• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – Ser Estudante de Enfermagem: Desafios e Exigências 72

1. O jovem adulto no Ensino Superior 72 

A frequência do ensino superior (ES) é pautada pela existência de uma miríade de situações que fazem com que este nível de ensino, concretizado nas diversas instituições educativas, se constitua uma etapa marcante no processo desenvolvimental dos estudantes, confrontando-os com a necessidade de adaptação a novas realidades e pondo à prova recursos pessoais e do meio (Azevedo & Faria, 2003; Pereira et al., 2006). O jovem adulto que ingressa no ES enfrenta dois grandes desafios: por um lado, o de resolver tarefas próprias da fase de desenvolvimento que está a vivenciar (nomeadamente a construção da sua identidade, integridade, autonomia, auto-conceito, relacionamento interpessoal, gestão emocional) e, por outro, o de responder às mudanças e exigências contextuais (Stocker & Faria, 2008).

Em termos de desenvolvimento os estudantes do ES encontram-se num período de transição entre a adolescência e a idade adulta, também designada por “adultez emergente”. Esta segundo Arnett (2000) decorre desde o final da adolescência (18 anos) até meados da segunda década de vida (25 anos), traduzindo uma etapa de adolescência prolongada culturalmente construída que ocorre nas sociedades industrializadas. Coincidindo com o período em que, por norma, se realiza a educação superior, contribui para o prolongar do alcance de uma situação de vida adulta estável.

A “adultez emergente” é culturalmente determinada, apenas tendo lugar nas culturas que permitem aos jovens um período prolongado para exploração dos diversos papéis nos quais pretendem investir no seu futuro (Arnett, 2000). Trata-se de uma fase da vida caracterizada pela mudança, exploração e construção da identidade nos diversos domínios da existência (Arnett, 2000; Arnett, 2007a). Este período de desenvolvimento é o resultado de diversos factores, nomeadamente o aumento da idade do casamento e da parentalidade, o prolongamento da educação em termos de ensino superior e a instabilidade em termos de empregabilidade, a que temos vindo a assistir durante os últimos anos.

Este etapa do ciclo vital não constitui simplesmente uma extensão da adolescência, dado o indivíduo estar muito mais liberto do controlo parental constituindo-

à idade adulta, a qual implica a concretização de transições que normativamente estão associadas ao estatuto de adulto, especialmente o casamento e a parentalidade.

A “adultez emergente” traduz assim um período novo e sem precedentes na história do curso de vida e, por isso, requer uma nova designação e uma nova maneira de pensar (Arnett, 2007b).

Um acontecimento de vida associado a esta fase de desenvolvimento é a entrada no ensino superior, implicando esta uma transição que confronta o estudante com um novo espaço institucional e com outros e novos desafios e exigências, tanto de natureza académica, como pessoal e relacional, podendo contribuir para o desenvolvimento de níveis elevados de ansiedade e de stress (Ferraz & Pereira, 2002).

A vida do estudante do ensino superior está associada a pressões, exigências e competitividade que, frequentemente, surgem ainda antes da entrada na Universidade/Politécnico e que se mantêm ao longo do curso, muitas vezes associadas à crescente dificuldade em encontrar um emprego e às expectativas de sucesso (Sepúlveda, Carrobles, Gandarillas & Almendros, 2002).

O ingresso e a frequência do ES reveste-se de inúmeros desafios e mudanças com os quais os estudantes têm de lidar, com várias implicações no seu desenvolvimento. Associa-se a esta transição um acréscimo de responsabilidades e de oportunidades de exploração, experimentação e investimento em novos projectos pessoais, sociais, académicos, vocacionais e profissionais.

Se os novos contextos de vida associados à frequência do ES forem percepcionados pelos estudantes como significativos, estimulantes e desafiantes, então eles potenciarão o seu processo de desenvolvimento. Se, pelo contrário, forem experienciados de forma negativa poderão constituir-se como factores de inadaptação ou desajustamento (Seco et al., 2007).

Os estudantes do ES deparam-se com uma teia complexa de situações problemáticas relacionadas com os processos de transição, tais como a solidão e a adaptação ao novo contexto, problemas de desenvolvimento pessoal e social, construção da identidade, estabelecimento de novas relações interpessoais, bem como questões inerentes à vida académica, nomeadamente os exames, a adaptação a novas metodologias de estudo e avaliação (Ferraz & Pereira, 2002; Misra, McKean, West & Russo, 2000; Pereira, Masson, Ataíde & Melo, 2004a).

são esperados maiores níveis de iniciativa, independência e autonomia no seu percurso formativo (Azevedo & Faria, 2003; Soares, Almeida, Diniz & Guisande, 2006). A gestão do tempo e das tarefas, a adaptação a novos contextos de aprendizagem em termos da complexidade crescente do material a ser apreendido e a necessidade de mais tempo e esforço requeridos para o fazer e de constantemente auto-regular e desenvolver as capacidades de pensamento, são outros dos desafios e exigências com as quais o estudante do ES se depara (Seyedfatemi et al., 2007).

Para além do crescente reconhecimento da carga emocional e académica inerente a este nível de ensino, importa ainda atender que, muitos estudantes que frequentam o mesmo são trabalhadores estudantes. Estes estão expostos a mudanças e exigências quer no contexto profissional, quer no contexto académico, estando desta forma mais vulneráveis aos efeitos do stress (Fram & Bonvillian, 2001).

A forma como o stress é vivenciado pelos estudantes do ensino superior tem sido um tópico de interesse crescente, evidenciando-se a necessidade de identificação dos factores potencialmente stressantes e das suas consequências ao nível da saúde e bem- estar dos mesmos (Ponciano & Pereira, 2005).

Em contexto do ES português, a dificuldade em lidar com as situações indutoras de stress foi identificada como sendo um dos principais motivos que levam os estudantes a recorrerem a consultas de Psicologia (Melo, Pereira & Pereira, 2005; Pereira et al., 2006; Pereira, Masson, Ataíde & Melo, 2004).

Para além destes processos de adaptação, outros estudantes, têm de lidar com outras transições tais como a integração numa nova cidade, sem a proximidade das suas redes de suporte social, o que implica a procura de alojamento, o estabelecimento de novas amizades e contactos sociais e a resposta a determinados processos burocráticos que se traduzem na assunção de novas responsabilidades (Stocker & Faria, 2008).

Para muitos estudantes, a entrada no ES, implica efectivamente sair de casa. Esta separação pode ser vivida por uns de forma bastante penosa e acompanhada de sentimentos de solidão, isolamento e abandono, por outros de forma deslumbrada e entusiasta, conferindo-lhes uma sensação de (aparente) liberdade total. Com efeito, o ingresso no ensino superior implica a conquista de um novo espaço físico e social e de uma maior independência e autonomia, o que poderá conduzir ao desenvolvimento de novos relacionamentos, sobretudo com os pares, no sentido de preencherem alguma sensação de desenraizamento. Deste modo, é de esperar que os estudantes deslocados da sua residência habitual apresentem uma maior necessidade e disponibilidade para se

envolverem e estabelecerem novas relações e até para se envolverem mais em actividades de carácter associativo (Seco et al., 2007).

Os estudantes que permanecem na residência habitual parecem demonstrar níveis mais elevados de bem-estar psicológico, de equilíbrio e estabilidade afectiva, manifestando também uma melhor percepção das suas competências e uma maior auto- confiança. Tal poderá estar relacionado com o facto de estes estudantes poderem sentir mais apoio e suporte por parte das figuras significativas e mais oportunidades de diálogo, condições que se reflectem num maior bem-estar geral, com implicações no processo de adaptação ao ensino superior (ibidem, 2007).

Estas transições de vida são experiências que caracterizam o desenvolvimento, mas são igualmente potenciais fontes de stress, sendo que alguns estudantes são capazes de as resolver, enquanto outros não (Darling et al., 2007; Seco et al., 2007).

O ES é percepcionado por alguns estudantes como uma oportunidade para a gestão das suas actividades, para a exploração de novos contextos e realidades e estabelecimento de novas relações. Para outros estudantes, é percebido como potencialmente gerador de stress.

Em suma, durante os anos de formação superior, os estudantes experienciam constantes desafios e exigências de adaptação e mudança. A par das transformações psicológicas associadas ao desenvolvimento de uma vida pessoal autónoma e ao estabelecimento de relações pautadas pela intimidade, ao iniciar a sua vida no ES, os estudantes têm de lidar com as exigências académicas e sociais decorrentes do seu percurso formativo e com a preparação para uma carreira profissional (Bayram & Bilgel, 2008; Nerdrum, Rustoen & Ronnestad, 2006; Seyedfatemi et al., 2007). Esta necessidade de adaptação a uma nova realidade tem implicações no seu desenvolvimento pessoal, social, académico e familiar (Pereira & Vagos, 2008).

Apesar de ser um período caracterizado por uma crescente vulnerabilidade ao

stress, a frequência do ES, constitui-se todavia um inquestionável período de potencial

desenvolvimento pessoal e social.

No caso específico da formação em Enfermagem, os estudantes para além das situações de stress de natureza académica vivenciadas pelos colegas de outros cursos experienciam a prática clínica, considerada geradora de níveis elevados de stress.