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LÍNGUA E CULTURA NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

Tópico 2: No que se refere à ‘interculturalidade’, este conhecimento foi adquirido durante sua formação no LEMI ou você já o tinha antes?

7 INTERCULTURALIDADE NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

7.1 LÍNGUA E CULTURA NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

Ao entender que a formação de professores implica, dentre outras demandas, na orientação de um modo de ser e de agir, de ensinar e de aprender para a construção de um diálogo intercultural, a ‘língua’ e a ‘cultura’ aparecem como elementos fundamentais e catalizadores das experiências desse ser e agir, ensinar e aprender (MENDES, 2011). Nesse contexto, não seria acertado concluir a investigação em pauta sem antes analisar as concepções de língua e cultura dos professores egressos, sujeitos da pesquisa, pois, como destaca Mendes (2012, p. 668), é importante saber como estas concepções “[...] estão na base de modos de pensar e de agir de sujeitos que, entre outros aspectos, estão imbuídos da tarefa de ensinar língua [...]”. Assim sendo, surgem novas categorias de pesquisa – língua e cultura – e outros questionamentos que, também, vão orientar a investigação: Como se configuram as concepções de língua e de cultura no projeto pedagógico e nos programas dos componentes curriculares do curso LEMI/PARFOR/UESC? Quais são as concepções dos professores egressos desse curso sobre língua e cultura? Essas concepções se concretizam nas suas práticas de sala de aula?

Para dissertar sobre essas indagações necessito, primeiramente, tecer algumas considerações que irão embasar as análises dos dados sobre língua e cultura no processo de ensino-aprendizagem79 de línguas.

Começo por dizer que por trás de toda prática pedagógica do professor de línguas reside uma determinada concepção de língua, embora muitas vezes este nem saiba explicitá- la. Essa concepção, por sua vez, afeta todo o processo de ensino-aprendizagem dessa língua,

79 Coadunando com o pensamento de Mendes (2004, p. 172) estou entendendo nesta tese ‘ensino-aprendizagem’

de línguas como “[...] um só conjunto de ações integradas, embora de diferentes naturezas. Isso quer dizer que, embora reconheçamos que cada um dos processos representa um conjunto de intenções e ações diferenciadas, eles são complementares, integrantes de uma ação maior de produção conjunta de conhecimentos. Aprendemos quando ensinamos e ensinamos quando aprendemos. Ensinar e aprender, desse modo, são instâncias de um processo maior, o qual tem lugar quando interagimos entre pessoas com o objetivo de adquirir competência linguístico-comunicativa numa nova língua-cultura”.

ou seja:

Nada do que se realiza na sala de aula deixa de estar dependente de um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos linguísticos são percebidos e tudo, consequentemente, se decide. Desde a definição dos objetivos, passando pela seleção dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua, de suas funções, de seus processos de aquisição, de uso e de aprendizagem (ANTUNES, 2003, p. 39).

Tendo em mente que o processo de ensino-aprendizagem de línguas em uma perspectiva intercultural tem como base uma concepção particular de língua e cultura (KOHLER, 2015), intento, através das respostas das perguntas acima lançadas, verificar se as relações entre o pensar e o agir dos sujeitos da pesquisa sobre língua e cultura se coadunam com essa perspectiva. Para tanto, busco, inicialmente, apresentar, com concisão, algumas concepções de pesquisadores nacionais e internacionais sobre língua e cultura no ensino- aprendizagem de línguas. Depois, com base nessas compreensões, passo a analisar o projeto pedagógico e os programas dos componentes curriculares do curso LEMI/PARFOR/UESC, as entrevistas, os questionários e as observações das aulas dos informantes da pesquisa.

Como vimos anteriormente, conceituar interculturalidade e cultura é uma tarefa complexa. O mesmo podemos dizer em relação à definição de língua. Essa heterogeneidade em torno dos conceitos pode ser vista atrelada a uma época/orientação, como, também, ao trabalho com a língua no ensino e aprendizagem de línguas.

À luz de autores como Kohler (2015), Liddicoat; Scarino (2013), Mendes (2012; 2011; 2004); Scarino; Liddicoat (2009), Koch (2004), Gimenez (2002), Lo Bianco; Liddicoat; Crozet (1999), Kransch (1993; 1996, 1998), Richards; Rodgers (1993) e Geraldi (1984) identifiquei três grupos de concepções que representam diferentes compreensões da língua no ensino-aprendizagem de línguas.

No primeiro grupo a língua é concebida como: ‘sistema estrutural’ (LIDDICOAT; SCARINO, 2013; RICHARDS; RODGERS, 1986); ‘código’ (SCARINO; LIDDICOAT, 2009; KOHLER, 2015); ‘expressão do pensamento’ (GERALDI, 1984); ‘representação “espelho” do mundo e do pensamento’ (KOCH, 2004) e ‘reflexo do pensamento / língua como dispositivo mental, de caráter inato’ (MENDES, 2012). Independentemente do termo utilizado, este grupo enfatiza uma visão estrutural e codificada de língua. Ou seja, é fixa e finita; uma entidade abstrata, separada de seus usuários e, consequentemente, desprovida de influências contextuais ou sociais. O ensino-aprendizagem de línguas, nesta visão, abrange o

estudo da gramática e do vocabulário, isto é, o conhecimento dos elementos estruturais do código (as formas sintática e lexical). Assim, aprender língua é dominar esses elementos que, estruturalmente relacionados, irão codificar o significado. Em outras palavras, exteriorizar um pensamento. Essa concepção de língua é a mais antiga e, como diz Geraldi (1984, p. 43),“[...] ilumina, basicamente, os estudos tradicionais”.

A língua como ‘sistema comunicativo’ (LIDDICOAT; SCARINO, 2013); ‘função’ (RICHARDS; RODGERS, 1986) e ‘instrumento de comunicação’ (GERALDI, 1984; KOCH, 2004; MENDES, 2012) são os termos utilizados no segundo agrupamento. A língua agora é vista como conjunto de signos (códigos imutáveis) que se combinam para a transmissão de informações. Essas informações, por seu turno, são transmitidas de um emissor para um receptor (isolados social e historicamente) que precisam dominar o código adequado a cada situação para que a comunicação aconteça. Deste modo, no ensino-aprendizagem de línguas a ênfase recai na dimensão comunicativa e não mais apenas nas estruturas gramaticais e lexicais da língua. No entanto, como na concepção anterior, a língua nesta visão continua separada de seus usuários e desconsidera a situação e o momento histórico.

No terceiro grupo, a língua é vista como ‘prática social’ (LIDDICOAT; SCARINO, 2013; SCARINO; LIDDICOAT, 2009); ‘semiótica social’ (KOHLER, 2015); ‘interação’ (RICHARDS; RODGERS, 1986); ‘inter-ação’ (GERALDI, 1984); ‘lugar de ação ou construção de interação’ (KOCH, 2004); ‘lugar de interação e como atividade situada socioculturalmente’ (MENDES, 2012). De acordo com esse grupo, língua tem seu foco na interação humana. Ao contrário dos entendimentos antecedentes, nesta visão a língua é dinâmica, se modifica e evolui em seu uso diário e não existe separada de seus usuários, que estão situados social, histórica e culturalmente. Concebida como lugar de interação humana, o indivíduo, ao usar a língua expressa, cria e interpreta significados, interage e constitui relações sociais. No ensino-aprendizagem observa-se uma língua integrada, onde “[...] as estruturas linguísticas fornecem elementos para um sistema de comunicação que, por sua vez, se torna o recurso através do qual as práticas sociais são criadas e realizadas80” (LIDDICOAT; SCARINO, 2013, p. 16).

Entendo que essa terceira concepção, ao considerar que a língua não pode ser isolada do seu usuário nem dos seus contextos sociais e culturais, é a que se associa com uma orientação que defendo como intercultural no ensino e aprendizagem de línguas. Posto que nessa orientação a língua vai ser, como advoga Mendes (2011, p. 140), “[...] mais do que

80 “[...] linguistic structures provide elements for a communication system that, in turn, becomes the resource

objeto de ensino, passa a ser a ponte, a dimensão mediadora entre sujeitos/mundos culturais, visto que o seu enfoque se dará nas relações de diálogo, no lugar da interação”. Portanto, nessa dimensão a língua reflete sua essência maior de mediar as ações sociais e culturais que o indivíduo realiza ao falar, escutar, ler ou escrever (ANTUNES, 2009). E é nesse lugar de interação, nas relações de diálogo, que a língua se confunde com a cultura, conferindo sentido às coisas e expressando esses sentidos.

Assim como a concepção que temos de língua, a concepção de cultura também influenciará nossa maneira de ensinar e aprender línguas. Nesse sentido, trago as abordagens de ensino de cultura elencadas por alguns pesquisadores que dissertam sobre o assunto. A maneira como essas abordagens são entendidas podem ser agrupadas em quatro perspectivas.

Na primeira perspectiva incorporei as seguintes abordagens: cultura como informação (KRANSCH, 1993); ‘abordagem tradicional da cultura no ensino’ (LO BIANCO; LIDDICOAT; CROZET, 1999); ‘alta cultura’ (LIDDICOAT; PAPADEMETRE; SCARINO; KOHLER, 2003); ‘abordagem estática da cultura’ (SCARINO; LIDDICOAT, 2009); ‘culturas como atributos nacionais’ (LIDDICOAT; SCARINO, 2013) e ‘cultura como fato e informação’ (KOHLER, 2015). A cultura, nessa perspectiva, está relacionada às informações encontradas nos textos escritos, em especial nos clássicos da literatura e das artes (uma visão da alta cultura). Essa maneira de abordar o ensino de cultura é estática e enfatiza os fatos em detrimento dos significados. Identificada como um produto acabado e associada às características de um grupo particular de pessoas que habitam uma mesma área geográfica, a cultura vai representar a geografia, a história, a sociedade e as instituições desse grupo. De acordo com Liddicoat; Papademetre; Scarino; Kohler, (2003, p. 6) esta perspectiva “[...] parece estar associada a uma visão da natureza da aprendizagem de línguas que tinha expectativas mínimas de usar a linguagem para a comunicação com falantes nativos81”. O contato com a outra cultura se faz através da observação, visto que o estudante, mesmo conhecendo o país, vai ficar externo a ele (LO BIANCO; LIDDICOAT; CROZET, 1999).

‘Cultura interpretativa’ (KRANSCH, 1993); ‘tradicional’ (GIMENEZ, 2002) e ‘cultura como sistemas simbólicos’ (LIDDICOAT; SCARINO, 2013) são as abordagens que integram a segunda perspectiva. A cultura aqui é posicionada no campo da interpretação/entendimento, que vai além do “[...] aprendizado sobre comportamentos (hábitos, costumes, comidas, vestuário) e produtos culturais (literatura, arte, música, artefatos)

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“This paradigm also seems to be associated with a view of the nature of language learning which had minimal expectations of using the language for communication with native speakers” (LIDDICOAT; PAPADEMETRE; SCARINO; KOHLER, 2003, p. 6).

[...]” (GIMENEZ, 2002, p. 110). Desse modo, os estudantes (receptores passivos do conhecimento cultural) precisam interpretar/entender a cultura do outro, que é sempre generalizada, para ter um bom desempenho ao usar a língua. Dito de outra forma, o estudante incorpora elementos culturais da língua alvo para se comportar como o outro. Embora as diferenças sejam percebidas, os conflitos e os paradoxos dessas diferenças não são abordados (KRAMSCH, 1993).

‘Cultura como normas sociais’ (LIDDICOAT; PAPADEMETRE; SCARINO; KOHLER, 2003; LIDDICOAT; SCARINO, 2013); ‘cultura como práticas’ (LO BIANCO; LIDDICOAT; CROZET, 1999) e ‘cultura como prática social’ (GIMENEZ, 2002) fazem parte da terceira perspectiva que traz a visão de cultura centrada na descrição de práticas e valores que a caracterizam. A competência cultural é identificada nesta abordagem como o conhecimento sobre “[...] o que as pessoas de um determinado grupo cultural são susceptíveis de fazer para compreender os valores culturais colocados sobre certas formas de agir ou sobre certas crenças82” (LIDDICOAT; PAPADEMETRE; SCARINO; KOHLER, 2003, p. 6). No ensino-aprendizagem de línguas, essa visão de competência cultural colabora para que o estudante permaneça dentro do seu próprio paradigma cultural enquanto observa e interpreta as ações e palavras de um interlocutor com outro paradigma cultural. Apesar de considerar as diferenças culturais, as culturas são apresentadas como estáticas e homogêneas, levando a “[...] uma possibilidade de estereotipação da cultura-alvo, especialmente em contextos em que a aprendizagem cultural e a aprendizagem de línguas são amplamente separadas e as possibilidades de interações entre falantes são limitadas83” (LIDDICOAT; SCARINO, 2013, p. 20).

Na quarta e última perspectiva estão englobadas as seguintes abordagens: ‘cultura como terceiro espaço’ (KRAMSCH, 1993); ‘ensino de língua intercultural’ (LO BIANCO; LIDDICOAT; CROZET, 1999); ‘abordagem intercultural’ (GIMENEZ, 2002); ‘cultura como prática’ (LIDDICOAT; PAPADEMETRE; SCARINO; KOHLER, 2003); ‘abordagem dinâmica da cultura’ (SCARINO; LIDDICOAT, 2009); ‘culturas como práticas’ (LIDDICOAT; SCARINO, 2013) e ‘cultura como práticas semióticas’ (KOHLER, 2015). Essas abordagens expressam a visão de cultura como prática social, dialógica, dinâmica e multifacetada. Nesse contexto, encontramos a cultura situada nas vivências diárias, quando os

82“[…] what people from a given cultural group are likely to do and understanding the cultural values placed

upon certain ways of acting or upon certain beliefs” (LIDDICOAT; PAPADEMETRE; SCARINO; KOHLER, 2003, p. 6).

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“[…] a possibility of stereotyping the target culture, especially in contexts in which culture learning and language learning are widely separated and the possibilities for interactions between speakers are limited” (LIDDICOAT; SCARINO, 2013, p. 20).

indivíduos se comunicam, fazem sentido e interpretam seus mundos (KOHLER, 2015). Logo, para aprender sobre cultura é preciso:

[...] engajar-se com as práticas linguísticas e não linguísticas da cultura e obter insights sobre a maneira de viver em um contexto cultural particular. O conhecimento cultural não é, portanto, só ter informação sobre a cultura; Trata-se de saber como se envolver com ela (a cultura)84 (LIDDICOAT, 2001, p. 50).

Em outras palavras, o conhecimento cultural, nessa perspectiva, conduz o estudante a uma comunicação significativa em outra língua, negociando, entendendo, confrontando e compartilhando os significados dessa língua que é parte de uma cultura, e dessa cultura que é parte de uma língua (BROWN, 2000). Essa perspectiva de ensino de cultura é a que associo com o ensino-aprendizagem intercultural.

Ciente de que os nossos entendimentos de língua e cultura comprometem a maneira com a qual ensinamos a língua, debruço-me agora sobre o questionamento: Como se configuram as concepções de língua e de cultura no projeto pedagógico e nos programas dos componentes curriculares do curso LEMI/PARFOR/UESC?

7.2 COMO SE VISLUMBRAM AS CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E CULTURA NO