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2.3 Condic¸˜ao da investigac¸˜ao contemporˆanea sobre Turismo

2.3.4 Lacunas e desafios

O estatuto dos estudos sobre Turismo tem sido problem´atico desde o seu in´ıcio e os seus pioneiros tˆem-se visto frequentemente arredados das pr´oprias comunidades disciplinares de formac¸˜ao de base, questionados quanto ao m´erito de semelhante objecto de estudo (Botte- rill et al., 2002: 284). Esta situac¸˜ao espelha aquela que se pode observar relativamente ao pr´oprio Turismo em termos gerais, onde – apesar da importˆancia econ´omica j´a amplamente reconhecida – parece continuar a carecer de estatuto pol´ıtico, numa disparidade que desafia a l´ogica. Assim, Botterill exorta os investigadores sociais do Turismo a serem mais arrojados e extrovertidos na procura de reconhecimento pela comunidade cient´ıfica social e a articula- rem maior reflexividade e indeterminac¸˜ao nos respectivos estudos (Botterill, 2001: 208-9).

Nesse mesmo sentido, Ingram advoga uma aproximac¸˜ao entre a academia e o sector tur´ıstico, ao mesmo tempo que reclama um aprofundamento da relac¸˜ao entre os n´ıveis micro e macro que explique os sucessos a n´ıvel local e os referencie na teoria geral. Apesar da recente maior orientac¸˜ao para metodologias qualitativas, o autor defende a necessidade de maior experimentac¸˜ao e intercˆambio, que permita tornar a investigac¸˜ao mais acess´ıvel e cred´ıvel (Ingram, 1996: 93-4).

No entanto, a crescente tendˆencia, no sector tur´ıstico, para a enfatizac¸˜ao da publicidade em detrimento da investigac¸˜ao ou do marketing estrat´egico, por exemplo, indicia um “fundamen- talismo publicit´ario” assente em quatro proposic¸˜oes (Faulkner, 2003: 300):

- em termos competitivos, a maximizac¸˜ao das quotas de mercado assenta na capaci- dade de influˆencia sobre a percepc¸˜ao do consumidor (nomeadamente em contextos de financiamento limitado e elevados custos de exposic¸˜ao medi´atica), pelo que se justifica a reafectac¸˜ao das verbas `a custa das actividades n˜ao-publicit´arias;

- para os decisores, a pesquisa ´e geralmente incompreens´ıvel, al´em de in´util (porque n˜ao se traduz em benef´ıcios imediatos ou inequ´ıvocos em termos de aumento do n´umero de visitantes);

- devem ser as forc¸as de mercado a determinar as prioridades de investigac¸˜ao; e - a utilizac¸˜ao de consultores externos ´e mais eficaz na resposta `as necessidades de

investigac¸˜ao no dom´ınio empresarial.

Na respectiva contra-argumentac¸˜ao, Faulkner contrap˜oe que (Faulkner, 2003: 300-2):

- o reforc¸o do empenho publicit´ario s´o poder´a resultar em quotas de mercado acrescidas se realizado num contexto estrat´egico, compreendendo o desenvolvimento do produto e uma identificac¸˜ao e orientac¸˜ao eficazes dos segmentos de mercado potenciais, ba- seados na pesquisa e continuamente monitorizados e avaliados;

- embora globalmente os investigadores devam mostrar maior disponibilidade para com as necessidades dos decisores (tanto em termos de focalizac¸˜ao nos projectos de inves- tigac¸˜ao como na legibilidade dos seus produtos), a utilidade da pesquisa depender´a tamb´em da participac¸˜ao destes ´ultimos (decisores) na preparac¸˜ao dos projectos e na familiarizac¸˜ao com assuntos mais t´ecnicos;

- ainda que v´alida na determinac¸˜ao de prioridades, a fundamentac¸˜ao exclusivamente com base nas forc¸as de mercado poderia reduzir a investigac¸˜ao apenas `as actividades que se traduzissem em benef´ıcios comerciais imediatos, ignorando, no longo prazo, tem´aticas mais relevantes para a sustentabilidade da comunidade alargada e at´e do pr´oprio sector, despertando, ao mesmo tempo, a discuss˜ao sobre quem deveria su- portar o esforc¸o financeiro pela sua realizac¸˜ao, atendendo `a dificuldade em identificar benefici´arios concretos; e

- mesmo que justificada em per´ıodos de sobrecarga de trabalho ou de necessidade de conhecimentos especializados, a consultoria levanta quest˜oes de continuidade, de- vendo ser suplementar e n˜ao alternativa aos recursos internos.

N˜ao obstante e apesar da melhoria de desempenho verificada em anos recentes, Botterill e Haven alertam para a ameac¸a ao desenvolvimento da investigac¸˜ao tur´ıstica que representa a perspectiva de concentrac¸˜ao do respectivo financiamento nas unidades mais proeminentes, tendo em vista o melhor posicionamento internacional do ensino superior britˆanico no con- texto das disciplinas estabelecidas (Botterill e Haven, 2003: 6-7)

Em resposta `as preocupac¸˜oes veiculadas por alguns acad´emicos relativamente ao dese- quil´ıbrio entre a produc¸˜ao e a utilizac¸˜ao do conhecimento tur´ıstico, Xiao e Smith sugerem a

necessidade da pesquisa futura se debruc¸ar sobre as diferenc¸as de percepc¸˜ao e utilizac¸˜ao, entre acad´emicos e profissionais, do conhecimento gerado sobre Turismo a partir da investi- gac¸˜ao, assim como sobre os seus facilitadores e obst´aculos, motivac¸˜oes e n´ıvel de utilizac¸˜ao e quanto ao potencial dos programas de investigac¸˜ao colaborativa de base comunit´aria na promoc¸˜ao da utilizac¸˜ao (Xiao e Smith, 2007: 315-19).

Passando `as quest˜oes metodol´ogicas, Dann et al. reconheceram j´a h´a muito tempo insu- ficiˆencias relativamente a aspectos como (Dann et al., 1988: 24-5):

- utilizac¸˜ao auxiliar de medidas n˜ao-invasivas; - re-an´alise de estat´ısticas tur´ısticas;

- aplicac¸˜ao da observac¸˜ao participante; - utilizac¸˜ao de experiˆencias de campo;

- comparac¸˜ao de contextos (culturais ou de consumo); - comparac¸˜ao de contextos (culturais ou de consumo); e - di´ario enquanto t´ecnica de recolha de dados; e

- mapas mentais como instrumentos de validac¸˜ao de dados.

Reconhecendo a preponderˆancia da Economia, Geografia e Antropologia na investigac¸˜ao so- bre Turismo, Riley enfatizou a ausˆencia da Sociologia, da teoria organizacional, da economia organizacional e de gest˜ao, da estrat´egia empresarial e da psicologia social na literatura de investigac¸˜ao sobre Turismo. Por seu lado, o conjunto dos temas mais frequentes engloba (Riley, 2002: 2):

- impactos e previs˜oes econ´omicos; - impactos culturais;

- destinos e imagem; - atributos do viajante;

- sustentabilidade e impactos ambientais; e - pol´ıtica tur´ıstica.

Entre as ausˆencias mais evidentes contam-se as forc¸as sociais, os neg´ocios, a gest˜ao, o trabalho, a microeconomia e o comportamento organizacional. Assim, as novas direcc¸˜oes tem´aticas a privilegiar futuramente deveriam incidir nas relac¸˜oes entre os diferentes interve- nientes e sobre o turismo dom´estico, nomeadamente quanto (Riley, 2002: 2-3):

- aos interesses e forc¸as de poder que influenciam os processos de planeamento e de- senvolvimento tur´ıstico;

- ao processo de definic¸˜ao e aplicac¸˜ao de estrat´egias empresariais e a convivˆencia entre estrat´egias de sectores diferentes;

- ao impacto das tecnologias da informac¸˜ao na estrutura e funcionamento do sector, muito al´em das func¸˜oes de marketing;

- `a dimens˜ao local do Turismo e a sua dependˆencia/independˆencia do ˆambito global; - `a evoluc¸˜ao da relac¸˜ao entre Trabalho e Lazer e de como o rendimento afecta o consumo

tur´ıstico face a outros consumos; e

- `a validade das categorias empregues na estat´ısticas e previs˜oes.

Relativamente `as unidades de an´alise, Riley ressalta que o turista, os segmentos de mercado e as ´area-destino tˆem prevalecido sobre o indiv´ıduo (tanto como consumidor, como enquanto trabalhador), a forc¸a de trabalho, o mercado, a empresa ou a unidade operacional (Riley, 2002: 2). Esta asserc¸˜ao reitera alegac¸˜oes anteriores, no sentido de que apesar do Turismo exercer uma influˆencia sobre praticamente todos os que vivem nas ´areas-destino, os n˜ao- turistas (particularmente os hospedeiros e respectivas sociedades) continuam praticamente ausentes dos estudos sobre o Turismo, sendo igualmente insuficiente a investigac¸˜ao sobre o contexto de onde provˆeem os turistas (Dann et al., 1988: 22; Botterill, 2001: 208).

Para Franklin e Crang, ´e preciso reconhecer as implicac¸˜oes das mobilidades e sensibilidades no Turismo num sentido mais amplo, j´a n˜ao como um produto ou modo de consumo, ritual e contido esp´acio-temporalmente, mas antes como uma dimens˜ao significativa da vida social global, que j´a n˜ao necessita de propalar a sua importˆancia s´ocio-econ´omica como subterf´ugio contra o tradicional ep´ıteto de frivolidade (Franklin e Crang, 2001: 6-7).

Ballantyne et al., por seu lado, reclamam mais investigac¸˜ao que aprofunde os pap´eis de guardi˜oes desempenhados pelos editores das publicac¸˜oes, seja em termos do constrangi- mento de algumas abordagens e t´opicos, seja na ades˜ao e promoc¸˜ao de outras (Ballantyne et al., 2009: 152).

2.4 Resumo do cap´ıtulo

Ao longo deste segundo cap´ıtulo, a revis˜ao incidiu na investigac¸˜ao sobre Turismo. Apesar da sua novidade, a evoluc¸˜ao verificada atesta – como asseveram v´arios relatos oriundos de diferentes proveniˆencias – uma instrumentalizac¸˜ao em func¸˜ao do desenvolvimento geral, so-

bretudo a partir da segunda metade do s´eculo XX, denunciando um pendor economicista. A partir da d´ecada de 1970, o Turismo emergiu na agenda investigativa de v´arias disciplinas interessadas no estudo dos seus impactos, deixando assim de ser considerado um t´opico secund´ario ou colateral.

No que respeita `a considerac¸˜ao da pr´opria investigac¸˜ao cient´ıfica sobre Turismo, ´e poss´ıvel concluir de situac¸˜oes bem distintas: no caso da publicac¸˜ao peri´odica, regista-se a vitalidade das abordagens efectuadas, traduzida numa pluralidade de m´etodos, temas e objectos de an´alise; j´a quanto `a investigac¸˜ao p´os-graduada, parece reflectir uma ortodoxia metodol´ogica em virtude da sua natureza eminentemente descritiva, apesar de se salientar o seu cres- cimento acentuado nos anos mais recentes; al´em disso, testemunha uma polarizac¸˜ao dos desempenhos institucionais num conjunto restrito de instituic¸˜oes, al´em do predom´ınio de al- gumas abordagens disciplinares.

Quanto `a pesquisa que toma por objecto a investigac¸˜ao sobre Turismo, atesta uma reduzida reflexividade quanto a quest˜oes substantivas (nomeadamente epistemol´ogicas e axiol´ogicas, como os significados, os contextos ou as forc¸as que influenciam a sua realizac¸˜ao), empe- nhada que est´a ainda com pr´aticas mais positivistas de estimac¸˜ao de padr˜oes e tendˆencias. Subjacente, o imperativo ‘performativista’ manifesta-se tanto a n´ıvel operacional (ades˜ao `a agenda sectorial), como acad´emico (maximizac¸˜ao do esforc¸o investigativo) ou ainda no ˆambito mais amplo da actividade humana (reduc¸˜ao a um mero comportamento `a custa fa- ceta identit´aria). O estudo do Turismo carece assim de abordagens que rompam com uma acepc¸˜ao consumista e ritual prevalecente, centrada no turista e na ´area-destino, privilegiando a adequac¸˜ao `a sofisticac¸˜ao metodol´ogica.

A formac¸˜ao superior sobre Turismo

3.1 Introduc¸˜ao ao cap´ıtulo

No cap´ıtulo que agora se abre, explora-se a relac¸˜ao da investigac¸˜ao cient´ıfica com o am- biente acad´emico, consignada na oferta formativa espec´ıfica sobre Turismo. Para o efeito, perscrutar-se-˜ao as suas origens, atrav´es de testemunhos referentes a diferentes realidades internacionais, desvendando-se as especificidades e vicissitudes da respectiva evoluc¸˜ao. Em benef´ıcio das qualidades da clareza e da comparabilidade, a an´alise contemplar´a separada- mente os n´ıveis formativos inicial e p´os-graduado.

No intuito de aproximar a presente abordagem `a realidade nacional, indagar-se-´a tamb´em a evoluc¸˜ao da oferta formativa espec´ıfica sobre Turismo, distinguindo-se os n´ıveis, tal como anteriormente. Este exerc´ıcio ser´a, ainda assim, precedido de um enquadramento relativa- mente `a rede de ensino superior existente e ao perfil da comunidade cient´ıfica portuguesa, bem como no que se refere `a evoluc¸˜ao do suporte legislativo que lhe ´e particular.

No documento A investigação sobre turismo em Portugal (páginas 68-73)