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POR QUE FALAR SOBRE A INTERCULTURALIDADE? QUAL É A SUA IMPORTÂNCIA?

CAPÍTULO 7 – INTERCULTURALIDADE NO ENSINO-APRENDIZAGEM

3 INTERCULTURALIDADE NA EDUCAÇÃO

3.1 POR QUE FALAR SOBRE A INTERCULTURALIDADE? QUAL É A SUA IMPORTÂNCIA?

As complexidades, os desafios e as demandas das sociedades multiculturais e multifacetadas vêm, ao longo do tempo, se intensificando – seja pela (des)colonização ou pelas crises econômicas e suas recessões; seja pelas consequências das guerras ou, mais recentemente, pelas revoluções e inovações da tecnologia e da comunicação digital/virtual. De uma forma ou de outra, vivenciamos a expansão dos meios de produção, circulação e troca cultural (HALL, 1997) e as consequências da interação global e/ou local, presencial e/ou virtual no nosso dia a dia em sociedade.

Ao ver na interação os encontros humanos em seus vários propósitos e circunstâncias, entendo que nestes encontros o ser humano se constitui através das relações que são estabelecidas com o outro. Essas relações são permeadas pela heterogeneização própria de cada ser humano (histórico, social e cultural) que é único, mas que também possui características comuns que o identificam a outros grupos sociais. Elas, também, são atravessadas pelas significações sociais/culturais que faz em esse ser humano se posicionar frente ao outro.

Partindo desse cenário, compreendo que, nas interações, a diversidade se exterioriza cotidianamente de forma complexa, conflituosa e problemática, pois, embora a diversidade seja o cerne na constituição das relações sociais, o que se percebe é uma resistência, uma hostilidade e até mesmo uma violência ao estranho, ao outro. E quem é esse outro? Para Silva (2000, p. 97), “[o] outro é o outro gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a outra sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacionalidade, o outro é o corpo diferente”. Acrescento que o outro é aquele que faz o sujeito - histórico, social e cultural - se reconfigurar todo tempo.

Com o ritmo crescente das transformações culturais e, mais recentemente, com o processo de globalização24 e suas implicações (positivas e/ou negativas) sobre as maneiras de agir e ser das pessoas, observo, por um lado, a universalização e as novas concepções de fronteiras tornando o mundo menor e as pessoas mais parecidas e, por outro lado, o particularismo, a diversidade cultural, as identidade plurais, a ênfase nas diferenças e o regresso ao comunitarismo (SANTOS, 2002, p. 26).

Verifico que esses dois lados fazem parte das tendências constitutivas da realidade planetária que se configura, segundo Appadurai (1996, p. 32), no problema central da interação global – a tensão entre homogeneização cultural e heterogeneização cultural. De um ângulo vê-se a homogeneização e padronização do comportamento e dos costumes dos indivíduos, e de outro a heterogeneização cultural com a disseminação, divulgação e intermediação dos valores e costumes locais sobre os globais. Assim como Hall (1997, p. 211), vejo, nesse último ângulo, que a mistura cultural não significa necessariamente a extinção do velho pelo novo, mas alternativas híbridas, condensando elementos dos dois, contudo sem reduzi-los a nenhum deles. É o que acontece nas sociedades multiculturais e diversificadas culturalmente, concebidas pelas grandes migrações decorrentes de guerras, miséria e das dificuldades econômicas do final do século XX, nas palavras desse autor.

Transcendendo o debate sobre homogeneização e heterogeneização cultural, sugerido por Robertson (1995, p. 27), o que se procura ressaltar é como essa tensão se configura nas experiências da vida cotidiana. Para Bhabha (2013, p. 19), existe uma sensação de desorientação, tendo em vista o momento em que nos encontramos – “de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão”.

A essa sensação de desorientação soma-se o impacto das revoluções culturais sinalizadas por Hall (1997, p. 213). Como ele mesmo diz, “A vida cotidiana das pessoas comuns foi revolucionada”25. Esse impacto na vida das pessoas perpassa por todos os acontecimentos que vivenciamos. E ao perpassar vai implicar na constituição da subjetividade26 e, consequentemente, na formação das nossas identidades. Em outras palavras,

24Entendo o processo de globalização segundo Boaventura de Souza Santos (2002, p. 26, 27, 94) quando diz que

este processo é um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo e longe de ser consensual. Esse processo pode ser visto (pela leitura paradigmática) quer como altamente destrutivo de equilíbrios e identidades insubstituíveis, quer como a inauguração de uma nova era de solidariedade global ou até mesmo cósmica.

25 Todas as traduções são de minha responsabilidade: “The everyday life of ordinary folk has been

revolutionized”.

26 Segundo Kathryn Woodward (2014, p. 55-56) a “subjetividade sugere a compreensão que temos sobre o

através da cultura a identidade do sujeito é construída. Essa construção se elabora em um contexto social, discursivo e dialógico, por meio das práticas de significações e da subjetividade, que permite explorar os sentimentos e pensamentos que envolvem o processo de produção da identidade e das posições que escolhemos assumir para nos identificar (WOODWARD, p. 56).

Coadunando com a conjuntura de desorientação e revoluções culturais, estão as transformações mundiais que acontecem de maneira diversa e sincrônica com os processos de globalização elencados por Santos (2002):

[...] o aumento dramático das desigualdades entre países ricos e países pobres e, no interior de cada país, entre ricos e pobres, a sobre população, a catástrofe ambiental, os conflitos étnicos, a migração internacional massiva, a emergência de novos Estados e a falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o crime globalmente organizado, a democracia formal como uma condição política para a assistência internacional, etc (p. 26).

Reconheço, através do panorama exposto, questões de deslocamento cultural, discriminação social, fronteiras culturais deslizantes e espaços híbridos (BHABHA, 2013) entre outras que são materializadas nos confrontos que se fazem presentes por meio da intolerância, rejeição, xenofobia, imperialismo, racismo etc. Em contrapartida, essas questões também são visibilizadas nos entendimentos por meio dos intercâmbios pacíficos, da solidariedade, da inclusão, das aprendizagens mútuas, só para citar algumas. Seja pelo confronto ou pelo entendimento, essas questões refletem a materialidade das diferenças que se fazem presentes nas interações culturais, que ao serem externadas nas identidades plurais distinguem os membros das sociedades. Nessa perspectiva, o tema da interculturalidade é aludido nos mais variados domínios e contextos.

Para destacar o exposto, trago o relatório mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) – Investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural (2009, p. 1), onde, na sua introdução, declara que “[...] a globalização aumentou os pontos de interação e fricção entre as culturas, originando tensões, fraturas e reivindicações relativamente à identidade”. Ainda diz que um dos objetivos do referido relatório é “[...] mostrar a importância da diversidade cultural nos diferentes domínios de intervenção (línguas, educação, comunicação e criatividade)”. Além de “[...] convencer os gestores públicos e as concepções sobre ‘quem nós somos’. (...) Entretanto, nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura dão significado à experiência que temos de nós mesmos e no qual nós adotamos uma identidade”. (Grifos do autor)

diferentes partes intervenientes sobre a importância em investir na diversidade cultural como dimensão essencial do diálogo intercultural”.

Destarte, justifico falar sobre a interculturalidade e a sua importância na reflexão sobre os processos de reconhecimento das diferenças (históricas e culturais); sobre os espaços de negociações para garantir as mesmas oportunidades sociais, econômicas e políticas a todos; sobre outras formas de percepção dos saberes produzidos pela humanidade; sobre as políticas públicas e suas implicações na educação.

Tendo em vista os diferentes conceitos e perspectivas da interculturalidade, esta não pode ser reduzida a uma única definição. Assim sendo, é sobre esses diferentes conceitos e perspectivas que me deterei a seguir.