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O lEGADO NA ARQUITETURA BRASIlEIRA E DE RI ChARD NEUTRA

No documento Richard Neutra e o Brasil (páginas 178-200)

As visitas e participações em eventos no Brasil permitiram a Richard Neutra es- tabelecer contatos pessoais com arquitetos, críticos, pensadores e políticos brasi- leiros, chegando a ter contato direto com o próprio presidente do país, Juscelino Kubitschek. Algumas destas relações sobreviveram ao esfriamento natural dos relacionamentos por interesses específicos e perduraram ao longo do tempo. No entanto, é importante lembrar que não apenas estas interlocuções em si fo- ram importantes, mas também seus frutos gerados. De forma direta ou indireta, as conexões profissionais tiveram desdobramentos positivos, tanto naquilo que os arquitetos brasileiros assimilaram dos projetos de Neutra, quanto naquilo que ele levou do Brasil para suas obras. Se é certo que o arquiteto austríaco começou a frequentar o país na condição de “embaixador da boa vontade”, encarregado pelo Departamento de Estado norte-americano, também é certo que ao longo do tempo e a cada visita vai desenvolvendo um especial encanto pelo país e por sua arquitetura. O tratamento diferenciado dado à arquitetura brasileira – visível em seus textos e em sua correspondência – se expressa nas múltiplas conversas estabelecidas, de amplitude suficientemente grande para englobar grandes nomes de nossa arquitetura, jovens profissionais e estudantes. Foi esta situação que seguramente o motivou a ter uma relação mais profunda, o que acabou culminando em um projeto construído em parceria com um dos principais nomes de nossa arquitetura, graças a sua vontade e persistência. Assim, este capítulo irá tratar da presença da arquitetura e do pensamento de Richard Neutra no contexto arquitetônico brasileiro em dois registros. Em pri- meiro lugar, como influência da arquitetura de sua obra em alguns dos projetos brasileiros, com o intuito de dar uma ideia do quanto ela se tornou referencial para um número significativo de arquitetos nacionais. Neste momento, é im- portante destacar que a palavra influência não deve ser interpretada como um agente contaminante que penetra no receptor, quer ele deseje ou não. Mas sim como algo que, em alguma medida, o receptor escolhe tomar para si, dadas as semelhanças e/ou gosto pessoal:

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Imagem 2 - Escola rural, João Filgueiras Lima, Lelé, Abadiânia. Próxima página:

Imagem 3 - Cadeira Boomerang, Richard Neutra, 1942. Imagem 4 - Cadeira Preguiça, João Vilanova Artigas, 1947.

“Quando se fala de influência na área da cultura, não se pode per- der de vista que o sujeito influenciado escolheu em alguma medida seu objeto de desejo dentre um conjunto expressivo de ofertas cul- turais. A influência cultural é, desde sua origem, um processamento que implica em seleção e adaptação, mesmo considerando que em parte ela possa ser contrabandeada por mecanismos sutis da subje- tividade ou por imposições culturais (em termos psicanalíticos, pode- ríamos chamar estes mecanismos de inconsciente e superego)”.1 E, em segundo lugar, como uma via de mão dupla, será discutido também aqui- lo que Richard Neutra viu no Brasil e, de alguma forma, apreendeu e desenvol- veu em seus projetos nos Estados Unidos.

Além das exposições no Masp e no MAM-SP, o conhecimento das obras de Ri- chard Neutra chegava ao Brasil através de publicações estrangeiras, como as revistas Arts & Architecture e Progressive Architecture – neste caso com um certo atraso entre a publicação e a circulação efetiva no Brasil –; e da publicação em revistas nacionais como a Pilotis2, Acrópole3 e Habitat.4 Conforme foi apontado na Apresentação do trabalho, é possível identificar no discurso e na análise das obras de importantes arquitetos brasileiros a referência clara à arquitetura de Richard Neutra.

A publicação do livro Arquitetura social, em São Paulo em 1948, e a divulgação dos Case Study Houses, organizado pela revista Arts & Architecture, foram tam- bém importantes neste processo. João Vilanova Artigas, por exemplo, logo após sua viagem de estudo pelos Estados Unidos, projetou a Cadeira Preguiça, clara- mente guiado pelos desenhos da Cadeira Boomerang projetada por Neutra em 1942 como parte do mobiliário para as moradias do Channel Heights, em Los Angeles, como podemos comprovar a partir da observação da grande especia- lista no assunto, Maria Cecília Loschiavo dos Santos:

1. GUERRA, Abilio. O brutalismo paulista no contexto paranaense. A arquitetura do escritório Forte Gandolfi, p.2.

2. Carta. Jorge Wilheim para Richard Neutra. Pasta “Richard Neutra”. Biblioteca de Documentos Históricos, Masp.

3. “Channel Heights, Los Angeles, California”. 01/02/1952. Revista Acrópole 166. Biblioteca Faap. 4. “Cidade nova – Síntese das artes”. 01/11/1959. Revista Habitat 57. Biblioteca Faap.

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“Na área do mobiliário, Artigas desenhou, em 1948, uma poltrona, influenciado por Richard Neutra, executada em compensado revesti- do de peroba, com assento e encosto em tecido”.5

Luciana Tombi Brasil, em seu livro sobre a obra de David Libeskind, afirma que a presença de Richard Neutra nas reflexões e obra do arquiteto paranaense era constante, como fica bem claro, por exemplo, na comparação entre as casas Birmann e Taub (1969), de Libeskind, com a casa Schulthess (1956), de Neutra.

“É no uso dos planos verticais e horizontais, na busca do espaço fluido, na diluição dos limites entre espaço interior e exterior, no uso das aberturas generosas, na não compartimentação do programa residencial através dos espaços e das atividades cotidianas, que o ra- ciocínio projetual presente nas habitações unifamiliares de Libeskind se aproxima da arquitetura do novo estilo de vida californiano, desta- cando a obra de Richard Neutra como uma referência particular”.6 Outro arquiteto brasileiro interessado nos projetos californianos – em especial dos Case Study Houses – e cujas obras apresentam materialidade e composição dos planos muito semelhante à arquitetura de Richard Neutra é Oswaldo Bratke. Sobre este aspecto, Hugo Segawa comenta:

“Bratke também foi um admirador da arquitetura que se desenvolveu na Costa Oeste dos Estados Unidos, sobre tudo da obra de Richard Neutra (1892-1970) e das manifestações em torno da revista Arts &

Architecture, cujo programa dos Case Study Houses (racionalização da construção, industrialização e experimentação de materiais, aná- lise dos novos modelos de vida pós-segunda guerra) marcou vários arquitetos paulistas”.7

5. SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Móvel moderno no Brasil, p. 69. 6. BRASIL, Luciana Tombi. David Libeskind, p. 58.

179 Imagem 5 - Residência Aron Birmann, David Libeskind, Porto Alegre,

1969.

Imagem 6 - Pátio interno da residência Aron Birmann, David Li- beskind, Porto Alegre, 1969.

Imagens 7 e 8 - Residência Carlos Taub, David Libeskind, São Paulo, 1970.

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Imagem 9 - Residência Alfred de Schulthess, Richard Neutra, Havana, 1956.

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Imagem 10 - Residência Alfred de Schulthess, Richard Neutra, Havana, 1956.

Nesta página:

Imagens 11 e 12 - Residência à beira-mar, Oswaldo Bratke, Ubatuba, 1959-1960.

Próximas páginas:

Imagem 13 - Residência Sokol, Richard Neutra, Los Angeles, 1948. Imagem 14 - Residência Warren Tremaine, Richard Neutra, Montecito, 1948.

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Imagem 15 - Planta Casa de Férias Luthi, Jacob Ruchti, 1942.

Assim como Bratke, outros arquitetos de formação mackenzista – Adriana Iri- goyen lista quinze deles, dentre os quais Roberto Aflalo, Alberto Botti, Salvador Candia, Galiano Ciampaglia, Plínio Croce, Miguel Forte, Carlos Millan, Marc Rubin, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Arnaldo Paoliello, Jacob Ruchti e Rodolpho Ortenblad Filho8 – sofreram forte impacto da arquitetura norte-americana, em especial de Wright e Neutra. Dentre eles, se destaca Ortenblad, que entre 1953 e 1955 (durante as edições 182 a 200) foi diretor da revista Acrópole. Além de divulgar a arquitetura norte-americana na revista, sua própria obra acabou re- fletindo esta admiração, conforme as palavras de Sabrina Bom Pereira:

“Algumas características das obras de Richad Neutra e Frank Lloyd Wright, como o uso de grandes beirais, paredes em pedras ou tijolos aparentes, amplas aberturas envidraçadas, madeiramento do telhado aparente, integração do interior com o exterior da residência, setori- zação e racionalização dos espaços e usos são bastante presentes e recorrentes nos projetos residenciais de Ortenblad”.9

No pequeno texto Young Brazil – já comentado no capítulo anterior, quando tra- çamos a intimidade de Richard Neutra com o contexto brasileiro – analisa um projeto específico do arquiteto Jacob Ruchti, mackenzista e presente na lista de Adriana Irigoyen:

“Uma pequena casa ilustrada nos mostra uma possível menos conhe- cida face deste excelente trabalho feito no Brasil.

8. IRIGOYEN DE TOUCEDA, Adriana Marta. Da Califórnia a São Paulo, p. 99.

9. PEREIRA, Sabrina Souza Bom. Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residências, p. 48. Além desta re- ferência genérica, a autora faz uma relação mais direta, apontando para um detalhamento de projeto: “Uma outra maneira de iluminar o ambiente pode ser encontrada nas residências Rodolpho Ortenblad Filho I (1950), Olavo Quintela (1952) e Rodolpho Ortenblad Filho II (1956), onde o arquiteto usou um caixilho de ferro com vidro fixo bastante estreito (com altura de aproximadamente 25cm) que acompanhava toda a largura da sala. Neste ambiente foram feitas duas lajes em alturas diferentes, uma avançando sobre a outra. O espaço entre essas lajes foi fechado com este longo caixilho permitindo que a luz externa natural entrasse pelo meio do am- biente. Este mesmo recurso já tinha sido utilizado por Frank Lloyd Wright na residência Katherine Winkler (Oke- mos, 1939) e por Richard Neutra na Casa Tremaine (1948). Neutra ainda acrescentou um vão para ventilação” (p. 170).

187 Imagens 16 e 17 - Casa de Férias Luthi, Jacob Ruchti, 1942.

Projetada em 1942 como um lugar de descanso – a “Casa de Férias” para Sr. e Sra. Luthi, que cooperaram com o arquiteto Jacob Mau- ricio Ruchti – a casa é face norte (o que corresponde ao nosso sul!) no lago Eldorado, próximo a São Paulo, Brasil. Piso e parede foram construídos com o mais econômico material local: tijolo comum nas paredes externas e expostos em ambas faces. Para as portas, janelas, treliças e a corajosamente projetada pérgula, o arquiteto Ruchti esco- lheu madeira peroba com acabamento natural. As telhas, os forros e os painéis das grandes aberturas frontais foram construídos com pla- cas onduladas de Eternit (cimento amianto).

A paisagem subtropical do lago Eldorado é motivo, configuração e maravilhoso auxílio para tornar o projeto um sucesso.

Casa túmulo da vida é um estranho, triste e velho provérbio brasileiro que foi por muito tempo terrivelmente aplicado a muitas casas, den- tro e fora do Brasil! As casas desses jovens arquitetos desmentem esse provérbio”.10

Este texto e o projeto comentado já foram tratado em outra ocasião,11 mas é interessante resumir aqui as principais questões envolvidas. O arquiteto Jacob Ruchti – na ocasião, sócio da loja de Branco e Preto com Miguel Forte, Plínio Croce, Roberto Aflalo, Carlos Millan e Che Y. Hawa –, era um dos arquitetos “californianos” formados na escola de arquitetura da Universidade Macken- zie.12 A casa mencionada por Neutra – cujo projeto foi possível acessar graças

10. “The illustrated small house shows a perhaps less known face of good work, done in Brazil./Designed in 1942 as rural resting place – a “Casa de Ferias” for Sr. and Sra. W.Luthi, who helped the architect Jacob Mau- ricio Ruchti by their intelligent cooperation – the house faces north (that corresponds to our south!), on Eldorado lake, unfar Sao Paulo, Brazil. Floors and walls were built of the most economic local material: common brick in exterior walls is exposed both inside and out. As materials for floors, windows and trusses with the courageously projecting pergola, architect Ruchti chose Peroba wood of natural finish. Roof coverings, ceilings and panels over large front openings were done with corrugated and flat Eternit (Cement-Asbestos) beards. /The sub-tropical Eldorado landscape is motive, setting and glorious assistant to make the undertaking a success./‘Casa tumulo de vida’ – a house is life’s tomb – is a strange, sad and old Brazilian proverb, that has for long awfully applied to many houses, in and outside Brazil! These young architect’s houses give it the lie”. Tradução da autora. “Young Brazil”. Folder 10. Box 157. Professional Papers, Articles. Neutra Collection. UCLA Library Special Collections. 11. GUERRA, Abilio; CRITELLI, Fernanda. Richard Neutra e o Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 159.00, Vitruvius, ago. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.159/4837>.

12. IRIGOYEN TOUCEDA, Adriana Marta. Da Califórnia a São Paulo. Tese de doutorado. Orientador Paulo Bruna. São Paulo, FAU USP, 2005.

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189 Imagem 19 - Young Brazil, p.2.

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a Valéria Ruchti, filha do arquiteto – mantém vínculos evidentes com a chamada arquitetura “wrightiana”, mas expressa igualmente as limitações das técnicas construtivas do Brasil daquele período. Ao mesmo tempo em que é possível lis- tar elementos alinhados com a arquitetura “californiana” – planta compacta ao ao estilo cottage norte-americano, beirais, pérgulas, lareira e materiais brutos – é flagrante como outro tema caro à arquitetura norte-americana do segundo pós-guerra, a industrialização, aparece de forma distorsida:

“No caso da pequena casa de Ruchti temos um limite estreito no uso de materiais industrializados – praticamente resumido à presença de telhas de eternit – que é contrabalançado com um exímio esforço de padronização e estandartização no uso de materiais manipulados ar- tesanalmente. A geometria precisa da pérgula e tesouras em madeira e do assentamento modular dos tijolos simula a perfeição construtiva dos componentes industriais das casas norte-americanas”.13

Valeria Ruchti, em dissertação de mestrado que trata da obra do seu pai, apre- senta um documento datado de 1953 e assinado por Richard Neutra que atesta a presença do arquiteto paulista em seu estúdio alguns anos antes, em 1947, ocasião quando pôde estudar a obra do austríaco e apresentar as próprias obras.14 No mesmo trabalho, ao comentar dois projetos de autoria de Jacob Ru- chti – casas operárias para duas fábricas, a da Eternit, Rio de Janeiro, 1948, e da Nestlé, Araras, 1949, estas últimas em parceria com Miguel Forte e Galiano Ciampaglia – Valeria Ruchti afirma que são “ambas com tendências racionalis- tas à maneira americana, referenciadas em Breuer ou em Neutra”.15

Também é interessante citar o contato direto que um grupo de estudantes do Mackenzie estabeleceu com Richard Neutra. No final da década de 1940, como forma de contornar a atitude autoritária e conservadora do então diretor Cris- tiano Stockler das Neves, surge a revista Pilotis, editada pelos jovens arquite- tos estudantes Salvador Candia – este, recém-formado –, Carlos Millan, Jorge Wilheim, Paola Tagliacozzo, Roberto Carvalho Franco e Sidney da Fonseca.16 Este grupo, que passou a buscar referências e informações em publicações es-

13. GUERRA, Abilio; CRITELLI, Fernanda. Richard Neutra e o Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 159.00, Vitruvius, ago. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.159/4837>.

14. RUCHTI, Valeria. Jacob Ruchti: a modernidade e a arquitetura paulista (1940-1970), p. 142. 15. Idem, ibidem, p. 155.

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trangeiras e nos escritórios dos arquitetos modernos atuantes em São Paulo17, organizaram a revista Pilotis aos moldes da revista norte-americana Arts and

Architecture.18

Em meados de 1949, o grupo enviou uma carta para Richard Neutra apresen- tando a revista e solicitando material sobre suas obras para ser publicado. Infe- lizmente, não foi possível localizar por completo esta troca de correspondências – apenas a carta de agradecimento pelo envio do material, assinada por Jorge Wilheim, foi encontrada na Biblioteca de Documentos Históricos do Masp –, mas o relato de Eduardo Ferroni, em sua dissertação de mestrado Aproximações so-

bre a obra de Salvador Candia, nos ajuda a reconstruir esta história. Segundo ele, Richard Neutra respondeu enviando 20 fotografias de Julius Schulman de dois recentes projetos residenciais. Uma das casas seria inédita ao público brasi- leiro e, por isso, foi escolhida para ser publicada no número 4 da revista Pilotis, em fevereiro de 1950.19

“Que Neutra nasceu em Viena e exerce suas atividades na Califórnia, tendo realizado tais e tais obras é história por demais conhecida para ser contada. O que se deve relatar é o seguinte: pelo exemplar de pilotis que lhe enviamos, Neutra prontamente respondeu com uma gentilíssima carta acompanhada de vinte fotografias de Julius Schul- man mostrando duas de suas residências – uma das quais inédita – pondo-as à disposição da revista. Pilotis sente-se na obrigação de registrar aqui esse fato, para dizer da comoção causada pela signifi- cância de seu gesto”.20

17. Idem, ibidem, p.28.

18. SEGAWA, Hugo; ATIQUE, Fernando. Latin America and Los Angeles, p.114. In: ALEXANDER, Christopher James; DE WIT, Wim. Overdrive: L.A. constructs the future, 1940-1990.

19. FERRONI, Eduardo Rocha. Op. cit., p.36.

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Em carta datada de 10 de novembro de 1949, Jorge Wilheim agradece a aten- ção dada por Neutra aos estudantes e diz:

“Meus amigos e eu não temos palavras para lhe agradecer pelo material enviado e especialmente pela compreensão que você de- monstrou por nossos esforços. Devo confessar que você compreendeu estes esforços muito melhor do que grande parte dos arquitetos e es- tudantes de arquitetura aqui no Brasil”.21

Wilheim comenta também que um dos projetos enviados, a casa Tremaine, já havia sido publicada inúmeras vezes e, inclusive, fazia parte da exposição e catálogo organizados pelo Masp. Sendo assim, o grupo de estudantes decidiu publicar apenas o outro projeto – não foram encontradas maiores referências sobre tal obra –, pois este era totalmente inédito no Brasil. Wilheim aproveitou o ensejo da carta para enviar à Neutra um exemplar do volume 3 da revista

Pilotis22 que continha sua resenha feita do livro Arquitetura Social em países de clima quente.

“No número anterior enviado à Neutra, constava uma resenha de Jorge Wilheim sobre a edição brasileira de seu livro Arquitetura Social em países de clima quente. Esta publicação teria um impacto extre- mamente inspirador para o grupo, principalmente no que diz respeito ao emprego de novas técnicas e materiais e construção, e às ideias difundidas pelo arquiteto sobre arquitetura escolar”.23

O interesse dos estudantes da Universidade Mackenzie pelas obras e temas dis- cutidos por Richard Neutra, porém, remonta desde antes da primeira visita do arquiteto ao Brasil. Segundo relatado por Fernanda Ciampaglia, em sua disser- tação de mestrado Galiano Ciampaglia. Razões de uma arquitetura, em 1937 a revista da Faculdade de Engenharia do Mackenzie publicou um texto escrito por Neutra alguns anos antes sobre a arquitetura californiana.

21. “My friends and I haven’t words to thank you for the material you sent us, and especially for the comprehen- sion you have for our efforts. I must confess that you understood these efforts much more than the greatest part of architects and architecture students here in Brazil”. Tradução da autora. Carta. Jorge Wilheim para Richard Neutra. Pasta “Richard Neutra”. Biblioteca de Documentos Históricos, Masp.

22. Idem, ibidem.

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“por iniciativa de Jacob Ruchti e Igor Sresnewsky, a Revista Enge-

nharia Mackenzie publica, sob o título ‘Architectura Funcional’, um resumo do ensaio New Building art in California, escrito por Richard Neutra, em 1935, para a revista Arts&Architecture. No texto, Neutra propunha uma arquitetura voltada às necessidades psicológicas e práticas do usuário”.24

Os aspectos evidentemente “wrightianos” de Richard Neutra e seu apreço pela industrialização da construção causou especial interesse a João Filgueiras Lima, Lelé, que baseou largamente suas escolas rurais em projeto com programa equivalente realizado pelo austríaco em Porto Rico. Segundo André Marques,

“essa conversa entre Neutra e Lelé fica mais clara quando olhamos a proposta das escolas rurais de Abadiânia. Neste caso, Lelé buscou o entendimento das necessidades físicas, espirituais e econômicas do local. As escolas previam uma transitoriedade em razão da in- constância dos assentamentos; as salas de aulas eram divididas por lousas-biombos, permitindo a flexibilidade das turmas. Muitas dessas questões trabalhadas por Lelé estão presentes também nos projetos escolares de Neutra.

As escolas de Neutra previam aberturas laterais com grandes portas pivotantes, sem o uso de vidro, protegidas por enormes beirais. Es- sas portas permitiam a integração das salas de aulas com os jardins externos, tornando-as mais ventiladas. Esse mesmo recurso espacial Lelé utilizou em suas escolas, mudando somente as portas pivotantes horizontais por verticais”.25

Paulo Fujioka, em sua tese de doutorado Princípios da arquitetura organicista de

Frank Lloyd Wright e suas influências na arquitetura moderna paulistana, aponta outros dois arquitetos brasileiros que tiveram Richard Neutra como referência. Sobre o primeiro deles, Carlos Millan, Fujioka comenta que a entrevista com Eduardo de Almeida revelou que “no início de sua carreira, Millan produziu pro- jetos residenciais onde podemos notar a presença de Bratke, Breuer, Gropius,

24. CIAMPAGLIA, Fernanda. Galiano Ciampaglia. Razões de uma arquitetura, p.62.

25. MARQUES, André Felipe Rocha. A obra do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionali- zação, p. 169.

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Imagem 20 - Residência Llovel, Richard Neutra, Los Angeles, 1927.

No documento Richard Neutra e o Brasil (páginas 178-200)