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Capítulo 2: Arte extramuros

2.2 Street art

Questões como a autorização, ou sua inexistência, para as manifestações em espaço público, como, por exemplo, o grafite, suscitam mais dúvidas do que certezas sobre o conceito de arte. As práticas criativas informais no ambiente urbano, não solicitadas, contribuem continuamente para uma mudança subversiva da face da cidade atual52.

Como absorver, nos dias atuais, a crescente demanda de manifestações artísticas não autorizadas que ocorrem de maneira difusa e anônima no corpo da cidade? Com uma variedade de técnicas como, por exemplo, o estêncil, stickers, grafite e pichações, a Street Art interfere na paisagem urbana com criatividade e desobediência. Comumente taxada de vandalismo, essas manifestações rivalizam com o conteúdo publicitário que inunda os grandes centros urbanos.

Uma das bandeiras levantadas por artistas atuais da vertente conhecida como Street Art é a reivindicação do espaço físico das cidades por meio de uma postura ativista. Nessas manifestações expressivas não são tão relevantes as questões como autoria e o status de obra de arte, e sim o seu aspecto de intervenção propriamente dito, isto é, sua colocação no espaço urbano sem uma prévia autorização, e seu caráter contestatório e subversivo.

Tais elementos podem ser observados nas intervenções urbanas do artista canadense Roadsworth. O artista começou a pintar as ruas, com a técnica do estêncil, movido por um desejo de conquistar mais espaço para bicicletas nas ruas        

52 KLANTEN, R.; HUBNER, M. Urban Interventions. Personal Projects in public spaces. Gestalten,

de Montreal (Canadá), um posicionamento crítico à "cultura do carro". Essa prática acabou por trazer mais problemas do que reconhecimento, como a sua prisão em 2004, por exemplo.

  Figura 9: Roadsworth, Cattle crossing (Travessia de gado), 2004. 

Com a acusação de 53 crimes de dano ao patrimônio, Roadsworth ficou sujeito a um registro criminal e pesadas multas. O abrandamento da pena foi derivado, em parte, do apoio da opinião pública que o artista recebeu53.

É interessante destacar a pertinência desse trabalho de reivindicação do espaço público urbano, mesmo que realizado em outro contexto, em um momento em que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) da cidade de São Paulo organiza uma campanha com a intenção de diminuir o número de mortes causadas por atropelamento na cidade de São Paulo, intitulado Programa de Proteção ao Pedestre54. Segundo o site da CET, o objetivo do programa é criar a cultura de respeito ao pedestre, visto que em 2010 foram registrados 7007 atropelamentos e 630 pessoas mortas55.

       

53 Disponível em http://roadsworth.com/main/index.php?x=page&title=BIO. Acesso em 23/02/2011. 54 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/912756-sao-paulo-tera-campanha-pelo-

respeito-a-faixa-de-pedestres.shtml. Acesso em 07/05/2011.

55 Disponível em http://www.cetsp.com.br/consultas/zona-de-maxima-protecao-ao-pedestre-

Outro exemplo de intervenção que discute a primazia do carro no espaço público urbano é conhecido como Vaga Viva. Surgida em São Francisco, EUA, em 2005, com o nome de Park(ing) Day, essa ação foi criada pelo REBAR, um grupo interdisciplinar de artistas que trabalha na interseção da arte, design e ativismo por meio de arte pública visual e conceitual, intervenções urbanas e instalações temporárias56.

  Figura 10: Vaga‐Viva, São Paulo, 2010.

No espaço em que usualmente estariam estacionados automóveis, são colocados sofás, bancos, tapetes e vasos para que a população possa fazer uso daquele espaço sem que haja necessidade de um automóvel intermediando esse uso.

As tecnologias de redes digitais tiveram um importante papel no rápido desenvolvimento de manifestações expressivas não autorizadas e a divulgação dos registros fotográficos e videográficos dessas ações. Justamente por possuir uma proposta "open source" e difundir o senso de comunidade, a ideia do Park(ing) Day

       

foi propagada pelas redes digitais e realizada em vários lugares do mundo. Em 2009, foram realizadas 700 ações, em 140 cidades de 21 países57.

Para Anne Pasternak, presidente e diretora artística do órgão de fomento a manifestações de arte pública Creativetime58, a intervenção artística descreve os trabalhos de artistas que transgridem o ambiente cotidiano para criticar, satirizar, agitar e romper as fronteiras da ação política no espaço urbano a fim de criar consciência e até mesmo a realização de mudanças sociais. Nesse processo, os artistas ativam o espaço urbano como lugares democráticos, mantendo as cidades vivas com criatividade e ideias poderosas para assim engajar novos públicos59.

Em um texto sobre o trabalho do grupo PORO60, de Belo Horizonte, que realiza intervenções urbanas efêmeras com forte conteúdo poético e questionador, o pesquisador André Mesquita descreve a atividade de coletivos artísticos da seguinte forma61:

Através da concatenação transversal entre coletivismo artístico e ativismo político, chegamos aqui a um movimento difuso de "pós- vanguarda", que, tal como denomina o teórico Brian Holmes, socializa saberes e permite a muitas pessoas tomar parte da produção de imagens, das novas linguagens e de sua circulação, reconhecendo que a produção de mensagens pela arte também fabrica situações sociais. O que está evidente nisso é a oportunidade maciça de apropriação de ferramentas e mensagens pelos coletivos e artistas por meio de projetos de mídia tática, de uma ética de livre participação e de crítica à propriedade intelectual. (MESQUITA, 2011:111-112). O grupo PORO acredita que suas ações singelas no espaço urbano continuam a ser compartilhadas em redes digitais; os integrantes do grupo estimulam outras pessoas a executá-las em outros espaços, ampliando assim os seus efeitos no cotidiano.

       

57 Site do projeto: http://parkingday.org/. Acesso em 21/04/2011.

58 Disponível em http://www.creativetime.org/home. Acesso em 03/05/2011.

59 PASTERNAK, Anne. Just do it. In MCCORMICK, C.; SCHILLER, M. & S.; SENO, E. (Eds.)

Trespass: A history of uncommissioned urban art. Taschen, 2010.

60 Site do grupo: http://poro.redezero.org/

61 MESQUITA, A. Sobre a arte das pequenas coisas. In CAMPBELL, B.; Terça-Nada!, M. Intervalo,

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