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A lei de diretrizes e bases da educação nacional e as reformas posteriores no ensino

1. BREVE ANÁLISE DO ENSINO JURÍDICO-PENAL NO BRASIL

1.2 DO SURGIMENTO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

1.2.3 A lei de diretrizes e bases da educação nacional e as reformas posteriores no ensino

Ao avançar um pouco mais no curso da história, tem-se a publicação da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, responsável por fixar as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, como uma das leis mais inovadoras no âmbito educacional, por propor a criação um modelo de ensino brasileiro pautado nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade

humana, de forma que a educação fosse um direito de todos e sua concretização funcionasse como instrumento de transformação social64.

A LDB buscou, sobretudo, um rompimento com as antigas práticas dos modelos de ensino ultrapassados e que não visavam a produção do conhecimento científico, tanto que, em seu art. 66 estabeleceu a sua mais radical proposta pedagógica65: "O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário”. Ou seja, esse artigo estabelecia claramente que, o objetivo do ensino superior não era apenas a formação de profissionais, mas a pesquisa científica e o desenvolvimento das ciências, letras e artes, demonstrando, com isso, uma mudança de postura com relação às demais reformas educacionais anteriores.

No tocante ao currículo jurídico, com a publicação da LDB, buscou-se imediatamente, por meio do Conselho Federal de Educação – CFE, a fixação de um currículo mínimo para os cursos de Direito, através do Parecer nº 215/1962. Tal parecer estabelecia, em linhas gerais, que cada instituição de ensino superior poderia se valer deste currículo mínimo e a partir dele, acrescentar disciplinas complementares da sua predileção, e com isso rompeu o modelo de currículo único anteriormente utilizado e possibilitou que outras disciplinas pudessem ser acrescentadas ao rol do currículo mínimo, de acordo com as particularidades de cada IES.

Ocorre que esse currículo jurídico de 1962 não apresentou nenhuma mudança significativa, salvo a inserção da disciplina de Direito do Trabalho, que no currículo da Reforma Francisco Campos já era tratado como Direito Industrial e Legislação do Trabalho. Nesse sentido Bastos66 afirma que o “currículo jurídico de 1962 insistiu na sobrevivência da tradicional fórmula de se evitar que o ensino jurídico contribuísse para o processo de mudança social”. No âmbito da formação jurídico-penal, também não foi diferente, vez que se seguiu a mesma lógica do modelo de ensino dogmático de tradições lusitanas, voltado à análise dos artigos do Código Penal, sem nenhuma tentativa de abertura interdisciplinar aos demais campos de saberes.

Nesse período existiam efervescentes discussões lideradas pelo movimento estudantil, que por meio de propostas advindas dos seminários, organizados pela União Nacional dos Estudantes - UNE, visavam a renovação do modelo de atuação e ensino nas universidades brasileiras, por meio de uma prática mais democrática e socialmente responsável perante os

64 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Art. 1º. 65 BASTOS, Aurélio Wander. op. cit., p. 230.

problemas do mundo contemporâneo67. Após um curto período de tempo, as conquistas universitárias obtidas até então, foram suprimidas pelo Regime Militar iniciado em 1964. Novamente o país passava por um período de forte repressão e arbítrio estatal, no qual, o curso de Direito funcionava como um dos instrumentos responsáveis pela manutenção da ordem e da soberania nacional, defensor da ideologia totalitária do Estado68.

Posteriormente, ocorreu em 1971 na Faculdade de Direito da Universidade de Juiz de Fora o histórico “I Encontro Brasileiro de Faculdades de Direito”, no qual participaram professores representantes de diversas IES do país, com o intuito de discutir sobre a situação dos cursos jurídicos no Brasil. Nesse encontro foi aprovado um documento com deliberações sobre o currículo mínimo das Faculdades de Direito, em relação ao estágio profissional, a respeito da metodologia de ensino do Direito e por fim, sobre o regime de tempo especial dos professores.

Quanto ao currículo – mínimo e pleno – das Faculdades de Direito, o encontro de Juiz de Fora estabeleceu contribuições positivas ao compreender a importância de realizar uma alteração no currículo de 1962, visando atribuí-lo de conhecimentos básicos e indispensáveis para uma adequada formação jurídica, com a inserção de novas matérias à grade curricular, que estavam voltadas à compressão dos fenômenos jurídicos e das necessidades sociais daquela época pelo futuro profissional do Direito.

Outro aspecto importante trazido pelo encontro de Juiz de Fora estava relacionado à metodologia de ensino do Direito, decidindo-se que era preciso reconhecer a indispensabilidade de se reformular o modelo de ensino, fruto das tradições oriundas da Universidade de Coimbra, no sentido de que o estudante deixasse de ser um mero espectador e recebedor do “conhecimento” transmitido pelo professor e pudesse participar de forma mais ativa no processo de ensino-aprendizagem69.

Em 1972 os cursos jurídicos passaram por mais uma alteração, por meio da Resolução nº 3 do Conselho Federal de Educação – CFE. Uma das justificativas para a reformulação curricular era a de estabelecer novas propostas aos currículos jurídicos, de modo a possibilitar uma formação mais crítica e reflexiva. Nesse sentido, propôs a divisão do currículo mínimo em dois grupos de disciplinas: básicas e profissionalizantes, sendo que as propedêuticas –

67 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São

Paulo: Cortez, 2013. p. 395.

68 WINTER, Estéfano Luís de Sá. O ensino jurídico como atividade reconstrutiva: uma análise

histórico-pedagógica da qualidade de ensino na Faculdade de Direito da UFMG. In: Revista do CAAP,

v. 14, 2007, p. 14.

Introdução ao Estudo do Direito, Economia e Sociologia – tinham como objetivo a formação crítica e apresentavam uma abertura à interdisciplinaridade e já as segundas, profissionalizantes, voltavam-se à formação mais técnica do Direito, com o estudo linear de disciplinas estritamente jurídicas.

Quanto à formação jurídico-penal, o currículo da Resolução do CFE 3/1972 trazia a matéria de Direito Penal no rol de disciplinas profissionais, subdivida em parte geral e parte especial. O ensino de disciplinas como Criminologia, Política Criminal, Vitimologia, no âmbito das ciências criminais ou qualquer outra de viés mais interdisciplinar novamente não foi abordado na reformulação do currículo jurídico, demonstrando que, apenas a inserção das disciplinas propedêuticas não modificaria a linearidade do curso, pois as matérias eram tratadas como auxiliares às profissionalizantes e não como campos de saberes autônomos e relevantes.

Nesse sentido, se pode afirmar que a referida resolução possibilitou um avanço considerável no modelo de ensino jurídico, ao atualizar o curso para as questões cientificas modernas para o conhecimento especializado70, assim como, incluiu o estudo de disciplinas

propedêuticas para fomentar a reflexão crítica na graduação. Contudo, no âmbito jurídico- penal, manteve o formato de ensino anteriormente adotado nas universidades brasileiras, de modo que permaneceu sendo ensinado apenas o Direito penal, como se este constituísse um “fim em si mesmo”71, independente e exclusivo na análise da questão criminal. Essa forma de

ensino continuava deixando de lado toda uma possibilidade de abertura interdisciplinar aos demais campos dos saberes, sobretudo através do diálogo com a criminologia, pela importância que representa na compreensão do fenômeno criminal.

Todavia, os pequenos avanços trazidos pela Resolução não causaram o rompimento com as tradições lusitanas de ensino, que continuavam respondendo aos interesses da elite e demonstrando grande desvinculação com a complexa realidade do país pela ausência uma formação interdisciplinar e de aportes de dados empíricos dos fenômeno sociais72. Pelo contexto da época, o curso se manteve com essa mesma estrutura pelas duas décadas seguintes, salvo pequenas alterações organizacionais isoladamente realizadas, que só confirmam o seu caráter de exceção.

70 BASTOS, Aurélio Wander. op. cit., p. 264.

71 AMBOS, Kai. El Futuro de la ciencia jurídico penal alemana. Bogotá: Editorial Temis, 2016. p. 37.

(tradução minha)

1.3 O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ENSINO JURÍDICO