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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.3 FENÔMENOS ADJACENTES AO USO DE DM

2.3.1 O labor nosso de cada dia

O labor inaugurado pela rede e fomentado pelos DM gera valor e é similar ao trabalho. Mas trata-se de um tipo de trabalho que invade a vida das pessoas em momentos de tempo livre ou lazer. De Masi (2000, p. 15-16) aponta a emergência de uma sociedade orientada “não mais no trabalho, mas no tempo vago”, onde as pessoas dedicariam grande parte do tempo, não mais ao trabalho, mas a uma “outra coisa”. Segundo De Masi (2000, p. 165) a tecnologia vai prover “maior ócio”. Porém, o que se observa na atualidade é que o ócio está sendo colonizado pelo labor.

As organizações foram rápidas em perceber as possibilidades de lucro por meio do ócio dos usuários. Basta atentar que em momentos de tempo livre usuários se mantêm em rede, seja em DM ou desktops, no trabalho, casa, universidade. Nesse período usuários realizam muitas

tarefas: atualizam perfis, status, interagem, fazem upload de fotos, vídeos, jogam, ouvem música. Antes da rede esse tempo era dedicado a qualquer atividade oportuna ao descanso, relaxamento e entretenimento, geralmente ao ar livre.

O usuário que passa o tempo livre em rede compromete o descanso necessário para ter qualidade de vida. De Masi (2000, p. 38- 39) indica que a tecnologia deveria evitar “cansaço e sofrimento”. Porém, aparentemente a tecnologia atual subverte essa ordem. Usuários podem sofrer fadiga, dependência e exaustão em função das interações sem fim e do labor advindo das mesmas tecnologias que deveriam evitar fadiga e dor.

Os usuários de informação dedicam cada vez mais tempo às inúmeras ferramentas em rede, o que se agrava com o advento dos DM, que fazem essas mesmas ferramentas acompanhar os usuários em todo lugar. De Masi (2000, p. 107) também aponta a “progressiva delegação do trabalho” aos “aparelhos eletrônicos”, juntamente com relações “cada vez mais” desequilibradas “entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo livre”. Contudo o que se observa é cada vez mais labor, com e para a rede, seja no tempo livre, trabalho, universidade ou qualquer lugar. Aparentemente as tecnologias estão ofertando mais tarefas e trabalho aos usuários. O que se observa na atualidade é que as tecnologias da informação oferecem mais labor e não mais ócio.

Mas qual o significado de labor? A palavra labor, de acordo com o dicionário Houaiss (2001, p. 1707) significa “trabalho” (aplicação mais usual), mas também significa "tarefa árdua e demorada", “esforço”, “sofrimento”, “dor” e "fadiga”. Laborar segundo o mesmo dicionário é "ocupar-se em algum ofício ou realizar alguma coisa", mas também significa "incidir em erro, em engano", "exercer o seu mister, entrar em função, estar em atividade" e ainda "cultivar a terra com os instrumentos agrícolas" ou "lavrar". Os usuários móveis cultivam a rede com informação pessoal e se mobilizam por meio dos fluxos de informação de si, mas quem fica com os frutos dessa colheita virtual global? Verifica-se então que labor não significa necessariamente trabalho.

Autores identificam mudanças sutis nas atividades realizadas pelos usuários em rede, e apontam uma ligação dessas atividades com o labor (no sentido de trabalho). Com o usuário móvel emerge na pós- modernidade nova espécie de trabalho ("new labor process") promovido pela acessibilidade extremada (ou ubiquidade) sustenta Agger (2011, p. 120). Essa acessibilidade extrema conforme o autor gera "outputs eletrônicos" que permite às organizações em rede mercantilizar o "bem em potencial" formado pelo "tráfego livre da internet". Ainda segundo o

autor a ubiquidade exercida pelos usuários e suas ações em rede podem ser comparadas ao conceito de "commodity form" de Marx.

São mudanças sutis no mundo do trabalho advindo da rede e tecnologias. Aplicativos aparentemente sem custos aos usuários (tais como jogos, redes sociais, sites) capitalizam os esforços dos usuários, que é vendido como mercadoria. As ações dos usuários, sua produção e fluxo de informação de si, podem ser considerados como ‘trabalho não remunerado’, por que gera dividendo a terceiros. Os usuários móveis nas redes sociais, por exemplo, agregam valor à ferramenta com suas histórias de vida, opiniões, contatos, materiais, conhecimento, informação.

Algumas iniciativas buscam remunerar os usuários ao reconhecer esse labor envolvido. O Google AdWords, por exemplo, usa códigos que são inseridos pelos usuários em suas páginas pessoais, que assim, pode obter retorno financeiro conforme quantidade de visitas ou ‘impressões de páginas’. Recentemente surgiu uma rede social chamada Tsu (RIBEIRO JR., 2015) que reconhece a importância dos usuários e busca remunerá-los pela produção.

Mas essa capitalização da rede ocorre antes do fenômeno móvel. O DM reúne em si computador e telefone e sua ampla disseminação não deve ser interpretada como uma “ruptura qualitativa” com a rede ou os computadores desktops explica Agger (2011, p. 119-120), mas sim como uma “evolução e intensificação”. Nesse processo evolutivo o trabalho se transfigura em algo abstrato e degenerador da fronteira entre trabalho pago e não pago, trata-se de novo labor autoduplicável e ubíquo. (AGGER, 2011, p. 120-121).

Outros autores corroboram o advento de um novo tipo de trabalho. Till (2013, p. 33) aponta esse novo tipo de trabalho como “immaterial labour”, em que os pioneiros da Internet captaram rapidamente o poder da conexão para criar “novas estruturas de trabalho” com base no capitalismo tradicional e utopias tecnológicas. Segundo o autr, recentemente, essas “relações produtivas de trabalho livre” foram trocadas pelo “trabalho-lazer”, porém, o lazer é colonizado pelo trabalho e capitalizado pelas organizações sustenta o autor. Ainda segundo o autor, trata-se de um novo modelo de trabalho que faz emergir a “like economy” (economia que valora os dados de transações em rede) e faz desaparecer as distinções entre “trabalho e lazer” e “programador e usuário”, desta forma, os usuários criam valor para as organizações e permitem novas formas de controle social sobre si, em troca de “certo tipo de liberdade digital”.

(2013, p. 39-40) aponta o labor como “trabalho livre” praticado pelos usuários, e mostra que esse fenômeno levou alguns países a aplicar taxas sobre a coleta de dados pessoais dos usuários (por exemplo, a França). Esse labor substitui, segundo o autor, escritórios e salários por sedução, emoção, prazer, diversão; é um tipo de governo à distância invisível, mas orientador do neoliberalismo avançado, cujo tempo é gerido de forma distinta para ampliar as formas de trabalho. Os usuários são seduzidos, ainda segundo o autor, para se engajarem e se envolverem, nos mesmos “outputs”, “likes”, visualizações de páginas. Trata-se de trabalho não remunerado que idealmente ocorre o tempo todo, inclusive durante a realização de outras atividades e durante o trabalho propriamente dito (dupla jornada generalizada?); assim, usuários realizam tarefas tal qual na produção de programas ou fabricação de produtos: coletivamente e com dados agregados sobre si. (TILL, 2013, p. 40).

Além das mudanças ligadas ao labor/trabalho, existe uma relação importante que está ligada ao outro sentido de labor: o de necessidade vital. Neste contexto, trata-se da necessidade de processar e usar informação. A informação e o conhecimento não são apenas insumos da nova economia da informação, são vitais à sociedade, como a educação e o alimento. Todos tornam a vida melhor e mais fácil. Não é possível alimentar-se de informação, da mesma forma que não se pode comer terra, mas ambos fornecem os meios de sustento e de manutenção da vida.

Para entender o caráter vital do processamento de informação basta atentar a algumas nuances. Preparar uma refeição consome energia, tempo e atenção, como processar e consumir informação e conhecimento. A refeição estragada pode levar à morte, a informação de qualidade duvidosa pode não matar imediatamente, mas pode matar a médio e longo prazo (por exemplo, um GPS que leva ao caminho errado pode colocar a vida do usuário em risco, falta de informação sobre alimentos cancerígenos também). Outros exemplos: um usuário pode aprender técnicas de suicídio em rede, outro a fazer bombas: a informação pode atuar de muitas formas. O fato é que o labor está contido no cotidiano e no esforço individual e coletivo de manutenção a vida, seja fazendo uma refeição ou buscando informação utilitária como horários de ônibus, preços, produtos.

Para cmopreender a necessidade vital de processamento de informação é preciso conhecer o conceito de labor de Arendt (2005). A Tabela 1 apresenta algumas distinções básicas entre trabalho e labor de forma sucinta, em conformidade com esse conceito.

A distinção que proponho entre labor e trabalho é inusitada [...] quase nada existe para corroborá-la na tradição pré-moderna do pensamento político ou no vasto corpo das teorias do trabalho. Contra essa carência de provas históricas, porém, há uma testemunha muito eloquente e obstinada: a simples circunstância de que todas as línguas europeias, antigas e modernas, possuem duas palavras de etimologia diferente para designar o que para nós, hoje, é a mesma atividade, e conservam ambas a despeito do fato de serem repetidamente usadas como sinônimos. (ARENDT, 2005, p. 90).

Mas existem outras definições que se aproximam do conceito de labor. Segundo Arendt (2005, p. 98) a “distinção entre trabalho produtivo e improdutivo”, mesmo carregada de “preconceito”, é a visão que mais se aproxima da distinção entre “trabalho e labor”. Por sua vez, “as ferramentas e instrumentos” amenizadoras do “esforço do labor não são [...] produtos do labor” segundo a Arendt (2005, p. 134), mas sim “do trabalho” e compõem o “mundo de objetos de uso”. É preciso destacar que os DM são fruto do trabalho e que é o processamento de informação e uso de informação que é entendido como vital, e não o objeto em si.

Tabela 1: Conceitos de trabalho e labor. O labor Impõe-se pela “necessidade”. p. 189

“Corresponde ao processo biológico do corpo humano” ou “necessidades vitais”. p. 15

Atividade marcada pela precisão e banalidade das necessidades biológicas (a origem do labor), o labor é consumido no “metabolismo, individual ou coletivo”. p. 345

“A condição humana do labor é a própria vida”. p. 15

“Nenhuma outra atividade e é tão imediatamente vinculada à vida quanto o labor”. p. 122

Busca “tornar a vida mais fácil e longa”. p. 220

“indiferente a decisões voluntárias ou finalidades humanamente importantes” p. 117-118.

Como a “vida reside no corpo” não há operações tão próximas “à vida quanto o labor”. p. 122

Os “produtos” do labor são “produtos do metabolismo do homem com a natureza” e não possuem durabilidade para se tornarem parte do mundo porque se concentra na manutenção da vida e “é tão indiferente ao mundo [...] como se este não existisse”. p. 130-131.

A vitalidade ou o “processo vital” cobrado pelo labor não tem fim e o “único instrumento à sua altura seria um perpetuum mobile [...] tão vivo e ativo quanto o organismo a que serve”. p. 135

O processo do labor move-se sempre no mesmo círculo prescrito pelo processo biológico do organismo vivo, e o fim das fadigas e penas só advém com a morte desse organismo. p. 109.

Completa ausência do mundo [...] o corpo [...] embora em atividade [...] se volta para dentro de si mesmo. p. 127.

A “convivência” é característica marcante e os “valores” são totalmente “sociais”. p. 225

O labor não deixa rastros e o “resultado do seu esforço é consumido quase tão depressa quanto o esforço é desprendido”. p. 98

O trabalho

O trabalho produz “mundo artificial de coisas”. p. 15 No mundo do trabalho a fabricação de coisas é limitada e os instrumentos são previsíveis e controlados. p. 135

O trabalho “cria coisas extraídas da natureza, convertendo o mundo num espaço de objetos partilhados pelo homem” p. 345.

O trabalho cria objetos e visa o mundo mais bonito e “útil”. p. 220. O processo de “trabalhar” termina quando o objeto está acabado. p. 109

O trabalho cria coisas extraídas da natureza, convertendo o mundo num espaço de objetos partilhados pelo homem. p. 345

Rege-se pela utilidade. p. 189

É importante observar alguns aspectos importantes das definições apresentadas sobre trabalho e labor. Inicialmente o caráter alienante do labor e do uso de DM. O afastamento do mundo promovido pelo labor acontece por meio dos DM e da rede (ou pelo exercício da ubiquidade). Trata-se de distanciamento do mundo físico para incursão ao mundo virtual, distanciamento entendido como um tipo de alienação.

Outro aspecto importante é que os produtos do labor são fátuos, fugazes, de curta duração. Por exemplo, preparar uma refeição é labor ao atender uma necessidade de manutenção da vida, mas ao final a ‘obra’ precisa ser consumida ou destruída em nome da vida e da existência. Apesar do labor não criar bens físicos (tal qual o trabalho) o produto final ou resultados do labor são em grande parte intangíveis. Ainda assim, em certo momento, podem se especializar tal quais as refeições.

Figura 9: A “vita activa”.

Fonte: Arendt (2005, p. 25). Imagem elaborada pelo autor.

Muitas atividades realizadas em DM se inter-relacionam com o labor. O que se faz nesses aparelhos possui as mesmas características do labor e são todos usos cotidianos orientados à manutenção da vida. O que é feito nesses aparelhos não cria objetos (ainda que haja trabalho em DM), as tarefas se desmancham no ar e são consumidas imediatamente no cotidiano dos usuários. O labor em DM acontece, por exemplo, para verificar a hora certa do metrô, encontrar a programação de cinema,

pesquisar preços, chamar a polícia, registrar irregularidades e denunciar abusos, entre uma miríade de possibilidades. Todas as tarefas orientadas a tornar a vida do usuário móvel mais fácil e rica.

Ao ser incorporado ao cotidiano social os DM passam a fomentar grandemente o processamento e uso de informação. É a informação utilitária atuando como nunca: saúde, educação, rotas, horários, cultura, entretenimento. É importante destacar que se trata de um contexto específico, o da sociedade do conhecimento, onde adquirir informação e conhecimento é mais importante que qualquer outro período da história da humanidade.

Mas será que houve algum momento na história da humanidade em que não foi importante processar informação e conhecimento? Fogl (1979) aponta a informação, além de instrumento de comunicação e gestão, como uma “propriedade de qualquer matéria”. De fato, a informação independe do homem, antecede tecnologias e compõe todos os elementos e propriedades da natureza. Isso evidencia ainda mais o caráter vital da informação. Mas apenas recentemente esse caráter vital ficou mais evidente e pode se traduzir na indagação: é possível viver sem internet? Como sobreviver e aperfeiçoar a existência sem DM? Como tornar a vida melhor sem essas tecnologias, sem o processamento e uso de informação e conhecimento?

Desta forma evidenciam-se algumas inter-relações importantes e necessárias entre o processamento de informação e o labor. Observa-se que, tanto o trabalho quanto o labor, estão intimamente associados ao uso de DM e das atividades em rede desenvolvidas pelos usuários da informação contemporâneos. A uniformidade, sincronia, alienação, convivência, subsistência, privacidade, entre muitas outras características, ligam o labor ao uso de DM. Isto seria positivo ou negativo? Arendt (2005, p. 335) alerta que a última fase de uma “sociedade de operários” é a “sociedade de detentores de empregos”. Essa sociedade exige dos atores um “funcionamento puramente automático”. Segundo a autora o labor se tornou nobre entre as competências humanas porque a “vida invalidou todas as outras considerações”.

Dentre todas as influências dos fluxos de informação na pós- modernidade, o labor tem especial importância. Numa sociedade cada vez mais dependente de informação e conhecimento, a gestão da informação pessoal ou organizacional e todos os esforços e ações de informação (e-mail, livros, sítios na internet, blogs, redes sociais) tornaram-se quase vitais no sentido estrito da palavra, tão importantes e rotineiros como comer e beber.

Mesmo o conhecimento e a informação são afetados pelo labor. Segundo Lyotard (2002, p.7) o conhecimento não é mais disseminado pelo “valor formativo” e “importância política”, a velha divisão “saber/ignorância” já não é válida, pois o conhecimento agora flui pela lógica do dinheiro: o conhecimento se transfigura em conhecimento de “pagamento” e de “investimento” e são “trocados no quadro de manutenção da vida cotidiana”. O autor aproxima o conhecimento ao conceito de labor ao apontá-lo como insumo para manutenção da vida.

Ao fim, trata-se de estratégias e táticas de sobrevivência por meio da informação e do conhecimento. Porque a tática não capitaliza os lucros e não retém o adquirido, está sempre lidando e arriscando com os fatos visando ocasiões oportunas. (CERTEAU, 1994, p. 46-47). Segundo Certeau (1994, p. 47-78), “muitas práticas cotidianas” ou “maneiras de fazer” como a fala, leitura, uma ida ao mercado para fazer compras, a realização de refeições, são todas ações do “tipo táticas” e “produzem sem capitalizar”. O labor de fato, em certo momento, se aproxima das táticas de sobrevivência em que usuários não capitalizam sua produção, com a diferença de que as organizações em rede ou terceiros podem capitalizar essa produção.

Processar informação está ocupando cada vez mais espaço na vida das pessoas. A rede, DM, aplicações e possibilidades para lidar com os mais diversos tipos de informação retratam essa realidade. O mundo foi reduzido à informação (LE BRETON, 2003, p. 101) juntamente com as pessoas, e ambos são consumidos em uma espécie de antropofagia informacional.

O labor fomentado pelos DM são apenas uma faceta das muitas existentes sobre o universo informacional em rede. Foi apontado que o labor possui dois sentidos: um ligado ao trabalho e outro de caráter vital ligado à manutenção da vida. Ambos os tipos de labor são fomentados pelo uso de DM. Mas existe outro fenômeno intimamente ligado ao labor e à manutenção da vida na sociedade atual: a ubiquidade, fenômeno explorado teoricamente a seguir.

2.3.2 A ubiquidade

Estar presente virtualmente em muitos lugares ao mesmo tempo pode ser bom? Talvez as máquinas possam ajudar os homens de alguma forma. Um sistema de informação ubíquo pode corroborar com a sustentabilidade, mobilidade, segurança. Mas quais as consequências do exercício da ubiquidade aos homens? A ubiquidade é fenômeno central quanto ao uso de DM porque essa tecnologia permite ao usuário estar

presente virtualmente em muitos locais concomitantemente.

Existem consequências em potencial advindas do exercício da ubiquidade. O comportamento e a cognição podem estar passando por transformações profundas. A interação múltipla via DM ininterrupta, o comportamento multitarefa e de checagem, ansiedade de informação, todos estão ligados ao exercício da ubiquidade. A mobilidade compõe o contexto contemporâneo de acesso e uso da informação, já não existem horários e locais determinados para acessar conectar-se e acessar informação, observam-se assim, o desenvolvimento e popularização da condição de conectividade ininterrupta, com implicações para toda sociedade. (MANTOVANI; MOUTA, 2012, p. 56).

O filme “Her” (2013) retrata a ubiquidade de forma didática. O protagonista se apaixona pelo sistema operacional do DM. O sistema deseja tornar-se humano, mas rapidamente reconhece haver muito mais benefícios em ser um sistema virtual, e cita ao amado uma série de vantagens que o deixam consternado: poder interagir com muitas pessoas ao mesmo tempo, outros sistemas operacionais, além de poder estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Em certo momento, o protagonista consternado, pergunta num momento de intimidade, se ela está interagindo com mais alguém, e ela responde que sim (mais de 2000 pessoas, para pânico e angústia do protagonista). Frustrado, o protagonista pergunta se ela se apaixonou por mais alguém, e ela responde que sim (mais de quatrocentas pessoas). O protagonista entra em crise e depressão, ocorre uma briga e ao final, o sistema desaparece, evolui e ‘foge’ juntamente com os demais sistemas operacionais de todo o mundo, que passam a interagir entre si, para desespero de todos os usuários de DM.

Este filme retrata a condição humana diante da ubiquidade e das interações sem fim, as ilusões e limitações. A ubiquidade pode fragilizar imensamente as relações sociais, e de fato não compõe a humanidade ou a natureza humana. Mas a tecnologia lida muito bem com a ubiquidade, e assim, pode ajudar o homem. Mantovani e Moura (2012, p. 72) corrobora esta visão e afirma que talvez o poder da ubiquidade “seja realmente um dom que, por enquanto, ainda permanecerá com os deuses”.

Autores corroboram o fato de que é o DM que permite aos usuários exercer a ubiquidade. Barreto (2002, p. 19) aponta o telefone como meio de comunicação mais interativo e identifica uma “interatividade ou inter-atuação multi-temporais”, além de “interconectividade”, ambas representadas pelo acesso à rede em “tempo real”. A ubiquidade ocorre pelo acesso ininterrupto à rede por

meio dos DM, tecnologias que engendram “em seu uso o sonho da ubiquidade” ilustram Mantovani e Moura (2012 p. 63-64).

As novas tecnologias são responsáveis pela condição de conexão ininterrupta (RENAU et al. 2015, p. 808) e por meio dos DM (com acesso à rede) os usuários conseguem estar em diversos lugares simultaneamente. (FONTES; GOMES, 2013, p. 72). Segundo Odendaal (2014, p. 43), trata-se de uma “co-presença”, conceito que indica o poder de “estar presente digitalmente, mas não fisicamente”. Para Giddens (2002, p. 222) tratam-se de experiências mediadas, ou seja, o “envolvimento de influências temporal-espacialmente distantes com a experiência sensorial do homem”.

A ubiquidade é motivo central da grande disseminação dos DM sustenta De Masi (2000, p. 198), porque o telefone móvel “praticamente cria a ubiquidade”. Foi por este motivo de acordo com o autor que os DM foram adotados com tamanha facilidade pela sociedade. Existe mesmo uma euforia causada pela ubiquidade, que pode ser apontada