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Richard Neutra e o Brasil

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Academic year: 2017

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FERNANDA CRITELLI DE CAMPOS

RICHARD

NEUTRA

E O

BRASIL

DISSERTAçãO DE MESTRADO

ORIENTADOR: AbILIO GuERRA

FACuLDADE DE ARquITETuRA E uRbANISMO

PROGRAMA DE PóS-GRADuAçãO EM ARquITETuRA E uRbANISMO uNIvERSIDADE PRESbITERIANA MACkENzIE

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C198r Campos, Fernanda Critelli de.

Richard Neutra e o Brasil / Fernanda Critelli de Campos - 2015. 300 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Bibliografia: f. 292 – 300.

1. Richard Neutra. 2. Brasil. 3. influências. I. Título.

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AGRADECIMENTOS

O orientador Abilio Guerra, pela oportunidade, paciência e dedicação desde os anos da faculdade, durante a Iniciação Científica, e, principalmente, no per-curso do mestrado. Muito obrigada por todos os caminhos que abriu e por tudo que me ensinou.

Os professores Renato Anelli e Ruth Verde Zein, pelos comentários e sugestões feitos nas bancas de Qualificação e Final, que foram de grande importância para a pesquisa.

Fernando Lara, por me receber na Universidade do Texas e me orientar numa pesquisa que acabou sendo crucial para o desenvolvimento do trabalho.

A Fapesp pelas bolsas concedidas (Mestrado no País e Bolsa de Estágio de Pes-quisa no Exterior) que me permitiram dedicação total à pesPes-quisa. E o Mackenzie pelo suporte e, principalmente, pelos prazos a mais que me foram concedidos.

Meus pais, irmão e família por todo o apoio, sem o qual este trabalho não seria possível.

André Marques pela dedicação e companheirismo, além das belas fotografias, tão essenciais durante este processo,

Rosa Artigas pelo simples comentário que abriu um importante caminho na pes-quisa.

Raymond e Dion Neutra pelas informações, entrevistas e, principalmente, por permitirem a cópia dos desenhos de viagem feitos por seu pai, Richard Neutra.

Thomas Hines, Christopher Long e Eric Munford pelas entrevistas e informações essenciais para o trabalho.

Simon Elliott e toda a equipe da Biblioteca de Coleções Especiais da UCLA que tão bem me receberam e me auxiliaram durante a pesquisa.

As várias pessoas que contribuiram para o trabalho. Agradeço em especial à Adriana Irigoyen, Alyne Liboni, Ana Gabriela Godinho, Anne Pascale Krauer Müller, Carlos Leite, Clarissa Matsumoto, Daiane Lee, Eduardo Luis Rodriguez, Giovanna Paludetti, Haruyoshi Ono, Helena Enout, Isabela Ono, Jaqueline Kawasue, Paulo Mauro de Aquino, Rafael Perrone, Rafaela Benigna, Renata Mit-sue, Roberto Righ, Roger Kull, Silvia Raquel Chiarelli, Valéria Ruchti.

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RESUMO

Richard Joseph Neutra (1892-1970), arquiteto austríaco radicado nos Estados Unidos, deixou, ao longo de sua vida profissional, importante legado que se revela tanto pelas inúmeras obras construídas quanto pela contribuição aca-dêmica. O interesse que demonstrava para melhor compreender as condições climáticas e sociais dos locais onde atuava marcaram seus projetos, tendo sido crucial, principalmente, para a vasta produção de obras como escolas, mora-dias e hospitais desenvolvidos em Porto Rico – quando de sua nomeação como consultor do Committee on Design od Public Works, a cargo do Departamento de Estado norte-americano.

Seu trabalho como arquiteto e estudioso influenciou gerações de novos arquite-tos, em especial brasileiros. Muito se sabe sobre a importância de suas obras, mas pouco se fala sobre a estreita relação que Neutra manteve com o Brasil. Fato este comprovado pela publicação, em São Paulo, do livro de sua autoria Arquitetura Social em Países de Clima Quente, em edição bilíngue (português e inglês), pela Editora Gerth Todtman (1948).

Sendo assim, o presente trabalho de Mestrado se apresenta como forma de ma-peamento da presença do arquiteto Richard Neutra no Brasil. E foi a partir da análise de fontes primárias que esse estreito relacionamento com os arquitetos e intelectuais da área brasileiros fica comprovado.

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ABSTRACT

Richard Joseph Neutra (1892-1970), Austrian architect settled in the United States, left, throughout his professional life, an important legacy that is revealed both by the numerous works constructed and the academic contribution. The interest he showed to better understand the climatic and social conditions of the places marked his acting projects, and it has been crucial, especially for the vari-ety producing projects such as schools, housing and hospitals developed in Puer-to Rico - when he was appointment as consultant at the Committee on Design of Public Works by the US State Department.

His work as an architect and studious has influenced new generations of archi-tects, especially Brazilians. Much is known about the importance of his works, but little is said about his close relationship with Brazil. A fact confirmed by the publication, in Sao Paulo, of the book Architecture of Social Concern in Regions of Mild Climate, bilingual edition (English and Portuguese), by Gerth Todtman (1948).

Thus, this research presents itself as a way of mapping the presence of architect Richard Neutra in Brazil. It was from the analysis of primary documents that the close relationship with Brazilian architects and intellectuals was confirmed.

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MÉTODOS DE PESQUISA

Por se tratar de uma pesquisa de levantamento teórico e de aproximações críti-cas, este trabalho irá apresentar uma coletânea de documentos históricos que comprovam a relação de Richard Neutra com o Brasil e com os brasileiros. E, para isso, tiveram como foco principal os acervos institucionais e particulares, onde se sabia ao certo ou se presumia haver informações documentais de inte-resse.

No primeiro caso, dos acervos institucionais, mereceram especial atenção a bi-blioteca do Masp (tem a guarda das correspondências e documentos trocados entre o arquiteto e a instituição), o acervo do Instituto Bardi (possíveis documen-tos complementares da relação Bardi-Neutra), a Biblioteca Mário de Andrade (acervo de revistas e jornais da época), a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (acervo de revistas e jornais da época), a biblioteca da Universidade Mackenzie (periódicos publicados pela instituição), a biblioteca da Universidade de São Paulo (principal acervo de periódicos e livros especializados), a biblioteca da Faap (que possui a coleção completa da revista Acrópole), os acervo da Casa de Lúcio Costa e da Fundação Oscar Niemeyer (eventuais registros do encontro de Neutra com os arquitetos que dão nome às instituições), a Biblioteca da Universi-ty of California de Los Angeles - UCLA (guarda documentos pessoais de Richard Neutra, inclusive referentes a suas viagens à América Latina e ao Brasil) e a Bi-blioteca Benson da University of Texas at Austin - UT (que possui a maior coleção sobre a América Latina, em termo de cultura, sociedade, política, arte e arquite-tura, do mundo). Parte da pesquisa pôde ser feita remotamente, via internet, em especial junto a instituições que possuem política de digitalização de documen-tos (caso da Casa de Lúcio Costa e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).

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Dos arquitetos que conheceram Richard Neutra e mencionados ao longo deste projeto, estão ainda vivos Rodolpho Ortenblad Filho, Flávio Motta e Alberto Xa-vier. Era de se supor também que durante a pesquisa surgissem outros persona-gens ainda vivos que tiveram contato com Neutra, o que ampliaria o número de entrevistas e, em conseqüência, a produção de fontes secundárias, que foram muito úteis para preencher lacunas e revelar fatos desconhecidos até o momen-to.

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RESUMO

ABSTRACT

MÉTODOS DE PESQUISA

APRESENTAÇÃO

CAPITULO 1 – MENSAGEIRO DA BOA VONTADE

1.1 Relação Estados Unidos – Brasil 1.2 Porto Rico

1.3. A viagem de reconhecimento pela América do Sul 1.4. Os artigos na revista Progressive Architecture

CAPITULO 2 – RICHARD NEUTRA E O BRASIL

2.1 A relação do arquiteto norte-americano com os brasileiros

2.2 A publicação do livro Arquitetura Social e a exposição do Masp 2.3 O caso da II Bienal Internacional do MAM-SP

2.4 Outras três visitas ao Brasil

CAPITULO 3 – RICHARD NEUTRA, BURLE MARX E A PAISAGEM DAS AMÉ-RICAS

3.1 O legado na arquitetura brasileira e de Richard Neutra 3.2 A relação com o paisagista Roberto Burle Marx

3.3 A casa Schulthess em Havana, Cuba

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13 Imagem 2 - Richard Joseph Neutra (1872-1970).

O ARQUITETO RIChARD NEUTRA

Richard Joseph Neutra nasceu em Viena, Áustria, em 1892, e viveu sua infância e juventude imerso em uma riqueza cultural típica do país naquela época. Foi influenciado por figuras como: Gustav Klimt (1862-1918), importante pintor simbolista austríaco; Arnold Schönberg (1874-1951), compositor de música erudita; e Sigmund Freud (1856-1939). Conforme afirma Manfred Sack, desde a juventude, Neutra apresentava grande habilidade com desenho e pintura e já ambicionava ser arquiteto.

“Já na idade de oito anos, Neutra não mostrava dúvidas sobre sua profissão, como escreveu em sua eloquente, embora muito veemente, biografia Life and shape (1962). Queria ser arquiteto.

Realmente manejava o lápis ou o carvão com a mesma destreza que o nanquim. Desde jovem, já tinha essa habilidade, numa época em que todo arquiteto que se colocava como requintado devia ser tam-bém virtuoso nas artes pictóricas”.1

Em 1911, Neuta ingressou no curso de arquitetura da Technische Hochschule, em Viena.2 No entanto, em 1914, em decorrência da Primeira Guerra Mundial

(1914-1918), foi obrigado a deixar a universidade e servir no Exército Imperial austríaco. Mas, devido a uma doença – Neutra e grande parte de seu batalhão contraíram malária na fronteira da Albânia3 –retornou à Viena em 1917 e

gra-duou-se, com honra, em arquitetura pela Technische Hochschule no ano seguin-te. Durante sua formação, Richard Neutra fora influenciado por Adolf Loos – cujo ateliê frequentava após as aulas4 – e Otto Wagner – que fora seu professor

–, ambos grandes nomes da arquitetura moderna. Foi também nesta época que tomou conhecimento do movimento De Stjil e das obras dos norte-americanos Louis Sullivan e Frank Lloyd Wright.5

1. “Ya a la edad de ocho años, Neutra no albergaba dudas acerca de su profesión, como escribía en su elo-cuente, aunque demasiado vehemente biografía, Life and shape (1962). Quería ser arquitecto. Realmente ma-nejaba el lápiz o el carboncillo con la misma destreza que la tinta china. Desde joven ya tenía esa habilidad, en una época en que todo arquitecto que se preciara como exquisito debía ser un virtuoso en las artes pictóricas”. Tradução da autora. SACK, Manfred. Richard Neutra, p.16.

2. Idem, ibidem.

3. NEUTRA, Richard J. Life and shape, p.128.

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Imagem 3 - Travel Sketch, Bérgamo, 1913.

Imagem 4 - Fotograia de Lux e Ernest Freud tirada por Richard Neu -tra.

Próxima página:

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Imagem 6 - Adolf Loos (1870-1933).

Com o fim da Guerra, a Europa estava destruída e mergulhava numa profunda depressão. Neutra, recém-formado, sentia os efeitos desta crise, pois enfrentava a dificuldade de encontrar um emprego fixo em um escritório de arquitetura que fosse capaz de alavancar sua carreira – além da crise, crescia nos europeus um sentimento anti-semita que prejudicava ainda mais o arquiteto de descendência judáica.6 Mudava constantemente de cidade e, até mesmo, de país em busca de

uma oportunidade: em 1919, trabalhou brevemente na Suíça com o arquiteto paisagista Gustav Ammann7; e, no ano seguinte, mudou-se para a pequena

cidade alemã Luckenwalde, contratado como arquiteto na prefeitura.8 No

en-tanto, nenhuma oportunidade mais sólida surgia e, em meio a essa depressão, crescia em Neutra o desejo de emigrar para a América.

Neste caso, a figura de Adolf Loos teve forte presença. Após ter se formado ar-quiteto, em 1893, pela Dresden College of Technology, Loos realizou uma via-gem de três anos pela Inglaterra e Estados Unidos.9 Dos ingleses, levou consigo

a admiração pelo Movimento Arts and Crafts e pelos trabalhos de Willian Mor-ris, seu principal fundador.10 Já a experiência com os norte-americanos, apesar

de muito difícil – sua situação financeira estava ruim, por isso Adolf Loos foi obrigado a trabalhar como pedreiro, extra de óperas, assentador de piso e, até mesmo, lavando pratos em um restaurante11 –, deixou uma marca em seu

de-senvolvimento cultural.12 A magem próspera de um país moderno que migrava

da condição rural para a urbana (ou seja, que se tornava civilizado)13 foi

passa-da, ao retornar para a Europa, para seus jovens alunos – em especial, Rudolph Schindler e Richard Neutra – como a promessa de um mundo novo e de oportu-nidades.

6. HINES, Thomas. Op. cit, p.43. 7. Idem, ibdem, p.42.

8. Idem, ibdem, p.46; NEUTRA, Richard J. Op. cit, p.151. 9. HINES, Thomas. Op. cit., p. 32.

10. Idem, ibdem, p.34.

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17 Imagem 7 - Eric Mendelsohn (1887-1953).

Richard Neutra, em sua posterior biografia (1962), comenta sobre esta influên-cia:

“Antes de reconhecer Frank Lloyd Wright e Louis H. Sullivan na dis-tante América, Otto Wagner era meu ídolo. (Loos estava enamorado pela calorosa humanidade da América, bem como por seu pragma-tismo, e havia se tornado meu amigo pessoal mais influente). Recen-temente eu tinha mudado meus planos, e decidi fazer dos Estados Unidos, o amor não correspondido de Loos, meu lar – talvez fosse para a Califórnia, onde, como vagamente ouvi dizer, Frank Lloyd Wri-ght estava na época”.14

Apesar de tomada a decisão, Neutra só conseguiria emigrar alguns anos de-pois. Enquanto isso, em 1921, surgiu uma oportunidade no escritório do jovem arquiteto vanguardista Erich Mendelsohn, em Berlim.15 Neutra rapidamente se

muda para a capital alemã e vê nos projetos de Mendelsohn uma nova resposta para a arquitetura moderna: a junção entre a realidade do Funcionalismo e do Racionalismo com as visões dinâmicas do Expressionismo.

“A nova arquitetura apropriada, a qual concordou-se em chamar de moderna, iria expressar, definir e dar forma ao novo século. Embora continuassem a insistir que não estavam seguindo nenhum estilo defi-nido, os modernistas optaram por aquilo que em última análise, veio a ser um conjunto de novos estilos – desde a intensa, da plasticidade exótico do Expressionismo à elegante fria austeridade do Racionalis-mo, die Neue Sachlichkeit. Em sua própria busca pela modernidade, Neutra bebeu de ambas fontes, embora sua obra mais madura, em sua melhor forma, inclinou-se para as imagens e cânones do Racio-nalismo”.16

14. “Before I recognized Frank Lloyd Wright and Louis H. Sullivan in far-distant America, Otto Wagner had been my idol. (Loos was enamored of America’s warm humanity crossed with matter-of-factness, and he had beco-me my most influential personal friend) Recently I had changed my plans, and had decided to make the United States, which had been the unrequited love of Loos, my home - perhaps going to California, where, as I vaguely heard, Frank Lloyd Wright was at time”. Tradução da autora. NEUTRA, Richard J. Op. cit., p.102.

15. Idem, ibdem, p.152-153; HINES, Thomas. Op. cit., p.48.

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Imagem 8 - Richard e Dione Neutra, 1922. Imagem 9 - Frank Lloyd Wright (1867-1959).

No entanto, apesar da admiração que tinha por essa arquitetura, os constantes desentendimentos entre eles fazia apenas aumentar o desejo de seguir para os Estados Unidos. Somado a isso, o recente casamento com Dione e a notícia de sua gravidez foram os pontos chave para que a decisão fosse tomada.17 Assim,

ao final de 1923, após firmado o acordo de paz entre norte-americanos e aus-tríacos, Richard Neutra embarcou rumo à Nova York – Dione iria encontrá-lo após o nascimento de seu primeiro filho, Frank Lucian Neutra.18

Após poucos meses, Neutra parte para Chicago – na esperança de conhecer pessoalmente o mestre Frank Lloyd Wright – e é logo contratado como projetista na prestigiosa Holabird and Roche. Em abril de 1924, durante o enterro de Louis Sullivan – de quem Neutra havia, pouco tempo antes, se tornado amigo pessoal –, Neutra teve a oportunidade de conhecer Wright e foi surpreendido com um convite para conhecer a famosa Taliesen East. Assim, em julho do mesmo ano, após a chegada de Dione e do reencontro com Rudolph Schindler, Neutra viaja para Taliesen e lá recebe uma proposta de trabalho.19 A colaboração no ateliê

de Frank Lloyd, no entanto, permanece apenas durante o outono e o inverno de 1924, pois Richard Neutra via-se ansioso por novas possibilidades de projetos.

“Eles ficaram lisonjeados que Wright tentou persuadí-los para não partirem. Se e quando ele quiser voltar, Wright disse à Dione, Ri-chard sempre encontraria trabalho com ele. Não entendo porque ele precisa partir, ele comentou. Qualquer um pode partir, mas apenas poucos podem ficar. Então porque... não aproveitar este lugar e esta situação?”.20

17. Idem, ibdem, p.59.

18. “Frustration and contentment: the solitary journey of Frank Lucian Neutra, January 4, 1924 – July 5, 2006”. 09/07/2006. Folder 13. Box 139. Client Files, Writings. Neutra Collection, UCLA Library Special Collections. 19. HINES, Thomas. Op. cit., p.71.

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Imagem 10 - Richard e Dione Neutra na Taliesen junto à Frank Lloyd Wright e seus aprendizes, 1924.

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Imagem 12 - California Calls You, 1921. Próxima página:

Imagem 13 - Rudolph Schindler junto à Richard, Dione e Dion Neutra, Los Angeles, 1928.

Apesar da insistência, Neutra e sua família partiram para a Califórnia, onde foram recebidos na casa de Schindler na King’s Road, em Hollywood. Durante o tempo que permaneceu lá, Neutra desenvolveu trabalhos em escritórios como os de Gordon Kaufman e Rudolph Meier, finalizou seu livro Wie baut Amerika? (Como a América constrói?) – que vinha escrevendo desde o período da Hola-bird and Roche, em Chicago – e desenvolvia, também, trabalhos em parceria com Rudolph Schindler. Nestes, dois acontecimentos abalaram profundamente suas relações profissionais e de amizade.

“Certa vez, quando eu estava caminhando pelo Bahnhofstrasse em Zurique, vi pela janela de uma agência de turismo um prospécto com uma palmeira impressa na capa e as palavras, CALIFÓRNIA CHAMA VOCÊ. Eu sabia apenas um pouco de inglês na época e não estava muito seguro sobre o que aquilo significava, mas somei dois mais dois e concluí que deveria vir para a Califórnia. Após ter ficado em Nova York, Chicago e Taliesin – mais ou menos como um hóspede do sr. Wright, já que ele não tinha nem trabalho nem projetos –, comecei a pensar inquietamente sobre a Califórnia. Eu sabia que aquele era o único lugar onde ele teve projetos construídos desde que cheguei à América”.21

Em 1926, Neutra e Schindler participaram do concurso para a League of Na-tions Headquarters de Genova e, apesar de não terem sido ganhadores, viram seu projeto, no ano seguinte, exposto no German Werkbund, ao lado de Le Cor-busier e Hannes Meyer. No entanto, por um equívoco da família de Dione – que ficou responsável pelo intermédio entre Neutra e a exposição, pois residiam na Alemanha –, o nome de Schindler como co-autor do projeto não apareceu.

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23 Página anterior:

Imagem 14 - Casa Kings Road, Rudolph Schindler, 1921-22. Nesta página:

Imagem 15 - Edifício para a Liga das Nações, proposta de Neutra e Schindler, 1926.

Outro momento de tensão entre eles foi quando, em 1927, Philip Lovell – para quem Schindler havia projetado e construído uma casa na praia no ano anterior e cujo projeto paisagístico havia ficado à cargo de Neutra – solicitou à Richard Neutra o projeto de sua nova casa. Os dois incidentes, que ocorreram pratica-mente ao mesmo tempo, levaram ao fim da amizade e da parceria profissional entre Neutra e Rudolph Schindler.

No entanto, deixando de lado o contexto do rompimento das relações pessoais, o projeto desenvolvido por Neutra é descrito pelo historiador de arquitetura Tho-mas Hines como o ponto chave de uma grande mudança em sua carreira:

“Schindler teria sem dúvida construído uma linda e significativa casa, mas é difícil de acreditar que isto realmente teria sido significante em sua carreira – ou na história da arquitetura moderna – como se tornou o projeto de Neutra. (...) Depois dos apartamentos Jardinette, esta foi o primeiro exemplo maduro do Estilo Internacional na Améri-ca”.22

Neutra, assim como muitos de sua geração, acreditava que a arquitetura mo-derna poderia expressar e definir o que seria o século XX. Mas, para ele, não in-teressavam apenas as questões funcionais e racionalistas desta nova arquitetura, como ocorreu em larga escala na Europa do primeiro pós-guerra. Propunha em seus projetos um entendimento aprofundado das necessidades de cada cliente e, a partir daí, experimentava a interferência da arquitetura, em termos psico e fisiológicos, no cotidiano de seus moradores e como isto poderia melhorar sua qualidade de vida.

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Páginas anteriores:

Imagens 16 e 17 - Casa Llovel, 1927.

Nesta página:

Imagem 18 - Escola Corona, 1935. Próxima página:

Imagem 19 - Escola Emerson, 1937-38. Durante sua atuação profissional, Richard Neutra desenvolveu significativos

projetos de escolas – como a Corona School, em 1935, e a Emerson Junior High School, em 193723 – e de habitações sociais – como, por exemplo, o Avion Village Housing, em 1941, Hacienda Village Housing, Pueblo del Rio Housing e o Channel Heights Housing, em 194224 –, além das várias residências

unifamilia-res construídas, principalmente, na Califórnia e conhecidas internacionalmente. Trabalhou também junto a agências governamentais como: a Federal Housing Authority25, tendo sido o projeto para o Channel Heights um dos produtos desta

parceria; com o Departamento de Estado norte-americano, quando foi contra-tado como consultor do Comitê de Obras Públicas de Porto Rico, em 1944, e designado para a viagem de reconhecimento pela América Latina em 1945, as-suntos que serão abordados mais a frente; e com o National Youth Administra-tion, para o qual Neutra foi contratado como consultor, em 1935, por Eleonor Roosevelt, esposa do então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt.26

23. LAMPRECHT, Barbara. Richard Neutra: complete works, p.112 e 140. 24. Idem, ibdem, p.160-172.

25. Carta. Arthur H. Gallion para Federal Housing Authority. 06/05/1944. Folder 7. Box 1985. Office Records, Correspondence. Neutra Collection. UCLA Library Special Collections.

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33 Páginas anteriores:

Imagem 20 - Escola Emerson, 1937-38 (situação atual). Imagem 21 - Avion Village, 1941.

Imagem 22 - Hacienda Village, 1942. Imagem 23 - Pueblo del Rio, 1942. Imagem 24 - Channel Heights, 1941-42.

NEUTRA E O BRASIl: O ESTADO DA ARTE

A relação entre Richard Neutra e o Brasil tem sido referida em diversas pes-quisas – tanto suas visitas ao país como o impacto da publicação do livro Ar-quitetura social em países de clima quente27 – que servem como base para o

presente trabalho de duas maneiras: cruzamento de dados diversos referentes à presença do arquiteto no país, que permitiram o primeiro esboço da cronologia que tenta dar conta de suas visitas e dos temas e motivações que as motivavam; verificação de lacunas diversas, presentes nos vários trabalhos acadêmicos – mestrados, doutorados e artigos acadêmicos –, assinados por autores diversos. É importante notar que parte deste levantamento foi realizado em pesquisa de iniciação científica Richard Neutra no Brasil, desenvolvida da Faculdade de Ar-quitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie entre agosto de 2011 e ju-lho de 2012, orientada por Abilio Guerra e com bolsa Mackpesquisa. Naquele momento, o objetivo foi realizar uma primeira varredura das vindas de Richard Neutra ao Brasil e, para isso, foram pesquisados os acervos do Masp – em cujo Biblioteca de Documentos Históricos foram encontradas cartas trocadas entre Neutra e Pietro Bardi e pistas da exposição Neutra: Residências/Residences –, da Biblioteca Mário de Andrade – nos acervos das revistas Cruzeiro e Manchete e dos jornais da época, foi possível traçar um primeiro itinerário de viagens – e da família Warchavchik – onte foram encontradas fotos da visita de Neutra a São Paulo. Este trabalho foi ampliado em um mestrado na mesma instituição, com o mesmo orientador e contando com bolsa da Fapesp entre os anos de 2013 e 2015.

São muitos os trabalhos que se referem ao cerne da presente pesquisa, caso do realizado por Patrícia Pimenta, que em sua tese Teoria e prática: a obra do ar-quiteto Richard Neutra defendida na FAU USP em 2007 e orientada por Adilson da Costa Macedo, apresenta o tema da relação de Richard Neutra com o Brasil: suas visitas em 1945 e 1959; a publicação do catálogo Neutra:Residências pelo Masp, apesar de não apontar nenhuma comprovação efetiva da exposição; e as interlocuções com os brasileiros, desde a aproximação com Gregori Warcha-vchik e Vilanova Artigas até sua influência nas obras de Oswaldo Bratke e de diversos outros escritórios de arquitetura no país:

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“A arquitetura moderna brasileira e a arquitetura de Richard Neutra tiveram seus pontos de encontro na história. Através de algumas pu-blicações, a obra de Neutra estava presente nos escritórios de arqui-tetura no Brasil dos anos 1940/1950, e não somente nos escritórios de arquitetos que estavam no eixo hegemônico, Rio-São Paulo, mas também naqueles escritórios situados no interior, como é o caso do arquiteto João Jorge Coury”.28

No entanto, tais conjecturas se concentram no início do trabalho e sua pesquisa se envereda por outro rumo, tratando de forma extensiva e genérica a obra do arquiteto austríaco; ou seja, a questão do intercâmbio entre Neutra e o Brasil não é aprofundada. O mesmo acontece na tese de doutorado de Débora Hor-main. Ao tratar do tema O relacionamento Brasil-EUA e a arquitetura moderna: experiências compartilhadas, 1939-1959 – defendida na FAUUSP em 2012 e orientada por Fernanda Fernandes da Silva –, a autora menciona as visitas de 1945 e 1959, o catálogo do Masp e a “intenção de uma exposição”29, mas, por

não se tratar de um trabalho específico sobre Richard Neutra, não apresenta da-dos sobre as demais viagens, nem se aprofunda no tema de suas relações com os arquitetos brasileiros.

Em seu recente trabalho sobre Gregori Warchavchik, José Lira assinala a in-fluência de Neutra sobre os arquitetos brasileiros – principalmente com a publi-cação, em São Paulo, do livro Arquitetura social em países de clima quente – e sobre o arquiteto ucraniano, exemplificando esta última com a comparação en-tre o projeto para a residência Ricardo Jafet (Guarujá, 1949) de Warchavchik e o Protótipo para Escola Rural de Neutra (um dos muitos estudos realizados entre 1944-45, durante o período em que trabalhou em Porto Rico):

“A conjugação entre o terraço, em parte descoberto, e a sala de estar franqueada à praia e à visão do mar era garntida pela linha contínua de portões de madeira, com pivôs horizontais, semelhantes aos que Richard Neutra vinha usando em seus projetos para Porto Rico”.30

28. RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática. A obra do arquiteto Richard Neutra, p. 13-14. 29. HORMAIN, Débora da Rosa Rodrigues Lima. O relacionamento Brasil-EUA e a arquitetura moderna: expe-riências compartilhadas, 1939-1959, p. 120.

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35 Já em seu artigo From mild climate’s architecture to ‘third world’ planning: Ri-chard Neutra in Latin America, publicado na 14ª International Planning History Society Conference (2010), José Lira trata dos projetos desenvolvidos por Neutra em Porto Rico e sua subsequente viagem pela América Latina. O autor utiliza como dados documentos encontrados no acervo Neutra Collection da UCLA e dá dicas sobre a importância o envolvimento do arquiteto com o grupo do CIAM e sobre sua participação na Conferência de São Francisco, em 1945, que deu origem às Nações Unidas.

Outros relevantes trabalhos expõem a importância da relação de Richard Neutra com o Brasil. Mônica Junqueira, em sua tese de doutorado orientada por Paulo Bruna e defendida em 2000 na FAU USP, ao comentar a importância do contato com a arquitetura norte-americana para a transformação da obra de Oswaldo Bratke, assinala que

“as viagens que [Bratke] passou a fazer ao exterior a partir de 1942, onde teve a oportunidade de visitar obras significativas, o contato com profissionais americanos e europeus e a publicação de algumas obras como Arquitetura social em países de clima quente, de Richard Neutra, publicado aqui em São Paulo em 1948, tiveram papel pre-ponderante no seu processo de transformação. Nesse livro, lançado logo após sua estada no Brasil, quando teve a oportunidade de visitar as obras de Bratke, Neutra defende veemente a idéia de uma arquite-tura própria para cada local, segundo suas especificidades de clima, topografia, cultura e sociedade”.31

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Se Mônica Junqueira menciona a visita feita por Neutra às obras de Bratke, Hugo Segawa e Guilherme Mazza Dourado salientam a visita anterior, feita pelo arquiteto brasileiro, às obras do austríaco na América: “a primeira viagem de Oswaldo Bratke aos Estados Unidos foi para a costa oeste, em 1948. Assinante, visitou a redação de Arts & Architecture e decerto acertou a publicação da casa, então recém-concluída. Nessa incursão por terras norte-americanas, o arquite-to brasileiro visiarquite-tou obras de Richard Neutra e Frank Lloyd Wright”.32 A casa do

arquiteto, na rua Avanhandava, foi publicada na revista comandada por John Entenza na edição de outubro de 1948. Bratke, portanto, além de conhecer as obras dos arquitetos “californianos”, conseguiu também difundir sua obra numa das mais importantes revistas de arquitetura da época.

Adriana Irigoyen, em sua tese de doutorado orientada por Paulo Bruna e defen-dida na FAU USP em 2005, chama Neutra de arquiteto peregrino e diz que ele visitou as obras de Brasília acompanhado por Oscar Niemeyer, afirmação corro-borada por fotografias da ocasião. Também acompanhada por documentação fotográfica, Irigoyen comenta a visita do casal Richard e Dione Neutra à casa de Carlota Macedo Soares em Petrópolis, ciceroneado pelo arquiteto Sergio Ber-nardes, responsável pelo projeto.33 E conclui com uma afirmação categórica do

interesse causado pelo arquiteto austríaco no meio paulistano: “Sua conferência na USP, ante uma plateia entusiasta, transbordando de estudantes e arquitetos, confirmou o impacto de Richard Neutra entre os colegas paulistas. Alguns deles seguiriam a essência de seus ensinamentos”.34

Já Paulo Fujioka, ao tratar da presença de arquitetos estrangeiros no cenário cultural brasileiro, afirma que “Richard Neutra percorreu o Brasil como consultor da Organização das Nações Unidas no início dos anos 1950”.35 Afirmação esta

um tanto intrigante, pois a pesquisa revelou, como será visto com mais detalhes nos Capítulos 1 e 2, que Richard Neutra visitou o Brasil em 1945, 1957, 1958 e 1959 – vale destacar que o foco do mestrado que aqui se apresenta foi buscar indícios da presença de Neutra no Brasil e, por isso, não foram pesquisadas a

32. SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke, p.24.

33. A arquiteta Adriana Irigoyen deixou aos cuidados do professor Abilio Guerra parte o material utilizado no desenvolvimento de sua tese de doutorado. Tal acervo foi catalogado, tornando possível uma maior aproxima-ção com o tema.

34. IRIGOYEN TOUCEDA, Adriana Marta. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960, p. 135.

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37 fundo viagens para outros países da América Latina, como, por exemplo, a Ve-nezuela, onde foi construído o projeto da casa Gonzales-Gorrondona (1962).36

Sendo assim, é possível chegar a duas conclusões sobre a afirmação de Fujioka. A primeira é que a viagem referida no texto seja, na verdade, aquela de reco-nhecimento pela América do Sul – momento em que, de fato, Neutra percorreu o Brasil – em 1945 (e não no início da década de 1950, conforme consta no texto), à cargo do governo dos Estados Unidos. Ou ainda, que Fujioka está se referindo às viagens realizadas em 1957 e 1958 para atender às conferências organizadas pelas Nações Unidas, e que também aconteceram no Brasil (assun-to este que será tratado no Capítulo 3).

Marcos Acayaba, no livro sobre sua obra amplamente baseado em sua tese de doutorado defendida na FAU USP em 2005 sob orientação de Paulo Bruna, ao comentar um projeto de casa de praia em Peruíbe, afirma:

“Fiz um projeto muito simples, usando o que já sabia, o que tinha vis-to e gostado. Me esmerei na proteção solar através de brises compos-tos por grandes beirais conjugados a paredes transversais, aplicando o que tinha aprendido em física na FAU. Decidi usar materiais novos, que acabara de conhecer, visitando obras de arquitetura: blocos de concreto e canaletas Eternit na cobertura. Evidentemente, o desenho da casa tem a arquitetura de Richard Neutra como referência. Tinha comprado pouco antes meu primeiro livro de arquitetura, Arquitetura social, com seus projetos para Porto Rico”.37

36. LAMPRECHT, Barbara Mac. Op. cit, p.415.

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Sabrina Bom Pereira, em sua dissertação de mestrado sobre a obra do arquite-to Rodolpho Ortenblad Filho orientada por Abilio Guerra e defendida na FAU Mackenzie em 2010, demonstra a enorme influência da obra de Neutra não só sobre o arquiteto objeto de seu interesse, mas sobre outros arquitetos, como aparece nos depoimentos de Pedro Paulo de Mello Saraiva e Jorge Wilheim. Saraiva aponta para a enorme presença de Neutra na obra do Bratke maduro, enquanto Wilheim narra sua participação na edição do livro sobre a obra de Neutra produzida pelo Masp.38

É totalmente contextualizada, portanto, a publicação da residência Joseph Staller, de Richard Neutra, na revista Acrópole (n. 230, dez. 1957), conforme menciona Bom Pereira. Muito antes desta publicação, porém, Neutra já havia sido publicado pela revista Pilotis, editada por um grupo de alunos da arquitetu-ra da Universidade Mackenzie – Salvador Candia, Carlos Millan, Jorge Wilheim, Paola Tagliacozzo, Roberto Carvalho Franco e Sidney da Fonseca –, conforme mostra Eduardo Ferroni em sua dissertação de mestrado, orientada por Regina Meyer e defendida na FAU USP em 2008.39 A empolgação que o contato

dire-to com Neutra provocou nos jovens mackenzistas transpira no texdire-to publicado como apresentação do projeto:

“pelo exemplar de Pilotis que lhe enviamos, Neutra prontamente res-pondeu com uma gentilíssima carta acompanhada de vinte fotogra-fias de Julius Schumann mostrando duas de suas últimas residências – uma das quais inédita – pondo-as à disposição da revista. Pilotis sente-se na obrigação de registrar aqui esse fato, para dizer da co-moção causada pela significância do gesto”.40

As relações de Neutra com os estudantes e arquitetos vinculados à escola de ar-quitetura brasileiras, em especial a da Universidade Mackenzie, são numerosas e tudo leva a crer que muitas delas ainda estão por ser documentadas, como leva a crer o artigo escrito pela autora dessa dissertação em parceria com seu orientador Abilio Guerra e publicada na revista Arquitextos em 2013:

38. PEREIRA, Sabrina Bom. Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residências, p. 221 e 225, respectiva-mente.

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39 “um pequeno texto inédito de autoria de Richard Neutra – encontrado na Biblioteca da University of California de Los Angeles (UCLA) – é prova cabal do seu interesse não só pelo país, mas também no esta-belecimento de uma interlocução ampla com os arquitetos brasileiros, a quem dedica palavras entusiasmadas. Na segunda parte do texto, comenta um projeto específico do arquiteto Jacob Ruchti”.41

Outro trabalho de grande importância que trata de alguma forma sobre a in-fluência de Richard Neutra entre os brasileiros é a dissertação de mestrado A obra do arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé: projeto, técnica e racionalização, de autoria do arquiteto André Marques, orientada por Abilio Guerra e defendida na FAU Mackenzie em 2012. Aqui, ao estudar as técnicas e processos projetuais desenvolvidos por Lelé, Marques traça a forte relação entre eles:

“Ao observarmos mais de perto as obras dos dois arquitetos, não é difícil notar as lições deixadas por Neutra na formação de Lelé (...). Importante notar a preocupação de Neutra com regiões ainda não urbanizadas, muitas vezes esquecidas pelos poderes públicos. Essa preocupação aproxima Neutra da realidade brasileira, que possui boa parte do seu território em zonas rurais ou periferias não urba-nizadas. E Lelé tem sua atuação nessas áreas periféricas ou rurais, construído aí escolas, posto de saúde e hospitais”.42

André Marques salienta também os vários aspectos projetuais e estratégias cli-máticas presentes da Escola Rural de Abadiânia, de autoria de João Filgueiras Lima, são tributários dos ensinamentos de Richard Neutra presentes nas escolas projetadas para Porto Rico. Estes mesmos aspectos são ponto de partida para comparação equivalente feita por Claudia Loureiro e Luiz Amorim, em artigo publicado na revista Arquitextos em 2002:

41. GUERRA, Abilio; CRITELLI, Fernanda. Richard Neutra e o Brasil.

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“Um exemplo significativo da influência da arquitetura de Neutra na arquitetura brasileira está no Instituto de Educação de Pernambuco, localizado no centro do Recife, projeto dos arquitetos Marcos Domin-gues da Silva e Carlos Falcão Correia Lima, ganhadores de concurso público nacional, realizado em 1956”.43

Carlos Faggin, em sua tese de doutorado – orientada por Marlene Yurgel e defendida na FAU USP em 1992 –, apresenta também as questões ambientais como motivação para uma influência de Neutra na obra de Carlos Millan, seu objeto de estudo:

“A ligação de Millan e seus companheiros da Pilotis e do escritório da Sete de Abril com Neutra foi grande. Transcende o próprio relaciona-mento profissional e pode ser lida nos projetos desse primeiro perío-do de atividade profissional. As escolas e residência de Millán nesse primeiro período contém uma profunda influência de Neutra e sua arquitetura social, desde os partidos de projeto, passando pela preo-cupação com a insolação e ventilação e terminando no detalhamen-to, que considerava como dado fundamental à pouca especialização da mão-de-obra do interior de São Paulo”.44

43. LOUREIRO, Claudia; AMORIM, Luiz. Por uma arquitetura social: a influência de Richard Neutra em prédios escolares no Brasil. Arquitextos, São Paulo, n. 02.020, Vitruvius, jan. 2002.

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NEUTRA E O BRASIl: A DISSERTAçãO

No projeto de pesquisa encaminhado para a Fapesp em 2013 fica evidente o objetivo original da presente dissertação:

“Neste contexto de interlocução entre arquitetos brasileiros e norte -americanos, o presente trabalho tem como objetivo documentar os passos do arquiteto Richard Neutra no Brasil, sua participação em eventos e exposições, as publicações de seus trabalhos aqui realiza-das e o contato feito com os grandes nomes da arquitetura moderna e os intelectuais da área: em São Paulo, com Gregori Warchavchik, Jorge Wilheim, Rodolpho Ortenblad Filho, Flávio Motta, Pietro Maria Bardi, Carlos Millan, Jacob Ruchti. No Rio de Janeiro, com Henrique Mindlin, Marcelo Fragelli, Roberto Burle Marx, Sergio Bernardes, Lú-cio Costa e Oscar Niemeyer, dentre outros”.45

A intenção em “documentar os passos do arquiteto Richard Neutra no Brasil” justifica o foco constante – desde o início do trabalho, do período da Iniciação Científica, até sua conclusão – no levantamento de documentação primária e secundária em diversos acervos brasileiros e estrangeiros: Museu de Arte de São Paulo – Masp, Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, Biblioteca Mário de Andrade em São Paulo, bibliotecas universitárias da USP, Mackenzie, Faap e São Judas, além dos acervos pessoais da família Warchavchik – mantido por seu neto, Carlos Warchavchik, e cujo responsável é o arquiteto Paulo Mauro Mayer de Aquino –, de Jacob Ruchti – disponibilizado por sua filha, Valéria Ruchti –, do escritório de Roberto Burle Marx – mantido pelo arquiteto Haruyoshi Ono e cuja responsável é a arquiteta Isabela Ono – e da arquiteta Adriana Irigoyen – cujo material recolhido para sua tese de doutorado Da Califórnia a São Paulo (FAUUSP, 2005) nos foi disponibilizado. Além disso, com a ajuda da Embaixado-ra da Suíça em Cuba, Anne Pascale KEmbaixado-rauer Müller, e de seu Conselheiro, Roger M. Kull, foi possível visitar a casa Schulthess em Havana. Projetada por Neutra em 1956 e com paisagismo assinado por Roberto Burle Marx, é hoje a residên-cia da Embaixadora. O contato preliminar feito com Simon Elliott, responsável pelo acervo de Neutra depositada na Universidade da Califórnia em Los An-geles, tornou possível um primeiro levantamento da documentação, ocorrido remotamente a partir de comunicação digital. Elliott foi também o intermediário

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do contato entre pesquisadora e orientador com Raymond Neutra, filho mais novo do arquiteto austríaco. A relação possibilitou o acesso a alguns dados re-ferentes a visitas do pai ao Brasil e América Latina, como também a publicação na revista Arquitextos, em julho de 2013, de um artigo sobre a passagem de Neutra sênior por Porto Rico.46

Dentre as lacunas presentes nos diversos trabalhos que tratam de Neutra e suas relações com o Brasil, a mais recorrente é sobre o envolvimento de Neutra com o governo dos Estados Unidos, questão em geral tratada de forma ligeira ou simplesmente negligenciada. No estabelecimento do estado da arte presente em trabalhos acadêmicos não foi possível estabelecer de forma mais clara e precisa o significado da presença de Neutra dentre nós do ponto de vista oficial norte -americano. Entendeu-se aqui que isso só seria possível a partir do estabeleci-mento de um panorama histórico onde estivesse presente a política externa nor-te-americana, em especial aquela implantada durante a presidência de Franklin Roosevelt, voltada aos demais países do continente. Nesse sentido, houve uma ampliação do foco original do trabalho – mais preocupado com a documenta-ção dos passos do arquiteto Richard Neutra no Brasil –, que passou a considerar com essencial documentar este vínculo oficial para entender a relação do arqui-teto austríaco com o Brasil e com própria América Latina.

A solicitação de auxílio complementar feita à Fapesp – Bolsa de Estágio de Pes-quisa no Exterior –, foi feita com intenção explícita de compreender a lógica do ambiente cultural original que motivou e condicionou a vinda de Neutra ao Bra-sil:

“O objetivo deste estágio de pesquisa no exterior é a complementa-ção do trabalho de mestrado em desenvolvimento, Richard Neutra e o Brasil (que conta com apoio da Fapesp), através do contato com pesquisadores da arquitetura latino-americana como Fernando Lara e Christopher Long, bem como a participação no grupo de pesquisa Latin American Modern Architecture (LAMA). Além disso, durante esse período, será realizada minuciosa pesquisa na Benson Latin American Collection dentro da Universidade do Texas em Austin, selecionando bibliografias sobre arquitetura, cultura, arte e sociedade que contri-buirão para o desenvolvimento da pesquisa de mestrado.

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43 O contato com o material documental e bibliográfico disponível pos-sibilitará no avanço de uma questão que precisa ser aprofundada: as circunstâncias institucionais – motivos, interesses, personagens, diretrizes, decisões, encaminhamentos etc. – que envolvem a vinda de Richard Neutra ao Brasil. Sabe-se de forma genérica participação do governo americano nas missões culturais na América Latina, mas ain-da não se tem documentaain-da a vinain-da específica de Neutra”.47

A bolsa aprovada com duração inicial de 4 meses – depois encurtada pela pes-quisadora para 3 meses, por problemas burocráticos – possibilitou a pesquisa junto ao Teresa Lozano Long Institute of Latin American Studies (LLILAS Benson) da University of Texas at Austin – com a supervisão e orientação do professor Fernando Lara – com a intenção de delinear a relação entre os Estados Unidos e a América Latina, não apenas em seus termos políticos, mas principalmente no que diz respeito ao olhar estrangeiro sobre nossa cultura, arte, arquitetura e sociedade. Ou seja, as propostas de aproximação cultural promovidas pela Polí-tica da Boa Vizinhança.

Além desta pesquisa em Austin, com a ajuda de Dion e Raymond Neutra (filhos de Richard Neutra) e Simon Elliott (responsável pelo acervo de Neutra, que já vi-nha colaborando com a pesquisa), foi possível consultar o acervo Neutra Collec-tion na Library of Special CollecCollec-tions da UCLA. Nele, foram coletados documen-tos (correspondências, telegramas, artigos, recortes de jornais, etc.) e desenhos que comprovam a relação de Richard Neutra com o governo dos Estados Uni-dos, com os arquitetos e universidades latino-americanas, com os arquitetos e personalidades brasileiros e, em especial, com o paisagista Roberto Burle Marx. Nesta viagem, foi também possível conversar pessoalmente com Dion Neutra – em sua casa projetada pelo pai, em Silverlake, em uma rua que hoje recebe o nome Neutra Place – e com o historiador e professor da UCLA, Thomas Hines – em sua casa, uma das três unidades do Kelton Apartments (1942) projetados por Neutra em Westwood.

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Após a reunião de todas estas informações – obtidas nas várias fases de pes-quisa, desde a iniciação científica até a viagem aos Estados Unidos – optou-se por estruturar o trabalho na seguinte ordem: partindo do âmbito mais geral da América Latina, a dissertação passará a ter foco especial no Brasil, para termi-nar com a apresentação do caso particular da relação de Neutra com o brasilei-ro Roberto Burle Marx, único contato que resultou em obra construída.

Assim, o Capítulo 1 discutirá o contexto histórico em que esta relação se deu. Num primeiro momento, o objetivo será compreender a relação Estados Uni-dos-Brasil em seus termos políticos e seus efeitos no campo da arte e da arqui-tetura. A partir daí, ficam estabelecidas as bases que levaram Neutra primeiro à Porto Rico depois para a América do Sul, respectivamente em 1944 e 1945. Por fim, este capítulo apresentará dois textos, publicados na revista norte-americana Progressive Architecture, que mostram o interesse de Richard Neutra pela paisa-gem, cultura e arquitetura latino americana.

O Capítulo 2 tratará da relação específica de Neutra com os brasileiros. Usando como base as correspondências e documentos coletados em diversos acervos, em especial os da Neutra Collection da UCLA, o objetivo deste capítulo é ma-pear de forma abrangente os contatos pessoais estabelecidos no Brasil e o inte-resse de nossos arquitetos em conhecer e estudar as obras do mestre austríaco/ norte-americano. Neste contexto, ganham relevância as outras três viagens con-secutivas feitas ao Brasil: em 1957, quando visitou o Rio de Janeiro; em 1958, período em que voltou ao Rio e visitou Brasília ainda em construção; e em 1959, quando participou do Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte ocorrido em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

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lISTA DE IMAGENS APRESENTAçãO

Imagem 1 - Richard Neutra, auto-retrato, 1917. Fonte: HINES. Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.43. Imagem 2 - Richard Joseph Neutra (1872-1970). Fonte: <www.docomomo-noca.org/architects/neutra-richatrd/>

Imagem 3 - Travel Sketch, Bérgamo, 1913. Fonte: Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.24.

Imagem 4 - Fotografia de Lux e Ernest Freud tirada por Richard Neutra. Fonte: Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.53. Imagem 5 - Travel Sketch, Trebinje, 1915. Fonte: Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.40.

Imagem 6 - Adolf Loos (1870-1933). Fonte: <http://www.jbdesign.it/idesignpro/Adolf%20Loos.html> Imagem 7 - Eric Mendelsohn (1887-1953). Fonte: COBBERS, Arnt. Mendelsohn, contracapa.

Imagem 8 - Richard e Dione Neutra, 1922. Fonte: Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.56. Imagem 9 - Frank Lloyd Wright (1867-1959). Fonte: <www.franklloydwright.org/about/Timeline.html>

Imagem 10 - Richard e Dione Neutra na Taliesen junto à Frank Lloyd Wright e seus aprendizes, 1924. Fonte: HINES. Thomas S. Richard Neutra and the Search for Mo-dern Architecture, p.74.

Imagem 11 - Frank Lloyd Wright e Richard Neutra, Taliesen, 1924. Fonte: HINES. Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.72. Imagem 12 - California Calls You, 1921. Fonte: Acervo The Dolph Briscoe Center for American History, Universidade do Texas em Austin.

Imagem 13 - Rudolph Schindler junto à Richard, Dione e Dion Neutra, Los Angeles, 1928. Fonte: HINES. Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architec-ture, p.78.

Imagem 14 - Casa King’s Road, Rudolph Schindler, 1921-22. Fotografia de André Marques, dez/2014.

Imagem 15 - Edifício para a Liga das Nações, proposta de Neutra e Schindler, 1926. Fonte: HINES. Thomas S. Richard Neutra and the Search for Modern Architecture, p.90.

Imagem 16 - Casa Llovel, 1927. Fotografia de André Marques, dez/2014. Imagem 17 - Casa Llovel, 1927. Fotografia de André Marques, dez/2014.

Imagem 18 - Escola Corona, 1935. Fonte: LAMPRECHT, Barbara Mac. Richard Neutra: complete works, p.112. Imagem 19 - Escola Emerson, 1937-38. Fonte: LAMPRECHT, Barbara Mac. Richard Neutra: complete works, p.141. Imagem 20 - Escola Emerson, 1937-38. Fotografia de André Marques, dez/2014.

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49 Imagem 1 - Josep Lluis Sert (1902-1983).

Imagem 2 - Perspectiva Cidade dos Motores.

RElAçãO ESTADOS UNIDOS – BRASIl

Durante e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, a arquitetura norte -americana passou a receber forte estímulo e patrocínio governamental.1 Os

es-forços de reconstrução pós-guerra e de consolidação da hegemonia dos Estados Unidos frente ao continente americano envolveram a participação de grupos como o CIAM e o AIA (American Institute of Architects) e de arquitetos interna-cionalmente conhecidos como, por exemplo, José Luis Sert, Paul Lester Wiener e Richard Neutra, dentre outros. Estes três arquitetos em especial estiveram envol-vidos com propostas do Departamento de Estado norte-americano para solucio-nar problemas econômicos e sociais que pudessem ser portas de entrada para o comunismo no hemisfério ocidental. Após a derrota do nazismo, a política norte -americana se volta contra a expansão da influência dos ex-aliados soviéticos.

José Luis Sert e Paul Lester Wiener, sócios no escritório Town Planning Associates entre 1942 e 1959,2 tiveram grande importância em consultoria e planejamento

de cidades na América Latina, como é o caso da Cidade dos Motores no Brasil.3

Projeto de 1942 para a Fábrica Nacional de Motores – e que seria implantado na baixada fluminense, entre o Rio de Janeiro e Petrópolis4 –, fora fruto de uma

operação política norte-americana de aproximação com os países da América do Sul dadas as vitórias nazistas e o medo de sua expansão na América. In-dicado por seu sogro e Secretário do Tesouro no governo de Roosevelt, Henry Morgenthau, Wiener seria nomeado Conselheiro no campo cultural de planeja-mento arquitetônico para a América Latina do Departaplaneja-mento de Estado.5 Assim,

juntamente com Sert, viajaram pelos países ao sul do rio Grande e lá estabele-ceram contatos e trabalharam em projetos de planejamento urbano.

1. HINES, Thomas S.; DREXLER, Arthur. The architecture of Richard Neutra: from International Style to California modern, p. 20.

2. J.L. Sert: A nomadic dream. <http://www.jlsertfilm.com/about/>

3. COSTA, Alcilia Afonso de Albuquerque. As contribuições arquitetônicas habitacionais propostas na Cidade dos Motores (1945-46). Town Plannings Associates. Xerém, RJ. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 124.01, Vitru-vius, set. 2010 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.124/3575>.

4. Idem, ibidem.

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51 Página anterior:

Imagem 3 - Perspectiva Centro Cívico, Cidade dos Motores. Nesta página:

Imagem 4 - Carta de Santiago Iglesias Jr. (Puerto Rico Planning, Urba-nizing and Zoning Board) para Richard Neutra, 1945.

“Brasil era para ser o primeiro país de destino na América do Sul, e Sert e Lester seriam seus visitantes, encarregados de espalhar a ‘boa notícia’. (...) A viagem deve ter dado uma boa impressão em certos círculos universitários brasileiros, como pode ser deduzida a partir das cartas que Lester recebeu regularmente daquele país. A prática continuou a ser incentivada pelo Departamento de Estado norte-ame-ricano ao longo de 1943, o ano em que Lester escreveu um opúsculo com o título inequívoco: Uma nova era cultural as Américas”.6

Já a relação de Richard Neutra com o governo norte-americano, que remonta ao início da década de 1930, quando se dedica aos projetos de escolas e habi-tações sociais comentados na Apresentação, se consolidou com a sua contrata-ção como consultor do Committee on Design of Public Works de Porto Rico e sua posterior viagem de reconhecimento pela América do Sul. Neste sentido, para que o assunto da relação de Neutra com os latino-americanos – e, em especial, com o Brasil – seja melhor compreendido, a discussão terá início no esclareci-mento do que foi a política externa adotada por Franklin Roosevelt para as re-públicas irmãs do continente americano.

Quando o assunto em questão procura discutir o relacionamento entre os Es-tados Unidos e os demais países do continente americano, o polêmico termo imperialismo estará inevitavelmente presente. Definido basicamente como “um conceito multifacetado nas relações internacionais que se refere à extensão for-çada do controle de uma nação sobre outras sociedades”,7 é, em geral, tido

como uma atitude predatória de um Estado economicamente mais consolidado sobre outro ainda em desenvolvimento. No entanto, neste trabalho optou-se por relativizar a briga “vilão versus vítima” em prol de uma análise que contemple também os ganhos com o intercâmbio cultural que o jogo político inter-ameri-cano proporcionou. Ou seja, o imperialismo aqui será tratado segundo a ótica adotada pelo historiador Antonio Pedro Tota8 – em seu caráter sedutor, onde os

6. “Brazil was to be the first country of destination in South America, and Sert and Lester were to be its visitors, charged with spreading the “good news”. (...) The trip must have made quite an impression in certain Brazilian university circles, as can be deduced from the letters that Lester regularly received from that country. The practice continued to be encouraged by the north American Department of State throughout 1943, the year in which Lester wrote an opuscule with the unequivocal title: Uma nova era cultural para as Américas (A new cultural era for the Americas)”. Tradução da autora. Idem, ibidem, p. 114.

7. “a multifaceted concept in international relations that refers to a nation’s forcible extension of its control over other societies”. Tradução da autora. DENT, David W. Historical dictionary of U.S.-Latin American relations, p. 237.

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53 Imagem 6 - Doutrina Monroe.

interesses políticos, econômicos e diplomáticos do império do norte se faziam valer com contrapartidas reais para os aliados mais pobres.

No início do século XIX, o presidente norte-americano James Monroe, em seu discurso anual para o Congresso, anunciou a adoção de uma política protecio-nista em relação ao hemisfério ocidental9 baseada em sua própria experiência

colonial de proteção das bordas contra forças europeias.10 Assim, a Doutrina

Monroe – como ficou posteriormente conhecida – colocava a América fora da zona de influência política da Europa11:

“Em primeiro lugar, o princípio da não-colonização afirmou que o hemisfério estava fechado para novas colonizações, em particular os esforços dos movimentos britânicos e russos para construir novas colônias na costa noroeste da América do Norte. Em segundo lugar, a Doutrina Monroe estabelecia a doutrina da não-intervenção, com base no receio de que as potências européias poderiam tentar recolo-nizar a América Latina para a Espanha. Em terceiro lugar, a Doutrina Monroe declarou uma versão do isolacionismo em que os Estados Unidos se comprometeram a ficar fora de conflitos europeus se a Eu-ropa fizesse o mesmo no hemisfério ocidental”.12

9. DENT, David W. Op. cit, p. 301.

10. LEONARD, Thomas M. United States-Latin American relations, 1850-1903, p. 1. 11. Idem, ibidem, p. 2.

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Apesar desta política se basear em um discurso altruísta, a verdade é que o mercado interno norte-americano estava saturado e o país precisava buscar ou-tros consumidores e fornecedores. Se a Europa já representava uma grande par-cela da sua exportação, por outro lado dominava os mercados da Ásia e Áfri-ca13, restando ao Estados Unidos olhar para seus vizinhos ao sul do rio Grande.

Imbuído de uma leitura marxista-socialista14, o autor russo Anaioly Glinkin

afir-ma que o monopólio dos Estados Unidos frente aos latino-americanos

“transformou os Estados da região em fornecedores de matérias-pri-mas e produtos agrícolas para os mercados mundiais. O Brasil, por exemplo, tornou-se o país do café, a América Central era conhecida como a República das Bananas e Cuba era referida como o açucarei-ro do mundo. Ao mesmo tempo, as potências capitalistas desenvol-vidas aumentaram significativamente o uso da força armada contra os Estados da região, a fim de obter o controle deles e obrigá-los a assinar tratados desiguais”.15

Ou seja, conforme afirma Fernando Atique, embora a política externa america-na se colocasse apeamerica-nas como protecionista em relação à expansão territorial e de influência da Europa no continente americano, “em certas ocasiões, os Esta-dos UniEsta-dos poderiam passar de defensores a exploradores do continente, dando nova interpretação à Doutrina”.16

Aqui vale um parênteses para explicar a denominação dos territórios america-nos. Os Estados Unidos, em sua demonstração de superioridade e, consequen-temente, modelo a ser seguido pelo restante do continente, definia por América “aquilo de mais bem acabado em termos de política, religião e cultura – seu próprio país”.17 No entanto, não foram os yankees que inventaram o termo

América Latina. A ideia de América Latina surgiu de uma tentativa francesa em exercer influência entre os povos de origem latina – ou seja, de descendência

13. Idem, ibidem, p. 5.

14. GLINKIN, Anaioly. Inter-American relations: from Bolívar to the present, p. 10-11.

15. “turned the states of the region into suppliers of raw materials and agricultural products for the world marke-ts. Brazil, for example, became a coffee country, the Central American states were known as Banana Republics and Cuba was referred to as the sugar bowl of the world. At the same time the developed capitalist powers sharply increased the use of armed force against the states of the region in order to get control of them and force them into signing unequal treaties”. Tradução da autora. Idem, ibidem, p. 47.

16. ATIQUE, Fernando. Arquitetanto a “Boa Vizinhança”: Arquitetura, Cidade e Cultura nas relações Brasil-Esta-dos UniBrasil-Esta-dos 1876-1945, p. 36.

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55 Página anterior:

Imagem 7 - Franklin Roosevelt (1882-1945).

Imagem 8 - Eleição de Franklin Roosevelt para presidência dos Esta-dos UniEsta-dos, 1933.

Nesta página:

Imagens 9 e 10 - Cartaz do governo norte-americano. Works Progress Administration – WPA.

francesa, italiana, espanhola e portuguesa – na América, como forma de se opor ao avanço anglo-saxão.18 Tanto Simon Bolívar quanto José Marti

defen-diam uma união das ex-colônias ibéricas ainda no século XIX, mas foram os intelectuais franceses que deram vida ao termo América Latina. Assim, a conso-lidação do uso americanos para denominar os Estados Unidos e América Latina para os demais territórios ao sul do Rio Grande marcava, de um lado, um dis-tanciamento entre eles e, de outro, uma possivel identidade comum dos países de língua latina.19

Ora, este distanciamento se tornara mais agravante quando, com o fim da Primeira Guerra Mundial e a posterior crise gerada pela queda da Bolsa de Va-lores de Nova York em 1929, os Estados Unidos enfrentavam duas novas amea-ças: a depressão econômica e o avanço do nazismo pela Europa. Em ambos os casos, na tentativa de proteger o continente, os norte-americanos precisariam reverter a imagem de mau vizinho que tinham naquele momento, em uma ten-tativa de diminuir o distanciamento entre eles e o restante da América. Neste sentido, a figura de Franklin D. Roosevelt surgiu, em 1933, com a promessa de uma política intervencionista do Estado na economia que iria reerguer a nação. Mas, para que esta política do New Deal – como ficou conhecida – tivesse êxito na geração de empregos, o país deveria mais uma vez olhar com atenção para seus vizinhos do sul para ampliar o mercado consumidor.

“A recuperação dos Estados Unidos da depressão econômica na dé-cada de 1930 exigiu a expansão dos mercados externos para pro-dutos manufaturados, bem como crescentes suprimentos de matérias -primas e novos caminhos para investimentos”.20

18. Idem, ibidem, p. 25-26. 19. Idem, ibidem, p. 26-27.

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Imagem 11 - Las Américas unidas para la victoria y el progresso humano.

E, para garantir a integridade do continente americano frente à ameaça nazista – ou seja, para garantir a soberania norte-americana em detrimento da euro-péia –, o presidente Roosevelt apostou em uma política de aproximação cultural e solidariedade econômica. Com a Política da Boa Vizinhança, os Estados Uni-dos estariam, portanto, deixando de lado a agressividade característica do Big Stick e anunciando um esforço de cooperação hemisférica e a promessa de não -intervenção. No entanto, isto não significou que eles não iriam defender seus interesses econômicos na América Latina.21 O tom parecia ter abrandado, mas

as bases continuavam apoiadas na Doutrina Monroe.

“Os métodos mudaram, mas os objetivos permaneceram os mesmos: minimizar a influência européia na América Latina, manter a lideran-ça norte-americana e encorajar a estabilidade política do continente. [...] Impedido, por razões de política interna, de atuar no tabuleiro europeu, o governo Roosevelt concentrou seus esforços na América Latina, procurando aqui os recursos políticos e materiais que consti-tuissem uma base sólida para os futuros movimentos no xadrez uni-versal”.22

No entanto, ainda segundo afirma Gerson Moura, até o final da década de 1930, o governo dos Estados Unidos ainda não tinha uma ideia clara das for-mas de agir desta Política da Boa Vizinhança. Sabia-se que uma atitude de soli-dariedade continental demandava programas de assistência econômica, mas as diversas agências governamentais – Departamento de Estado, Tesouro e Exim-bank (Export-Import Bank of the United States) – adotavam medidas diferentes e, por isso, frequentemente entravam em conflito.23 Por fim, em maio de 1938, o

secretário de Estado norte-americano Cordell Hull reorganizou a Divisão das Re-públicas Americanas dentro do Departamento de Estado, absorvendo as antigas Divisões da América Latina e do México.24

21. DENT, David W. Op. cit, p. 197-198.

22. MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana, p. 18-19. Segundo afirma An-tonio Pedro Tota, desde o final da Primeira Guerra Mundial os Estados Unidos optaram por não se envolverem com a política europeia. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra, p. 42.

23. MOURA, Gerson. Brazilian foreign relations 1939-1950: the changing nature of Brazil-United States relations during and after the Second World War, p. 53-54.

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57 É importante ressaltar que dois países eram vistos com especial atenção pelo governo norte-americano: México e Brasil. No primeiro caso, além da óbvia questão de fazer fronteira com os Estados Unidos, havia o interesse na extração de petróleo e borracha – produtos importantes para o período de guerra – e na possibilidade de mão de obra barata.25 Já no caso brasileiro, o país

desem-penhava uma posição política influente frente à América do Sul e esta aliança poderia garantir a hegemonia norte-americana na região.26 Além disso, a costa

brasileira – por sua dimensão e posicionamento no Oceano Atlântico – repre-sentavam um ponto estratégico para defesa do continente contra uma possível investida nazista vinda da África.27

Mas não era apenas com a expansão territorial alemã que os Estados Unidos se preocupavam. Grande parte das repúblicas latino-americanas eram governadas por líderes com tendências autoritárias, fato considerado um ponto frágil, uma porta aberta para a influência do totalitarismo europeu, em especial do nazis-mo.

“Para muitos observadores nos Estados Unidos, a América Latina parecia sensível a uma penetração, ou até mesmo invasão, política, cultural e econômica da Alemanha nazista. Poucos observadores nos Estados Unidos confiavam na firmeza de governos latino-americanos quando se tratava de resistir às seduções da Alemanha nazista e de seus aliados fascistas. A democracia não havia se enraizado na maio-ria dos países ao sul do Rio Grande e, mesmo que os sábios analistas fizessem distinção entre o estilo latino autoritário e as marcas mais recentes de totalitarismo europeu, eles ainda os tinham como bastan-te compatíveis em bastan-termos de práticas políticas”.28

25. PAQUETTE, Catha. Soft power: the art of diplomacy in US-Mexican relations, 1940-1946, p. 145. In: CRA-MER, Gisela; PRUTSCH, Ursula. ¡Américas unidas! Nelson A. Rockefeller’s Office of Inter-American Affairs (1940-46).

26. McCANN JR, Frank D. Op. cit, p. 7. 27. Idem, ibidem, p. 213.

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Imagem 12 - Getúlio Vargas (1882-1954).

Imagem 13 - Eleanor Roosevelt autografando a pele de uma cobra em Natal, 1944.

Próxima página:

Imagem 14 - Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt no Rio de Janei-ro, 1936.

No caso do Brasil não foi diferente. O governo de Getúlio Vargas (1930-1945) caracterizou-se por uma dualidade entre as duas potências29: ao mesmo tempo

em que assinávamos o Tratado de Reciprocidade com os Estados Unidos (1935), negociávamos o Acordo de Compensação com a Alemanha (1934 e 1936).30 E,

apesar deste fato retratar tudo aquilo pelo qual Roosevelt lutava contra, segun-do afirma o historiasegun-dor Antonio Pedro Tota, a crescente ameaça de um conflito mundial guiava as decisões do governo norte-americano de forma a evitar reta-liações.31 Mesmo após o Golpe de 1937, momento no qual Vargas instaurou a

ditadura, Roosevelt manteve seu apoio ao governo, afinal a “estabilidade brasi-leira era essencial para os planos de defesa dos Estados Unidos bem como para os acordos comerciais”.32

Em 1940, com a Segunda Guerra em curso na Europa, Franklin Roosevelt con-cluiu que era necessário intensificar as relações interamericanas para garantir a defesa do continente. E, para isso, acreditava-se que a aproximação cultural era o método garantido para se obter, de forma indireta, influência nestes países.33

Assim, em agosto daquele ano, e sob muita resistência do Departamento de Estado34, foi criada, em caráter emergencial, uma agência que coordenaria as

políticas voltadas à América Latina: Office of Inter-American Affairs (OIAA), que mais tarde ficaria conhecido como Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA).35

29. MOURA, Gerson. Brazilian foreign relations 1939-1950: the changing nature of Brazil-United States relations during and after the Second World War, p. 68.

30. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil, p. 250-251. 31. TOTA, Antonio Pedro. O amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil, p. 79.

32. “Brazilian stability was essential to the hemispheric defense plans of the United States and to American tra-de”. Tradução daautora. McCANN JR, Frank D. Op. cit, p. 8.

33. LUBKEN, Uwe. Playing the cultural game: the United States and the Nazi threat to Latin America, p. 60. In: CRAMER, Gisela; PRUTSCH, Ursula. ¡Américas unidas! Nelson A. Rockefeller’s Office of Inter-American Affairs (1940-46).

34. Em julho de 1938, também com o objetivo de obter apoio dos países vizinhos no inevitável envolvimento com o conflito europeu, o Departamento de Estado norte-americano criou a Divisão de Relações Culturais. Esta nova Divisão propôs levar intelectuais latino americanos aos Estados Unidos e ajudá-los a estabelecer conexões pessoais e institucionais em solo norte-americano. Um exemplo deste intercâmbio foi o convite estendido ao então jovem escritor Érico Veríssimo de viajar pelos Estados Unidos entre janeiro e abril de 1941, com o objetivo de se encontrar com políticos e empresários e de ministrar palestras sobre a literatura e sociedade brasileiras. Sobre o assunto, ver: SMITH, Richard Cândida. Érico Veríssimo, a Brazilian Cultural Ambassador in the United States. Revista Tempo, vol.17, n.34, jan-jun 2013, p.147-173. A menção a essa participação do literato foi feita por Ruth Verde Zein por ocasião da banca final de defesa do presente trabalho.

Referências

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