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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.6 O TRABALHO MÓVEL

2.6.1 O trabalhador móvel

Os trabalhadores são afetados pelos DM ainda que não utilizem o aparelho para trabalhar, a mera posse de um para fins pessoais pode interferir. Para as organizações é inconcebível não fazer contato com colaboradores (especialmente executivos) all time. Assim, a ampla disseminação dos DM apresenta oportunidades e prejuízos aos trabalhadores. Harvey (2000, p. 175) aponta que o ambiente pós- moderno é oportuno aos trabalhadores porque “educação, flexibilidade e mobilidade geográfica” são difíceis de controlar quando adquiridos. Realmente os DM permitem aos trabalhadores trabalhar sem a restrição física do ambiente de escritório (MATUSIK; MICKEL, 2011, p. 1002).

Ainda assim, os trabalhadores móveis são alijados das organizações por meio dos DM. E a distância pode servir para avaliar a desigualdade social entre trabalhadores por meio da medição do afastamento do trabalhador do centro de poder, que retrata a distância entre empregado e empregador. (SENNETT, 2008, p. 55-56). As tecnologias podem ampliar as desigualdades no mundo do trabalho porque o contato presencial é fundamental (por isso existem tantas reuniões e encontros entre os gestores), e os que permanecem distantes do centro não participam da tomada de decisão e as desigualdades nas organizações estão cada vez mais ligadas ao distanciamento físico dos trabalhadores. (SENNET, 2008, p. 76-77).

No entanto, o que é o trabalho móvel? A IDC International Data Corporation (IDC, 2015) define trabalho móvel (“office-based mobile workers”) como

aqueles cujo trabalho principal é um ambiente de escritório, incluindo os locais corporativos e domésticos. Inclui mobile professionals, occasionally mobile workers, mobile non-travelers e telecommuters. Non-office-based mobile workers são aqueles cujo trabalho principal é sobre o local ou no campo, não em um ambiente de escritório. Os dois tipos de trabalhadores são mobile field workers e mobile on-location workers. (IDC, 2015).

O trabalho móvel possui então, implicações relacionadas ao distanciamento do trabalhador em relação à organização. Trata-se de uma mudança na estrutura organizacional que é promotora de “déficits” sustenta Sennett (2008, p. 62), como o “baixo nível de lealdade institucional, diminuição da confiança informal entre os trabalhadores e

enfraquecimento do conhecimento institucional”. Muitas vezes os trabalhadores móveis podem não ter inclusive contato entre si, presencial ou virtual.

Apesar dos dilemas acerca da condição do trabalhador e tempos de mobilidade, trata-se de uma tendência global. A população de mobile workers dos EUA é grande e vai aumentar ainda mais, com taxa de crescimento constante ao longo dos próximos anos, tende a superar os 96,2 milhões de trabalhadores em 2015 para 105.400.000 até 2020; os trabalhadores móveis serão responsáveis por quase três quartos (72,3%) da força de trabalho total dos EUA (IDC, 2015). Os motivos são os preços mais acessíveis de smartphones e tablets e a crescente aceitação das organizações aos programas BYOD (“Bring Your Own Device”) que fomentam o uso do DM pessoal na organização. (IDC, 2015). Figura 22: Tipologia dos trabalhadores móveis.

Fonte: Adaptada de Kietzmann et al. (2013, p. 291). Elaborada pelo autor.

Políticas que fomentam o uso do DM pessoal na organização é novidade no ambiente organizacional. Políticas BYOD são cada vez mais usuais nos ambientes de trabalho por muitos motivos. Segundo Van Bruggen et al. (2013, p. 11-12) as estratégias BYOD nas organizações não desaparecerão brevemente e as empresas devem atentar aos fatores relacionados à segurança dos DM particulares (“employee-owned devices”) e a conscientização dos trabalhadores

móveis sobre segurança e riscos relacionados: a segurança é "componente crítico” para qualquer estratégia de BYOD organizacional.

Diferentes profissionais podem usar o DM para atender suas demandas, ao mesmo tempo a mobilidade transfigura as maneiras de fazer. Novas tecnologias como leitores biométricos, controle de voz e realidade aumentada, permitirão aos trabalhadores exercer suas funções de novas maneiras, aumentar a produtividade, melhorar as comunicações e fluxos de trabalho. (IDC, 2015). O DM pode estar sendo incorporado à rotina de milhares de profissionais que usam essa tecnologia para aperfeiçoar o tempo, a organização e deslocamentos. Tabela 3: Tipologia dos trabalhadores móveis.

Perfil burocrático

Tem pouca liberdade para tomada de decisão, mas é sintonizado com a filosofia da empresa, espécie de trabalhador atrás de formas criativas de cumprir as regras da organização e atingir metas sem a pretensão de moldá-las ou promover melhorias, é constante e seguro, mas inadequados a ambientes de flexibilidade e mudança constante como o ambiente de trabalho móvel.

Perfil anárquico Possui alto grau de independência e baixo grau de sintonia, são empreendedores, criam e usam novos métodos mesmo com implicações sobre as regras da organização, além de procurarem constantemente obter sempre mais retornos individuais.

Perfil

idiossincrático

É apático, não busca promover melhorias nem visa lucro pessoal, raramente são sintonizados com a organização ou buscam melhorarias nos processos de trabalho, mesmo em equipe tem pouco engajamento, é o pior desempenho dentre os perfis de trabalhadores móveis, sem grandes benefícios ou riscos a organização.

Perfil adhocrático

Mescla independência com sintonia com a organização, é o melhor desempenho entre os quatro perfis de trabalhadores móveis, como trabalhadores engajados criam formas de trabalhar que ampliam os resultados com baixo risco para a empresa.

Fonte: Kietzmann et al. (2013, p. 290-291). Tabela elaborada pelo autor.

Contudo, em certas áreas de atuação os trabalhadores são mais orientados pela mobilidade. Os trabalhadores são ‘mais móveis’ nas indústrias de fabricação, construção, varejo e saúde, indústrias que terão crescimento maior na quantidade de trabalhadores móveis; atualmente os profissionais da saúde representam o maior segmento da força de

trabalho móvel. (IDC, 2015). Seriam os estudantes da grande área de saúde os usuários mais intensos de DM no trabalho?

Classificar trabalhadores móveis pode contribuir com o entendimento do trabalho móvel. Kietzmann et al. (2013, p. 290-291) apontam uma tipologia das “comunidades móveis de práticas”, classificadas como “burocráticos, adhocráticos, idiossincráticos e anárquicos”.

Tabela 4: Tipologia do trabalho móvel. Mobilidade como

trabalho

(“mobility as work”)

Tem como finalidade o movimento (motoristas, taxistas, pilotos, etc.) e envolvendo locais de trabalho específicos, regionais;

Mobilidade para o trabalho

(“mobility for work”)

Acontece onde o trabalho é disperso espacialmente, onde é preciso de mobilidade para sua realização, atividades impossíveis de serem realizadas em apenas um local que envolve movimento constante (trabalhadores da construção civil, vendedores, gerentes). Acontece apenas quando o local de trabalho está em movimento;

Mobilidade enquanto se trabalha

(“working while mobile”)

Está ligada ao trabalho que permite a realização de tarefas em qualquer lugar, mas nem todas e não necessariamente (contadores, editores, consultores de TI, programadores, desenvolvedores de sites, etc.), é possível escolher e o lugar de trabalho não importa, mas o local de trabalho ainda é importante.

Fonte: Cohen. (2010, p. 67-68). Tabela elaborada pelo autor.

Todos os trabalhadores compõem a tipologia de Cohen (2010). Essa tipologia baseada na mobilidade pode também ser aplicada aos estudantes, para classificar os níveis de mobilidade no ensino: a universidade exige certo nível de mobility for learnin, ao mesmo tempo, os estudantes usufruem da mobilidade enquanto estudam (learning while mobile). O ensino a distância pode ser classificado como “mobility as learn”, ao refletir alto nível de mobilidade. O desenvolvimento de uma tipologia de estudantes móveis é importante para compreender melhor o fenômeno, afinal, podem existir tipos de estudantes móveis particulares, distintos, ao mesmo tempo em que existem estudantes que não são móveis (não utilizam DM). Os estudantes (usuários ou não de DM) exercem níveis de mobilidade distintos. São os usuários nômades. (KLEINROCK, 2001; LYYTINEN; YOO, 2002).

A tipologia vai além dos estudos realizados até o momento. A maioria dos estudos explora - quase sempre – um tipo de trabalhador (executivos) e apenas um tipo de trabalho móvel (enquanto se trabalha), mas o trabalho mais orientado pela mobilidade (o trabalho que é mais móvel) é do tipo ‘para’ trabalhar e ‘como’ trabalho, ambos ignorados pelos pesquisadores; essas tipologias ajudam a conhecer causas e consequências da praxe móvel e da mobilidade no trabalho. (COHEN, 2010, p. 67). Outras tipologias podem ser exploradas mesclando o uso de DM, níveis de mobilidade, perfis, tipos de trabalhos.

É preciso desnudar o trabalho móvel e apontar as contradições existentes. Existe uma visão de trabalhadores extremamente conectados, bem-sucedidos, mas a conexão extrema é insustentável, acontece em detrimento dos lugares; o trabalho móvel (e dos DM) avança sobre todos os espaços e faz emergir a ubiquidade dos locais de trabalho, (todos os lugares viram locais de trabalho), em que os ideais, princípios e ordem dos locais de trabalho e das organizações são amplamente disseminados. (COHEN, 2010, p. 67). As propagandas gritam: estar desconectado não é ‘bom negócio’.

A mobilidade no trabalho pode fazer da casa do trabalhador, da mesma forma que pode usar seu DM, o escritório. Houve momento na história da sociedade industrial que o trabalhador era isolado do mundo ao adentrar a fábrica (não havia telefone e permanecia física e espiritualmente alijado do mundo), com impacto nas relações íntimas, sociais, com o bairro, o lar, com a informática o trabalho vai para dentro da casa dos trabalhadores e os obriga a rever toda a ordem estabelecida até o momento. (DE MASI, 2001, p. 59). Esse movimento para dentro de casa é secular e anterior à sociedade industrial, onde

o camponês e o artesão viviam no mesmo lugar em que trabalhavam, o tempo que dedicavam ao trabalho misturava-se ao das tarefas domésticas, ao dedicado a cantorias e outras distrações. Foi a indústria que separou o lar do trabalho, a vida das mulheres da vida dos homens, o cansaço da diversão [...] o trabalho assumiu uma importância desproporcionada, tornando-se categoria dominante na vida humana, em relação a qualquer outra coisa - família, estudo, tempo livre. (DE MASI, 2000, p. 147).

A mobilidade na pós-modernidade pode levar a movimentos ancestrais. O fenômeno da invasão do trabalho nos lares e a perda das

fronteiras entre trabalho e vida privada apresentam oportunidades de realização. Segundo De Masi (2000, p. 148) as atividades humanas são planas quando “coincidem e se acumulam, se exaltam e se mesclam o trabalho, o estudo e o jogo, isto é, quando nós trabalhamos, aprendemos e nos divertimos, tudo ao mesmo tempo”. Visão ímpar e síntese do trabalho e do ensino na pós-modernidade.

A perda da fronteira entre os mundos afeta tanto o ensino quanto o trabalho. O trabalho pode tomar o tempo das horas dedicadas ao estudo, em contrapartida, o ensino pode adentrar no ambiente de trabalho. Segundo De Masi (2000, p. 295) “trabalho e lazer se misturam e se potencializam reciprocamente”. Sob essa ótica os DM são a ferramenta ideal, a que mais aproxima e reúne trabalho, lazer e aprendizado, ideal para o estabelecimento do “ócio criativo” de De Masi (2000) entre os trabalhadores móveis. Esse fenômeno pode ser interpretado como espécie de ‘lazer produtivo’.

Figura 23: Os universos reunidos no DM.

Fonte: Adaptação de De Masi (2000, p. 147).

Estudantes de pós-graduação vivenciam a dinâmica ou tríade proporcionada pelos DM, junção de trabalho, lazer e ensino. Podem usar o DM para entretenimento no local de trabalho, na universidade e vice- versa. Com o poder midiático contido nos DM pode ser difícil alijar o entretenimento e também os empregadores.

Estudos mostram essa dinâmica entre estudantes-trabalhadores e o uso de DM. Estudo na universidade de Indianápolis nos EUA (com estudantes de graduação e pós-graduação que trabalham) verifica a relação entre a dificuldade de equilíbrio entre vida pessoal e profissional e a fadiga. (MAKINSON et al., 2012). É a nova face do mundo do trabalho expressa no aforisma “any day, any time, any place”, sustenta Makinson et al. (2012), mudanças profundas e permanentes na essência do trabalho que obrigam trabalhadores e empregadores a se adaptar ao novo paradigma: a imagem do trabalhador que sai de casa para trabalhar e volta no final do dia para descansar até o dia seguinte vai desaparecer. Os trabalhadores são controlados de novas formas e as novas tarefas emergem em forma de mensagens. Os DM propiciam a redução e mesmo ausência dos deslocamentos para trabalhar, mensagens de voz e texto ordenam as próximas atividades sempre urgentes. (MAKINSON et al., 2012). O trabalhador móvel precisa controlar o comportamento multitarefa, tipo de comportamento que aumenta a fadiga, justamente na busca do equilíbrio entre os mundos pessoal e organizacional. (MAKINSON et al., 2012). Os estudantes que trabalham demonstram aceitar a conectividade proporcionada pelos DM e identificam o DM como oportunidade de equilibrar trabalho e vida pessoal, mas reconhecem o excesso de uso como vetor de fadiga. (MAKINSON et al., 2012).

Os DM apresentam implicações para empregadores, trabalhadores, educadores, estudantes e suas famílias. Claramente os DM compõem a vida dos empregados e podem alavancar a produtividade, mas é preciso fomentar o uso do DM não apenas como ferramenta de trabalho, mas também de gestão e equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. (MAKINSON et al., 2012). Existem pressões sobre estudantes que são trabalhadores móveis e o estresse pode estar ligado tanto a vida pessoal quanto ao trabalho, nessa busca do equilíbrio, os estudantes usam o DM porque a vida fica mais fácil com a tecnologia em mãos, mas para outros, a vida torna-se mais difícil. (MAKINSON et al., 2012). Aparentemente os benefícios superam os riscos, mas é preciso utilizar métodos de gestão do DM. (MAKINSON et al., 2012).

A antiga divisão espacial do trabalho é colocada em cheque com o advento dos DM. Por meio da ubiquidade o trabalhador distancia-se da organização fisicamente, mas não virtualmente, e permanece disponível o tempo todo. Além de estar constantemente disponível, o trabalhador usa sua casa e recursos particulares, inclusive o DM, em favor da organização. Descortinar os impactos da erupção das fronteiras entre trabalho e vida privada é compreender o trabalho na pós-modernidade.