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Introdução: a praxia 1 Apraxia

No documento Manual de Neuropsicologia (páginas 97-100)

2. Perturbações do movimento subcorticais

INTRODUÇÃO

A praxia diz respeito a todas as ações motoras intencionais. O córtex de associação pré- frontal dorsolateral representa o nível superior do controlo do movimento voluntário. Dele resulta a integração das representações do mundo externo (desde o córtex posteri- or) até às representações do estado interno (desde as estruturas límbicas). No córtex de associação pré-frontal dorsolateral originam-se os planos de longo prazo e as estratégias de ação e a capacidade de revisão e modificação das ações depois de avaliadas as suas consequências.

O córtex motor secundário é constituído pela área motora suplementar (centro dos movi- mentos auto-gerados ou programas dos movimentos), área pré-motora (movimentos ge- rados externamente ou coordenação dos movimentos complexos) e áreas motoras cingu- ladas. O córtex motor secundário intervém na planificação e programação dos movimen- tos. Prepara o sistema motor para o movimento organizado e sequências do movimento. A área pré-motora trabalha em associação com o parietal posterior.

O córtex motor primário ou área pré-central é o ponto de convergência e de partida dos sinais sensório-motores. Cada zona desta área controla grupos de músculos diferentes. A área de Exner ou área de Brodmann 6 é um centro da escrita. Situa-se acima da área de Boca e é anterior à área de controlo motor primária. A sua lesão relaciona-se com a agrafia.

A circunvolução angular ou área de Brodmann 39. Situa-se no lobo parietal. É a área onde ocorre a fase inicial da interpretação da palavra escrita e onde o estímulo visual é convertido no seu significado linguístico.

O córtex de associação parietal posterior integra a informação de três sistemas sensori- ais (visão, audição e sensações somáticas) que intervém na localização do corpo e dos objetos externos. A informação sai para o córtex de associação pré-frontal dorsolateral, córtex motor secundário e campo visual frontal que controla os movimentos oculares. O córtex de associação pré-frontal dorsolateral envia a informação para o motor secundá- rio, primário e visual frontal. No córtex de associação pré-frontal dorsolateral origina-se a decisão de começar uma resposta voluntária.

Os movimentos finalizados (com um objetivo) são realizados do seguinte modo: o coman- do motor origina-se da parte posterior do hemisfério esquerdo e vai até ao córtex motor esquerdo para realizar movimentos do braço direito. Para movimentos do braço esquer- do, o comando deve atravessar o corpo caloso para o córtex motor direito.

Os centros subcorticais incluem o cerebelo, os gânglios da base e a substância negra. O cerebelo recebe as vias descendentes dos córtices motores secundários e primários, dos núcleos do tronco e a retroinformação somatossensorial e vestibular. O cerebelo corrige os movimentos em curso, é fundamental na aprendizagem motora e intervém na aprendizagem cognitiva.

Os gânglios consistem num conjunto de núcleos interligados que modulam as saídas mo-

PERTURBAÇÕES DO MO-

VIMENTO

toras do tálamo até ao córtex motor. Os gânglios intervêm também em várias funções cognitivas (correspondentes às projeções para o córtex).

APRAXIA

A apraxia é um distúrbio neurológico que traduz a incapacidade de executar atos moto- res voluntários, sem que exista défice motor ou sensitivo, é uma marca da degeneração corticobasal (Kareken, Unverzagt, Caldemeyer, Farlow e Hutchins, 1998; Sirigu et al, 1999; Stamenova et al., 2009). A alteração da capacidade de realização do movimento aprendido leva à perda de pantomima do uso de objetos e execução de tarefas motoras, levando a erros, hesitações, demoras, falta de ordem, perseverança e movimentos de atalho. O indivíduo torna-se limitado e dependente, pois apesar de efetuar alguns ges- tos de forma inconsciente e saber qual o gesto que pretende realizar, compreender a sua função e ter força muscular, ter sensibilidade propriocetiva e a coordenação motora conservada, se lhe for pedido uma tarefa, poderá fazer um gesto aproximado, errado ou ser incapaz de fazer (Borrett et al., 2005; Goldenberg et al, 2007; Haaland, Harrington e Knight; 1999; Hermsdörfer Mai, Spatt, Veltkamp e Goldberg, 1996; Sirigu Daprati, Pradat-Diehl, Franck e Jeannerod, 1999; Stamenova, Roy e Black, 2009).

Uma lesão no lado esquerdo provoca uma fraqueza no lado direito, mas também apraxia do braço esquerdo bom, uma vez que o comando para movimentos está bloqueado pela lesão no hemisfério esquerdo. A apraxia pode ser encontrada também em doenças dos gânglios da base, como na doença de Parkinson, na paralisia supranuclear progressiva, na doença de Huntington, na demência com corpos de Lewy e ainda na demência fron- to-temporal (Leiguarda et al., 1997; Zadikoff et al., 2005).

A apraxia resulta de disfunção dos hemisférios cerebrais em consequência de tumores, demência, AVC, infeções e outros que, dependendo da área da lesão, levam a altera- ções motoras, sensitivas, da linguagem e outras. A praxia é mais frequente após lesão do hemisfério esquerdo, sobretudo em lesões do lobo parietal inferior e área motora, embora existam após lesões do hemisfério direito e do corpo caloso (Haaland et al., 2000; Leiguarda e Marsden, 2000; Leiguarda et al.,1997; Pramstaller et al., 1996; Za- dikoff et al., 2005).

Em 1920, Liepman propôs uma taxonomia das apraxias que ainda mantém o seu caráter heurístico e compreensivo (Quadro 7).

Segundo alguns, a apraxia pode ser ideacional, ideomotora ou motora com subtipos, como apraxia de marcha, oral, do vestir, calosal, visual, diagonística (síndrome da mão estra- nha), estrutural entre outras, que podem ocorrer isoladamente ou em conjunto (Agnew et al., 2008; Borrett et al., 2005; Zadikoff et al., 2005). Segundo outros autores, as apraxias são classificadas, segundo a sua natureza, em apraxia motora, sensorial, agnósica, amnési- ca ou ideacional. Segundo a sua origem, são classificadas em corticais e transcorticais. Ainda quem há quem mantenha os três subtipos de Liepman e acrescente a disassociativa, de condução e conceptual (Heilman, Watson e Rothi, 2005).

Alterações motoras Conceito Exemplos

Apraxia Ideacional Conceito da sequência do movimento Conhecimento da sequência da preparação de um chá

Apraxia Ideomotora Programação da sequência do movimento

Programa de movimento para colocar chaleira ao lume

Apraxia Motora Coordenação do movimento Controlo motor fino para segurar

na asa da chaleira

Paralisia Execução do movimento Movimento

Quadro 7. Tipos de alterações motoras propostas por Liepman (1920).

APRAXIA IDEACIONAL

A apraxia ideacional (Liepmann, 1920) consiste na falha em executar séries complexas de ações (e.g., dobrar uma folha de papel e colocar dentro de um envelope). Não há problemas em fazer os passos isolados. É uma perturbação na programação. Estes doen- tes podem conseguir imitar sequências, i.e., quando o programa lhes é fornecido. Os doentes alteram a ordem dos movimentos elementares da ação a realizar, outras vezes omitem algum, repetem-no ou trocam o objeto (p.e., coloca a pasta de dentes na boca em vez da escova).

Esta é uma apraxia central: não afeta somente uma extremidade ou segmento, mas todo o corpo. Esta apraxia está associada a lesões do lobo parietal do hemisfério domi- nante e acompanha-se frequentemente de afasia fluente (Borrett et al., 2005; Leiguar- da et al., 1994, 1997, 2000; Zadikoff et al., 2005). É mais frequente em doentes demen- ciados (Heilman, Watson e Rothi, 2005).

APRAXIA IDEOMOTORA

Na apraxia ideomotora (Liepmann, 1920), o doente não consegue executar ações familia- res (e.g., um gesto sob comando ou por imitação). Esta apraxia é a mais comum. Está associada a grande dificuldade na sequenciação e execução de movimentos. Quer nesta apraxia, quer na apraxia ideacional, os doentes têm dificuldades em realizar tarefas motoras que executavam bem. Um teste comum consiste em pedir ao doente que de- monstre o uso de uma ferramenta (p.e., mostrar como cortar com uma tesoura). As difi- culdades tornam-se evidentes quando o doente mexe a mão no ar ao acaso ou usa a mão representado o objeto (p.e., usar os dedos indicador e médio como lâminas de uma tesoura que corta no ar). Estes doentes têm dificuldades em ordenar as séries de movi- mentos e cometem erros em colocar os seus membros no espaço para realizar uma de- terminada ação. A imitação de movimentos de outros, habitualmente, é também defici- ente (Borrett et al., 2005; Haaland et al., 1999; Leiguarda et al., 1994, 1997, 2000; Za-

dikoff et al., 2005).

Os mecanismos que se pensam estar subjacentes a esta apraxia são as desconexões en- tre a linguagem e as áreas frontais (corpo caloso, lobo parietal inferior e área motora suplementar) (Geschwind, 1975; Heilman, Watson e Rothi, 2005) ou, adicionalmente, a lesão de representações armazenadas de engramas de movimentos aprendidos (Heilman e Rothi, 1985; Gonzalez Rothi, Ochipa e Heilman, 1991; Poizner et al., 1995). As memóri- as de ações habilidosas estão, provavelmente, armazenadas na circunvolução angular do lobo parietal do hemisfério esquerdo. Lesões nesta área provocam uma incapacidade em executar atos motores e os doentes não reconhecem a expressão motora correta das outras pessoas. Tem também sido relatados casos de doentes com lesões nos gânglios da base e substância branca (Heilman, Watson e Rothi, 2005).

Um exemplo desta apraxia é a apraxia de condução em que o doente tem um desempe- nho superior na pantomima a comando verbal do que pantomima de imitação (Ochipa, Rothi e Heilman, 1994).

APRAXIA MOTORA

Na apraxia motora ou apraxia cortical mantêm-se intactos os engramas motores. O trans- torno reside nas associações entre estes engramas e as restantes partes do cérebro que intervêm, fornecendo o plano de organização dos movimentos elementares necessários para realizar uma ação complexa. São sintomas típicos a impossibilidade de realizar atos complicados (acender um fósforo, dar um nó, enfiar a linha numa agulha). O doen- te consegue realizar movimentos muito simples (fechar o punho, soprar ou assobiar). Com frequência apresenta perseveração (repetição estereotipada de algum movimento elementar). Este tipo de apraxia é, quase sempre, localizado (limita-se a um membro, a um lado do corpo).

Alguns subtipos de apraxias motoras envolvem grupos musculares particulares.

A apraxia bucofacial ou oral traduz a incapacidade ou dificuldade em desempenhar mo- vimentos aprendidos com a face, lábios, língua, bochechas, laringe e faringe. Geralmen- te coexiste a apraxia oral e deficit na produção do discurso associada com afasia de Bro- ca, bem como apraxia do membro. É comum em lesões no lobo frontal, parietal e tem- poral, ínsula e lesões dos gânglios da base (Josephs et al., 2006; Kareken et al., 1998; Leiguarda et al., 1994; Pramstaller et al., 1996; Zadikoff et al., 2005).

A apraxia oculo-motora é uma perturbação rara e consiste na incapacidade de iniciar sacadas horizontais com a cabeça fixa. Por norma, o doente precisa de virar a cabeça para iniciar mudanças no olhar (revisão de Ber et al., 2003).

Na apraxia de marcha há perda de controlo dos mecanismos automáticos de marcha, que se torna, geralmente, lenta, com passos pequenos, arrastados e hesitantes, às ve- zes com pausas. O declínio é progressivo. Resulta de hidrocefalia de pressão normal, Parkinsonismo vascular e outras doenças que afetam bilateralmente os lobos frontais, em particular a área motora suplementar, as conexões frontoestriadas, (ver revisão e estudo de Della Sala, Francescani e Spinnler, 2002).

A apraxia calosal traduz a incapacidade de reproduzir movimento correto do outro lado

do corpo, onde se observa uma apraxia na mão esquerda porque existe uma desconexão entre as áreas da linguagem e a área motora do hemisfério direito que possui controlo sobre os movimentos da mão esquerda (Leiguarda et al., 2000; Zadikoff et al., 2005). Há ainda apraxia facial (Bizzozero et al., 2000); tátil (Binkofski, Kunesh, Classen, Seitz e Freund, 2001), do vestir (região posterior do hemisfério direito); a diagonística ou síndrome da mão estranha (conflito inter-manual por lesão da parte anterior do corpo caloso, área suplementar motora, porção anterior do cíngulo e áreas pré-frontais); pal- pebral, melocinética, cinestésica e tronco-pedal.

APRAXIA CONSTRUTIVA

A apraxia construtiva é uma perturbação relativamente comum (Gainotti, 1985; Förstl et al., 1993; Kirk e Kertesz,1993) das atividades de reunião ou disposição, tais como montagem, construção e desenho em que há insucesso na forma espacial do resultado, sem haver apraxia de movimentos específicos (Kareken et al., 1998; Kleist, 1934) ou incapacidade de juntar componentes num todo coerente (Koski, Iacoboni e Mazziotta, 2002). Os doentes têm dificuldade em reproduzir figuras visuais (Benton, 1962, 1967; Gainotti, 1985) ou em reunir objetos bidimensionais ou tridimensionais a partir das suas partes (Benton e Fogel, 1962). Ainda que os estudos iniciais indicassem um papel especi- al do hemisfério cerebral direito (Piercy, Hécaen e Ajuriaguerra, 1960; Benton, 1967; Mack e Levine, 1981), trabalhos de investigação mais sistemáticos posteriores (revisão de De Renzi, 1982; Gainotti, 1985; Kareken et al., 1998) apoiam a noção de que esta função é apoiada pelos dois hemisférios.

Os défices construtivos são mais frequentemente associados a lesões do córtex parietal posterior, mas há uma consenso alargado de que a apraxia construtiva e outras apraxias resultam também de lesão cortical cortical circunscritas ao córtex pré-frontal (Luria e Tsvekova, 1964; Benton, 1968; Gainotti, 1985; Koski, Iacoboni e Mazziotta, 2002). O fato de lesões corticais vastas poderem provocar défices construtivos levou Benson e Barton (1970) a sugerir que o desenho podia servir de um teste excelente para detetar lesão cerebral. Desde o início do século vinte que o desenho de objetos tem servido ara detetar lesão cerebral (Poppelreuter, 1917). Uma explicação possível para a facilidade com que a capacidade construtiva é perturbada reside no fato de ela consistir numa tarefa complexa que requer a coordenação funcional de muitos processos diferentes, e que incluem a perceção visoespacial e o planeamento motor espacial. Estes fatores são testados, por exemplo, nos desenhos simples dos labirintos (Teste dos Labirintos de Por- teus; Porteus, 1965). É interessante que o desempenho de cópia de doentes com lesões no hemisfério direito esteja altamente correlacionado com o seu desempenho nas tare- fas de descoberta de rotas (Angelini, Frasca e Grossi, 1992).

AVALIAÇÃO DA PRAXIA

A avaliação do movimento para pesquisa da presença de apraxia pode envolver as se- guintes tarefas: soprar um fósforo, deitar a língua de fora, assobiar, fazer a saudação, dizer adeus, lavar os dentes, virar uma moeda, martelar um prego, cortar papel com

tesoura, bater com o pé, colocar-se na posição de chutar uma bola, saltitar, enfiar a linha numa agulha, fazer o nó na gravata, recitar palavras isoladas, ou dizer sequências de palavras e frases (as tarefas orais seguem as sugeridas por Darley, 1978; DeRenzi et al, 1966).

Para além destas, é importante usar testes para testar a capacidade de imitar gestos (com e sem significado) e testes com objetos ou desenhos de objetos para que a pessoa mostre como os usa.

Alguns testes disponíveis: Apraxia Battery for Adults (ABA, B. Dabul, 1979) e o Dworkin- Culatta Oral Mechanism Examination (1980).

PERTURBAÇÕES SUBCORTICAIS

No documento Manual de Neuropsicologia (páginas 97-100)