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A busca por cuidados de saúde desde a percepção de uma doença até a sua efetivação tem sido o foco dos estudos sobre itinerários terapêuticos (IT). Segundo Martínez-Hernáez (2006), os IT “são os processos adotados pelos indivíduos e grupos humanos para manter ou recuperar a saúde” (MARTÍNEZ-HERNÁEZ, 2006, p. 03). Nesta configuração, o autor propõe que o percurso realizado por cada pessoa deve ser observado considerando todos os espaços que ela busca pela garantia de cuidados, implicando notar tanto aqueles ligados ao sistema biomédico como também outros espaços que produzem bem-estar e estratégias terapêuticas outras, baseados nas vivências individuais, nos saberes do seu grupo e do modo como ela interage com as ideias de doença e saúde. Isto porque “a escolha do tratamento é influenciada pelo contexto sociocultural em que ocorre” (ALVES, SOUZA, 1999, p. 125).

Alvez e Souza (1999, p. 125) discutem que os primeiros trabalhos sobre IT foram elaborados com base na concepção de comportamento do enfermo (illness behavior), tendo Mechanic e Volkart (1960) como seus precursores. Por esta concepção, entendia-se que o enfermo se direcionava racionalmente à busca de cuidados para as suas necessidades – pressuposto investigativo que entendia as escolhas das pessoas em termos de custo-benefício, numa visão individualista e utilitarista. Dentre os críticos dessa teoria, autor e autora destacam o trabalho de Parsons (1964; 1979), que fez notar a necessidade de implicar em tais investigações as normas que orientam a conduta dos indivíduos. Ampliando essa crítica, Alvez

e Souza destacam a importância de “uma abordagem que permita estabelecerem-se relações entre a dimensão sociocultural e a conduta singularizada dos indivíduos” (ALVEZ, SOUZA, 1999, p. 126).

O metaestudo de Alzate López (2014) lança olhares sobre a tendência de diferentes autores e autoras em tratarem o tema dos IT a partir de diversas correntes e pressupostos teóricos, como a fenomenologia, a hermenêutica e o culturalismo. Segundo a autora, as produções têm “evidenciado e discutido as interseções teóricas e interpretativas entre as categorias de Itinerários Terapêuticos (IT) e Experiência de Enfermidade” (ALZATE LÓPEZ, 2014, p. 08).

Já a revisão bibliográfica realizada por Cabral et al. (2011) discute as produções sobre itinerários terapêuticos no Brasil entre 1989 e 2008. As autoras apontam que, ao longo dos anos, tem havido grande interesse em identificar quando e como cada pessoa se lança à busca de cuidados de saúde frente a um dado problema ou doença. Os estudos se baseiam nas experiências de enfermidade – entre doenças crônicas, cuidados domiciliares, relação com serviços de urgência, sintomas agudos e experiências religiosas como produtoras de cura –, como também em determinantes sociais, como pobreza e gênero, para estabelecer a busca por cuidados de saúde.

Cabral et al. (2011) e Alzate López (2014) concordam que os conceitos de modelos explicativos e sistemas plurais de cuidado ou de atenção são importantes para a discussão de itinerários terapêuticos. Os primeiros constituem “noções, conjunto de proposições ou generalizações, explícitas ou tácitas, que são empregadas por todos aqueles indivíduos engajados em um processo terapêutico” (ALVES, 2006: 1550). Já os sistemas plurais de cuidado ou de atenção relacionam três estruturas (KLEINMAN, 1980 apud ALVES, 2006): profissional (serviços e estratégias formais), o folk (baseado em saberes seculares ou sagrados) e o popular (baseados em concepções informais sobre saúde e doença).

Para Martínez-Hernáez (2006), os modelos explicativos e os sistemas plurais de cuidado ou de atenção possibilitam compreender os efeitos da eficácia biológica e da eficácia simbólica no cuidado dos problemas de saúde de uma pessoa ou grupo, seja com as estratégias medicamentosas, fitoterápicas, banhos, massagens, seja nas posições de confiança que norteiam os cuidados desenvolvidos e produzem bem-estar e adesão às propostas de tratamento. Neste sentido, o itinerário terapêutico abarca uma série de estratégias que se somam ou se sobrepõem

em prol do cuidado. O autor observa ainda que “em muitos contextos populares a doença não é percebida apenas como um problema individual, mas também coletivo, e associado com o resto das adversidades humanas: a pobreza, a fome, a perda de uma colheita, o desemprego etc” (MARTÍNEZ-HERNÁEZ, 2006, p. 05).

Os estudos sobre IT permitem ainda o seu uso como “tecnologia” de avalição em saúde, na medida em que dinamizam as buscas, os recursos utilizados, as estratégias desenvolvidas e as barreiras encontradas. Segundo Alzate López (2014):

O uso do IT como “tecnologia” de avaliações em saúde, centradas no usuário, (BELLATO, 2008; PINHEIRO, 2009; GERHARDT, 2009) permite ampliar a compreensão das lógicas na busca do cuidado por parte das pessoas ou famílias em relação a redes de cuidado e instituições. Assim os conceitos de acesso / acessibilidade e noções como a de satisfação do usuário se introduzem nas abordagens do IT, em alguns casos ampliando os alcances da categoria IT para além do terreno da experiência cotidiana e das “lógicas” das escolhas para incluir processos mais “amplos” como condições socioeconômicas ou barreiras que serviços colocam aos usuários. (ALZATE LÓPEZ, 2014, p. 22)

Por fim, em sua proposta de investigação dos IT, Martinez-Hernáez (2006) propõe às/aos profissionais de saúde que saibam responder algumas questões balizadoras. Em resumo, o autor sugere que respostas sejam dadas sobre: o mapeamento do território, localizando os espaços de produção de cuidado e os sistema de atenção em saúde correspondentes; quem são as/os representantes desses espaços; quais as nosologias e classificações da doença entre os representantes; como os representantes abordam os casos e que rituais e tratamentos são utilizados; a eficácia biológica ou empírica de cada terapia; a eficácia simbólica presumível de cada terapia; e, quando e como cada pessoa decide buscar cada terapia.

4.2 ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS E TRANSGENERIDADES: DAS ESCOLHAS E