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3 LINHAS TRANSGÊNEROS OU A MONTAGEM COMO RITUAL E SUAS

3.6 Junior ou Andressa Julí

Eu namorava um rapaz que já se montava e, nessa época, eu tinha a curiosidade de saber como eu ficaria vestido de mulher. Só que ele não queria que eu me montase. Ele dizia que não queria namorar um transformista. Aí, passou, passou, quando foi um dia, que houve uma festa que nós fomos, eu perguntei a ele como ele iria, e ele disse que ia montado. Então, eu disse que também ia montado. Disse que arranjaria uma peruca, um vestido, um calçado, mas iria. Aí, eu fui atrás da Hanna. Nós, eu e meu namorado, não se montavam só. Nós, eu e ele, além de outros amigos da nossa turma, dependíamos de uma única pessoa para fazer o cabelo, roupa e maquiagem. Essa pessoa era a Hanna. Quando eu disse pro meu namorado que eu ia pra festa

montado, ele pensou que era brincadeira minha. Mas eu disse que ia e fui. Cheguei pra Hanna e perguntei se ela tinha condição de me montar nesse dia da festa, aí, ela se empolgou. Ela disse pra mim que adorava montar pessoas que nunca se montaram, mas ela queria mesmo era fazer inferno com o meu namorado, porque bicha quando quer ser podre é podre. O que ela puder fazer pra fazer intriga ela faz. Aí, a Hanna realizou a minha primeiríssima montagem, eu fui à bendita festa, e meu namorado ficou chateado. Depois eu descobri que meu namorado dessa época não queria que eu fosse montado pra lugar nenhum, não pelo fato dele namorar um transformista, e sim porque ele tinha medo que eu ficasse mais bonita do que ele. Mas eu adorei estar montado naquela festa mesmo tendo o menino, o Jayme, a Hanna Lester feito a montagem que fez. A minha primeira montagem saiu muito feia. A Hanna exagerou no meu penteado e na maquiagem. Esse exagero não combinava com a roupa. O figurino da minha primeira montagem era um figurino de mulher. Então, eu tava com um corpo de transformista e cara de drag.

[Junior/Andressa Julí, entrevistado(a) em julho de 2005]

Transformistas em determinados momentos, também, vivem personagens de nomes femininos. No entanto, os corpos desses agentes não apresentam caracteres extravagantes e bizarros como os corpos drags. As intervenções corporais, praticadas pelos transformistas, visam construir corpos semelhantes a corpos de mulheres por meio do uso de roupas, maquiagem, perucas e próteses móveis de borracha ou esponja. Os transformistas montam e desmontam alternadamente, sendo também performers que costumam realizar shows em boates e outras casas noturnas.

Transformistas por meio da montagem passam por processos de transportation e transformation e formam famílias transgenêros à semelhança das drags. Há até a prática de transformistas também se identificarem como drags. Isso

geralmente ocorre com os transformistas que praticam montagens drag. Uma personagem transformista caso domine as técnicas das montagens drag também pode ser mãe tanto de drags como de personagens transformistas. Em geral, essas matriarcas gozam de grande respeito entre os transgêneros. Pois, são percebidas como trans muito talentosas e sábias na montagem. Hanna Lester era conhecida por possuir esse talento, mas, como Junior, preferia exibir-se com corpos de montagem transformista.

Por causa que eu montei meu namorado terminou comigo. Eu me afastei por um momento dele e de umas pessoas que andavam com ele, que até então estavam começando a se montar. Quando eu o conheci, ele andava com a Hanna, que já se montava antes dele e com dois amigos, que estavam começando a se montar. Então, eu me afastei deles. A pessoa que eu namorava terminou comigo. Dois ou três meses depois, voltamos como amigos. Então, voltamos, e eu comecei a andar com a turma de novo. Só que eles costumavam andar montados, e eu não. Então, eles chamavam atenção, eles davam close, e eu não. Aí, veio na minha cabeça à ideia de me montar pela segunda vez. Eu procurei a Hanna, falei pra ela como eu queria que fosse a minha montagem. Disse como queria que fosse o cabelo, o figurino, a maquiagem. No dia, tudo saiu maravilhoso. Aí, nessa segunda montagem, eu adotei o nome Lara Lester. O Lara, porque eu quis mesmo, e o Lester, porque eu fui filha de montagem da Hanna Lester. Mas devido a confusões, brigas, a Hanna se afastou da nossa turma, que, na verdade, era uma família. Nessa turma: eu, meu antigo namorado e mais dois amigos éramos todos filhas de montagem da Hanna. Mas a Hanna brigou com a gente e depois se afastou, largou as filhas no mundo. Aí, eu mais minhas irmãs de montagem mudamos os nomes das nossas personagens. Hoje eu me chamo Andressa Julí quando eu me monto.

Aprendi a se montar um pouco com a Hanna, que hoje em dia voltou ser amiga minha. Ela tá mais humilde, mesmo ainda meio nojenta. Mas eu tenho que reconhecer uma coisa: o Jayme é um excelente profissional, as montagens dele são perfeitas. A Hanna é uma das personagens de transformismo mais belas e luxuosas que eu já vi aqui em Fortaleza.

[Junior/Andressa Julí, entrevistado(a) em julho de 2005]

Transformistas como alvos fáceis da transfobia quase sempre escondem a existência de suas personagens do alcance dos seus familiares biológicos. Porém, para uma drag ou transformista ter em casa alguém que saiba das práticas dessa pessoa trans na montagem pode representar ter um aliado ou uma aliada para momentos difíceis. Esses momentos pode ser o fato de ter que voltar montado das festas e necessitar de alguém que abra a porta para a pessoa transgênero entrar sem ser percebida pelos outros familiares. Outro desses momentos, talvez o mais comum, consiste em precisar de alguém que confirme certas mentiras como sendo verdades para despistarem as suspeitas dos pais acerca do caráter transgênero do filho.

Quando a minha mãe tava grávida de mim, ela pensava que ia ter uma terceira filha. Ela tava pensando me chamar de Andressa se eu nascesse menina. Aí, ela costumava contar isso pra mim. Quando eu resolvi deixar de ser Lara Lester, eu lembrei dessa história, e adotei o nome Andressa pra minha nova personagem. O sobrenome Julí foi uma travesti amiga minha que deu a sugestão. Mas, na minha casa, apenas uma das minhas irmãs sabe que eu me monto. Todos desconfiam que eu sou gay, mas não implicam muito comigo. Eu passo o dia quase todo fora de casa. Eu já sou graduado e trabalho num escritório de economia. Pago as minhas contas e não dou a ninguém o direito de se meter na minha vida. Já tenho quase trinta anos, sou homem feito [...]. Uma vez tava morta

de cansada da festa, aí, nem tive coragem de me desmontar direito no carro, liguei logo pro celular da minha irmã e pedi para ela discretamente abrir a porta da nossa residência sem a mamãe nos ver, minha irmã, às vezes, é um anjo pra mim. [Junior/Andressa Julí, entrevistado(a) em julho de 2005]

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