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No início do século XXI, as pesquisas acadêmicas, bem como a própria gestão do Supremo Tribunal Federal, revelavam a insatisfação com a efetividade do serviço público prestado pela Corte Suprema. As críticas mais contundentes, na primeira década, convergiam à morosidade de uma resposta judicial do órgão de cúpula do Poder Judiciário. Com o advento da emenda constitucional 45/2004, aliada à competente gestão da ministra Ellen Gracie na presidência, foram implantadas várias medidas administrativas para acelerar o julgamento dos processos no STF. Dentre elas, menciona-se, por exemplo, o advento dos processos eletrônicos, dos julgamentos virtuais e, recentemente, do uso da inteligência artificial (Victor/STF). Nota-se, portanto, que a ideia de um sistema de justiça responsivo almejado tanto pelos estudos acadêmicos – das últimas duas décadas –, quanto para o programa de gestão do STF – nos últimos quinze anos –, tem como foco o aspecto quantitativo, conforme demonstram, inclusive, as publicações institucionais do STF1.

Não obstante se reconheça a importância do aspecto quantitativo para o combate à mora da resposta jurisdicional, observa-se que o aspecto qualitativo das decisões do Supremo Tribunal Federal – órgão de cúpula do Poder Judiciário, responsável pela criação de precedentes – raramente é objeto de análise segundo as lentes de um sistema de justiça responsivo, com exceção de raras pesquisas empíricas recentemente realizadas sob esse viés2.

1 E.g., na publicação “Relatório 2019”, da Presidência do STF, cita-se, expressamente, a relação entre responsividade e a quantidade de decisões proferidas pela Corte: “Os números comprovam a efetividade dessas ações. O acervo atual é o menor dos últimos 20 anos: são 31.279 processos em tramitação, uma redução de 19,12% em relação a 2018. Em 2019, foram proferidas 115.603 decisões. Dentre elas, 17.695 foram colegiadas (Turmas e Plenário), número 21,74% maior do que o ano anterior, revelando o reforço da colegialidade”.

2 V.g., CUNHA, José Ricardo; BARROS JUNIOR, Evandro Monteiro. Espectros de Nonet e Selznick no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça: os sistemas jurídicos repressivo, autônomo e responsivo. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, PR, Brasil, v. 64, n. 2, p. 37-60, maio/ago 2019. ISSN 2236-7284. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/62771. Acesso em:

5/7/2020. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v64i2.62771; SANTOS, Maike Wile dos. O papel da ratio decidendi na construção de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal: um estudo de caso sobre argumentação e vinculação de precedentes. Revista de Estudos Empíricos em Direito, São Paulo, v. 4, n. 1, fev 2017, p. 140-159; BARBUTO, Campbell. Aspectos controvertidos do filtro da repercussão geral em perspectiva empírica. Revista de Estudos Empíricos em Direito, São Paulo, v. 4, n. 2, jun 2017, p.

105-120; GERALDO, Pedro Heitor Barros; ALMEIDA, Fábio Ferraz de. A produção da decisão judicial: uma

A inexistência de pesquisas sobre a análise qualitativa das decisões em sede de repercussão geral – que criam teses – é ainda mais acentuada no âmbito criminal. Isso porque, a história do Supremo Tribunal Federal em matéria criminal se confunde com a própria história do habeas corpus no país, que, via de regra, soluciona uma situação jurídica individual e casuística; além disso, era de tradição da Corte Suprema analisá-lo em cognição ampla e exauriente. Por conseguinte, as decisões proferidas em sede de recurso extraordinário em matéria criminal, mesmo em sede de repercussão geral, não despertavam, até o momento, o mesmo interesse de pesquisas e de publicações sobre esse objeto.

Ocorre que, nos últimos anos, a jurisprudência do STF está restringindo a cognição do habeas corpus, como se observa, por exemplo, da subementa do HC 112454, de relatoria da ministra Rosa Weber:

O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico3.

Nesse momento da dinâmica processual penal, considerando (i) os limites de cognição do habeas corpus; e, (ii) o uso da repercussão geral como instrumento da criação de precedentes, a história da jurisprudência criminal da Corte Suprema, portanto, também será escrita pela via do recurso extraordinário.

Por essas razões, avaliando a existência de uma lacuna de estudos acadêmicos sobre a análise qualitativa das teses criminais fixadas pelo STF em temas de repercussão geral, este trabalho tem como objeto de pesquisa: as fundamentações do STF, em sede de repercussão geral, com julgamento de mérito, no âmbito criminal.

Justifica-se a pertinência da pesquisa, porque, sob uma análise qualitativa, em um primeiro momento, torna-se possível diagnosticar se as rationes decidendi dos precedentes em matéria penal envolvem, de fato, questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassam interesses subjetivos; e, em um

abordagem praxeológica dos julgamentos judiciais. Revista de Estudos Empíricos em Direito, São Paulo, v. 4, n. 3, out 2017, p. 23-37.

3 HC 112454, Relatora: Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 19/03/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 10-04-2013 PUBLIC 11-04-2013.

segundo momento, se essas rationes decidendi apresentam inovação4 nas justificações de caráter prático e público, com um viés propositivo, em harmonia com um sistema de justiça responsivo.

Justifica-se a aderência do trabalho à área de concentração Direito, Tecnologia e Desenvolvimento, porque a criação de precedentes pelo STF, em sede de repercussão geral, exige uma responsividade qualitativa para atenuar os riscos de violação de garantias fundamentais e, ao mesmo tempo, ampliar a estabilidade, a efetividade e a uniformização da jurisprudência em todo o território nacional.

Justifica-se a aderência do trabalho à linha de atuação Sistemas de Justiça e Políticas Públicas, porque o estudo do sistema de justiça responsivo, sob a perspectiva qualitativa, faz parte de um planejamento estratégico das instituições públicas de compromisso com a transparência, bem como para dar a segurança jurídica ao jurisdicionado e à sociedade, por intermédio de justificações racionais que visem a solução de problemas práticos.

Justifica-se a aderência do trabalho nas agendas investigativas, porque (a) desenvolve estudos e pesquisas aplicadas no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com amplitude nacional; (b) capacita os profissionais do Direito, permitindo uma reflexão sobre a sua própria prática perante a Corte Suprema; (c) produz e dissemina conhecimento jurídico empírico relacionado ao julgamento de questões constitucionais relevantes, no âmbito criminal, por uma Corte de Superposição; (d) insere-se no debate global, inclusive da Agenda 2030, no aspecto do desenvolvimento de instituições eficazes (meta 16.6)5.

O problema de pesquisa, portanto, pode ser sintetizado na seguinte pergunta: as rationes decidendi dos acórdãos proferidos em sede de repercussão geral em matéria criminal, com mérito julgado, entre os anos de 2007-2020, apresentam inovação, identificando-se com um sistema de justiça responsivo?

4 Segundo o artigo 2º, IV, da Lei 10973/2004, conceitua-se inovação como: “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho”.

5 Segundo a observação do IPEA sobre essa meta, o termo “eficaz” deve ser lido “efetivo”. Efetividade:

“capacidade de alcançar os resultados pretendidos” (MARINHO, Alexandre; FAÇANHA, Luís Otávio (2001):

Programas Sociais: Efetividade, eficiência e eficácia como dimensões operacionais da avaliação, Texto para Discussão, N. 787, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília, p. 2).

A partir dessa pergunta de pesquisa, apresenta-se, nos tópicos a seguir, o marco teórico, a revisão bibliográfica, a metodologia e os procedimentos de pesquisa, os dados, o cronograma e a bibliografia utilizados na estrutura da dissertação.