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4 RESULTADOS

4.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA (2008-2013) E O DOCENTE

4.1.3 Recursos materiais e financeiros

4.1.3.1 Lócus da Educação Especial

Como espaços associados com a Educação Especial, nos diversos documentos analisados nesta pesquisa, são citados os seguintes: SRM, os CAEE da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos; Centros de Apoio Pedagógico à Educação de Surdos; ambientes domiciliares; ambientes hospitalares; os núcleos de atividades para altas habilidades/superdotação; e, os núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior.

Contrariando os princípios da radical perspectiva de educação inclusiva que atualmente orienta as políticas de Educação Especial, o § 1o do artigo 14 do Decreto presidencial nº 7.611 de 2011, aponta para a perpetuação das classes especiais de escolas regulares, uma vez que

destaca que “serão consideradas, para a educação especial, as matrículas na rede regular de ensino, em classes comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e em escolas especiais ou especializadas” (BRASIL, 2011a).

De qualquer forma, dentre os diversos espaços associados com a Educação Especial na política educacional contemporânea, a SRM é apresentada como lócus prioritário do AEE (BRASIL, 2008a; BRASIL, 2009a; BRASIL, 2011a). Inicialmente as SRM foram apresentadas pelo MEC como novo espaço de AEE em 2006n (BRASIL, 2006b) e a expansão das mesmas se deu a partir da Portaria Normativa nº 13, de 24 de abril de 2007, que instituiu o Programa Nacional de Implantação das SRM.

Consolidando a reconfiguração das propostas do “continuum de serviços” (atendimento domiciliar, classe comum, classe especial, classe hospitalar, ensino com professor itinerante, escola especial, oficina pedagógica, sala de estimulação essencial, sala de recursos) inicialmente as SRM foram definidas como espaços da escola onde se realiza o AEE para alunos com NEE, “[...] por meio do desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos pelos alunos.” (BRASIL, 2006b, p. 13).

No entanto, esta ênfase na dimensão pedagógica deste espaço durou pouco tempo. O documento PNEEPEI (BRASIL, 2008a), a Resolução nº 4 de 2009 e o Decreto presidencial nº 7.611 de 2011 consolidaram as SRM como lócus prioritário de AEE, mas a redefiniram. Assim, o Decreto presidencial nº 7.611 de 17 de novembro de 2011 definiu, no § 3o do artigo 5º, as SRM como “[...] ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado.” (BRASIL, 2011a, não paginado). Trata-se de um espaço com recursos e equipamentos específicos ao atendimento dos segmentos PAEE e o “novo fazer pedagógico” (BRASIL, 2006, p. 13) perdeu seu lugar. Ou seja, da definição inicial atribuída ao espaço em questão e centralizada em práticas diferenciadas, transitou-se para uma definição e um modelo de espaço centralizado em recursos de acessibilidade e recursos didáticos.

Com esta definição atribuída às SRM foram publicados documentos oficiais (BRASIL, 2012c; BRASIL, 2012b) com o intuito de esclarecer as formas corretas de implantação destes espaços. Bem como, foram publicados documentos com orientações para a institucionalização, na escola, da oferta do AEE em SRM, como a Nota Técnica nº 11 de 2010, emitida pela SEESP (BRASIL, 2010c). Os documentos orientadores da implantação dos espaços em questão explicitam dois tipos de SRM, dotadas de ênfases e recursos distintos, a saber:

Quadro 11 – Tipos de SRM TIPO I

Espaço dotado de equipamentos (microcomputadores, estabilizadores, monitores, fones de ouvido, impressora multifuncional, teclado com colmeia, mouse e acionador de pressão, notebook); de material didático/pedagógico (material dourado, esquema corporal, bandinha rítmica, software de comunicação alternativa, sacolão criativo monta tudo; quebra-cabeças – sequência lógica; dominós diversos – táteis, em Libras; com imagens de frases, animais e frutas -; alfabeto Braille; Kit de lupas manuais; memória tátil); mobiliários (mesa redonda, cadeiras, mesa para impressora, armários, quadro branco, mesa para computador, cadeiras).

TIPO II

Espaço dotado dos mesmos equipamentos, materiais didático/pedagógicos e mobiliários da SRM TIPO I, acrescido de outros recursos específicos para estudantes com deficiência visual, a saber: impressora Braille, máquina de escrever, reglete de mesa, punção, soroban, guia de assinatura, globo terrestre acessível, kit de desenho geométrico acessível, calculadora sonora, software para produção de desenhos gráficos táteis.

Fonte: Elaboração do autor (2015).

Aposta-se, assim, que “[...] o Programa de Implantação de SRM constitui uma medida estruturante para a consolidação de um sistema educacional inclusivo que possibilite garantir uma educação de qualidade.” (BRASIL, 2012c, p. 4). Paradoxalmente, a restrição do AEE às SRM como espaço especificamente voltado para o PAEE, que conta com recursos e profissionais prioritariamente específicos para este público, pode indicar a permanência da perspectiva tradicional da educação especial, calcada nas contribuições da Psicologia e da Biologia que, ao fim e ao cabo, “[...] redundam em reiteração de práticas que visam fundamentalmente à superação das dificuldades apresentadas pelos alunos com deficiências ou distúrbios encaminhados para as classes regulares” (BUENO, 2012, p. 295).

Conforme Chacon e Oliveira (2013), a implantação dessas salas nas escolas públicas tem o propósito de apoiar os sistemas de ensino na oferta do AEE, disponibilizar recursos nas diferentes modalidades de deficiência, bem como instigar a atuação multidisciplinar e o trabalho colaborativo entre professores das classes comuns e das salas de recurso. Assim, para Chacon e Oliveira (2013) as SRM ratificam a concepção de Desenho Universal expressa no Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, qual seja: “[...] espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas as pessoas, com diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos elementos ou soluções que compõem a acessibilidade” (CHACON; OLIVEIRA, 2013, p. 204).

Sabe-se que as SRM facilitam a equiparação de oportunidades pela disponibilização e elaboração de recursos materiais, recursos pedagógicos e práticas que podem contribuir para que sujeitos com diferentes características pessoais, físicas e intelectuais, tenham acesso ao conhecimento. Neste sentido, estas salas associam-se tanto com a perspectiva do Desenho Universal, quanto com seu desdobramento denominado Desenho Universal da Aprendizagem,

e para seu funcionamento adequado geram a demanda por “[...] professores altamente especializados” (CHACON; OLIVEIRA, 2013, p. 202).

Por sua vez, os centros de AEE (públicos ou privados sem fins lucrativos) são apresentados nos documentos oficiais como espaços que devem cumprir as exigências legais estabelecidas pelo Conselho de Educação do respectivo sistema de ensino, quanto ao seu credenciamento, autorização de funcionamento e organização, e devem ter a proposta educacional aprovada pela respectiva Secretaria de Educação ou órgão equivalente (BRASIL, 2010b).

A Nota Técnica nº 09 (BRASIL, 2010b) e a Nota Técnica nº15 (BRASIL, 2010d), emitidas pela SEE, destacam que a função destes centros são as seguintes: realizar oferta do AEE, de forma não substitutiva à escolarização dos alunos PAEE, no contraturno do ensino regular; a organização e a disponibilização de recursos e serviços pedagógicos e de acessibilidade para atendimento às necessidades educacionais específicas destes alunos; e a interface com as escolas de ensino regular, promovendo os apoios necessários que favoreçam a participação e aprendizagem dos alunos nas classes comuns, em igualdade de condições com os demais alunos. Ressalta-se que esta configuração em que o AEE é ofertado em centros especializados pode dificultar o diálogo entre o professor do ensino regular e o professor especializado, produzindo uma condição desfavorável para uma proposta pedagógica integrada nos dois espaços.

Quanto aos núcleos de acessibilidade das instituições federais de educação superior, o § 5o do artigo 5º do Decreto presidencial nº 7.611 de 17 de novembro de 2011 estabelece que os mesmos são espaços que visam eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com deficiência (BRASIL, 2011a). No que concerne às orientações para a realização do AEE em ambientes domiciliares e hospitalares26 e em núcleos de atividades para altas habilidades/superdotação, existem poucos esclarecimentos nos documentos analisados nesta pesquisa. A Resolução nº 4 de 2009 estabelece apenas que “[...] em casos de AEE em ambiente hospitalar ou domiciliar, será ofertada aos alunos, pelo respectivo sistema de ensino, a Educação Especial de forma complementar ou suplementar” (BRASIL, 2009a, p. 2).

26 Cabe destacar que o atendimento educativo em ambientes hospitalares (classe hospitalar) não é diretamente direcionado ao PAEE, a menos que integrantes dos segmentos que compõe este público, estejam hospitalizados. O atendimento hospitalar é direcionado a estudante matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de freqüentar escola, temporária ou permanentemente.

O INES e o IBC, instituições de importância histórica para o nascimento da Educação Especial no Brasil, são mencionadas como instituições associadas com a Educação Especial, mas com papel ressignificado a fim de atender as expectativas sociais de convívio e valorização das diferenças. Conforme Nota Técnica nº 07, emitida pela SEESP em 2011 (BRASIL, 2011e) e de acordo com o Decreto nº 7.480, de 16 de maio de 2011 (2012d), na atual política, INES e IBC devem atuar como centros de referência nacional nas áreas de pesquisa e formação de educadores e na produção de materiais didáticos acessíveis voltados para pessoas com surdez e pessoas com deficiência visual.

Cabe perguntar, perante o retrato delineado quanto aos espaços da Educação Especial na atual política, porque as SRM, mesclas das classes especiais com as salas de recursos, típicas das políticas anteriores, ambientes distintos das salas de aulas regulares, são o lócus preferencial da Educação Especial? Por que estes recursos e serviços que elas ofertam não poderiam estar nas salas de aula regulares, reconfigurando práticas pedagógicas historicamente desenvolvidas para um padrão inexistente de homogeneidade?

Trata-se de perguntas para as quais há poucas respostas claras, mas que talvez tenham respostas relacionadas com o financiamento do AEE, tema do próximo tópico.