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Intervenções com projetores digitais

Capítulo 3: Projeções na cidade obras e artistas destacados

3.3 Intervenções com projetores digitais

Trabalhando com esse procedimento desde os anos 1980, o artista polonês Krzysztof Wodiczko tem um papel de destaque dentro do circuito artístico, por conta de suas ações com projeção de imagens no ambiente urbano. O artista é internacionalmente reconhecido por suas projeções de slides e vídeo em larga escala, em monumentos e fachadas. Hoje, dirige o Interrogative Design Group, que está localizado no Center for Advanced Visual Studies, do qual foi diretor entre 1995 e 1997, no Massachusetts Institute of Technology (EUA).

Na intervenção CECUT Project (2001), Wodiczko fez uso da tecnologia de captura e transmissão de imagens de vídeo, em tempo real, e sua projeção em grande escala na fachada de 60 metros de diâmetro do Teatro Omnimax, no centro Cultura de Tijuana (CECUT), para dar voz às mulheres mexicanas que trabalham em indústrias americanas situadas na fronteira EUA/México. Foi desenvolvido um fone de ouvido que integra uma câmera e um microfone que permite ao usuário se mover sem que a imagem perca o foco. O capacete foi conectado a dois projetores e alto-falantes para que os testemunhos transmitidos ao vivo externassem questões variadas, que iam desde problemas relacionados à desintegração familiar, alcoolismo, até violência doméstica e abuso sexual.

Figura 22 a, b, c, d e e: Krzysztof Wodiczko, Cecut Project, 2001.

O projeto CECUT foi parte da inSITE 2000, um projeto binacional de artes contemporâneas com base na investigação e ativação artística do espaço urbano em San Diego (EUA) e Tijuana (México). Sobre o trabalho de Wodiczo, o pesquisador Nelson Brissac Peixoto faz a seguinte colocação,

São práticas sobre monumentos ou áreas de desenvolvimento urbano que procuram redesenhar esses sítios, reapropriando o espaço da cidade contra a sua organização para o lucro e o controle. Projeções

de imagens de sem-teto sobre a arquitetura monumental, encarregada de apagar sua presença na cidade. Criação de dispositivos de comunicação para excluídos, num ambiente que dificulta a interação por meio das formas simbólicas da cidade. (PEIXOTO, 2002, p. 27). Dentre os trabalhos de Wodiczko realizados no Interrogative Design Group, destaca-se o Veteran Vehicle Project (2008). Essa intervenção78 foi desenvolvida a fim de dar uma voz pública aos veteranos de guerra lutando com as dificuldades de retomar a vida civil.

Um carro de combate foi adaptado e transformado em um veículo de projeção de vídeo. Na parte de trás do carro, onde estava a plataforma de armas, no caso um lança mísseis, foi colocado um potente projetor de vídeo com caixas acústicas. O que era usado para lançar foguetes tornou-se um dispositivo para que veteranos de guerra pudessem expor seus testemunhos de guerra para que o público compreendesse suas dificuldades existenciais e de adequação social. O conteúdo audiovisual projetado pelo veículo foi colhido em reuniões com cerca de 40 veteranos de guerra sem-teto e é basicamente formado por críticas, mensagens e testemunhos.

Figura 23 a, b, c e d: Krzysztof Wodiczko, Veteran Vehicle Project, 2008.

O artista norte-americano Tony Oursler realizou no ano 2000 a obra The Influence machine (A máquina de influência), no Madison Square Park, Nova York,        

78 Disponível em http://interrogative.mit.edu/projects/2008/veteran-vehicle-project. Acesso em

EUA. O trabalho foi composto de projeções de grandes rostos em árvores e fumaça. Foi criado um ambiente que remonta às projeções de luz do século XIX. A intenção de Oursler, ao utilizar projeções de vídeo, elementos escultóricos, máquinas de fumaça, uma variedade de trilhas sonoras e vozes pré-gravadas foi a de explorar o impacto de tecnologias antigas e atuais em nosso cotidiano.

Figura 24 a, b, c, e d: Tony Oursler, The influence machine, 2000.

Para a crítica Amy Dempsey, as projeções ao ar livre de Oursler transformaram os locais utilizados na intervenção em uma “psicopaisagem”, “com árvores e edifícios falantes, cabeças que conversavam como no Mágico de Oz, luzes, sons e espectros. Tudo isso provocava uma sensação fantasmagórica, como se fosse uma grande sessão espírita ao ar livre”. (DEMPSEY, 2003: 259).

Um ponto a ser salientado na obra de Oursler é que ele retoma, sob certos aspectos, as projeções de fantasmagorias realizadas por Robertson no final do século XVII. Rostos aparecendo em fumaça e nas árvores evocam a presença de espíritos e assombrações.

O mexicano Fernando Llanos (1974) também utiliza projetores digitais em suas intervenções. O destaque para a obra de Llanos está no aspecto da independência de seu trabalho. Na intervenção urbana Videoman 5.5, a curadora Lucia Cavalchini79 destaca as seguintes impressões:

Em 2005 com o título “(vi vídeo) Videoinstalaciones móviles en contextos urbanos específicos” na cidade de Porto Alegre, Brasil. Fernando Llanos faz suas primeiras intervenções usando tecnologia como mediadora de processos comunicacionais interativos. Ele confronta e envolve as pessoas com suas projeções de vídeo, através de um circuito fechado em que grava suas reações. (CAVALCHINI, 2009: 63).

  

 

Figura 25 a, b, c, e d: Fernado Llanos, Video‐Man 5.5, 2005.

 

 

       

79 CAVALCHINI, Lucia. Videoman 5.5. In BEIGUELMAN, G.; BAMBOZZI, L.; BASTOS, M.; MINELLI,

R. (Orgs.) Apropriações do (in)comum – Espaço público e privado em tempos de mobilidade. Disponível em http://www.ism.org.br/ebooks/artemov_port.pdf. Acesso em 12/04/2010.

O que pode ser evidenciado nos trabalhos de Fernando Llanos é o quanto a sua obra é impactante e subverte o caráter institucional da obra de arte, dado o fato de que ela pode ocorrer em lugares que até então não havia nenhuma previsão para ocorrência de manifestações artísticas. Retomando a leitura de Lucia Cavalchini sobre a obra de Llanos,

Videoman é um super-herói midiático e nômade. Ele atravessa fronteiras espaciais e virtuais. Seus raios luminosos se projetam em qualquer superfície, paredes, objetos, janelas, pessoas. Ele intervém em todo tipo de cenários: mercados, praças, aeroportos, estádios, monumentos, túneis medievais, restaurantes, etc. Seu público às vezes é uma multidão saindo de um jogo de futebol, outras são apenas alguns notívagos solitários que vagam pela noite. (CAVALCHINI, 2009: 64).

Antivj é um coletivo de artistas (Yannick Jacquet, Jérémie Peeter, Joanie Lemerecier e Thomas Vaquié) que tem trabalhado projeções de vídeo em espaços urbanos com a utilização de uma técnica chamada videomapping (mapeamento de vídeo). Após uma “leitura” da superfície a ser usada como base das projeções, essa mesma superfície é reconstruída por meio de softwares 3D. Com uma combinação de videografismos 2D e 3D, o efeito visual causado torna-se impressionante, dando a impressão de que a estrutura base onde está sendo projetado o vídeo ganha vida por meio de movimentos tridimensionais. Podemos observar esse efeito no trabalho realizado pelo antivj na Nuit Blanche Bruxelles, em 13 de outubro de 2008.

Figura 26 a, b: Antivj, Nuit Blanche (Bruxelles), 2008.

A instalação de arte interativa Under Scan (2005), do artista mexicano Rafael Lozano-Hemmer retoma a proposição da Arquitetura Relacional, com a utilização de projeções de vídeo em espaço público. Nesse trabalho, os transeuntes são

detectados por um sistema de monitoramento computadorizado, que ativa vídeoretratos em suas sombras projetadas. No trabalho, percebe-se a necessidade da interatividade do público com a obra para que a intervenção ocorra, uma vez que as imagens só são projetadas nas sombras dos espectadores.

Figura 27 a, b e c: Rafael Lozano‐Hemmer, Under Scan, 2005.

Under Scan foi apresentada pela primeira vez no campus da Brayford University, em novembro e dezembro de 2005. No site do artista80, obtemos a informação que mais de mil vídeoretratos de voluntários foram tomados por uma equipe de cineastas locais e que no aparato técnico foram utilizados projetores

       

robóticos, servidores de mídia, elevadores tesoura, software personalizado e sistemas de vigilância computadorizado.

Hoje, à frente da empresa Visualfarm, especializada em projeções de vídeo e criação de ambientes imersivos, Alexis Anastasiou, que, de acordo com a pesquisadora Christine Mello, é responsável pelas primeiras experiências de VJs no Brasil, realizou, nos dias 15 e 16 de maio de 2010, por ocasião da Virada Cultural da cidade de São Paulo, uma série de intervenções urbanas com o uso de projetores digitais. Os trabalhos aconteceram no centro da cidade e merece destaque o que ocorreu no Pátio do Colégio, local que representa historicamente o marco inicial do nascimento da cidade de São Paulo. Utilizando 7 projetores de 15000 ANSI-lumens, Alexis e sua equipe “vestiram” toda a fachada do prédio dos jesuítas com imagens de um “remix” de imagens e gravuras históricas retiradas de obras clássicas dos pintores do século XIX, Debret e Benedito Calixto. A intervenção buscou transportar os espectadores, à frente daquele prédio histórico, a um passado distante, por meio de referências iconográficas de época. A questão da localização da intervenção foi determinante na produção, pois o anteparo das projeções estava sendo realizado em um local definido como marco de memória da cidade. O mesmo conteúdo, se projetado em outro prédio, talvez não tivesse o mesmo efeito de resgate histórico.

O SMSlingshot é o mais representativo dos projetos aqui apresentados quanto ao uso de tecnologias de projeção de imagem e de redes digitais, ativismo político e reivindicação do espaço público. Criado pelo coletivo de intervenção de mídia pública VR/Urban, formado pelo designer Christian Zollner e pelos programadores Patrick Tobias Fischer e Thilo Hoffman, o projeto foi apresentado pela primeira vez no Media Facade Festival 2008, realizado na cidade de Berlim.

A proposta conceitual do projeto é oferecer um dispositivo de intervenção pessoal na paisagem urbana real, tomada por informações publicitárias de cunho comercial. É a reivindicação direta do espaço da cidade para manifestações individuais, para que não ocorra somente uma atitude passiva da população para as mensagens visuais no ambiente urbano81.

Figura 29: Esquema de funcionamento do SMSlingshot.

O design do equipamento não poderia ser mais apropriado para as intenções do grupo. Apesar de alguns protótipos iniciais do dispositivo de emissão das mensagens possuírem semelhança com armas de fogo, os criadores da intervenção decidiram pela atiradeira, ou estilingue, pela sua conotação de rebeldia e insurgência.

       

Figura 30: SMSlingshot.   

O estilingue possui no seu corpo um teclado, como o de um telefone móvel normal; na parte de trás da peça há um emissor de laser que ativa uma parede ou fachada que está sob o foco de um projetor digital. Com um laptop munido com um software específico para detectar o posicionamento do laser na tela e ligado ao telefone por meio de rádio transmissores, o usuário do equipamento pode escrever uma mensagem de até 140 caracteres no teclado e, ao enviá-la via twitter, o texto será projetado na parede dentro de uma mancha de tinta colorida.

Esse trabalho foi apresentado em São Paulo no ano de 2010, no FILE, Festival Internacional de Linguagem Eletrônica. No site do grupo há um texto que informa de maneira indignada o fato de uma empresa de telefonia que atua no Brasil (TIM) ter feito uso, em uma campanha de marketing, de um aparelho praticamente idêntico ao SMSlingshot. A dupla revolta dos integrantes do VR/Urban é derivada da apropriação da ideia e do nome do dispositivo sem a devida referência aos créditos, e da utilização com fins diametralmente opostos ao da concepção original, que é a da supressão da publicidade em favor das manifestações pessoais.

Após a passagem pelo FILE em São Paulo, o SMSlingshot esteve presente na edição de 2010 do Media Facade Festival (MFF), no qual as mensagens enviadas pelo aparelho não ficaram restritas somente a um local e puderam também ser projetadas nas outras cidades participantes do evento.

Figura 31: Parede atingida pelas projeções do SMSlingshot

Essa foi justamente a ideia do MFF 2010, projeto iniciado pelo Public Art Lab/ Berlim, em cooperação com diversas outras instituições (IMAL/Bruxelas, m-cult/ Helsinki, FACT/Liverpool, Ars Eletronica/Linz, MediaLab-Prado/Madrid e Kitchen /Budapest): promover a interação das 7 cidades européias participantes do evento por meio do uso interativo e participativo de telas urbanas e fachadas midiáticas82. A urbanista, pesquisadora e presidente da International Urban Screens Association (IUSA), Mirjan Struppek, observa um universo bem amplo à frente de manifestações de projeção de imagem em movimento em espaços públicos83. Para ela, a interatividade proporcionada pelas redes de comunicação, como a internet, somada às tecnologias digitais de displays, como os leds, podem estabelecer novos        

82 Disponível em http://www.mediafacades.eu/ Acesso em 08/11/2010.

83 STRUPPEK, M. Urban Screens: o potencial para interação de telas públicas urbanas. In

BEIGUELMAN, G.; BAMBOZZI, L.; BASTOS, M.; MINELLI, R. (Orgs.) Apropriações do (in)comum –

Espaço público e privado em tempos de mobilidade. Disponível em

significados aos contatos, mediados pelas telas urbanas, dentro e entre comunidades.

Tem-se verificado um crescente interesse em ligar a infra-estrutura das telas (urbanas) com instituições culturais que preservam e produzem conteúdos digitais em vídeoarte. Centros culturais e instituições como a Schaulager, na Basiléia e a Austria Kunsthaus, em Graz, começaram, mesmo que de forma experimental, a integrar oficialmente telas em suas fachadas arquitetônicas, de modo que elas funcionem como uma extensão dos seus arquivos em espaço público. (STRUPPEK, 2009: 100).

Uma vez que o foco deste estudo é a intervenção urbana com técnicas de projeção de luz, não irei me estender nas possibilidades de ações expressivas com a utilização de painéis digitais e fachadas midiáticas, que renderiam um longo estudo. Mas é incontestável a necessidade de se fazer referência a um evento que explora a presença cada vez maior dessas estruturas visuais de comunicação presentes no espaço urbano com ênfase no aspecto da interatividade e participação do público.

Como colocado anteriormente, essa seleção de trabalhos buscou ilustrar, de maneira pontual, a utilização que artistas tem feito dos dispositivos de projeção de luz em ambiente urbano, servindo como um pequeno panorama dos significativos resultados obtidos por meio de intervenções com luz na paisagem urbana.

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