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SUMÁRIO

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.2 PATRIMÔNIO CULTURAL

2.2.1 Legislação do Patrimônio Cultural

A preocupação com o patrimônio cultural surgiu após a Primeira Guerra Mundial, momento em que as nações afetadas precisaram reconstruir suas cidades e recuperar seus bens danificados. Estimulados pela necessidade de definir normas, procedimentos, posturas e conceitos - globais ou locais -, representantes dos países europeus juntaram-se para formular a primeira Carta Patrimonial – A Carta de Atenas.

Esta iniciativa progrediu para outros encontros, dos quais participaram mais países e órgãos não governamentais (como a UNESCO), resultando em novas cartas30 com orientações e

30

Utilizando-se os buscadores online, encontra-se na internet as cartas patrimoniais e algumas recomendações, manifestos e compromissos similares

recomendações que, somadas às leis atuais, norteiam as ações junto aos bens culturais (CURY, 2004).

Mesmo não sofrendo reflexos diretos do pós-guerra, as questões patrimoniais no Brasil começaram a ser discutidas com mais ênfase e, em 1937, foi criado o SPHAN (hoje denominado IPHAN) por um grupo de artistas e intelectuais modernistas brasileiros.

Atualmente esta autarquia, vinculada ao Ministério da Cultura, realiza um constante serviço de fiscalização, proteção, identificação, restauração, preservação e revitalização dos monumentos, bens móveis e sítios históricos nacionais - seguindo o princípio normativo presente no Artigo 216 da Constituição, citado anteriormente (IPHAN, 2012; BRASIL, 1988).

O lema da autarquia é: o IPHAN não preserva o passado, trabalha com o que precisa fazer parte do futuro, de forma com que o patrimônio seja qualificado e reintegrado aos atributos e potenciais de desenvolvimento dos países, cidades e sociedades, ampliando a autoestima dos moradores locais, conferindo valor ao bem e seu entorno, distinguindo e identificando a região na qual está inserido (IPHAN, 2012).

O IPHAN tem como sua principal referência legal o Decreto-Lei no 25, de 30 de Novembro de 1937, que “organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”. Neste documento, em seu Artigo 17, está expresso que as coisas tombadas não poderão sofrer alterações sem a prévia autorização do IPHAN, independente de serem reparos, restauros, pinturas, demolições ou destruições (IPHAN, 1937). Isto faz com que qualquer intervenção que se proponha deva passar pelo aval dos técnicos, sendo passível de multa o descumprimento dessa determinação.

Em 2010 foi publicada a Portaria no. 420, que “dispõe sobre os procedimentos a serem observados para a concessão de autorização para a realização de intervenções em bens edificados tombados e nas respectivas áreas de entorno”, especificando os procedimentos de recebimento e análise das propostas de intervenção, os princípios que devem seguir e algumas definições (IPHAN, 2010).

Conforme seu Art. 2º, os estudos, projetos, obras ou intervenções em bens culturais tombados devem obedecer aos princípios a seguir: digitalizados. Dentre eles destacam-se: a Carta de Atenas (1931 e 1933), a Recomendação de Paris (1962, 1964 e 1968), a Carta de Veneza (1964), o Compromisso de Brasília (1970),a Carta do Restauro (1972), a Carta de Burra (1980), a Carta do Rio (1992), a Carta de Brasília (1995), entre outros.

a) prevenção: através da apreciação, acompanhamento e ponderação das obras, visando impedir a sua fragmentação, desfiguração, degradação, perda física ou de autenticidade; b) planejamento: programação dos trabalhos a desenvolver em

bens culturais, suas técnicas, metodologias e recursos para execução;

c) proporcionalidade: coerente com o nível de exigências e requisitos relativos à complexidade das obras ou intervenções, bem como das normas e leis relacionadas;

d) fiscalização: promovendo o controle das obras ou intervenções em bens culturais de acordo com os estudos e projetos aprovados;

e) informação: disseminação organizada de dados sobre as obras ou intervenções realizadas para fins histórico-documentais, de investigação e estatísticos.

Tratando-se ainda da Portaria 420, destaca-se o conteúdo de seu artigo 8º, Seção II, que aborda a acessibilidade – item fundamental para viabilização do acesso às fontes de cultura - da seguinte maneira:

Art. 8º Para os bens que tenham ou terão destinação pública ou coletiva, cujas intervenções sejam classificadas como Reforma/Construção Nova ou Restauração, o projeto deverá contemplar a acessibilidade universal, obedecendo-se ao previsto na Instrução Normativa Iphan nº 01/2003 (IPHAN, 2010)

Visando o esclarecimento das definições utilizadas na citação anterior, apresenta-se o significado de intervenção, reforma, construção nova e restauração, quais sejam:

a) intervenção: alteração do aspecto físico, das condições de visibilidade ou de ambiência de bem edificado tombado ou seu entorno. Ocorre ao se realizar “manutenção e conservação, reforma, demolição, construção, restauração, recuperação, ampliação, instalação, montagem e desmontagem, adaptação, escavação, arruamento, parcelamento e colocação de publicidade” (IPHAN, 2010);

b) reforma simplificada: obras de conservação (ações preventivas) ou manutenção (ações em prol do bom funcionamento e uso) que não acarretem supressão ou acréscimo de área. Ex.: trocar as telhas por similares mantendo-se a inclinação original;

c) reforma ou reparação: intervenção em que ocorra demolição ou construção de novos elementos. Ex.: ampliação ou supressão de área construída, aumento de gabarito e substituição estrutural ou da inclinação da cobertura;

d) construção nova: construção em terreno vazio ou em lote com edificação existente, mantendo-se a nova edificação separada fisicamente da existente;

e) restauração: visa restabelecer a unidade do bem cultural, executando-se ações que respeitem sua concepção original, valores de tombamento e histórico de intervenções.

Devido aos técnicos do IPHAN tratarem “cada intervenção como um caso específico, avaliando-se as possibilidades de adoção de soluções em acessibilidade frente às limitações inerentes à preservação do bem cultural imóvel em questão” (IPHAN, 2012), não se pode afirmar se, no caso de adaptação das fortificações, os técnicos se posicionarão a favor de uma intervenção que insira a marca de seu tempo ou se seguirão um pensamento intervencionista mais conservador, não permitindo grandes modificações no sítio.

Observou-se que até dentre as fortificações de um mesmo estado, como as catarinenses, por exemplo, existem diferenças no tratamento dado pelo IPHAN. Este fato é evidenciado ao compararmos as Fortalezas de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, o Forte de Santa Bárbara e o Forte de São João, cujo estado respectivamente é em ruínas consolidadas, restaurado, reformado/modificado e fechado para evitar invasões nas ruínas – figura 28.

A acessibilidade aos bens culturais e imóveis também passou a integrar as preocupações do Ministério Público Federal (MPF) que iniciou suas ações em 2001, posteriormente formando o Grupo de Trabalho Inclusão para Pessoas com Deficiência, em 2005, passando a atuar junto ao IPHAN, acompanhando e cobrando a implementação do Decreto n. 5296/2004 - que estabelece normas gerais e critérios para a promoção da acessibilidade. O MPF e o IPHAN solicitaram à UFSC tomar as devidas providências quanto à adequação à acessibilidade nas fortificações sob sua administração. Atualmente a Universidade está elaborando um edital para contratação dos projetos para esta adequação e, para tal, conta com uma equipe de técnicos da universidade e do IPHAN/SC.

Figura 28– Fortificações: Araçatuba, Ratones, Sta. Bárbara e S. João Fo rtaleza d e Ara çatu b a Fo rte d e San ta B ár b ar a Fo rtaleza d e R ato n es Fo rte d e S ão J o ão

Fonte: Flick, 2013 e Fortalezas.org, 2013

Conforme o MPF, a acessibilidade aos bens decorre do princípio da isonomia, o qual exige um tratamento igualitário, visando a eliminação de barreiras físicas e sociais, sem causar mutilação ou descaracterização dos bens, devendo-se sempre respeitar as seguintes normas relacionadas (BRASIL, 2012):

a) Decreto-Lei no. 25, de 30 de novembro de 1937, do IPHAN, o qual “organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”;

b) Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988; c) Lei no. 7.853, de 24 de Outubro de 1989, a qual “dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração de Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências”;

d) Decreto no. 3.298, de 20 de Dezembro de 1999, o qual “regulamenta a Lei no

7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências”;

e) Lei no. 10.048, de 08 de Novembro de 2000, o qual “dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências”;

f) Lei no. 10.098, de 19 de Dezembro de 2000, a qual “estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providencias”;

g) Instrução Normativa no. 01, de 25 de novembro de 2003,do IPHAN, a qual “dispõe sobre a acessibilidade aos bens culturais imóveis acautelados em nível federal, e outras categorias, conforme especifica”;

h) NBR 9050 de 31 de Maio de 2004, da ABNT, a qual “estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade”;

i) Decreto no. 5.296, de 02 de dezembro de 2004, o qual “regulamenta as Leis nos

. 10.048, de 08 de novembro de 2000 [...], e 10.098, de 19 de Dezembro de 2000 [...], e dá outras providências”.

Dentre as normas citadas, no que diz respeito às intervenções de acessibilidade, o principal referencial para os profissionais da área da construção civil é a NBR 9050 de 2004 que, atualmente, passa por revisão de alguns parâmetros, como os pisos táteis, por exemplo.

O item 8.1, da norma supracitada, refere-se especificamente à acessibilidade aos bens tombados - sejam eles federais, estaduais ou municipais – e estabelece que os projetos de adaptação desses bens devem seguir os parâmetros da norma, desde que respeitando critérios específicos estabelecidos pelos órgãos de patrimônio histórico e cultural competentes, conforme a Normativa no 1 (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2003).

Portanto, a Normativa no1 do IPHAN é a mais relevante para viabilizar condições de acessibilidade no patrimônio, já que as demais normas a referenciam quando tratam da necessidade de adaptação dos bens tombados. No entanto, na normativa não existem especificações ou parâmetros de como adaptar os bens, pois, como citado anteriormente, cada caso será analisado individualmente.

Ao se propor uma intervenção visando à acessibilidade, a Normativa no1 estabelece que sejam consideradas as características que tornaram o bem tombado, buscando não interferir nas mesmas, mantendo-se a harmonia do conjunto e promovendo-se a acessibilidade plena, sempre que possível. As propostas devem atender aos seguintes critérios: realização de levantamento histórico, físico, iconográfico e documental; estabelecimento de prioridades de intervenção; proposição de tecnologias assistivas; abordagem global da edificação; possibilidade

de uso e integração nas vivências para as pessoas com deficiência; elaboração de rotas acessíveis; registro e indicação (mapeamento) das intervenções, que devem ser preferencialmente reversíveis; capacitação dos profissionais que trabalhem em edificações tombadas, abertas à visitação pública, de forma a possibilitar a recepção e comunicação com os visitantes.