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Anunciado o Concílio, coube à comissão antepreparatória82 (17/5/1959) contatar os bispos e instâncias católicas do mundo inteiro para se informarem sobre os assuntos pertinentes ao futuro Concílio. Após esta fase, foi nomeada pelo papa a

      

81Estudos CNBB, n. 91, p. 24-25. 82

Tinha como função contatar todas as instâncias católicas do mundo inteiro. São membros dessa Comissão: o cardeal Alfredo Tardini, presidente, e Felici, secretário (RUIZ, Gregorio. Historia de la Constitución Dei Verbum. In: SCHÖKEL, Luis Alonso, ed. Comentarios a la Constitución Dei Verbum. Madri: BAC, p. 40; abreviada como ComDV).

Comissão Central83 (5/6/1960). E nesta mesma data se nomeava a Comissão Teológica.84

Na preparação do Concílio foram criadas outras comissões. Em 27/10/1960, uma subcomissão,85 e, já nas vésperas do Concílio, criava-se a Comissão Doutrinal (6/9), que seria a sucessora da Comissão Teológica.86 Durante o Concílio outras comissões seriam criadas: a Comissão Mista e o Secretariado para a União dos Cristãos.87 Além destas comissões, foram criadas a Comissão Cardinalícia Coordenadora; a Subcomissão interna da Comissão Doutrinal e a Comissão Teológica, também da Comissão Doutrinal.88

Entregue pelo papa à Comissão Teológica o encargo de preparar o texto sobre fé, Sagrada Escritura, Sagrada Tradição e Costumes, assim começa uma longa jornada de elaboração do texto sobre a revelação divina. Posto em discussão na primeira sessão do Concílio, foi um dos primeiros documentos a serem discutidos (14/11/1962) e um dos últimos a serem aprovados (18/11/1965). Relembramos ainda as sugestões dos bispos, quando dos trabalhos da comissão antepreparatória – até sua promulgação foram longos seis anos. Consta que, em grande parte das respostas dos bispos e instituições consultadas, os pedidos eram frequentemente para que se tratasse sobre o tema da revelação. Com efeito, já pela longa duração de sua redação e o tempo transcorrido até sua promulgação, a Dei Verbum tornou- se emblemática. Assim ela foi reconhecida como um documento que “teve a história       

83

RUIZ, Gregorio. Historia de la Constitución..., op. cit., p. 40 (ComDV). Esta comissão, agora preparatória, tinha como função supervisionar e coordenar o trabalho das 10 comissões. Seu presidente era o papa João XXIII, sendo Felici o secretário.

84

Recebeu a atribuição de preparar os nove esquemas e, entre eles, o “De fontibus”. Seu presidente era Ottaviani e o secretário, Tromp.

85

Tinha a função de desenvolver o “esquema compendiosum De fontibus”. Era presidida por Garofalo.

86Id., ibid. Essa Comissão teria a função de reelaborar esquemas de acordo com as observações dos

padres conciliares. Seu presidente era Ottaviani; os vice-presidentes, Browne e Charue; os secretários, Tromp e Philipps.

87Id., ibid. p. 41. Foram criadas em 24/11/1962. Tinham a função de preparar o segundo esquema.

Seu presidente era Ottaviani, para a Comissão Doutrinária, com Browne e Liénart como vices, Tromp, como secretário, e Bea, no Secretariado para a União dos Cristãos, tendo Willenbrands como secretário.

88 Id., ibid., p. 42. A Comissão Cardinalícia Coordenadora foi criada em 18/12/1962. Tinha como

função coordenar os trabalhos do Concílio, seu presidente era o cardeal Cicognani, auxiliado por vários secretários. Já a Subcomissão interna da Comissão Doutrinal foi criada em 7/3/1964. Sua função era refundir o segundo esquema de acordo com as observações dos padres. Quem a preside é Charue, e seu secretário é Betti. E a última comissão é a Teológica, criada em 22/9/1965, com a função de classificar “os modi” dos padres, e presidida por Charue. Não há a informação sobre quem era o seu secretário.

mais agitada de todos os documentos conciliares”.89 Quanto ao itinerário da redação

da Dei Verbum, é importante uma síntese global das votações de seu texto. Consta

de forma reduzida, nos Documentos da Igreja (2004), uma visão mais ampla das votações.90

A) O 1º esquema sobre a revelação divina

Na primeira sessão do Concílio (11/10 a 08/12 de 1962), o 1º esquema sobre a revelação divina foi apresentado aos padres conciliares pela primeira vez. E a discussão do 1º esquema foi feita na aula conciliar da décima quinta à vigésima quarta Congregação Geral, de 14 a 21 de novembro de 1962, após a discussão sobre “Liturgia. Em seguida, foi posto em discussão o texto sobre a revelação divina”.91 No ato de apresentação desta Constituição, havia cerca de 2.220 conciliares, e ao cardeal Alfredo Ottaviani, presidente da comissão teológica, coube apresentar o novo projeto sobre a revelação. Foram sete dias de debates, permeados de tensões, até 21 do mesmo mês.92 O projeto apresentado por Alfredo Ottaviani não foi aceito. Apesar de, mesmo antes do Concílio, ter sido aprovado pelo papa e depois enviado aos padres antes da aula conciliar,93 este 1º esquema foi rejeitado por grande número dos padres do Concílio.94 Este projeto foi alvo de severas críticas e, como vemos, recebeu inúmeras emendas de alterações. Este esquema inicial teve então que ser revisto em diversos pontos:

“ele não define a natureza e o objeto da revelação; não fala de Cristo, suma revelação do Pai; dá demasiada importância à parte polêmica e pouca importância à parte positiva; dá pouca importância à Tradição; além disso,

      

89

SILVA, Valmor da. Ouvir e proclamar..., op. cit., p. 26.

90

DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2004, p. 347.

91

KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., p. 161.

92Id., ibid., p. 162. 93

A aula conciliar era a reunião dos padres conciliares para tratar sobre os temas. Esta “aula” chamava-se Congregação, por congregar os conciliares no estudo dos demais assuntos.

94Título: Constituição Dogmática sobre as fontes da revelação; Primeiro Capítulo: das duas fontes da

revelação; Segundo Capítulo: da inspiração, inerrância e composição das Escrituras; Terceiro Capítulo: do Antigo Testamento; Quarto Capítulo: do Novo Testamento; Quinto Capítulo: da Escritura na Igreja (RDV, 1986, p. 19). Conferir também o excelente artigo “Historia de la constitución Dei Verbum” (p. 3-43), de Gregorio Ruiz (ComDV).

afirmando que a revelação está contida em ‘duas fontes’, opõe a Tradição à Escritura, o que nunca foi ensinado pelo magistério da ‘Igreja’”.95

As reações foram fortes, apontando o problema criado por esse esquema quando se refere a duas fontes da revelação. Ao longo de sete dias de debate, vários participantes reagem, proferindo discursos tensos. Vale lembrar o notável discurso de Emilio De Smedt (bispo de Bruges, da Bélgica), que fala em nome do Secretariado para a União dos Cristãos. Foi graças a este discurso que os padres conciliares despertaram para a inadequação do primeiro projeto sobre a revelação divina.96

Após as reações dos apoiadores e dos críticos ao 1º esquema, encerra-se o momento inicial de trabalho sobre o texto da revelação divina, sem contudo avançar. O 1º esquema é então rejeitado e recebe uma votação interessante.97 Não havendo consenso, o papa João XXIII intervém: nomeia uma Comissão Especial, chamada também de comissão mista, que incluía o cardeal Bea.98 Nessa mesma ocasião (21/11/1962), o papa comunica em plenário a elaboração de um novo texto, recebendo então outro título, agora denominado “De Divina Revelatione”.99 A intervenção do papa era necessária para amenizar uma possível radicalização das posições contrárias.

B) O 2º esquema sobre a revelação divina

Na segunda sessão do Concílio não foi possível a discussão do texto sobre a revelação devido às dificuldades da primeira sessão. Encerrada a 1ª sessão do Concílio (8/12/1962), e não havendo grandes progressos na elaboração do texto, o

      

95

RDV, p. 19.

96

KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. II, p. 179-182. 

97

O número de votantes era de 2.209, com as seguintes proporções na votação: “Placet”, com 822 apoiadores, e “Non placet”, com 1.368. Com apenas 115 votos a mais de diferença, completar-se-iam os dois terços exigidos pelo regulamento para uma posição (cf. RDV, p. 10).

98

O cardeal Agostinho Bea, padre jesuíta, exegeta, presidira até pouco antes do Concílio a Pontifícia Comissão Bíblica. No tempo do papa Pio XII, era seu confessor e no Concílio foi designado para presidir o Secretariado para a União dos Cristãos.

99

Há uma ligeira mudança do título anterior para o de agora, Sobre a Revelação Divina. O anterior era De fontibus Revelatione (Sobre as fontes da revelação divina) (cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. IV, p. 94).

Concílio declarou o recesso dos trabalhos, e somente em março do ano seguinte (1963) o esquema recebeu algumas modificações:

“mudança do título para ‘De divina revelatione’ (sobre a divina revelação); acréscimo de um proêmio para falar da natureza e do objeto da revelação; ‘fórmula de compromisso’, não separar a Escritura da Tradição e não afirmar que a Tradição contém mais do que está na Escritura; maior desenvolvimento dado à parte referente à Tradição”.100

Surge o 2º esquema. Ainda no recesso do Concílio, o 2º esquema é enviado aos padres conciliares para avaliação. O clima tenso não fora superado, mesmo durante o recesso.101 A tensão é tamanha, que o cardeal Florit, na segunda sessão do Concílio, sugere que não se retome mais no Concílio o tema da revelação.102

C) O 3º esquema sobre a revelação divina

Como na segunda sessão do Concílio não fora discutido o texto sobre a revelação, em julho de 1964, após as sugestões dos padres conciliares e das correções das Comissões (Central e Teológica), é elaborado o 3º esquema. Antes de iniciar a terceira sessão do Concílio, em março de 1964, criou-se uma subcomissão na Comissão Teológica que ficou constituída de sete padres conciliares e 19 peritos.103 Esta subcomissão estudaria o então 2º esquema e apresentaria um novo. A subcomissão reelabora então o esquema anterior e apresenta outro.104

Em julho de 1964 o 3º esquema é enviado aos padres conciliares durante o recesso. Fito isso, a Comissão Teológica altera alguns pequenos detalhes, e o novo       

100

Cf. RDV, p. 19-20.

101

É bom salientar que durante o recesso, houve as conversações, o encaminhamento de questões espinhosas. O texto sobre as fontes da revelação não deixou de ser focado. O recesso (fora da assembleia) fora um momento de amadurecimento sobre o tema. Este recesso foi do fim da primeira sessão (dezembro de 1962) até o início da segunda sessão (setembro de 1963).

102

Cf. Id., ibid., p. 20. Ermenegildo Florit era o cardeal de Florença.

103

Nessa subcomissão estavam presentes grandes teólogos, como Rahner, Ratzinger, Congar, Moehler e outros (id., ibid.).

104

Proêmio: maior desenvolvimento da noção de revelação (não só palavras, mas fatos...); maior relevo à encarnação (revelação em Cristo). Capítulo 1º: no título, aparece a palavra “transmissão”. Maior relevo à Tradição. Capítulo 2º: formulação mais ampla da noção de “inspiração”. Declaração de que o trabalho exegético deve estender-se a toda a Escritura (também no Novo Testamento). Capítulo 3º: ênfase dada à história da salvação. Capítulo 4º: ênfase dada à índole própria de cada evangelho (contra um conceito demasiado estreito de historização). Capítulo 5º: paralelismo entre Escritura e Tradição; encorajamento dos estudos bíblicos e pastorais.

papa, Paulo VI,105 poderia abrir a terceira sessão. Agora com as questões mais difíceis já refletidas durante o recesso, pôde-se nesta terceira sessão continuar o debate sobre o tema da revelação divina. As dificuldades encontradas anteriormente tiveram de ser enfrentadas nessa terceira sessão. É claro que o tempo de recesso favoreceu de certa forma para que os pontos mais espinhosos fossem abordados, sem que, contudo, o texto fosse posto em votação. A discussão desse 3º esquema foi feita da nonagésima primeira para a nonagésima quinta Congregação Geral, de 30 de setembro a 6 de outubro do mesmo ano. Assim, retomava-se o projeto centrado na revelação divina logo após a discussão do projeto “De Eclesia”.106 No primeiro dia se debateu sobre o primeiro e o segundo capítulo do projeto sobre a revelação. Este projeto basicamente foi o foco dos maiores conflitos entre as “duas mentalidades” discordantes, apesar de menos intensos que na primeira sessão. Para termos uma ideia das reações, citamos.107

Nos demais capítulos, poderíamos apontar pendências no texto sobre a inerrância, vista como um tema a ser evitado, por ter conotação negativa. É preciso esclarecer mais e melhor o tema da inspiração, levando em conta as sugestões. O texto retornou para a subcomissão, sendo então novamente reelaborado. Em 11/11 de 1964 chega à Comissão Teológica e em seguida é aprovado por ela sem maiores dificuldades.108 No dia 20/11 surge o 4º esquema, que é distribuído aos padres conciliares.

D) O 4º esquema sobre a revelação divina

O 4º esquema chega aos padres ainda na terceira sessão, mas as alterações sugeridas serão debatidas somente na seguinte, isto é, na quarta e última sessão do Concílio (14/9 a 8/12/1965). O 4º esquema sobre a revelação é debatido e votado nas aulas conciliares (da 131ª à 133ª), do dia 20/9 ao dia 18/11/1965. Sobre este 4º       

105

Após a morte do papa João XXIII, Paulo VI é eleito o novo papa, e este continua a obra do Concílio, iniciada pelo antecessor.

106

Projeto sobre o mistério da Igreja. Conduzirá à futura constituição dogmática que será denominada Lumem Gentium (LG).

107

No cap. 1º, deve-se acentuar a preparação evangélica do Antigo Testamento; ensinar que Cristo é a plenitude da revelação, não só em sua pessoa divina como em sua pessoa humana; no cap. 2º, distinguir claramente entre tradição apostólica (doutrinária) e tradições eclesiásticas (institucionais); afirmar o progresso da revelação.

108

esquema da Dei Verbum, vamos levar em consideração os apontamentos utilizados pela BAC, que são esclarecedores.109

Ainda quanto à redação, algumas figuras tiveram grande importância no processo redacional. Em destaque estão o papa João XXIII, o cardeal Alfredo Ottaviani, o cardeal Agostinho Bea e o bispo Emilio De Smedt. Cada um contribuiu, a seu modo, para a elaboração do texto da Dei Verbum. João XXIII, quando ressaltou a finalidade do Concílio, deu um caráter pastoral, de diálogo e ecumênico. Acabou determinando as grandes linhas da Dei Verbum. O cardeal Ottaviani, presidente da Comissão Teológica, daria ao primeiro projeto falando da revelação divina um teor estritamente conservador, quando insistia numa redação com o título de “duas fontes da revelação”, reflexo de certa teologia ainda tridentina. O cardeal Bea foi incisivo em todas as suas intervenções, tanto a pedido do papa João XXIII, com quem num primeiro momento aceitara prontamente colaborar na resolução do impasse, mas também ao longo do Concílio com sua pertinente atuação. Seu empenho para preservar no texto da Dei Verbum o caráter ecumênico e pastoral, pedido desde o início pelo papa, foi fundamental. O cardeal Bea era exegeta e também presidente da Secretaria para a União dos Cristãos. A experiência que adquiriu no campo do ecumenismo fortaleceu sua posição por ocasião dos vários atritos com aquele grupo de mentalidade contrastante. Ademais, Agostinho Bea foi “fiel” às finalidades pastoral e ecumênica, definidas desde o início no Concílio por João XXIII.

Por último, lembramo-nos do bispo Emilio Josef De Smedt, de Bruges, na Bélgica. De Smedt fez um discurso notável.110 Seguramente, foi graças a esta fala que os padres conciliares tomaram consciência das fragilidades do 1º esquema da revelação divina, com o teor “das fontes da revelação” apresentada por Ottaviani.       

109

Dos dias 20 a 22 de setembro houve as votações dos padres sobre o 4º esquema (da 131ª à 133ª Congregação Geral). Logo após, a Comissão Técnica classifica e estuda as “sugestões” dos padres. Depois a Comissão Teológica examina e ratifica os trabalhos da Comissão Técnica, e o papa pede à Comissão Teológica para reexaminar três pontos. Depois há a distribuição do fascículo com as sugestões e suas respostas. Ocorre em seguida a votação sobre as emendas e a aprovação do texto (155ª Congregação Geral). Em seguida, novo texto da Constituição é distribuído aos padres conciliares, e o secretário geral notifica a qualificação teológica da Constituição. Por fim, vem a promulgação da Constituição Dei Verbum (na oitava sessão pública) (ComDV, p. 39).

110

Vale a pena percorrer na íntegra o discurso de De Smedt. Pela lucidez e pela problemática da linguagem lançada no Concílio. Não se havia atentado sobre a questão da linguagem. E nos parece que foi o que o papa João XXIII havia inicialmente apontado. A questão da Igreja não é tanto alterar o conteúdo, mas o uso de uma nova linguagem para o mundo (KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II, op. cit., v. II. Primeira Sessão, set.-dez. 1962, p. 179-182).

Dali em diante as reações conclusivas foram de rejeição daquelas propostas, por parte da maioria da assembleia conciliar.