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Em 1999, o Conselho Europeu das Línguas, através do Thematic

Network Project in the Area of Languages I (TNP1), criou uma área

dedicada especificamente à tradução e interpretação: o «Sub-Project 7: Translation and Interpreting, including the 'Training of Trainers' strand». Os resultados da acção da sua Comissão Científica foram publicados em três documentos:

 o relatório sobre a situação da formação em tradução e

54 «on the basis of both their own experience and the previously specified curricular guidelines» (Kearns 2006, 102).

interpretação nos actuais e futuros países da União Europeia, incluindo Portugal («National Reports on the Training of Translators and Interpreters») (European Language Council 2003a);

 as recomendações gerais para a formação de tradutores e intérpretes («Final Recommendations») (European Language Council 2003b); e

 os modelos de três cursos na área, entre os quais se encontra um dedicado especificamente ao ensino-aprendizagem da Tradução («Course Profile Recommendations») (European Language Council 2003c).

Estes documentos defendem que o conceito e a estrutura dos cursos, nestas áreas, assentem num duplo princípio:

 o da aproximação à realidade profissional;

 o da defesa dos princípios da cientificidade que são próprios do ensino superior (European Language Council 2003b, 1). Os documentos aconselham a que os cursos sejam entendidos como distintos de uma formação em línguas (conforme os pressupostos das recomendações de Nairobi [cf. n. 39 e página respectiva]), adiantando que o seu conhecimento, sobretudo no que se refere às línguas mais vulgares, deve ser considerado uma das condições de admissão dos estudantes aos cursos. Apelam, também, à diversificação linguística, de forma a contemplar a formação nas línguas dos novos países membros da União Europeia e de outros, porventura, mais distantes e exóticos. Sustentam a harmonização da teoria e da prática e, ainda, a flexibilidade dos cursos de modo a acompanharem as inovações tecnológicas, temáticas, profissionais e os novos meios e modos 55 de tradução. Paralelamente,

55 Na definição de meio e modo seguimos Hurtado Albir: «medio (sonido, grafía, imagen) o modo, es decir, la variación del uso de la lengua según el medio material (escrito para ser leído en voz baja o en voz alta, oral

aconselham a que se estabeleçam relações estreitas entre as instituições de ensino europeias 56 e entre estas e o mundo do trabalho, através de palestras, estágios e outras formas de intercâmbio de conhecimentos e de experiências. (European Language Council 2003b, 1-4) (European Language Council 2003c, 6).

De maneira a assegurar a exequibilidade destas recomendações e a comparabilidade dos cursos de tradução na Europa comunitária, sobretudo no primeiro ciclo, conforme estipula a Declaração de Bolonha, o

TNP concebeu os perfis de três cursos na área da tradução e interpretação:

o curso de «Tradução», o de «Interpretação de Conferências» e o de «Interpretação para Empresas e Serviços Públicos». Todos eles se basearam no conceito de boas práticas e nas necessidades de tradução dos países europeus e do mundo em geral.

É sobre a proposta do curso de «Tradução», descrito como um meio para «a formação ideal de tradutores» 57, que nos detemos a seguir.

Segundo o TNP, a formação em tradução deve ter como objectivo o desenvolvimento das seguintes competências específicas nos estudantes:

 competência na língua materna;

 competência na(s) língua(s) estrangeira(s);

 competência cultural/temática;

espontáneo y no espontáneo, etc.)» (A. Hurtado Albir 2001, 49).

56 Repare-se que a «Germersheim Declaration», emitida no final do «Fifth International Symposium on Teaching Translation and Interpreting», realizado na Universidade de Mainz, em Germersheim, entre os dias 9 e 11 de Dezembro de 2004, reconheceu o desaire deste objectivo, propondo, em alternativa, que se repensasse o ensino da tradução e da interpretação na Europa. Duas sugestões alternativas foram o desenvolvimento de um quadro europeu comum de referência para as competências de tradução e de interpretação e de um portefólio europeu para a tradução e a interpretação. (Kelletat e Hagemann s.d., 1-2).

57 «the ideal training of translators» (European Language Council 2003c, 3).

 competência de tradução (compreensão do DP e sua finalidade; transposição do DP para a LC; investigação documental e terminológica; utilização de novas tecnologias);

 competência de tradução de produtos informáticos e materiais audiovisuais;

 competência profissional;

 competência teórico-prática. (European Language Council 2003c, 2-3).

O plano de curso de primeiro ciclo que consubstancia o aperfeiçoamento destas competências desenvolve-se ao longo de quatro anos. É composto por 25 unidades curriculares e envolve os descritores que apontamos na Tabela 2.

1.º ANO

Análise e Produção de Texto

Análise de texto do ponto de vista da tradução e técnicas de tradução de diferentes tipos de texto para diferentes destinatários.

Linguística Comparativa I

Estudo comparativo (línguas A<->B/C 58 ) de textos do ponto de vista gramatical, fraseológico, semântico e estrutural.

Culturas e Temas da Actualidade I

História, literatura, instituições políticas, enquadramento legal, económico e social, e outros aspectos da vida dos países de língua estrangeira (B e C) contrastados com os da língua A

Introdução ao Processamento de Dados e às Ferramentas de Tradução

Introdução à informática na óptica do

utilizador e às ferramentas básicas da tradução

Introdução às Técnicas de Tradução

Relações entre o DP e o DC e análise de problemas lexicais, culturais e textuais

Cultura Europeia

Introdução às instituições, políticas, funções, perspectivas e problemas da UE e ao seu papel como potencial empregador dos tradutores

58 Neste documento, a língua A corresponde à língua materna do estudante, a língua B à primeira língua estrangeira (língua de tradução e retroversão), e a língua C à segunda língua estrangeira (língua de tradução). (European Language Council 2003c, 2).

2.º ANO

Técnicas de Redacção e Revisão de Texto

Análise de texto do ponto de vista da tradução e desenvolvimento de técnicas de redacção e revisão de texto

Linguística Comparativa II

Continuação do estudo comparativo (línguas A<->B/C) de textos autênticos e

representativos do ponto de vista gramatical, fraseológico, semântico e estrutural

Culturas e Temas da Actualidade II

História, literatura, instituições políticas, enquadramento legal, económico e social, e outros aspectos da vida dos países de língua estrangeira (B e C) em contraste com a língua A

Introdução à Profissão

Estatuto jurídico do tradutor, contratos, remuneração, responsabilidades, organismos profissionais, licenças, certificação, etc.

Tradução Geral I

Aplicação da análise, tipologia e produção de texto do 1.º ano à tradução de textos assistida por computador

Metodologia da Tradução

Introdução às fases do processo de tradução e aos métodos, problemas e modos de

transposição dos conteúdos de um texto da LP para a LC

Introdução à Teoria da Tradução e Investigação sobre Tradução

Introdução à história da tradução, teorias da tradução, abordagens ao processo de tradução e métodos de investigação em tradução

3.º ANO

Tradução Geral II

Introdução às técnicas de tradução assistida por computador. Tradução de diferentes tipos de texto para públicos diferentes e com finalidades diferentes. Introdução à gestão de projectos de tradução

Técnicas de Interpretação

Técnicas de Interpretação, retórica e tradução à vista

Documentação e Terminologia

Princípios de terminologia e princípios e problemas de normalização, documentação e terminologia

Temas de Especialidade I

Introdução a um ou mais domínios da especialidade (Economia, Direito, Ciência e Tecnologia, Medicina, etc.)

Técnicas de Tradução Especializada I

Introdução à tradução especializada, à função dos conhecimentos especializados, às estratégias de identificação terminológica, aos tipos de texto em localização e introdução à gestão de projectos de localização

Teoria da Tradução II

Abordagens e teoria avançadas de tradução e avaliação crítica do seu valor no processo e nas finalidades da tradução

Ética Profissional

Estudo da relação entre cliente e tradutor: tipos de clientes e suas necessidades, responsabilidade perante os clientes e limites dessa responsabilidade

4.º ANO

Tradução Geral III

Tradução avançada, assistida por computador, de textos com diferentes finalidades; estudos de caso; gestão de projectos avançada

Gestão Terminológica

Terminologia para a tradução, termos em contexto, criação de glossários, investigação terminológica, gestão de bases terminológicas multilingues

Temas de Especialidade II

Estudos avançados de Economia, Direito, Ciência e Tecnologia

Tradução Especializada II

Tradução avançada de textos especializados, identificação dos conhecimentos culturais e especializados, tipos e formas de investigação de textos de especialidade

Ferramentas Avançadas de Tradução

Memórias de tradução, tradução automática, pré e pós-edição de texto

Tabela 2. Estrutura do curso de Tradução (European Language Council 2003c, 3-6)

Apesar de considerar este como o plano «ideal» para a formação de tradutores, o TNP prevê, tal como o projecto Tuning defende para o ensino superior europeu, que as instituições adaptem os conteúdos do programa às suas características e objectivos:

The suggested profile leaves it up to the individual institutions to combine several contents to form one course module (which would make a course more basic in its design) or equate one content with one course module (which would make for a more differentiated course with respect to this particular content matter) or set up any desired combination between these two options. The weight (and credits 59) attributed to the individual courses determines the individual profile of a HE institution (European Language Council 2003c, 3)

59 O projecto Tuning associa a atribuição de créditos às competências a desenvolver e aos resultados da aprendizagem dos estudantes. Ora, o TNP, provavelmente devido à anterioridade do relatório final em relação às indicações do projecto Tuning, não procedeu a essa conversão, sendo esta a principal lacuna que detectamos na proposta do TNP.

Em nosso entender, esta ressalva não admite que se introduzam conteúdos diferentes. No entanto, isso parece acontecer, a julgar por este excerto da «Germersheim Declaration», de 2004:

Implementation tends to follow national and university- internal regulations that are equally applicable to all disciplines rather than being carried out by means of a European coordination of the establishments involved in the training of translators and interpreters (Kelletat e Hagemann s.d., 1). 60.

Uma das razões para que se tenham introduzido modificações à proposta poderá encontrar-se na dificuldade de adequar o modelo do TNP a todos os países da União Europeia, conforme se subentende do seguinte comentário de John Kearns às sugestões que Dorothy Kelly faz sobre a planificação curricular:

it (...) fails to take into account the specificities of both language learning and translator training in different cultures. It is (…) unfair and impractical to impose the same model on a culture with both a long history of institutionalised language learning and translator training, such as Spain or Germany, with a culture where these institutions may be less developed such as Poland or other EU accession countries. (Kearns 2006, 138).

Neste momento, porém, apenas notaríamos que, por englobar a tradução escrita e oral, a tradução dita geral e a tradução especializada, a tradução de materiais informáticos e audiovisuais e, ainda, a interpretação, o curso do TNP promete preparar tradutores habilitados para o exercício

60 Sobre a forma como as instituições de ensino superior portuguesas adaptaram os cursos de tradução aos critérios do processo de Bolonha, cf. cap.o 4.

da profissão no mercado cada vez mais vasto e plural da tradução, em e para qualquer parte do mundo, e, ainda, diplomados dotados de uma base científica que lhes permite prosseguirem os seus estudos e, assim, contribuírem para o avanço do estudo da tradução de e para a língua portuguesa 61.

Por esta razão e, também, por não terem sido apresentadas propostas-tipo alternativas, mas, tão só, materiais de apoio aos docentes e responsáveis de curso, mais ou menos decalcados nas indicações do projecto Tuning e do TNP 62, encaramos o curso proposto pelo TNP como a licenciatura ou curso padrão. Será, por conseguinte, em relação ao mesmo que os cursos de Tradução e os cursos relacionados com a tradução, que constam do capítulo 4 desta tese, irão ser avaliados.

61 Um dos temas das oficinas realizadas durante a segunda conferência europeia das línguas, realizada em 1999, foi «Translation in a global market» (European Language Council 2003b, 1).

62 Pensamos, por exemplo, no manual de Dorothy Kelly, A Handbook

II PARTE: