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Língua escrita e língua falada: semelhanças e diferenças

No documento Língua e Linguagem no quotidiano (páginas 142-147)

Saussure, Ferdinand 2001 Curso de linguϋística geral São Paulo: Cultrix vygotsky, L S 1996 A formação social da mente Rio de Janeiro: Martins

1. Língua escrita e língua falada: semelhanças e diferenças

Através da língua o ser humano comunica entre si, pois língua por sua natureza existencial define-se como uma “linguagem que transmite a informação ou a notícia entre os grupos sociais unidos na ação”. Se assim, precisamos estudar a linguagem na totalidade? Evidente que precisamos estudar a linguagem, embora ela não seja uma empresa. E isso faz-nos pensar que “quando estudamos a linguagem, procuramos

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aprender a falá-la e a compreendê-la”. A razão que leva o ser humano a estudar linguagem cientificamente, porque está a perceber que não pode simplesmente utilizar a linguagem e também não apenas para distinguir os seres humanos de todas as outras espécies animais da terra, mas direta ou indiretamente torna possível a organização social sofisticada da sociedade civilizada. Além disso, a capacidade humana de adquirir uma linguagem é inata, pois todo o grupo humano dispõe de uma linguagem. Isto significa que quando fazemos um estudo sobre a linguagem, significa que se está a estuda algo de carácter universal, com uma base sólida na natureza biológica do

homo sapiens (Spinelli & Ferrand, 2009).

O processo de aprofundamento da língua escrita e a maneira de falar correta inicia-se e aprofunda-se na escola, pois a escola é uma entidade social do conhecimento que orienta o labor de aprendizagem. É necessário considerar os aspetos culturais e interculturais no processo de ensino-aprendizagem das línguas.

Fala é a realização concreta da língua, feita por um indivíduo da comunidade num determinado momento. É um ato individual que cada membro pode efetuar com o uso da linguagem. Trata-se de uma expressão oral e um ato intencional de vontade e de inteligência que se apoia exatamente nas “diferenças entre as línguas, ou seja, diferenças linguísticas” (Saussure, 2001). Visto que a língua tétum dos timorenses apresenta-se aqui como exemplo de diferença e de semelhança em diversas realizações, pois ela é identificada como instrumento e veículo de comunicação.

A língua tétum dos timorenses é formada pela expansão e complexidade linguística (pois desenvolvidas no sistema de comunicação linguística que emerge em contextos multilingues) e que se torna a primeira língua de interação entre vários grupos sociais. A semelhança e a diferença que têm no caso da língua referida (como exemplo) estão na sua forma existencial, sentido de aplicação e sua própria distribuição funcional com uma língua estrangeira como o português ou espanhol, tornar-se-ão em “facilidade ou dificuldade na aquisição do léxico desta língua estrangeira” (Lado, 1972:15). A comparação do léxico da língua tétum com o da língua estrangeira, as palavras estão agrupadas conforme a tabela a seguir.

Tabela 1 – Comparação do léxico entre a língua tétum e a língua portuguesa Semelhantes Diferentes Classificação Exemplos 1. Forma e sentido - Fácil ótel, óspital, mesa, lápis,

empresta, ler, parar 2. Forma Sentido

(heterossemânticos)

Difícil Komikudór, rungu-ranga 3. Sentido Forma Normal Pasiente, sangria, auzente,

aselera, ezekusaun 4. - Forma e sentido

(sentidos estranhos)

Difícil Kalkulasaun, komitmentu, ajudasaun

5. - Tipo de construção (novos tipos de forma)

Difícil Anota (anotar), purtantu, enkuantu, tenke, alénde. 6. Sentido primário Conotação (conotação diferentes Difícil Kareta. 7. Sentido, mas com restrições geográficas - Difícil/especial Neli, intoksikasaun, akabativa

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O exemplo apresentado na tabela 1 é uma adaptação feita a partir do caso de língua espanhol e da língua portuguesa, como constata na tabela seguir.

Tabela 2 – Comparação do léxico entre língua portuguesa e espanhol (Silva, 2002)

Devido ao facto do tempo e do espaço, as dificuldades variam-se em alguns grupos linguísticos que se sobrepõem, deixando algumas palavras se encaixarem em mais de um grupo. Como o próprio Lado (1972) prevê um nível geral de dificuldade e classifica cada grupo desses em um dos três níveis de dificuldade: “fácil”, “normal” e “difícil”. O mesmo autor ainda relaciona com os exemplos dados na tabela 1, apresenta-se os seguintes vocabulários estranhos na fala de uma pessoa em língua tétum como constata-se na tabela a seguir.

Tabela 3 – vocabulários no discurso coloquial e na escrita em língua tétum Expressar o vocabulário estranho no

discurso coloquial

Expressar o vocabulário corretamente na fala e na escrita

Halai lansadu Halai lalais

Hatais rápidu loos (hatais para rápidu ida, la hatene atu ba ne‟ebé karik)

Hatais furak loos (hatais para furak ida, la hatene atu ba ne‟ebé karik)

Akompaña ho ajudasaun Akompaña ho ajuda Halo kalkulasaun ho diak Halo kálkulu ho diak

Koalia ne‟e tenke ser transparente Koalia ne‟e tenke klaru ka haktuir loloos Apoiu sira ne‟e hodi taka limitasaun ne‟ebé

ami hetan

Apoiu sira ne‟e hodi atende ami nia

dificuldade sira

Sira koalia hanesan ne‟e tanba iha interesadu Sira koalia hanesan ne‟e tanba iha interese Hodi nune‟e bele iha dezenvolve Hodi nune‟e bele iha dezenvolvimentu Ba Futurasaun folin petróleu Ba futuru folin petr]oleu

Os vocabulários estranhos no discurso coloquial – em língua timorense, o tétum – são tratados como “estilo de expressão” que erradamente aceitado como “progressão linguística” que dá a performance à competência comunicativa, ou seja, uma maneira de “ensaio linguístico transitório” onde o estado inicial de aquisição de língua que toma a experiência como um “dado de entrada” e fornece a língua como um “dado de

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saída” e esse último é internamente representado no cérebro; mas no campo da “correção linguística” não funciona dessa forma, porque há uma ausência indelével dentro da norma, a carga expressão de uma materialidade da palavra sempre incompleta quando desconsiderar o seu sentido correto na fala e na escrita. Ou seja, quando “não domina o repertório dos géneros da conversa social, de uma falta de conhecimento a respeito do que é enunciado, não toma a palavra no momento certo, e começar e terminar no tempo correto” (Bakhtin, 2000:304). Sendo assim, os vocabulários estranhos pronunciados dependem também a expectativa coletiva que lhe garante o sentido social, como adverte Bourdieu (1996:45):

A língua legítima não tem o poder de garantir sua própria perpetuação no tempo nem o de definir sua extensão no espaço. Somente esta espécie de criação continuada que se opera em meio às lutas incessantes entre as diferentes autoridades envolvidas, no seio do campo de produção especializado, na concorrência pelo monopólio da imposição do modo de expressão legítima, pode assegurar a permanência da língua legítima e de seu valor, ou seja, do reconhecimento que lhe é conferido. (...) a luta tende continuamente a produzir e reproduzir o jogo e tudo o mais que está em jogo, reproduzindo naqueles que se encontram directamente envolvidos nele (mas não apenas entre eles) a adesão prática ao valor do jogo e do que está em jogo (móveis de concorrência), que define o reconhecimento da legitimidade. (...) Qualquer jogo termina quando se começa a perguntar se vale a pena.

Trata-se de uma situação comunicativa muito comum nas perspetivas interacionistas no mercado simbólico de trocas linguísticas. É, portanto, na economia da linguagem que se contrasta sempre com a sua ambivalência. É incómodo ter de se explicar tudo o que se diz, e por vezes pode ser desastroso. O grande problema é o de atribuir intenções às frases e aos atos – é um problema de suspeita e não um problema de linguagem (por exemplo, ideia do trauma) quando o passado de um indivíduo se torna causa do seu presente. É impossível retirar-se o que se disse na oralidade (presença, atualidade) – quando um indivíduo fala certo ou errado, a frase torna-se pública. A única maneira de explicar o que se disse num enunciado é apresentado com outro enunciado, que pode ser tão ambíguo (ter várias leituras), como o primeiro é fazer uma conversa chegar ao infinito (a linearidade do significante).

O que importante é – do ponto de vista lexical – considerar três aspetos conceptuais ontologicamente formados “forma, sentido e distribuição” (Lado, 1972:108) como elementos essenciais na análise comparativa da aplicação dos vocabulários. Estes elementos conceptuais são vitais para o ensino da língua. Barthes (1970, 1973) opera esta consideração aspectual entre texto legível e o texto escritível que ilustra cabalmente o investimento pulsional sobre o significante, tornando-se ilegível, compacto ao significado ou ao sentido no seu todo. Deleuze em “Dialogues” parece estar sintonizado com pensamento de Barthes (1970, 1973), quando adverte claramente o que seria o conceito da leitura de hoje:

[…] As boas maneiras de ler hoje, é chegar a tratar um livro como se escuta um disco, como se olha um filme ou um programa de televisão, como se é tocado por uma canção; todo tratamento do livro que exigisse um respeito especial, uma atenção de outra espécie, vem de uma outra era e condena

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definitivamente o livro. Não há nenhuma questão de dificuldade nem de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que convêm a você ou não, que passam ou não passam (Deleuze, 1988: 10).

Certo que com a invenção da escrita a possibilidade do ser humano evolui-se nos novos meios de reprodução de textos, como se fosse um novo suporte mediático instituído e com ele fortifica as relações sociais. O texto impresso permite uma outra perceção e apropriação de saberes impensáveis nas sociedades orais.

Ora bem, a forma das palavras consiste nos segmentos fónicos, intensidade e altura e varia-se de acordo com a realidade social e cultural. Quanto à distribuição, compreende-se que as unidades de palavras ou frases são distribuídas em determinada língua, baseia-se no tempo e no espaço, incluindo vários níveis sociais e os estilos de fala e escrita. A poesia é um exemplo concreto dessa distribuição lexical. Ou seja, um falante de uma língua traz sempre consigo os hábitos das restrições em distribuições, assim como, as línguas diferentes têm restrições diferentes, é como no caso tétum e português, português e espanhol (Lado, 1972:111). Todavia, no regime semiótico do texto, essa distribuição lexical encontra-se a vários níveis sociais, quando:

Se lermos o texto não unicamente como „véu‟ semântico ou sintáctico mas também na espessura pulsional e corporal em que age o sujeito, isto é, como uma prática, dir-se-á que, longe de encobrir o real, ele será a única „linguagem‟ (mas deixa de ser então uma linguagem no sentido de sistema estático, letra morta, mineral, véu) que introduz o real no simbólico. Donde a função de verdade do texto poético” (Kristeva, 1974, pp.363/364, n.1).

Aliás, em referência ao sentido, Lado (1972:109) adverte que “os sentidos em que classificamos nossa experiência são determinados ou modificados culturalmente e variam consideravelmente de cultura para cultura”, porque não são os mesmos em todas as línguas, isto acontece em alguns casos por engano que até pessoas com grau escolaridade cometem erro por acreditar que as línguas diferem apenas nas formas usadas para tais sentidas em ordem do discurso (Foucault, 2006).

Na palavra gramatologia, grámma, grámmatos, remete à letra, à escritura. Mais abrangente que a de escrita, no sentido corrente de termo, a noção de escritura, em Derrida (2005), compreende e excede a de linguagem. Essa afirmação supõe uma determinada definição de linguagem, afirmando que a linguagem escrita precede a linguagem oral no ser humano, alicerçada no princípio anti-idealista de que „a existência precede a essência‟. Para o filósofo, o que está „fora dos livros'‟ é „marginal‟, está à „margem da tradição‟ e situa-se no „limite do discurso‟. Fazer ciência seria não mais que “escrever” o que se repete no real1. A essência da escrita é

a sua própria metaforicidade que a coloca na função de “grande reveladora” e mostra a sua relatividade ou “passagem transitória” do reenvio do texto na “farmácia platónica” (Derrida, 2005).

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Figura 1 - Três tipos de informações possíveis que podem visualizar a palavra escrita (Spinelli & Ferrand, 2009:134)

A “forma global” de uma palavra escrita corresponde ao conjunto de letras “ascendentes”, “descendentes” e “neutras” em todas as possibilidades de construção do discurso. O que permite classificar as palavras em “forma global neutra” (como

ananas – ananás), ascendente (como ballet), descendente (como papaye – papaia).

A boa escrita é a contextualização da verdade e de imediaticidade transformação dos “sentidos comuns” que são sempre compreendidos como aquilo “o mesmo” ou aquele “sentido do mesmo” que deve ser compreendido. E, a má escrita é a escrita propriamente dita (hoje, por nós, dita derridiana) devido à sua energia aforística ou metaforicidade ou capacidade alusiva.

Chamamos de „escrita‟ tudo aquilo que dá origem à uma inscrição em geral, seja ou não literal ou mesmo se aquilo que ela distribui no espaço é alheio à ordem da voz: cinematografia, coreografia, naturalmente, mas também a “escrita” pictórica, musical, escultural. É também nesse sentido que o biólogo contemporâneo fala de escrita e programa em relação aos mais elementares processos de informação na célula viva. E, finalmente... o campo total coberto pelo programa cibernético será o campo da escrita (Derrida, 1967/1976: 9).

Quanto à fala, pode dizer-se que falar é: a) uma capacidade, uma atividade e uma consumação do homem; b) o funcionamento dos órgãos de elocução e do ouvido; c) a expressão e a comunicação dos movimentos da alma guiados pelos pensamentos com vista à harmonia recíproca; d) uma representação e uma apresentação do real e do irreal (Heidegger, 1995:31).

2. Três conceitos na formulação de sentidos educativos e na construção de ideias

No documento Língua e Linguagem no quotidiano (páginas 142-147)