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ROPSIQUIÁTRICAS

No documento Manual de Neuropsicologia (páginas 119-121)

com L-Dopa e que ficavam cheios de tiques após o tratamento.

A Síndrome de Tourette é um distúrbio genético do foro da neuropsiquiatria, que aparece normalmente antes dos dezoito anos, maioritariamente nos rapazes (Fernando, 1967; Ame- rican Psychiatry Association, 1994; World Health Organization, 2000; Peterson, 2001; Pauls, 2003). É uma doença autossómica dominante. É transmitida, quer pelos pais, quer pelas mães. Um filho tem 50% de probabilidades sofrer da doença. A forma como a ST se vai manifestar na geração seguinte pode não ser exactamente igual à da anterior.

Esta perturbação do sistema nervoso central é caracterizada por múltiplos tiques motores e vocais involuntários e compulsivos. Nas suas formas mais graves, a doença afecta a vida profissional, afectiva e social. Nas menos graves e mais comuns, denota um comportamen- to algo estranho. Depois de os tiques aparecerem, normalmente antes dos dezoito anos, eles vão ficando mais frequentes ao longo de um ano. Não são causados por algo exterior ao organismo (estimulantes) e acabam por afectar o comportamento de maneira tal que o indivíduo se sente comprometido/envergonhado perante os outros (Braunwald et al., 2002).

As manifestações da Síndrome de Tourette podem ocorrer simultaneamente ou de forma isolada, diariamente e várias vezes por dia, ou de modo intermitente durante um período superior a um ano. Na fase inicial do distúrbio, e em cerca de metade dos casos, só um único tique se manifesta, como por exemplo, piscar os olhos, mas posteriormente desen- volvem-se outros tiques. Os tiques intensificam-se com as emoções e diminuem durante o sono.

Esta perturbação tem uma prevalência de cerca de 1% a nível mundial (Robertson, 2008). Com mais predominância no sexo masculino, é cerca de 3 vezes mais comum que no sexo feminino. O diagnóstico muitas vezes é dificultado devido aos sintomas serem suprimidos quando os pacientes vão ás consultas. A doença parece ser rara em africanos-americanos e africanos negros subsarianos (Robertson, 2008).

Segundo Castro et al. (2005) não é o aparecimento de um ou mais tiques que qualificam o Tourettismo. Estudos comprovam que 10% a 25% das crianças têm, em algum momento, tiques.

O diagnóstico tem seis critérios estabelecidos:

Os tiques têm que estar sempre presentes, mas isso não significa que estejam presentes os dois tipos de tiques, vocais e corporais, e se existirem não tem que ser em simultâneo. • Ocorrem várias vezes durante o dia e por períodos mínimos de um ano.

• Existe variabilidade, tanto de tiques, como de frequência. • Os tiques podem terminar antes dos 21 anos.

• Os tiques não têm explicações através de outra condição médica. • Os tiques têm que ser examinados por alguém especialista.

Habitualmente a doença inicia-se com tiques motores e depois vocais, primeiramente sim-

ples e depois complexos.

Os tiques faciais caracterizam-se por uma repetição exagerada de trejeitos e esgares, como piscar os olhos, levantar as sobrancelhas, franzir os lábios, por a língua de fora e outros movimentos faciais repetitivos.

Os tiques motores podem ser simples e rápidos, como é o caso de piscar os olhos, franzir o nariz ou fazer movimentos com a boca, e também podem ser complexos e mais lentos, por exemplo, imitar o que outra pessoa fez. Há também a possibilidade de serem movi- mentos mais bruscos e violentos tanto como gestos obscenos que não são bem vistos pela sociedade.

A ecopraxia consiste no fenómeno de imitação inconsciente dos movimentos de outra pes- soa. Os tiques corporais envolvem movimentos involuntários desadequados, como rodopi- ar enquanto caminha, retroceder ou voltar atrás, saltar, flectir os joelhos, rodar brusca- mente o pescoço ou a cabeça.

Os tiques vocais compreendem vários sons como gritar, gaguejar, fungar, tossir, sussurrar, pigarrear, latir e grunhir. A coprolalia, verbalização compulsiva de palavras obscenas, está presente em cerca de um terço dos casos. Estes tiques podem não ser tão frequentes du- rante o sono ou em actividades que requeiram concentração, mas podem também ser constantes em ocasiões de maior stress (Arzimanoglou, 1998; Mercadante et al., 2004). Os tiques verbais simples são normalmente estalidos provocados com a língua, enquanto que nos mais complexos já há uma repetição de frases ou palavras (palilalia) ou até mesmo o uso de palavras obscenas (coprolalia).

Associados aos sintomas descritos outros poderão ocorrer. Coprolalia mental (pensamen- tos súbitos, intrusivos, de palavras ou frases obscenas), distúrbios obsessivo-compulsivos e de hiperatividade com défice da atenção.

Nalguns casos mais graves os tiques complicam-se com traumatismos físicos: a auto-muti- lação (roer as unhas ou arrancar os cabelos) ou a auto-agressão (cegueira, devido a deslo- camento da retina, por bater com violência na cabeça).

Quanto maior a ansiedade e o cansaço, piores se tornam os tiques. Mesmo quando estes são suprimidos por um determinado período de tempo, a sensação de desconforto do paci- ente aumenta e este não chega a ter um controlo total dos seus tiques. A maior parte das crianças que sofre desta síndrome, depois de tomar consciência dos seus tiques, tenta disfarçar os seus movimentos para que estes pareçam “normais” e com uma função defini- da, como por exemplo ajustar os óculos ou passar a mão no cabelo (Mercadante, 2004). Nos últimos anos têm sido feitos vários estudos para tentar identificar melhor esta patolo- gia e percebê-la. Tem sido analisado o período de gestação, pré e pós-parto, no intuito de saber se momentos de maior complicação/ansiedade podem estar relacionados com o desenvolvimento de tiques, assim como da patologia de Tourette (Hyde et al., 1992; Leckman et al., 1990; Robertson, 2000; Leckman e Herman, 2002). Devido à elevada inci- dência da Síndrome de Tourette e de tiques no sexo masculino, tem sido investigada a

exposição do sistema nervoso central a altos níveis de testosterona e outras hormonas específicas do género como fatores importantes no desenvolvimento desta patologia (Leckman e Peterson, 1993, Eapen et al., 1993).

A excitação das emoções e dos sentimentos apresentados pelos Tourétticos faz sugerir que a perturbação do cérebro se situa a nível do Sistema Límbico e ao nível dos Gânglios da Base. Sugeriu-se que a dopamina estaria envolvida, desde que se descobriu que o haloperi- dol, receptor antagonista da dopamina, é um tratamento efectivo dos tiques (Singer et al., 1982; Golden, 1988; Shapiro et al., 1989; Singer, 1997) e, similarmente, os estimulan- tes, como é o caso da cocaína, causam um aumento dos mesmos (Arzimanoglou, 1998). Foram, de facto, reconhecidas alterações no sistema dopaminérgico. No entanto, não está provado que sejam as causas primárias do TS ou que sejam modificações secundári- as. Segundo alguns estudos, das áreas de acção do sistema dopaminérgico, só o estriado (núcleo caudado e putamen) aparenta estar alterado no ST. A assimetria que existe no estriado (lado esquerdo maior do que o direito) está reduzida, assim como o volume do núcleo caudado. Num estudo com 40 adultos verificou-se menor volume da substância cinzenta nos córtices bilaterais orbitofrontais, cíngulo anterior e pré-frontal ventrolateral (Draganski et al., 2010).

Há evidências que fazem crer que o circuito cortico-estriato-tálamo-cortical (CSTC) e os seus sistemas de neurotransmissão estejam associados a esta patologia, tendo sido descri- to já por várias vezes na literatura (Lou et al., 1989; Peterson, 2001; Singer e Wendlandt, 2001; Singer e Minzer, 2003). Esta associação pôde ser confirmada através de ressonância magnética, de análise das medidas da área do corpo caloso e pelo metabolismo da glicose e do fluxo sanguíneo nas áreas corticais. Mostrou-se ainda supressão de tiques nos pacien- tes submetidos a leucotomias e talamotomias em que há interrupção do CSTC (Rauch et al., 1995; Singer e Minzer, 2003). Outro estudo mostrou maior número e dispersão das áreas de activação da região do córtex sensoriomotor (Biswal et al., 1998).

Estudos de tomografia revelam que os indivíduos que têm esta patologia sofrem de hipo- metabolismo e hipoperfusão em regiões do córtex frontal e temporal, no cíngulo, estriado e tálamo (George et al., 1992).

Há ainda outros neurotransmissores que se pensa estarem envolvidos nesta patologia, como por exemplo o GABA e a acetilcolina, não se podendo assim excluir a hipótese de que a síndrome de Tourette seja uma síndrome causada por diversos factores (Brett et al., 1995; Comings, 1995; Comings et al., 1999; Hebebrand et al., 1997; Robertson, 2000; Eapen et al., 2001; Pauls, 2001; Eapen et al., 2004).

Quando os tiques são suprimidos voluntariamente há uma ativação do córtex pré-frontal e do núcleo caudado, havendo também uma desactivação bilateral do globo pálido.

As mudanças de atividade cortical e subcortical observadas indicam que a patologia dos tiques envolve atividade neuronal dentro de circuitos neuronais subcorticais, fortificando a importância do circuito CSTC na fisiologia dos tiques e no seu controlo voluntário (Peter- son et al., 1998). O resultado das imagens da ressonância magnética, aquando a expres-

são de tiques vocais, sugere que o circuito CSTC ainda contribui para a inibição comporta- mental do indivíduo, pela modulação de atividade com o gânglio da base e o tálamo (Sin- ger, 1997; Peterson et al., 1999; Gates et al., 2004). Assim, poderia justificar-se a ocorrên- cia de tiques em pacientes com esta patologia, nos quais a atividade inibitória das projec- ções GABAérgicas do estriado para o globo pálido estaria comprometida. No caso do corpo estriado não inibir a acção dos neurónios glutaminérgicos encontrados no tálamo, então projecções excitatórias seriam então enviadas do tálamo para o córtex (Peterson et al., 1999).

PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COM-

No documento Manual de Neuropsicologia (páginas 119-121)