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Capítulo 4: Práticas de intervenção com projetores digitais

4.1 Vídeo Guerrilha

Nos dias 11, 12 e 13 de novembro de 2010, foi realizada na cidade de São Paulo uma intervenção artística com uso de projeção de luz em ambiente urbano, o Vídeo Guerrilha. A intervenção foi concebida e coordenada por Alexis Anastascious, também conhecido como VJ Alexis, e teve suporte técnico de sua empresa, a Visualfarm.

Segundo as informações fornecidas pelos organizadores do evento, o Vídeo Guerrilha é uma mega intervenção artística na arquitetura de São Paulo, realizada de forma coletiva por criadores de diferentes partes do Brasil e do exterior 84.

Com a proposta de fazer com a que a própria rua e a paisagem urbana se tornassem uma obra, a intervenção Vídeo Guerrilha apresentou, em forma de mega projeções nas fachadas dos prédios da Rua Augusta e adjacências (região central de São Paulo), trabalhos de artistas como o próprio VJ Alexis, o VJ Fernando Salis, Jodele Larcher, Rosa Menkman (NL), Eavan Aiken (IE) e Wilton Azevedo. Além de coletivos como o Sin Logo, Lost Art, Descontrução, Embolex e Bijari. Na espaço-tela T.A.Z. (Zona Artística Temporária) foram selecionados e exibidos trabalhos de pessoas que enviaram seus trabalhos, por meio de inscrição via internet, para a organização do evento.

Durante os três dias, a Rua Augusta, no centro da capital paulistana, teve onze mega projeções em suas fachadas de prédios e empenas cegas, alterando de maneira significativa a sua paisagem. É inegável que a intervenção teve um impacto        

positivo, o que pode ser deduzido pela repercussão que o evento teve na mídia, tanto em jornais impressos, quanto nos telejornais e nos grandes portais da internet.

O aparato técnico para uma intervenção desse porte é considerável. Para a criação das 11 telas foram usados projetores de iam de 15.000 a 40.000 ANSI lumens. O peso desse tipo de equipamento exige um grande número de pessoas para a locomoção e ajuste, alguns chegam a pesar mais de 100 kg. Computadores utilizados como servidores de vídeo e equipe operacional especializada nesse tipo de equipamento também fazem parte da logística necessária para tal projeto.

Diversas propostas estéticas e técnicas de produção de imagens estavam presentes no Vídeo Guerrilha, desde a projeção de fotografias, poesia digital, animação 2D e 3D, Tag grafitti analsys e mapeamento de vídeo.

A parte da intervenção dedicada à projeção de fotografias foi realizada pelo coletivo LOST ART e organizada pelos fotógrafos e curadores Louise Chin e Ignacio Aronovich.

As fotografias apresentadas pelo LOST ART no Vídeo Guerrilha fazem parte de uma retrospectiva da última década do coletivo e são registros de viagens pelos mais diversos países.

Na esquina da Rua Augusta com a Rua Fernando de Albuquerque, um dos espaços de projeção foi destinado às experiências ao vivo, com dispositivos de leitura de assinaturas (tags) de grafiteiros. Foi utilizado o "Graffiti Virtual Analysis", que é um software que trabalha inicialmente na leitura das assinaturas e desenhos dos artistas urbanos, por meio de um ‘tablet’ e, em tempo real, os grafismos são transpostos para as projeções.

Figura 33: Graffiti Virtual Analysis, Vídeo Guerrilha, 2010.

Em uma instalação realizada pela equipe da Visualfarm intitulada "Agigantador de pessoas" foi montado um pequeno estúdio de gravação de vídeo no pátio de um estacionamento. A câmera de vídeo estava ligada a um potente projetor digital e emitia o sinal de vídeo em tempo real. Os transeuntes eram convidados a se postar na frente da câmera e podiam observar a sua imagem ampliada em uma

enorme escala. Essa instalação também foi realizada no Vale do Anhangabaú, por conta da Virada Cutural de 2010. Nas palavras do VJ Alexis85,

O agigantador de pessoas que era uma tenda com uma câmera ao vivo, em que as pessoas eram convidadas a entrar na frente dessa câmera e ser projetada grande, no formato de vinte e cinco metros, virava um gigante projetado no prédio da prefeitura. A ideia disso em primeiro é que a arquitetura sempre é feita para que você possa se sentir um indivíduo inferior perante as grandes instituições, então o prédio da prefeitura de São Paulo, com certeza, segue essa visão. A minha ideia é que você pudesse ser tão grande quanto o prédio, então você vira um superstar instantâneo ali no meio vale do Anhangabaú.

       

85 Em 11/05/2010, realizei uma entrevista com o VJ Alexis, na sede da empresa Visualfarm, como

Figura 34 a, b e c: Agigantador de pessoas, Vídeo Guerrilha, 2010.

Com a projeção do trabalho 48.1000 EletroAcaústica Hz 1.0 # de autoria de Wilton Azevedo, o Vídeo Guerrilha colocou no ambiente urbano, e em grande escala, a poesia digital que o autor já vem há algum tempo desenvolvendo em ambiências digitais.

Figura 35 a, b e c: 48.100 EletroAcaústica Hz 1.0 #, Vídeo Guerrilha, 2010.

Na maioria dos trabalhos exibidos no Vídeo Guerrilha, as projeções utilizaram o que é comumente conhecido como tela cheia (full screen), ou seja, as superfícies dos prédios eram cobertas com toda a área de luz proveniente dos projetores,

formando assim um perímetro regular de projeção, tanto no formato 4:3 (quadrado) quanto no 16:9 (retangular).

Mas, em algumas telas de projeção houve um trabalho de recorte da superfície projetada. Hoje, existem no mercado modernos softwares de manipulação e edição de vídeo em tempo real que permitem que a área de emissão da projeção seja manipulada, como, por exemplo, o Modul886. Assim, é possível determinar, exatamente, em quais pontos da superfície atingida vai ocorrer projeção e os conteúdos que neles serão exibidos.

Figura 36 a: Prédio com projeção mapeada, Vídeo Guerrilha, 2010.

Nessa imagem percebe-se que a projeção das imagens ocorre somente nas áreas formadas pelas muretas das varandas dos apartamentos e nas empenas cegas dos edifícios. As janelas das residências não são atingidas pelas projeções. Isso ocorre devido à construção de "máscaras" no modelo de tela de projeção com o uso do software Modul8.

       

Figura 37 b e c: Exemplo de recorte da tela de projeção feita pelo software Modul8.

No segundo trabalho de mapeamento de vídeo (video mapping) ocorrido no Vídeo Guerrilha ficou evidente a preocupação em estabelecer relações entre o

conteúdo projetado e as constituições estruturais da superfície utilizada como suporte das projeções.

Figura 38 a, b: Video mapping (Casarão), Vídeo Guerrilha, 2010.  

Nas projeções sobre o casarão da esquina da Rua Augusta com a Rua Antônia de Queiroz pode-se observar que o mapeamento dividiu a área de projeção em segmentos que realçaram as características particulares da construção utilizada como suporte. Os vídeo-artistas fizeram uso do aspecto antigo do prédio para destacar a sua arquitetura, bem como das texturas das intervenções de Street art (grafites, pichações e stickers) para desenvolver a dinâmica das projeções. Um dado chama a atenção para o quanto o patrimônio arquitetônico da cidade de São Paulo é pouco valorizado, poucos meses após a intervenção de luz em suas paredes, o casarão foi demolido para dar espaço a mais um empreendimento imobiliário. Foi como se as projeções de luz fossem os últimos suspiros da edificação, e com o apagar das luzes da intervenção, ele passasse a existir somente nas lembranças e registros daquele momento efêmero.

Figura 39: Esquina da Rua Augusta com a Rua Antônia de Queirós, 2011.

As intervenções com mega projeções realizadas no Vídeo Guerrilha modificaram a paisagem da região da Rua Augusta na cidade de São Paulo durante as três noites do evento. A percepção dos transeuntes foi impactada com a presença inesperada de imagens gigantes no ambiente urbano. A ideia de que a rua pode servir como espaço de manifestações artísticas foi bem aceita pelos

espectadores na ocasião do evento. A percepção de que um cenário previamente conhecido pode ser alterado pelas projeções faz com que as pessoas se surpreendam e se questionem sobre quais forças estruturais constroem a paisagem urbana, de que forma o indivíduo pode, de maneira inusitada, moldar situações cotidianas inusitadas que alterem essa percepção e qual o papel das manifestações artísticas nesse processo.

No catálogo do evento Arte na Rua 2 (1984), que reuniu artistas (poetas, pintores, cartunistas, artistas gráficos, gravadores) para exibirem suas criações em outdoors espalhados pelas ruas da cidade de São Paulo, Aracy A. Amaral (2006) descreve como aspectos positivos da mostra a expressão plástica, a pesquisa de novas formas, o caráter lúdico-desalienador e a repercussão positiva por parte do público atingido. Mostra também a preocupação de alguns artistas com a não permanência das obras em uma exposição que valoriza justamente o efêmero. No Caso do Vídeo Guerrilha, os pontos positivos apontados para o Arte na Rua 2 podem ser compartilhados, mas as preocupações com permanência por parte dos artistas não, e isso se deve à própria estrutura imaterial da produção em vídeo e imagens digitais.

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