O salto tecnológico ocorrido pela revolução microeletrônica em meados dos anos 1970 trouxe, como consequência, um barateamento de equipamentos como os projetores digitais21. Segundo análise de Alberto B. Raposo, a respeito dos softwares e hardwares utilizados na construção do ambiente de realidade virtual22, pode-se classificar os tipos de projetores existentes no mercado como os que utilizam a tecnologia CRT (Cathode Ray Tubes) e os de válvula de luz (light valve), LCD (Liquid Crystal Display) e DLP (Digital Light Processing)23.

O projetor do tipo CRT é derivado das tecnologias dos tubos de emissão de raios catódicos presentes nos monitores de TV. Tem boa definição de imagem e cores, mas não possui muito brilho e requer um maior tempo de instalação e ajustes. Como o investimento dos fabricantes na tecnologia CRT está diminuindo, o custo de manutenção tende a aumentar. Estão, portanto, sendo gradativamente substituídos pelos projetores de válvula de luz (LCD e DLP).

       

21 Sobre a videoprojeção, Claudia Giannetti afirma que: "começa a ser utilizada pelos artistas Peter

Campus e Bill Viola na segunda metade dos anos 1970. Entretanto, foi a partir da segunda metade dos anos 1980 que passou a ser mais comum, pois nessa época os projetores de vídeo foram aperfeiçoados e, progressivamente seus preços diminuíram.[...] as instalações expandiram suas dimensões e se desdobraram no espaço, chegando a ocupar macroambientes." (GIANNETTI, 2006).

22 Disponível em http://www.tecgraf.puc-rio.br/~abraposo/INF1366/2005/16_RV_software.pdf. Acesso

em 14/10/2010.

23Tecnologia desenvolvida pela empresa Texas Instruments. Disponível em

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Figura 3: Esquema de projetor do tipo CRT.

O projetor LCD possui como vantagens: uma tecnologia estável, compacto e robusto e com resolução UXGA (1600x1200). Como aspectos negativos podem ser citados o baixo nível de contraste da imagem, aparecimento de borrões e "pixelização" da imagem.

Figura 4: Esquema de projetor do tipo LCD.

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número de micro espelhos. Cada microchip pode funcionar em duas posições, on e off, dependendo da luminosidade, portanto, a qualidade da imagem é excelente e o nível de contraste desse tipo de projetor faz com que ele seja funcional mesmo em ambientes claros. Mas ainda são caros, de grande porte e a resolução de imagem é limitada no modelo de 1 chip, SXGA (1280x1024). No modelo de 3 chips a resolução da imagem é maior, WUXVGA (1920x1200), e os fabricantes indicam que a próxima geração de projetores DLP possuirão capacidade de resolução de imagem equivalente a 4K24.

Figura 5: Esquema de projetor do tipo DLP

Na literatura sobre Realidade Virtual (RV) e seu emprego na ambientação e treinamento de pessoas em ambiente imersivo, encontram-se referências às características e particularidades de cada tipo de tecnologia de projeção digital.

Projetores de boa qualidade são hoje fáceis de encontrar. Os mais comuns usam tecnologia digital (DLP, ou Digital Light Processing) compostos de micro espelhos que modulam a luz. Os mais caros usam tecnologia CRT (Cathode Ray Tubes), a mesma de televisores e monitores convencionais, sendo sua vantagem ter uma varredura mais rápida e suportar resoluções maiores, apesar de serem maiores e mais caros que projetores DLP25. (GNECCO et al., 2007: 84).

       

24 Disponível em http://www.dlp.com/technology/dlp-history/default.aspx. Acesso em 13/03/2011. 25 GNECCO, B. B.; GUIMARÃES, M. de Paiva; DAMAZIO, R. Ambientes de Hardware e Software

para Aplicações de Realidade Virtual e Aumentada. In KIMER, C.; SISCOUTTO, R. Realidade Virtual

e Aumentada: Conceitos, Projeto e Aplicações. Petrópolis: SBC – Sociedade Brasileira de

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Tendo como base esse breve histórico, percebe-se, portanto, que as técnicas e procedimentos para a projeção de luz vêm se desenvolvendo há um tempo considerável.

Desde os primórdios das imagens projetadas, com dispositivos como a lanterna mágica, as projeções ocorriam em ambientes precários e com uma duração pequena, de poucos segundos até no máximo cinco minutos. Com o aparecimento dos nickelodeons, que eram armazéns adaptados, sem nenhuma segurança e com valor de ingresso muito baixo (uma moeda de um níquel, daí o seu nome), a prática da exibição de imagens em ambientes fechados e com uma estrutura narrativa menos simplória passa a ser a forma dominante de projeção de imagens que chega até os dias atuais26.

Como já mencionado anteriormente, o foco deste estudo será na intervenção artística com projeção de luz em ambiente urbano, por esse motivo, foi realizado este breve resgate histórico do desenvolvimento das tecnologias de projeção de imagens. Pode-se dizer, por conta de suas características estruturais, que as práticas projetivas realizadas pela videoarte, e nas intervenções urbanas, já foram realizadas em um outro contexto, mas totalmente desconsideradas quanto ao seu aspecto artístico. As práticas atuais com uso do vídeo, possibilitadas pela disponibilização mercadológica de recursos técnicos para a captação de imagens e por suas respectivas manipulação e projeção digitais, realizam uma forma de resgate daquelas práticas de projetivas em ambientes diversos. Christine Mello coloca a questão da seguinte forma:

A partir dos anos 1980, com o acentuado uso do projetor de vídeo (cuja forma de exibição se opõe à do monitor, por não se restringir à caixa da TV, mas se direcionar ao espaço arquitetônico), vimos florescer mais uma, entre as muitas, das formas de desmaterialização da imagem e do som, pelo fato de o vídeo, a partir disso, passar também a ser um problema de luz projetada. (MELLO, 2008:56).

Posteriormente, serão destacadas obras de artistas que fazem uso de projeção de luz como manifestação expressiva. A apresentação das obras, que será feita no Capítulo 3, foi organizada de acordo com o instrumental utilizado na intervenção: projeção de luz feita por meio de lâmpadas e refletores de alta potência, com ou sem recorte (gobo); projeção de laser e projeção de dados digitais (fotos, vídeo, computação gráfica). A intenção, ao selecionar obras que utilizam projeção de        

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Capítulo 2: Arte extramuros

Uma vez que este estudo examina a utilização de projeção de luz no ambiente urbano como intervenção artística, faz-se necessário uma retomada das manifestações estéticas que buscaram novas espacializações e contextos nos ambientes exteriores ao dos espaços institucionalizados da fruição artística.

Mas, antes de examinar essas propostas, é importante destacar a importância dos espaços destinados à arte, como museus e galerias, na solidificação de uma tradição expositiva para a arte contemporânea. Manifestações como instalações, performances, videoarte, body art e happenings utilizaram, para se firmarem, o contexto propiciado por tais espaços. Michael Rush aborda a questão da seguinte forma 27:

Ironicamente, embora grande parte da instalação do final do século XX tenha raízes em uma atitude antimuseu que caracterizou os anos 60 e início dos anos 70, são os museus e as galerias o lugar principal para ela, esta ‘arte contextual’, como poderíamos chamá-la, precisa de um contexto institucional para ser vista. Arraigada em idéias ampliadas sobre o ‘espaço escultural’ na arte da performance e na tendência para maior participação do espectador na arte, a instalação é outro passo para a aceitação de qualquer aspecto ou material do cotidiano na construção de uma obra de arte. (RUSH, 2006:110).

A expressão artística no corpo da cidade não é de maneira alguma um fenômeno recente. Desde a antiguidade, podemos observar a existência de estátuas e monumentos em lugares públicos, como explica a pesquisadora Cristina Freire28:

É importante observar a função que as antigas esculturas gregas desempenhavam nos jardins da antiguidade. Representando as figuras de filósofos da época, essa estatuária tinha a função de evocação de idéias através de seus personagens. Pontuavam os diálogos entre os filósofos e seus discípulos. Nessa época, o museu como lugar reservado para uma relação com esses objetos privilegiados era inconcebível. (FREIRE, 1997:91).

Em um artigo que aborda as investigações estéticas que realizam a apropriação do espaço público, a pesquisadora Priscila Arantes (2010) aponta o        

27 RUSH, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

28 FREIRE, Cristina. Além dos mapas, os movimentos no imaginário urbano. São Paulo: Sesc:

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conceito de cidade como escritura já em passagens com o dândi burguês de Baudelaire, que, melancólico, andava sem rumo pelo espaço da cidade, com as excursões urbanas dos dadaístas e as deambulações casuais dos surrealistas. A autora aponta ainda a retomada, por Walter Benjamim, desses roteiros citadinos dos surrealistas, em que a figura do flâneur surge como o entediado personagem urbano que se interessa pelo espetáculo da cidade por meio do seu olhar indolente29. Nelson Brissac Peixoto, ao indicar o espaço urbano como cenário de investigações artísticas, também coloca o flâneur como perceptor dessa paisagem30:

O flâneur é esse novo observador. Com seu passo lento e sem direção, ele atravessa a cidade como alguém que contempla um panorama, observando calmamente os tipos e os lugares que cruza em seu caminho. Com esse jeito de passear, como se recolhesse espécies para uma verdadeira tipologia urbana, ele está ‘a fazer botânica no asfalto’. Ele faz ‘um inventário das coisas’: o trabalho de classificação característico da época. (PEIXOTO, 2004:99).

Mesmo que a deambulação citadina já tenha sido realizada desde o flâneur do século XIX até dadaístas e surrealistas no início do século XX, foi somente no período contemporâneo que o espaço urbano passa a ser explorado artisticamente com mais intensidade. Um dos primeiros movimentos que buscou os espaços urbanos em suas propostas e ações ocorreu em 1957, na Itália, onde um grupo de artistas, escritores, críticos e cineastas de vanguarda dedicados à arte moderna e à política radical formaram a Internacional Situacionista. Com integrantes como Guy Debord, Michele Bernstein, Gil J. Wolman e Giuseppe Pinot-Gallizio, entre outros, os situacionistas acreditavam que a prática artística era um ato político e que uma revolução poderia ser realizada por meio dela. Cristina Freire aponta que

De todas as poéticas e programas artísticos que nosso século produziu talvez tenham sido os Situacionistas Internacionais, depois dos Surrealistas, aqueles que mais se aproximaram da idéia e experiência de uma cidade imaginária, carregada de conteúdo simbólico. (FREIRE, 1997:67).

Nas propostas dos situacionistas estava a crença de que a intervenção na realidade cotidiana poderia causar um despertar da percepção das pessoas para o ambiente circundante e para a forma como ele é construído, de forma a ocorrer,

       

29 ARANTES, Priscila. Cartografias Líquidas: A cidade como escrita ou a escrita da cidade. In

BAMBOZZI, L., BASTOS, M., TOLEDO, M. (Orgs). Mediações, tecnologia e espaço público: panorama crítico da arte em mídias digitais. São Paulo, Conrad do Brasil, 2010.

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assim, uma transformação na sociedade31. O conceito de psicogeografia ocorre por meio de uma experimentação individual da cidade, a deriva, e a capacidade de construção de mapas imaginários.

[Os Situacionistas] Introduzem na arte uma variante do conceito literário da flânerie que denominam deriva. A deriva é, a um só tempo, um procedimento e uma teoria. Como teoria parte dos pressupostos da flânerie benjaminiana, mas apresenta algumas distinções. Se o

flâneur, no século XIX, tinha como característica principal o prazer de olhar, aquele que deriva se apropria dos objetos nos quais investe seu olhar e sua fantasia. Trata-se de uma atitude mais critica do que a do

flâneur, uma vez que tenta desmascarar a homogeneidade dos espaços no período pós II Guerra, quando os veículos de comunicação de massa ganham maior impulso. (FREIRE, 1997:68). A efervescência dos conturbados cenários políticos e sociais dos anos 1960 detonaram questionamentos dos mais variados tipos que foram ampliados devido à presença constante dos meios de comunicação de massa, como a televisão, que levaram imagens de guerras e conflitos sociais para dentro dos lares. Isso, somado a situações sem precedentes, como a possibilidade de um conflito nuclear e a ida do homem para viagens espaciais, fez com a que a própria concepção de humanidade fosse alterada. Esses fatores são refletidos também nas práticas artísticas, como se todas as concepções anteriores sobre a arte fossem postas à prova.

As ações propostas pela arte na segunda metade do século XX atingem e questionam tanto o objeto artístico quanto o espaço a ele destinado. Percebe-se a ruptura com os espaços expositivos convencionais, como museus e galerias de arte, na intenção de buscar uma legitimidade ao se aproximar da vida cotidiana.

Depois da metade da década de 1950, os artistas se empenham em transgredir as fronteiras dos gêneros e das artes, inter-relacionando os mais diversos campos - música, teatro (ação, happening, performance), dança, cinema (audiovisuais), artes plásticas, entre outros - empregando meios insólitos, sejam eles ‘naturais’ (água, fogo, ar e luz), como mecânicos, tecnológicos e eletrônicos (radar, laser, televisores, câmeras). (GIANNETTI, 2006:81).

O que se pode observar no período dos anos de 1960 é a difusão de propostas e práticas artísticas totalmente diferentes e distantes do que até então estava convencionado no espaço da arte. Tendo como farol as ideias do movimento Dada, que investia contra as tradições do campo da arte, e as obras de Marcel Duchamp, que propôs, entre outras obras, por exemplo, um urinol como escultura

       

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(readymade) já em 1917, esses movimentos artísticos buscaram levar às últimas consequências os conceitos e as formas de manifestação artística.

O questionamento das regras e formas de se fazer arte e o seu respectivo desvelamento são forças propulsoras dessas manifestações que, usualmente, são conhecidas como vanguardas tardias. A ideia do uso do espectador na criação e na percepção da arte e a intenção de privilegiar o conceito, em vez das concepções anteriores de estilo e beleza, são aspectos determinantes nos movimentos como o da arte conceitual, do minimalismo e da arte performática.

A arte conceitual surgiu como categoria ou movimento no final da década de 60 e no início da década seguinte. Também costuma ser designada como arte da idéia ou arte da informação e seu preceito básico é o de que as idéias ou conceitos constituem a verdadeira obra. (DEMPSEY, 2003:240).

Várias técnicas e estratégias associadas à arte conceitual difundiram-se, penetrando todo o âmbito da arte contemporânea32. Questões como a utilização de objetos do cotidiano na construção das obras – uma retomada do readymade – o uso da tecnologia como suporte, a diversidade de linguagens e a indagação sobre o que era exatamente arte e qual o papel que ela desempenhava na sociedade moderna podem ser tributadas aos artistas conceituais.

Sem dúvida foi a Land art o movimento que levou ao extremo a questão da utilização dos espaços exteriores ao das galerias e museus como suporte para a manifestação artística. Além da expansão da fronteira espacial, a fronteira do uso de materiais diversos também foi alargada. Mais do que simplesmente levar a obra para o ambiente exterior ou adequá-la ao ambiente fora de galerias e museus, artistas, como Robert Smithson e Richard Serra, propõem um posicionamento crítico sobre a situação urbana33.

Na segunda metade da década de 1960, Robert Smithson produziu peças que utilizavam texto e fotografia, Monumentos de Passaic, em 1967. A questão da ambientação das obras é desenvolvida no trabalho de Smithson por meio da colocação de proposições como os conceitos de site e nonsite. Site seria um local

       

32 WOOD, Paul. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

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particular no meio ambiente e nonsite os espaços contextualizados das galerias onde ele poderia expor34.

Figura 6 a, b: Monumentos de Passaic, 1967, Robert Smithson. 

 

Nos Monumentos de Passaic (1967), Smithson misturou narrativa, citações e fotografia em um relato das atividades de um dia [...]. Ele narra a sua história começando pela compra do filme e pela viagem - saindo de Nova York, de ônibus, com sua câmera instamática - até o lugar onde nasceu, a cidade industrial de Passaic, em New Jersey. Ali ele se põe a fotografar espaços predominantemente industriais como se as indústrias fossem monumentos anti-heróicos dedicados a uma moribunda modernidade industrial. (WOOD, 2002:48).

Com a percepção voltada para os escombros e processos de desintegração geológica, seja por ação natural ou humana, Robert Smithson passa a propor locais ermos e degradados como sítio do fazer artístico. Peixoto35, sobre os Monumentos de Passaic, nos diz que:

Toda a região estava sendo transformada pela expansão dos subúrbios e da rede de auto-estradas, tudo o que parece restar são ruínas industriais. A apresentação da cidade, na forma de guia turístico, em que os "monumentos" são velhas pontes, adutoras e pátios de estacionamento, restos de infra-estrutura industrial, é o retrato mais acabado de uma paisagem urbana entrópica. (PEIXOTO, 2010:93).

Na ocasião da Documenta 5, na Alemanha, em 1972, Smithson escreve sobre o tema do "confinamento cultural", observando que:

       

34 ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 35 PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens críticas: Robert Smithson: arte, ciência e industria. São

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[...] se o artista não era capaz de olhar para além da instituição da cultura já constituída, então tanto o artista de vanguarda quanto o modernista conservador se transformavam em ratos de laboratório, ‘fazendo pequenos e complicados truques’ no local reservado à sua realização. (WOOD, 2002:49).

Mesmo na obra de Robert Smithson, que a partir dos anos de 1970 passa a ser mais conhecido por seus trabalhos em ambiente externo e em grande escala, com deslocamento de enormes quantidades de terra, podemos identificar, inicialmente, o uso do espaço expositivo tradicional como suporte aos estudos do ambiente externo ao das galerias. Para Peixoto, essa primeira fase antecipa a ação do artista no ambiente externo:

Os nonsites, realizados entre 1968-1969, tinham o aspecto de uma exposição geológica ou mineralógica. Embora, de início, Smithson tenha produzido obras tridimensionais que poderiam ser associadas a uma prática escultórica, ele logo passaria a evitar desenhar qualquer tipo de elemento que pudesse ser relacionado a esse repertório. Já nos nonsites, as referências à estrutura cristalina são feitas pelos formatos dos recipientes de minérios, elementos sem qualquer vínculo com a lógica da escultura. Não se tratava, tampouco, de realizar operações nos próprios lugares, intervenções artísticas tal como viriam a ser a earthworks. (PEIXOTO, 2010:95).

A execução do registro fotográfico da ação ou da obra torna-se imprescindível nas práticas nos ambientes externos ao das galerias e museus, tornando-se parte constitutiva da obra. Cristina Freire coloca a questão da seguinte forma:

Environmental Art, Land Art e demais propostas congêneres são interessantes à medida que abrem novas alternativas para mostrar arte. Não deixam de ser, no entanto, propostas contraditórias já que, muitas vezes são realizadas em locais muito distantes, onde o acesso é difícil e o tempo de duração dos trabalhos é também relativamente curto, o que faz com que sejam observados, na maioria das vezes, por meio de fotografias. (FREIRE, 1997:79).

Se no caso de Smithson, a localização longínqua foi uma das características de suas intervenções no espaço físico, em um determinado trabalho de Richard Serra a controvérsia se deu justamente pelo aspecto contrário, a sua inserção no espaço cotidiano.

Imagem

Figura 1: Câmera escura de Athanasius Kircher, ilustração da segunda edição de Ars Magna Lucis Umbrae,  1671. 
Figura  8:  Christo  and  Jeanne‐Claude,  Wrapped  Monument  to  Vitorio  Emanuele  II,  Piaza  del  Duomo,  Milão,  1970.
Figura 15 a, b: Regina Silveira, Iluminaluz, 2007.
Figura 19 a, b, c e d: Regina Silveira, Passeio Selvagem, 1997.
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Referências

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