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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.5 O USUÁRIO MÓVEL

2.5.3 O estudante móvel

Os estudantes também se transfiguram com o advento dos DM. Agora são móveis, estão em movimento e não mais entre quatro paredes para acessar informação. Podem acessar a rede sem limitações de tempo-espaço, exercer a ubiquidade e interagir de muitas formas entre si e com a informação. As atividades realizadas em DM pelos estudantes podem prejudicar o desempenho acadêmico, ao mesmo tempo podem favorecer a realização de pesquisa e demais atividades de ensino.

Muitos estudos apontam os estudantes universitários como amostra importante quanto ao uso de DM. Segundo Jordaan e Surujlal os estudantes são amostra “particularmente atraente”. Afinal, os DM também são amplamente disseminados entre estudantes e a maioria possui um smartphone e não raro mais de um. (TRAXLER, 2010, p. 149-150). Ou seja, os estudantes são grandes usuários desse tipo de tecnologia.

Traxler (2010, p. 149-150) emprega o termo “student devices” para explorar as implicações do uso de DM no ensino. Segundo o autor os estudantes investem tempo, esforços, recursos, escolhem, compram, personalizam e exploram esses aparelhos que expressam seus valores e identidades, usos que fazem emergir estímulos e possibilidades que podem mudar a forma e natureza do ensino.

Contudo, o uso de DM seria adequado ao ensino? O consumo desses aparelhos amplia diferenças e fomenta o individualismo, além do fato de que as inovações e mudanças intermitentes (que ocorrem em função do consumo e não por razões educacionais e técnicas) tornam o DM não adequado ao ensino; vale destacar que esse consumo não é racional nem previsível, e isso não é positivo para as universidades que visam usar o DM como instrumento de ensino e aprendizagem. (TRAXLER, 2010, p. 150).

Com a ampla disseminação desses aparelhos entre os estudantes as instituições de ensino precisam estabelecer novo modelo de relacionamento com os discentes. O ensino universitário se mostra alijado da visão que os estudantes móveis têm do mundo, precisa mudar e sintonizar-se com eles. (TRAXLER, 2010, p. 153). Os DM colocam em questão a igualdade, acesso e participação, por que as universidades não têm condições de adquirir aparelhos para todos, nem mesmo controlar o uso, ainda assim, os DM não podem ser ignorados e as escolhas inflexíveis não resolverão o problema. (TRAXLER, 2010, p. 158).

Quais as motivações dos estudantes para usar DM? Pesquisa com estudantes universitários sul-africanos mostra alguns fatores influenciadores do uso de DM: entretenimento, interação familiar, interação social, atenção, relação com pares, confiança/autoestima e bem-estar; desta forma os DM se mostram como protagonistas na vida dos estudantes, motivo pelo qual é preciso equilibrar o uso do aparelho e a dedicação às atividades acadêmicas e sociais. (JORDAAM; SURUJLAL, 2013, p. 287).

Pesquisa de Bomhold (2013, p. 424) com estudantes universitários americanos aponta os DM como tecnologias parceiras de toda uma geração de estudantes, mas verifica que existe uma carência em relação às pesquisas para conhecer o que é feito, lido e realizado nesses aparelhos, ferramentas que se tornaram “ubíquas nas escolas e universidades”. A autora verifica que os estudantes utilizam o DM ao caminhar e durante as aulas e questiona se isso é retrato de mera necessidade de companhia constante ou se existem outros usos relacionados. Em outras palavras, trata-se apenas de interação social ou é usado para outras atividades, como ensino e trabalho?

As instituições de ensino precisam atender a demanda dos estudantes móveis, que envolvem professores, técnicos administrativos, arquivos, bibliotecas. Nas universidades o início do atendimento da demanda móvel se dá pela adaptação do conteúdo da biblioteca para acesso móvel, mas essa adaptação faz emergir outros problemas de pesquisa: se os alunos utilizam o DM apenas para entretenimento, quais aplicativos são utilizados, se os estudantes usam o DM para realizar pesquisa acadêmica. (BOMHOLD, 2013, p. 427).

Seriam os DM utilizados para realizar pesquisa? Bomhold (2013, p. 430) verifica que os estudantes de graduação utilizam cada vez mais o DM para “information seeking” ainda que apenas 10,4% dos aplicativos usados pela amostra sejam de motores de busca, enciclopédias e bibliotecas, mas 76% da amostra analisada utilizam aplicativos para encontrar informações acadêmicas.

Estudo com acadêmicos da Ruaha Catholic University na Tanzânia para conhecer o impacto do uso de DM nos resultados acadêmicos mostra que a maioria dos estudantes utiliza o aparelho com objetivos sociais e alguns poucos com fins acadêmicos, ou seja, trata-se de um viés negativo do uso de DM no ambiente universitário. (KIBONA; MGAYA, 2015, p. 781-781). Fica evidente nesse contexto que os DM interferem negativamente no desempenho acadêmico dos estudantes móveis e que é preciso compreender melhor esse uso nas universidades, especialmente se observado o tempo dispendido pelos

estudantes nas muitas redes sociais, tempo que poderia ser dedicado, ao menos em parte, à pesquisa e ao ensino. (KIBONA; MGAYA, 2015, p. 782-783).

Pesquisas relevam o tempo diário dedicado por estudantes aos DM. Estudantes universitários sul-coreanos usam mais de 2 horas por dia (57%) para acessar a rede e aplicativos e 83% usam menos de 30 minutos por dia para serviço de voz, ou seja, os estudantes usam o aparelho mais como um computador e menos como telefone. (JUNG, 2014, p. 305). Os estudantes revelam nesse uso seus valores, em que se destaca a confiança, pois reúne em si outros objetivos e valores que mostram o uso real e domínio dos estudants sobre o DM. (JUNG, 2014, p. 314). A figura 20 mostra o universo dos estudantes móveis.

São muitas as ferramentas dispostas em DM, mas algumas podem ser mais adequadas que outras ao ensino. As mensagens de texto se mostram úteis no ensino e compõem o universo dos estudantes móveis. Segundo Geng (2012, p. 84) “mensagens de texto” podem fornecer aos estudantes “um ambiente flexível de aprendizado” além de estabelecer um novo canal de troca de informação em favor do ensino. Segundo o autor os estudantes estão familiarizados com as mensagens de texto que são usadas pela ampla maioria dos estudantes. Ainda segundo o autor, muitas mensagens de texto são trocadas entre professores e alunos sobre ensino, além de favorecem a leitura e a escrita.

As bibliotecas também devem reagir ao fenômeno móvel e atender o novo usuário móvel. A conveniência destaca-se na realização de pesquisa em DM e os estudantes recorrem aos catálogos das bibliotecas apenas quando percebem algum diferencial que não foi ofertado em rede; desta forma, é necessário cotejar os serviços de bibliotecas com as ferramentas mais populares em rede, instrumentos mais imediatos que os catálogos das bibliotecas - que exprimem certa habilidade e espera; as bibliotecas também precisam criar aplicativos para competir com a indústria da informação comercial e oferecer o que o mercado oferece: facilidade, conveniência e acesso ao conteúdo integral da biblioteca em DM. (BOMHOLD, 2013, p. 431). Também é preciso oferecer o que o mercado não oferere, o que somente será possível com a junção dos esforços de todas as unidades de informação.

Para que as bibliotecas e demais unidades de informação possam competir com os mecanismos de busca comerciais, devem ir além do oferecido até o momento e permitir acesso rápido e fácil à informação, tal quais os buscadores mais usuais; os buscadores comerciais são familiares aos usuários, que por sua vez, se sentem confortáveis e confiantes ao buscar informação nesses instrumentos. (BOMHOLD,

2013, p. 431). Acreditar que os recursos atuais ofertados pelas bibliotecas são superiores aos recursos dispostos em rede é questionável, afinal, as ações dos estudantes não retratam isso; para que as bibliotecas universitárias continuem sendo importantes aos usuários, seus serviços oferecidos devem estar acessíveis no momento e no local da necessidade do usuário (no contexto individual de acesso e uso da informação) e respeitar a urgência do usuário móvel, diferente da urgência em desktops, característica básica do uso de DM. (BOMHOLD, 2013, p. 425).

Figura 20: O universo dos estudantes móveis.

Fonte: Imagem elaborada pelo autor com base na revisão de literatura.

Aparentemente os estudantes desejam aplicar as ferramentas dispostas em rede no ensino e aprendizagem, mas as instituições precisam, antes, adotar essas ferramentas; sistemas e aplicativos (para ajudar os estudantes a se localizar na instituição ou simplesmente acessar o correio eletrônico) se mostram bem vindos pelos estudantes; o Twitter, por exemplo, é apontado pelos estudantes como boa ferramenta pedagógica; recursos móveis para trabalho em equipe também são vistos positivamente, da mesma forma que os sistemas móveis de ensino são

importantes aos universitários, percepções de valor reveladas por estudos de usuários. (ASIF; KROGSTIE, 2011, p. 14).

Como o comportamento em relação ao uso do DM está ligado ao perfil dos usuários, existem estudantes que podem fazer uso adequado do aparelho. Zhong (2013, p. 1742) identifica entre os usuários de DM os “powers users”, tipo de usuário que explora os recursos do aparelho de forma mais “criativa, eficiente e profunda que outros usuários”. Os “powers users”, segundo o autor, nem sempre são os primeiros a adotar as novas tecnologias e diferem dos usuários inovadores e dos “heavy users” (usuário que permanece muitas horas por dia conectado ao DM), ou seja, os “power users” fazem o uso de DM mais produtivo. O estudo Zhong (2013, p. 1745) com estudantes de uma universidade pública americana buscou identificar os “powers users” por meio de alguns fatores, como o tipo de atividades praticadas em rede, a quantidade de tempo dedicado ao DM, uso das mídias tradicionais e comportamento multitarefa. São todos fatores reveladores da competência informacional dos estudantes móveis. Por outro lado, verifica-se uma relação entre o “power user” e o comportamento multitarefa - esse tipo de usuário exerce mais intensamente o comportamento multitarefa. (ZHONG, 2013, p. 1747).

As grandes áreas do conhecimento podem fazer usos distintos do DM pela natureza de cada atividade. Profissionais da saúde podem usar o DM de forma distinta dos profissionais da grande área de exatas por exemplo. Mas de fato existe uma forte associação entre a personalidade dos usuários e o tipo de uso que é feito do DM; por exemplo, os estudantes que são mais envolvidos com o pensamento, raciocínio ou reflexão, permanecem menos tempo diante dos DM. (ZHONG, 2013, p. 1747).

Os estudantes podem ter percepções distintas acerca do uso de DM no ensino. Sung e Mayer (2012, p. 1328) identificam diferentes crenças entre o ensino móvel e o ensino tradicional (com o uso de desktops) ao comprarar duas sociedades: uma familiarizada com o uso de DM (Coréia do Sul) e outra (EUA) com o uso da tecnologia mais diversificado. Os americanos reconhecem o ensino com o uso de DM como diferente daquele praticado com desktops, enquanto os sul- coreanos identificam ambas as mídias como iguais; nas duas sociedades é reconhecido o valor de cada tecnologia, a portabilidade dos DM e a estabilidade dos desktops (que favorerem o trabalhar e a concentração); as crenças dos americanos são mais positivas em relação aos desktops, enquanto os sul-coreanos mostram crenças mais positivas em relação

aos DM - apontados como atraentes, estimulantes e imediatos. (SUNG; MAYER, 2012, p. 1334-1335).

As diferenças entre as tecnologias são determinantes dos usos. O uso de DM está relacionado às suas particularidades e as diferenças entre DM e desktops interrelacionam-se aos universos pessoal, social e cultural dos usuários, por exemplo: ao usar um desktop o usuário está ‘preso’ entre quatro paredes, alienado fisicamente do mundo, mas com DM a interação entre usuários e informação acontece livre de limitações tempo-espaciais, ou seja, não necessita de arranjos de locais e horas, e assim, transfiguram os espaços (públicos e privados) e relações sociais pela mobilidade; outro exemplo, as comunidades em rede deixaram de ser mediadas por desktops, agora são os DM os oxigenadores das comunidades e discussões adjacentes, o que implica em ajustes de tempo, espaço e lugares, além de ensinar os usuários a lidar com ambientes mais fluidos. (TRAXLER, 2010, p. 151).

Juntamente com os estudantes móveis os DM invadem salas de aula. Os assuntos podem ser muitos: trabalho, relações familiares e sociais e quiçá o ensino. Há poucos anos atrás o estudante teria a chance de se desligar (ainda que temporariamente) do mundo exterior para estar exclusivamente presente em sala de aula, compenetrado, atento, mas aparentemente são momentos que ficaram no passado, em um tempo em que apenas batidas na porta ou uma solicitação ao professor poderiam interromper a aula.

Existem muitas ferramentas dispostas nos DM para uso no ensino pelos estudantes, mas o tempo dedicado às redes sociais e entretenimento parece prevalecer e interferir sobremaneira no ensino, inclusive na pesquisa científica quando se tratam de estudantes de pós- graduação. Os DM são antes de tudo, uma nova mídia de bolso, TV, rádio, computador, que acompanha o estudante mesmo em sala de aula. É preciso lidar com a questão (instituições de ensino, discentes e docentes) e somente o letramento midiático ou competência informacional pode ajudar a minimizar os danos e ajudar o estudante móvel a aperfeiçoar o uso de DM em seu favor.

As organizações são grandemente beneficiadas com a indústria móvel e muitas ainda não possuem políticas e estratégias para lidar com o fenômeno móvel, assim como pais e educadores. O trabalhador sente os impactos da indústria móvel e percebe ser mais vigiado e controlado. Em que consiste o trabalho móvel e quais os benefícios e dilemas dispostos aos trabalhadores e aos estudantes que são trabalhadores usuários de DM? Será o DM favorável ao trabalhador ou empregador ou mesmo seria neutro? Os mecanismos de funcionamento da indústria

móvel são refletidos no âmbito social, no ensino, entre os estudantes e usuários em geral, mas especialmente no mundo do trabalho. A seguir serão exploradas algumas questões centrais em relação ao trabalho, especialmente porque entre os estudantes móveis de pós-graduação, muitos exercem alguma atividade remunerada, fazendo com que o trabalho acompanhe esses estudantes em casa e na universidade.