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A RElAçãO DO ARQUITETO NORTE-AMERICANO COM OS BRASIlEIROS

No documento Richard Neutra e o Brasil (páginas 120-135)

Conforme os documentos coletados no acervo da UCLA, Richard Neutra estabe- leceu diversos contatos entre os arquitetos latino-americanos após sua viagem de reconhecimento pela América do Sul entre outubro e novembro de 1945. No caso do Brasil, não foi diferente. Logo após retornarem aos Estados Unidos, Richard e Dione Neutra escreveram uma carta, datada de 18 de dezembro da- quele ano, para Henrique e Helena Mindlin comentando a situação de depres- são e apreensão dos norte-americanos frente ao futuro:

“A atmosfera aqui nos EUA é muito cinza, deprimida e apreensiva com relação ao futuro (...) Eu me lembro com saudades a cor e o vigor de vida na Argentina e no Brasil e envio aos dois [Henrique e Helena Mindlin] os meus mais calorosos votos”.1

Logo no início de 1946, Neutra enviou ao Diretório Acadêmico da Escola Nacio- nal de Belas Artes um artigo escrito especialmente para os estudantes de arte e arquitetura, ilustrado com fotografias de obras do arquiteto, inclusive um retrato tirado por Gregori Warchavchik.2 Na carta, Neutra lamenta não ter passado mais tempo com os estudantes de arquitetura no Rio e diz ter se impressionado com os trabalhos que viu:

1. “The atmosphere here in USA is very gray, depressed and apprehensive for the future (...). I remember with nostalgia the colour and vigour of life in Argentina and Brazil and send you both [Henrique e Helena Mindlin] my warmest wishes”. Tradução da autora. Carta. Richard e Dione Neutra para Henrique e Helena Mindlin. Folder 8. Box 1985. Office Records, Correspondence. Neutra Collection. UCLA Library Special Collections.

2.“Caption list of photographs sent to ENBA, Rio de Janeiro, Brazil”. Folder 8. Box 1429. Office Records, Cor- respondence. Neutra Collection. UCLA Library Special Collections.

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“Fiquei profundamente triste que não pude ter mais tempo no Rio com os estudantes de arquitetura. Eles me impressionaram com a sua iniciativa de participação em trabalhos práticos, mesmo enquanto ainda estudam na escola. Para os alunos do Rio, meus votos mais cordiais!”.3

Richard Neutra inicia seu artigo To the students of Art and Architecture in Rio de

Janeiro com a afirmação de que a vanguarda do projeto e planejamento con- temporâneos está vinculada à concepção de um ambiente saudável e estimu- lante, e que o olhar para o passado não deve significar a repetição ritualística de “dados” rígidos.4 E diz também que o: “Rio de Janeiro, mais do que qualquer outra cidade, tem manifestado arquiteturalmente a sua fé e crença na arte con- temporânea. A arte do arquiteto não é menos necessária do que a do médico para fazer a humanidade se sentir bem”.5 E comenta também que seus esforços como um designer de estruturas o fizeram ficar conhecido como um engenheiro e que acreditava no papel social e na responsabilidade do artista.6

Sobre este assunto, é interessante fazer um paralelo. O arquiteto brasileiro Rino Levi publicou um artigo, em dezembro de 1949, na revista francesa L’Architec-

ture D’Aujourd’Hui – e cuja tradução foi posteriormente publicada pela revista

Óculum, em março de 1993 –, onde discutia a arquitetura como arte e ciência. Segundo ele, o projeto deve surgir através do estudo relacionado entre a forma e os condicionantes ambientais e climáticos, onde o interior e o exterior estão intimamente ligados, visando assim “a criação harmoniosa de ritmos, ordenan- do volumes, cheios e vazios, jogando com a cor e a luz”.7

3. “I was deeply sorry that I could not have more time in Rio with the students of Architecture. They had impres- sed me by their initiative to partake in pratical work, even while they still study at school. My very cordial wishes are with the students of Rio!”. Tradução da autora. Carta. Richard Neutra para Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Belas Artes. Folder 8. Box 1429. Office Records, Correspondence. Neutra Collection. UCLA Library Special Collections.

4. “To the students of Art and Architecture in Rio de Janeiro”. Folder 42. Box 161. Professional Papers, Articles. Neutra Collection. UCLA Library Special Collections, p.1.

5. “Rio de Janeiro, more than any other city, has architecturally expressed its faith and believe in contemporary art. The architect is not less needed there than the medical artist, to make mankind feel well”. Tradução da auto- ra. Idem, ibidem.

6. Idem, ibidem, p. 2.

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Imagem 2 - To the students of Art and Architecture in Rio de Janeiro. Próxima página:

Imagem 3 - Dr. Richard J. Neutra, jornal Diário de Notícias, 25/11/1945. Imagem 4 - Conferências, jornal Correio da Manhã, 28/11/1945. Imagem 5 - Sociais, jornal Diário Carioca, 30/11/1945.

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Rino Levi afirma que o papel do arquiteto é mesclar seus conhecimentos artísti- cos e científicos, sem que um cause entrave ao outro, permitindo que o processo de criação seja livre de qualquer imposição técnica, apesar desta estar presente desde o início.8 E diz também que a arquitetura, por se preocupar com o bem -estar individual e coletivo, desde o desenho de um mobiliário até o projeto de uma cidade, pode ser caracterizada como uma arte social.

“A arquitetura é frequentemente classificada como arte social, pelo fato de envolver problemas de interesse imediato para a coletividade. Com efeito, do desenho do móvel ao da cidade, ela abrange todos os problemas essenciais da vida do homem individual e socialmen- te”.9

Sobre a reconstrução mundial no pós-guerra, Richard Neutra afirma ser esta uma tarefa que deve ser planejada e preparada considerando o imprevisto, que deveria ser respeitado e considerado.10 E finaliza dizendo que arquitetos e urba- nistas intuitivos e comprometidos com a necessidade contemporânea de projetos em larga escala podem trazer a arte de volta a seu patamar de fértil prestígio.

“Só quando os arquitetos e planejadores intuitivos estiverem realizan- do ambientes em larga escala: projetos habitacionais, bairros, co- munidades – quando eles criarem a base de exemplos de ambientes humanos recriados – pode a arte mais uma vez ganhar o seu prestí- gio fértil, broto e flor na consciência de um público verdadeiramente amplo, e da própria sociedade”.11

Junto ao artigo e fotografias, Neutra enviou também um texto introdutório a res- peito de seus projetos e consultoria em Porto Rico e sobre a viagem de reconhe- cimento pela América Latina. Momento no qual, segundo ele, havia realizado extensa pesquisa, consultoria e palestras sob os auspícios do Departamento de Estado norte-americano.

8. Idem, ibidem, p.42. 9. Idem, ibidem. 10. Idem, ibidem. 11. Idem, ibidem, p. 3.

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“O sr. Neutra completou recentemente uma extensa viagem de pes- quisa, consultoria e palestras por praticamente todos os países da América Latina, sob os auspícios do Departamento de Estado norte -americano. Nela, recolheu valioso material sobre as instalações de saúde latino-americanas. Antes dessa tarefa, o sr. Neutra serviu como arquiteto e consultor para o governo de Porto Rico e – no campo das instalações médicas – esteve encarregado dos projetos de quatro hos- pitais distritais com 2000 leitos, clínicas, centros de saúde preventiva e centros de saúde em áreas rurais e urbanas”. 12

Em carta para o arquiteto bahiano Mário Ferreira Leal, datada de fevereiro de 1946, Richard Neutra agradece o convite para visitar Salvador – segundo ele, atrativa por seus clássicos tesouros de arquitetura e também pelos projetos ur- banísticos que destacariam a região –, mas comenta não ter sido capaz, apesar de seus esforços, de conseguir lugar no voo para a capital do estado da Bahia. De acordo com o relato e com os dados coletados nos jornais Correio da Ma-

nhã e Diário Carioca (no acervo digital da Biblioteca Nacional), Neutra regressa de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, onde vai proferir uma última palestra na Escola Nacional de Belas Artes13; depois, parte de avião para Barreiras, de onde segue via trem para Belém14, passando por Carolina, no Maranhão. Localizada no extremo oeste da Bahia, Barreiras fazia parte do trajeto aéreo dos voos ope- rados pela empresa Pan American Airlines entre os Estados Unidos e a América Latina.15

12. “Mr. Neutra has just completed an extensive research, consultation and lecture trip through practically all Latin American countries, under the auspices of the U.S. Department of State. He has gathered most valuable material on their health facilities. Previous to this assignment Mr. Neutra served as architect and consultant the government of Puerto Rico and – in the field of medical facilities – was concerned with the design of four district hospitals of 2000 beds, clinics, preventive health centers and substations in rural and urban areas”. Tradução da autora. “Material for editorial introductory remarks”. Folder 8. Box 1429. Office Records, Correspondence. Neu- tra Collection. UCLA Library Special Collections.

13. “Conferências”. Jornal Correio da Manhã, 28/11/1945. Acervo Digital, Biblioteca Nacional. “Sociais”. Jornal Diário Carioca, 29/11/1945. Acervo Digital, Biblioteca Nacional.

14. Carta. Richard Neutra para Mario Leal Ferreira. Folder 8. Box 1429. Office Records, Correspondence. Neu- tra Collection. UCLA Library Special Collections.

15. BETING, Gianfranco. Pan Am: a pioneira mundial no Brasil. Revista Flap, abril 2012 <http://www.revista- flap. com.br/web/_FILES/upload/23042012-152948-materia_Pan_Am.pdf>

123 Página anterior:

Imagem 6 - Envelope endereçado à Eduardo Kneese de Mello. Imagem 7 - Carta de Eduardo Kneese de Mello para Richard Neutra. Nesta página:

Imagem 8 - Carta de Dione Neutra para Eduardo Kneese de Mello.

Nesta sua primeira visita ao Brasil, em 1945, Neutra também manteve contato com Lucjan Korngold, arquiteto polonês radicado em São Paulo, e com Eduardo Kneese de Mello. Já para Kneese de Mello, em resposta às felicitações de final de ano, Dione Neutra diz que a memória da visita a São Paulo continuava viva e pergunta sobre Rino Levi e Korngold. Comenta seu contato constante com Gre- gori Warchavchik, pois estavam tratando da organização e publicação de um livro sobre a experiência de Richard Neutra em Porto Rico – que viria a ser publi- cado como Arquitetura social em países de clima quente; e pergunta se Kneese de Mello havia lido o artigo publicado na revista Progressive Architecture, onde Neutra usara vários projetos brasileiros como exemplo. Sendo eles: a Materni- dade Universitária da Faculdade de Medicina da USP e o Hotel Excelsior, proje- tos de Rino Levi; uma escola na Bahia (não foram encontradas maiores referên- cias deste projeto); o Edifício Esther, de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho, a casa no Guarujá de Gregori Warchavchik; o Edifício da Associação Brasileira de Imprensa, projetado pelos irmãos Roberto; a Igreja da Pampulha, de Oscar Niemeyer; o Edifício Leonidas Moreira, de Eduardo Kneese de Mello; o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York (1939), projetado por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer; e o Edifício do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Por fim, Dione fala da difícil situação da construção civil nos Estados Unidos e lamenta não trazerem os jornais norte-americanos mais notícias sobre o Brasil.

“Aqui, a situação da construção civil está ruim e apenas uma grande residência está perto de ser concluída. Levou um ano inteiro para ser construída e 1200 cartas escritas para o construtor, proprietário etc. Nós lamentamos que nossos jornais escrevam tão pouco sobre a si- tuação política no Brasil, que deve estar muito ruim. Esperamos que você e sua mulher aproveitem a vida e que possamos encontrá-los algum dia em Los Angeles”.16

16. “Here the building situation has been very bad and only one big residence is nearing completion. It took a whole year to build it and 1200 letters were written to contractor, owner, subcontractors etc. We are sorry that our papers write so little about the political situation in Brasil which must be very bad. We hope you and your wife enjoy life and we hope to see you some day in Los Angeles”. Tradução da autora. Carta. Dione Neutra para Eduardo Kneese de Mello. Folder 8. Box 1429. Office Records, Correspondence. Neutra Collection. UCLA Li- brary Special Collections.

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Os contatos do casal Neutra com estes e outros arquitetos brasileiros ou radica- dos no Brasil se deu pela facilidade dos idiomas em comum (inglês e alemão) e por afinidades de interesses. Para Lucjan Korngold, a grande maioria das cartas foi escrita em alemão; como até o momento não foi possível traduzi-las, não foram incorporadas na argumentação presente neste trabalho. De qualquer modo, é importante ressaltar a importância e inserção social do interlocutor. Judeu de língua alemã nascido em 1897 na capital Varsóvia, Korngold fugiu da Polônia em 1939, refugiando-se em São Paulo, onde faleceu em 1963. Foi um dos cicerones de Walter Gropius em sua visita ao Brasil em 1953, quando foi homenageado na 2ª Bienal.17 Korngold é arquiteto responsável pelo edifício CBI Esplanada – localizado no Vale do Anhangabaú e um dos ícones urbanos de São Paulo – e diversos prédios de excelente padrão em bairros residenciais da capital. Eduardo Kneese de Mello, engenheiro-arquiteto formado em 1931 na Universidade Mackenzie, liderou a criação do departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/SP e torna-se seu primeiro presidente na gestão de 1943/1946. Ou seja, Kneese de Mello ocupava a presidência duran- te a visita de Neutra em 1945, quando estabeleceram relação de amizade. O arquiteto paulista nos anos seguintes será responsável por importantes obras de habitação coletiva – Edifício Japurá para o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários-IAPI (1947), Conjunto Residencial Ana Rosa (1952) e Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo-Crusp (1961), os dois últimos poste- riores ao curso de especialização em industrialização da construção que realizou na Inglaterra, em 1951.18

Gregori Warchavchik19 e Rino Levi20 formam a dupla dos introdutores da arqui- tetura moderna no Brasil, tanto na prática arquitetônica como na publicação de textos manifestos. Autores dos dois primeiros artigos de divulgação da arqui-

17. Sobre o arquiteto, ver FALBEL, Anat. Lucjan Korngold: a trajetória de um arquiteto imigrante. Tese de douto- rado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU-USP, 2003.

18. Sobre Eduardo Kneese de Mello, ver: REGINO, Aline Nassarala. Arquitetura moderna paulista e a habitação

coletiva. Análise da contribuição do arquiteto Eduardo Kneese de Mello. Dissertação de mestrado. Orientador

Rafael Antonio Cunha Perrone. São Paulo, FAU Mackenzie, 2006; MONTENEGRO FILHO, Roberto Alves de Lima. Pré-fabricação e a obra de Kneese de Mello. Dissertação de mestrado. Orientadora Maria Lucia Bressan Pinheiro. São Paulo, FAU-USP, 2007.

19. Sobre Gregori Warchavchik, ver: LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik. Fraturas da vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011.

20. Sobre Rino Levi, ver: ANELLI, Renato; GUERRA, Abílio; KON, Nelson. Rino Levi. Arquitetura e cidade. São Paulo, Romano Guerra, 2001.

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tetura moderna no Brasil – “Acerca da arquitetura moderna”21 e “Arquitetura e Estética das Cidades”, ambos de 192522 –, Warchavchik e Levi mantêm algumas semelhanças no início de suas trajetórias. Ambos se formaram arquitetos em Roma, onde foram alunos de Marcelo Piacentini. Um pouco mais velho, o russo de Odessa cursou a Academia de Belas-Artes de Roma entre 1918 e 1920, en- quanto o brasileiro já frequentou a escola unificada no ano letivo de 1921/22 – Scuola Superiore di Architettura di Roma, formando-se em 1926 (Levi iniciara seu curso na Academia de Brera, em Milão). Quando retorna ao Brasil logo após sua formatura – o artigo havia sido escrito quando cursava o quarto ano da escola –, Rino Levi se empregará na Companhia Construtora de Santos, de Roberto Simonsen, no mesmo cargo até então ocupado por Gregori Warchav- chik. Concunhado de Lasar Segall e muito próximo das vanguardas modernistas da Semana de Arte de 1922, o russo será autor de obra de grande impacto no meio cultural paulista nos anos 1930. Levi, por sua vez, fundará em 1927 a Rino Levi Arquitetos Associados e se associará nos anos 1940 a Roberto Cer- queira César e, posteriormente, a Luiz Roberto Carvalho Franco. Seu escritório atuará com grande sucesso nas décadas seguintes, inclusive após sem faleci- mento em 1965. Tanto Warchavchik como Levi frequentavam os círculos de elite intelectual e econômica da cidade.

Outro contato importante, mas desta vez muito pontual, foi com João Vilanova Artigas. Em junho de 1946, o arquiteto brasileiro recebeu a resposta positiva de uma bolsa de estudos para a qual tinha se inscrito em dezembro de 1945.23 Financiada pela John Simon Guggenheim Memorial Foundation – e que cedeu US$3.000 –, esta bolsa concedida destinava-se ao estudo da arquitetura mo- derna dos Estados Unidos, numa viagem que aconteceu entre outubro de 1946 e outubro de 1947. Segundo o próprio Artigas, no plano de estudos enviado à Fundação, o objetivo da viagem era conhecer de perto as obras dos grandes mestres norte-americanos, em especial aqueles do sul do país – dada a seme- lhança climática com o Brasil –, para então aprimorar a arquitetura que se de- senvolvia em São Paulo.

21. Publicado originalmente em italiano, com o título “Futurismo?”, no jornal Il Picollo, São Paulo, 14.junho. 1925. No mesmo ano com o título “Acerca da arquitetura moderna”, no Correio da Manhã, 1 nov. 1925, e republicado in FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo, Museu de Arte de São Paulo, 1965; XAVIER, Alberto (org.). Depoimento de uma geração. São Paulo: Co- sac Naif, 2003; MARTINS, Carlos A. Ferreira (org.). Arquitetura e outros escritos. São Paulo, Cosac Naif, 2006. 22. ANELLI, Renato. 1925. Warchavchik e Levi – dois manifestos pela arquitetura moderna no Brasil. RUA, vol. 5, n. 1, Salvador, UFBA, 1999, p. 6-11 <www.portalseer.ufba.br/index.php/rua/article/view/3129/2244>. 23. IRIGOYEN TOUCEDA, Adriana Marta. Wright e Artigas: duas viagens, p.147.

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“Os Estados Unidos representam no momento uma grande fonte para estudo e investigação em arquitetura, não só pelo que alguns de seus arquitetos já fizeram, como também porque tem atualmente quase que o monopólio dos grandes arquitetos do mundo. F.L. Wri- ght, Walter Gropius, R. Neutra, somente para começar uma grande lista. A influência que estes mestres podem ter no desenvolvimento da arquitetura americana, nós, brasileiros podemos julgar bem, lem- brando, como frequentemente fazemos, o efeito no Rio de Janeiro da visita de Le Corbusier.

Já em São Paulo, a minha cidade, as coisas têm-se passado de ma- neira bem diferente. Condições locais especiais têm dificultado maio- res raízes para a arquitetura moderna. O que nos tem faltado, pre- tendo trazer da América”.24

Desta bolsa de estudos, dois pontos são interessantes de serem destacados. Em primeiro lugar, a Fundação solicitava uma lista de referências, de pessoas que pudessem ser contatadas para comentar acerca do candidato. E um dos nomes escolhidos por Artigas foi Paul Lester Wiener – juntamente a Oscar Niemeyer, Carleton Spraghe Smith e Paulo Menezes Mendes da Rocha25 (engenheiro, dire- tor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e pai do arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha) –, arquiteto norte-americano muito engajado nos esforços de cooperação Estados Unidos-América Latina. Conforme visto no Ca- pítulo 1, Wiener, juntamente a José Lluis Sert, é responsável por diversos projetos urbanos para a América Latina – como, por exemplo, a Cidade dos Motores, no Rio de Janeiro – e foi também parceiro da dupla Lúcio Costa e Oscar Niemeyer na construção do Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York, em 1939.

Já o segundo ponto tem relação à filiação de Artigas ao Partido Comunista Bra- sileiro desde 1945. Segundo a arquiteta Adriana Irigoyen, este não parece ter sido um impedimento para a concessão da bolsa.26 E, para entendermos esta afirmação, será preciso relembrar o panorama das relações entre os Estados Unidos e o Brasil, comentado no Capítulo 1. Segundo afirma Patrício Del Real, uma das estratégias norte-americanas para converter os simpatizantes do comu-

24. Idem, ibidem, p.148. 25. Idem, ibidem, p.152-153. 26. Idem, ibidem, p.147.

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nismo na América Latina foi levá-los aos Estados Unidos e mostrá-los as vanta- gens e prosperidade da democracia.

“a única coisa que os Estados Unidos precisa fazer para converter os simpatizantes ao comunismo na América Latinha, concluiu [René] D’Harnoncourt, era simplesmente dar a eles prova suficiente de que o estilo de vida democráticodará a eles segurança e prosperidade.27 Neste sentido, estão o programa de intercâmbio, destinado a uma classe média influente, como exemplificado na Bolsa Guggenheim concedida a Vilanova Artigas, e as propostas de aceitação da cultura latino-americana nos Estados Unidos. Ou seja, acesso e status servi- riam como uma efetiva contra-propaganda”.28

Ao que tudo indica, esta tentativa do governo dos Estados Unidos em seduzir – e converter – Vilanova Artigas às vantagens do capitalismo norte-americano foi fracassada. Ele não apenas não deixou de se vincular ao Partido Comunista

No documento Richard Neutra e o Brasil (páginas 120-135)