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A Interdisciplinaridade na Formação Jurídico-Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

JHONATAS PÉRICLES OLIVEIRA DE MELO

A INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO

JURÍDICO-PENAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DA BAHIA

Salvador

2018

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JHONATAS PÉRICLES OLIVEIRA DE MELO

A INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO

JURÍDICO-PENAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DA BAHIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial exigido para a obtenção do título de bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Rapacci Mascarenhas Prado.

Salvador

2018

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TERMO DE APROVAÇÃO

JHONATAS PÉRICLES OLIVEIRA DE MELO

A INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO

JURÍDICO-PENAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DA BAHIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau

de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade

Federal da Bahia.

Aprovada em __ de ____________de 2018

Alessandra Rapacci Mascarenhas Prado – Orientadora _______________________________ Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Universidade Federal da Bahia

Maria Auxiliadora Minahim ____________________________________________________ Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Universidade Federal da Bahia

Juliana Pinheiro Damasceno e Santos______________________________________________ Doutoranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Universidade Federal da Bahia

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho não teria sido possível sem o apoio e o incentivo de diversas pessoas. Gostaria, dessa forma, de expressar, em poucas palavras, toda a minha gratidão e apreço àqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta tarefa, pouco a pouco, se tornasse realidade. A todos vocês quero manifestar os meus sinceros agradecimentos.

Inicialmente à minha orientadora, Alessandra, pela confiança e apoio dedicado à concretização deste trabalho.

Aos meu pais, fontes inesgotáveis de amor, por estarem sempre ao meu lado, compartilhando as alegrias e me fortalecendo nas horas mais difíceis. Com vocês, tudo fica mais fácil!

Ao meu irmão, Richard, por todo apoio e incentivo, pelas horas de conversas e conselhos, presencialmente ou por telefone. Você está sempre comigo, não importando a distância.

À Mari, por todo amor e companheirismo irrestrito, por me mostrar sempre que “tudo

vai dar certo” e por ter compreendido a minha ausência pelo tempo dedicado aos estudos.

Aos meus amigos-irmãos: Ílison, que mesmo com a distância de 6.879 km que separam Salvador de Salamanca, esteve presente em cada momento da realização desse trabalho, seja através de valiosas contribuições no texto ou pelas palavras que me incentivaram nessa trajetória. Muito obrigado, meu amigo! Thiago e Danuza, por todo apoio nessa e em tantas outras caminhadas ao longo desses oito anos de UFBA, pela parceria de vida e pelo exemplo diário que vocês me passam. Vocês três são meus pilares!

Aos meus familiares, por sempre me incentivarem e estarem ao meu lado em todas as batalhas e conquistas.

Agradeço a todos os professores que me inspiraram ao longo dessa trajetória, verdadeiros Maestros e Maestras, especialmente à Juliana, Selma, Johnson, Raúl, Denise, Naomar, Sônia, Laura, Nieves, Rosana (minha mãe) e tantos outros que não seria possível nomear nesse curto espaço. Cada um, à sua maneira, me proporcionou exemplos de vida, de caráter, de profissionalismo, de humildade, de compromisso, de ética, incontáveis exemplos que levarei comigo em toda minha existência. Eterna gratidão!

Aos meus amigos do CCRIM, companheiros de luta e de sonhos, pela indescritível importância em meu processo formativo. Vocês sempre estarão presentes em minha vida.

(5)

“O passado não pode servir como mestre do presente, e toda tarefa pioneira exige do seu autor enorme esforço para perder a memória, porque o novo é o ainda não feito ou ainda não codificado. O novo é, de certa forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação e não com certezas.” Milton Santos (2002, p. 25)

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RESUMO

No mundo contemporâneo, pautado por relações e fenômenos sociais cada vez mais complexos e multifacetados, a interdisciplinaridade se tornou uma exigência para os currículos de todos os campos de saberes das Universidades. No presente trabalho apresentei um estudo sobre o papel ocupado pela interdisciplinaridade na formação jurídico-penal da graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - FDUFBA, a partir da compreensão de que esta é a forma mais efetiva de estudo do fenômeno criminal. Para tanto, utilizei como opção teórico-metodológica as contribuições da etnografia e da etnometodologia. Os dados foram obtidos através de pesquisa de campo na FDUFBA, por meio de observação participante, entrevistas compreensivas semiestruturadas e diário de campo, para dar voz e compreender as percepções desses atores do processo de ensino-aprendizagem. Os dados foram interpretados de forma qualitativa e cruzados com as peculiaridades do surgimento dos primeiros cursos jurídicos no país, as diversas reformas educacionais ocorridas e seus reflexos na formação jurídico-penal das universidades brasileiras. Os resultados da pesquisa evidenciaram que a FDUFBA mantém um formato tradicional de ensino que dificulta o diálogo entre campos de saberes na formação jurídico-penal, ocasionando um distanciamento na compreensão dos fenômenos criminais em seus diversos aspectos. A partir desses resultados, concluo que é importante realizar mudanças estruturais no Projeto Político Pedagógico e no currículo do curso, no formato das aulas e nas avaliações, para que seja possível uma formação interdisciplinar nas ciências jurídico-penais na FDUFBA.

(7)

ABSTRACT

In the contemporaneous world, ruled by socials relations and phenomena even more complex and multifaceted, the interdisciplinarity became a requirement for the résumés all the knowledge fields of the Universities. At the moment project, I showed a study about the engaged function of interdisciplinarity in the criminal law formation at the Law College of Federal University of Bahia – FDUFBA, from the understanding that this way is more effective of criminological phenomena study. Therefore, I used as a theorical background option the contribution of ethnography and ethnomethodology. The datas were obtained through field research at FDUFBA, by means of participant observation, semistructured comprehensive interviews and diary field, to give voice and understand the perceptions of these actors of the teaching-learning process. These datas were interpreted in a qualitative form and crossed with the peculiarities of appearance of the firsts Law Graduations in the country, the various educational reforms that took place and its reflexes in the Criminal Law education of Brazilian universities. The results have evidenced that FDUFBA maintain a traditional education format that difficult the dialog with another knowledge fields in the Criminal Law graduation, causing a distancing of the comprehension about criminological phenomena in various aspects. From these results I conclude that is important make structural changes in the Pedagogical Political Project and the graduation résumé, in class format and exams, so that an interdisciplinarity formation in the Criminal Law sciences at FDUFBA will be possible.

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LISTA DE SIGLAS

CCRIM – Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

FDUFBA – Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

IES – Instituição de Ensino Superior

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PPE – Patronato de Presos e Egressos do Estado da Bahia

PPI – Projeto Pedagógico Institucional

PPP – Projeto Político Pedagógico

U.Ba – Universidade da Bahia

UFBA – Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1. BREVE ANÁLISE DO ENSINO JURÍDICO-PENAL NO BRASIL ... 15

1.1 DELINEAMENTOSPRELIMINARESDAFORMAÇÃOJURÍDICO-PENAL ... 15

1.1.1 O ensino disciplinar do Direito penal na formação jurídico-penal ... 15

1.1.2 Além da dogmática jurídico-penal. A interdisciplinaridade na compreensão do fenômeno criminal ... 17

1.1.3 A formação humanista e o conhecimento socialmente relevante ... 19

1.2 DOSURGIMENTODOENSINOJURÍDICONOBRASIL ... 21

1.2.1 O ensino jurídico (penal) no Brasil Colônia, no Período Imperial e na República ... 22

1.2.2 O ensino jurídico (penal) na Reforma Franscisco Campos ... 30

1.2.3 A lei de diretrizes e bases da educação nacional e as reformas posteriores no ensino jurídico (penal) brasileiro ... 33

1.3 OADVENTODACONSTITUIÇÃOFEDERALDE1988EOENSINOJURÍDICO (PENAL)NAATUALIDADE... 37

1.3.1 Novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Resolução nº 9/2004 do MEC ... 37

2. A PERCEPÇÃO DOS DISCENTES E A COMPREENSÃO CRÍTICA DO ENSINO JURÍDICO-PENAL ... 40

2.1 AFACULDADEDEDIREITODAUNIVERSIDADEFEDERALDABAHIA ... 40

2.1.1 O processo de federalização. De Faculdade Livre à Faculdade de Direito da UFBA. . 41

2.1.2 O Projeto Político Pedagógico e a formação jurídico-penal da Faculdade de Direito da UFBA ... 42

2.2 APERSPECTIVADOSDISCENTESSOBREAFORMAÇÃOJURÍDICO-PENAL DAFACULDADEDEDIREITODAUFBA ... 47

2.2.1 O que dizem os discentes: problemas e possibilidades da formação jurídico-penal .... 47

3. AS POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO DA ... INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO JURÍDICO-PENAL DA FDUFBA ... 58

3.1. ODIÁLOGOENTREOSCAMPOSDESABERESNAFORMAÇÃO JURÍDICO-PENALDAFDUFBA ... 58

3.1.1 Rupturas e propostas para uma formação jurídico-penal interdisciplinar na FDUFBA ... ... 61

(10)

3.1.2 O diálogo entre os campos de saberes e a reflexão crítica sobre a prática ... 67

3.2 AUTONOMIAEPESQUISA-AÇÃO-FORMAÇÃO:OSURGIMENTODO

CENTRODECIÊNCIASCRIMINAISPROFESSORRAULCHAVES–CCRIM ... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 73 REFERÊNCIAS ... 75 APÊNDICE ... 79

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INTRODUÇÃO

Não é nenhuma novidade que estudiosos do Direito apontam para uma crise no modelo de ensino jurídico brasileiro. Esse movimento de reflexão ultrapassa as nossas margens e é encontrado em diversos espaços, sendo apontadas múltiplas causas para essa crise. Dentre as opiniões com relação a esse problema, alguns autores, seguindo a linha de Aurélio Wander Bastos, afirmam que os cursos jurídicos precisam refletir sobre o modelo de currículo, o programa das disciplinas e o método de ensino, na tentativa de encontrar respostas para essas questões.

Para a realização deste trabalho, todavia, limitei as discussões em relação a esse conteúdo vasto que é a crítica ao modelo de ensino jurídico e as possíveis causas de sua crise. Nesse sentido, realizei um recorte metodológico para tornar possível a compreensão da formação jurídico-penal em uma Universidade brasileira.

Nesse movimento de observação do fenômeno, escolhi a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - FDUFBA para compreender como a formação jurídico-penal na graduação é desenvolvida, pela importância ocupada por esta instituição em nossa sociedade, além das vivências e percepções que tive enquanto estudante. A FDUFBA, portanto, como metaforicamente adota Igreja1, foi a aldeia em que a pesquisa se desenvolveu, o campo investigativo deste trabalho.

A pesquisa nesta instituição de ensino intenta responder de que maneira ocorre a formação jurídico-penal na graduação da FDUFBA e como a interdisciplinaridade se insere (ou não) nos processos de ensino e aprendizado realizados neste âmbito.

Parte-se da hipótese geral de que a formação jurídico-penal na FDUFBA tem um formato de ensino linear, que privilegia o ensino do Direito penal em detrimento dos demais campos de saberes das ciências criminais, o que dificulta a ocorrência de um diálogo entre estas áreas do conhecimento, impossibilitando a ocorrência de práticas interdisciplinares.

Em verdade, a formação jurídico-penal, na grande maioria das universidades brasileiras, se confunde com o estudo exclusivo do Direito penal, por meio da dogmática jurídica, seguindo uma espécie de caminho sequencialmente orientado conforme exposto no Código Penal, apresentando em seu conteúdo ministrado apenas os temas e institutos ali

1 IGREJA, Rebecca Lemos. O Direito Como objeto de estudo empírico: o uso de métodos qualitativos

no âmbito da pesquisa empírica em Direito. In: Maíra Rocha Machado. (Org.). Pesquisar Empiricamente o Direito. 1ed. São Paulo: REED, 2017, v. 1, p. 11-37. Conceitua que “Uma aldeia é onde vamos observar todos os acontecimentos e experiências, onde vamos observar as diversas interrelacões dos atores presentes, em diferentes esferas”

(12)

estruturados. Dessa forma, Carvalho2 entende que este campo do saber também vem passando por suas crises.

Ocorre que, esse ensino excessiva e exclusivamente dogmático é desvinculado das questões sociais, fazendo com que os dados da realidade que nos circunscrevem, muitas vezes, passem despercebidos pelas salas de aula. Nesse sentido é que Sousa Santos3 alerta que a Universidade não pode se comportar como uma “torre de marfim” que se fecha hermeticamente em seu mundo, tornando-se insensível aos problemas da contemporaneidade.

É preciso então romper as fronteiras do ensino impostas pela utilização exclusiva da dogmática penal, incorporando outros campos de saberes e outras formas de conhecimento à formação jurídico-penal. E para isso, o Direito Penal não pode permanecer em posição privilegiada – ou exclusiva – em relação às demais disciplinas, e muito menos em relação aos demais campos de saberes das ciências criminais, como a Criminologia, Política Criminal e Vitimologia.

Diante dessa necessidade, parece ser imprescindível a abertura para a interdisciplinaridade na formação jurídico-penal. Todavia, para que isso ocorra, os diversos campos de saberes devem ser tratados de maneira igualitária no ambiente institucional, no sentido de que nenhum conhecimento pode ser visto como auxiliar ou inferior aos demais.

Nesse sentido, é imperativo perceber a importância das contribuições da Criminologia para uma formação jurídico-penal crítica e socialmente responsável dos estudantes de graduação das universidades brasileiras, sobretudo, pela capacidade de aportar dados sociais oriundos da práxis cotidiana, tendo em vista a sua abertura para o diálogo com outros campos de saberes.

Todavia, em relação ao ensino da Criminologia, existem alguns problemas quanto à oferta desta disciplina nos cursos jurídicos de graduação das Universidades brasileiras. Inicialmente, a Criminologia é ofertada, na grande maioria dos cursos jurídicos de nosso país, como componente optativo. Uma outra questão relaciona-se com o tipo de Criminologia que é ensinado nas graduações em Direito, já que em alguns casos existe uma aproximação com aportes criminológicos positivistas, racistas, biologistas, em detrimento do ensino das

2 CARVALHO, Salo. Ensino e Aprendizado das Ciências Criminais no século XXI. Revista Brasileira

de Ciências Criminais, v. 69, 2007, p. 261. Segundo o autor, a “análise superficial de quase a totalidade dos currículos e dos livros didáticos de direito penal utilizados no Brasil revela situação absolutamente preocupante”

3 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: o Social e o Político na Pós-Modernidade. 14ª

(13)

Criminologias críticas. Tais problemas demonstram que é preciso (re)pensar sobre qual o papel que a Criminologia ocupa ou deveria ocupar nas graduações em Direito.

Essas questões revelam que é preciso refletir criticamente sobre o modelo de formação jurídico-penal que os estudantes de graduação estão recebendo nas Universidades brasileiras, tendo em vista que contribuirão com o tipo de mentalidade dos juristas em atuação diante dos problemas apresentados pela sociedade contemporânea.

PROPOSTA TEÓRICO-METODOLÓGICA

Sendo este trabalho uma busca por compreender a interdisciplinaridade na formação jurídico-penal na graduação da Faculdade de Direito, a proposta teórico-metodológica não poderia ser outra, senão uma que apresentasse as diversas nuances desse processo de ensino-aprendizagem, possíveis em uma perspectiva de pesquisa empírica.

Dessa forma, para que pudesse atingir os objetivos apontados, foi utilizada uma

abordagem empírica, recebendo invariavelmente todas as contribuições da

interdisciplinaridade, em um movimento voltado a observar os fenômenos sociais apresentados no campo investigativo. Para tanto, foram utilizadas abordagens qualitativas, que possibilitaram análises mais complexas acerca desses fenômenos e dos atores envolvidos nesse processo.

Visando a compreensão crítica e reflexiva dos fenômenos e entendendo o fazer científico como essencialmente interdisciplinar, a proposta teórico-metodológica partiu de pressupostos da etnometodologia4, corrente de matriz sociológica que procura compreender

uma realidade social, tomando como base as práticas cotidianas e os métodos utilizados por seus atores, em uma observação do pesquisador que surge da interação com o campo, objeto de pesquisa.

Ocorre que, para a realização no âmbito prático de suas pesquisas de campo, Coulon5

ressalta que a etnometodogia se utiliza, via de regra, de técnicas investigativas tomadas de empréstimo à etnografia, que é um método da antropologia que se propõe ao estudo das culturas, através de suas mais diversas representações e manifestações escritas, e se faz, indubitavelmente, em uma relação de integração com o campo e interação com o outro.

4 COULON, Alain. Etnometodologia. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1995, p.

30. No intuito de uma demarcação conceitual precisa, afirma o autor que “A etnometodologia é a pesquisa empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e ao mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar decisões, raciocinar.”

(14)

Por ser uma experiência do campo empírico, a etnografia, segundo afirma Laplantine6, “não consiste apenas em ver, mas em fazer ver, ou seja, em escrever o que vemos” durante a realização da pesquisa. Dessa forma, o pesquisador consegue ter uma percepção mais ampla em relação a alguns elementos que surgem no decorrer da investigação.

No momento de ir a campo para a realização da pesquisa empírica, foram utilizadas as técnicas de pesquisa etnográficas – sensíveis para a compreensão dos fenômenos microssociais a que me propus a investigar – como a observação participante, o diário de campo e entrevistas compreensivas semiestruturadas com estudantes da FDUFBA, bem com, apreciei criticamente as ementas das disciplinas jurídico-penais e o Projeto Político Pedagógico do curso, para dessa forma, coletar os dados essenciais ao desenvolvimento e concretização desse trabalho.

Para realizar um estudo sobre o surgimento dos primeiros cursos jurídicos no país, bem como para descortinar criticamente os aspectos das ementas das disciplinas jurídico-penais e do PPP do curso, foi utilizada, também, a metodologia da pesquisa documental, apta a análise de documentos, leis, projetos, dentre outros. Dessa forma, a utilização de metodologias mistas potencializou um diálogo entre os dados obtidos nos documentos, nas entrevistas e na observação participante.

De acordo com a proposta teórico-metodológica apresentada, dividi este trabalho em três capítulos. No primeiro, serão abordadas questões prévias e conceituais necessárias à compreensão da interdisciplinaridade no ensino superior, da formação humanística e da missão universitária na contemporaneidade. Posteriormente, se ocupará do surgimento dos primeiros cursos jurídicos no Brasil e de que forma ocorreram as mudanças no ensino jurídico (penal) brasileiro ao longo dos anos, para compreender de forma específica, o surgimento da Faculdade de Direito da UFBA e como o seu ensino jurídico-penal se desenvolveu nesse processo.

No segundo capítulo, abordará o surgimento da Faculdade Livre de Direito da Bahia, para dessa forma, compreender o desenvolvimento da formação jurídico-penal na FDUFBA, através das percepções dos estudantes enquanto atores do processo de ensino-aprendizagem nesta instituição, bem como, apresentará considerações críticas em relação ao Projeto Político Pedagógico do curso e sobre as ementas das disciplinas jurídico-penais.

Seguindo este movimento que vai do geral ao particular, o terceiro capítulo é aquele em que me permito avançar um pouco mais, no sentido de partir das percepções dos sujeitos entrevistados para analisar os dados obtidos e propor algumas mudanças educacionais e

6LAPLANTINE, François. A descrição etnográfica. Tradução de João Manuel Ribeiro Coelho e Sergio Coelho. São Paulo: Terceira Margem, 2004, p. 10.

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formativas que considero necessárias para a implementação de um modelo de formação jurídico-penal interdisciplinar na FDUFBA, para adequá-lo à missão universitária de nosso tempo e às demandas da sociedade em que está inserida.

(16)

1. BREVE ANÁLISE DO ENSINO JURÍDICO-PENAL NO BRASIL

Antes de proceder um delineamento histórico sobre o surgimento dos primeiros cursos jurídicos no país e em relação ao modelo de formação jurídico-penal da FDUFBA, é necessário realizar algumas considerações prévias sobre conceitos que serão tratados neste trabalho, imprescindíveis para a compreensão da proposta de interdisciplinaridade no ensino das ciências criminais.

1.1 DELINEAMENTOS PRELIMINARES DA FORMAÇÃO JURÍDICO-PENAL

Para compreender a interdisciplinaridade na formação jurídico-penal é necessário voltar-se para a análise das Faculdades de Direito. Estas, como aponta Zaffaroni7, são “usinas de reprodução ideológica” nas quais a concepção de ensino e a metodologia utilizada em muito influenciarão o modo como os futuros profissionais atuarão na resolução dos problemas sociais que lhes forem apresentados.

Essa necessidade de analisar a formação jurídico-penal na Faculdade de Direito transcende a mera compreensão das matérias que são disponibilizadas na grade curricular. É preciso, portanto, ir além e se debruçar sobre o Projeto Político Pedagógico dessa instituição, visualizar as ementas das disciplinas e, como mais importante, ouvir estudantes sobre as suas impressões relacionadas a esse processo de ensino-aprendizagem8.

Para adentrar no tema da interdisciplinaridade na formação jurídico-penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - FDUFBA, objeto deste trabalho, é necessário, porém, proceder anteriormente a explicação de algumas questões conceituais prévias, sem as quais não seria possível compreender os elementos que se relacionam com esse objeto.

1.1.1 O ensino disciplinar do Direito penal na formação jurídico-penal

7 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Derecho Penal Humano y Poder em el Siglo XXI. México: CESCIJUC,

2017, p. 53 (tradução minha)

8 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e

Terra, 1996. p. 10. Ensino-aprendizagem, porque na concepção do educador Paulo Freire, inexiste ensino que não resulta de um aprendizado, em que o aprendiz não se tornou capaz de se apropriar do que lhe foi ensinado, onde aquele que ensina, possa, em uma relação dialógica, se tornar também aprendiz.

(17)

No âmbito das Faculdades de Direito, comumente a formação jurídico-penal se limita ao estudo da disciplina do Direito penal de forma exclusiva, revelando certo “modelo discursivo aristocrata e pouco democrático”9, como se este protagonismo do Direito penal pudesse dar as

respostas mais científicas ao fenômeno criminal e, por conta disto, desconsidera as contribuições que outros campos de saberes, principalmente das ciências criminais, poderiam proporcionar.

É importante ressalvar que com isso não se está querendo dizer que o ensino disciplinar do Direito penal não seja importante. Em verdade, o papel da ciência do Direito penal é extremamente relevante para a formação jurídico-penal, tendo em vista que será a responsável pela interpretação das leis previstas no ordenamento jurídico-penal, o que permite que sua aplicação seja feita de modo harmônico e equitativo10. Essa interpretação é feita através da dogmática jurídica, fundada por Hudolf Von Ihering em meados do século XVIII, cujo método visa a interpretação dos textos normativos, concebendo-os como dogmas que devem ser respeitados e organizados como um sistema, para ser utilizado de “forma racional ou pelo menos razoável na resolução de casos concretos”11.

Esse modelo de ensino orientado através do estudo fragmentado de uma disciplina se origina na idade média e desde esse período passa a ser utilizado pelas Universidades com o intuito de dotar o conhecimento ali produzido de mais rigor e exatidão. Com relação à sua conceituação, em que pese outras abordagens, aqui adoto o conceito de Morin12, no sentido que “a disciplina é uma categoria organizadora dentro do conhecimento”. Essa concepção é estritamente ligada à alguns modelos de Universidade, através de organização em escolas, departamentos, faculdades e divisão de conteúdo acadêmico formativo em campos de saberes que não dialogam entre si13, ocasionando a fragmentação do conhecimento.

Esse modo de conhecimento disciplinar, extremamente característico do desenvolvimento das ciências, isola o seu objeto de estudo com o intuito de aprofundar-se em sua investigação, no entanto, negligencia as interrelacões existentes com os demais campos de saberes. Dessa forma, esse conhecimento disciplinar, de forma natural, sempre tenderá à

9AMBOS, Kai. El Futuro de la ciencia jurídico penal alemana. Bogotá: Editorial Temis, 2016. p.03

(tradução minha)

10 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p.114. 11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A questão criminal. 1ª ed. tradução de Sérgio Lamarão, Rio de Janeiro:

Revan, 2º reimpressão, 2017, p. 14-15.

12 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 2000, p. 105.

13 PEDROZA FLORES, René. La interdisciplinariedad en la universidad. In: Tiempo de Educar, vol.

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“autonomia pela delimitação das fronteiras, da linguagem em que ela se constitui, das técnicas que é levada a elaborar e a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias”14.

Ocorre que essa fragmentação do saber, organizado em disciplinas que não se comunicam entre si, acaba por isolar radicalmente esse campo dos demais, causando um desconhecimento em relação ao que está sendo produzido pelos outros campos de saberes e, no âmbito universitário, formando gerações de graduados em Direito com uma visão parcial da realidade a que estão inseridos.

E é nesse sentido que uma formação jurídico-penal não pode se limitar à análise do fenômeno criminal apenas pelas lentes do Direito penal, pois, na esteira do que afirma Batista15, “a dogmática é o mais prestigiado e eficaz método em uso na ciência do direito, porém não a guardiã solitária das chaves epistemológicas do reino”. Portanto, para a efetiva compreensão desse fenômeno complexo é preciso estabelecer um diálogo com outros campos de saberes que se proponham a discutir além do método dogmático.

1.1.2 Além da dogmática jurídico-penal. A interdisciplinaridade na compreensão do fenômeno criminal

É preciso realizar uma abertura metodológica na formação jurídico-penal, para incluir o diálogo com outros campos de saberes na compreensão do fenômeno criminal. A interdisciplinaridade pode contribuir para que essa abertura metodológica ocorra, no entanto, é necessário que o Direito penal não esteja em uma posição privilegiada em relação aos demais saberes, visto que a condição mínima para que a interdisciplinaridade ocorra é a existência de condições similares, de modo que nenhum saber esteja a serviço de outro16.

Segundo afirma Sousa Santos17 “o conhecimento cientifico é tanto mais importante quanto mais se reconhece como parte de uma vasta constelação de saberes que compõem a experiência do mundo”. Desse modo, parece ser necessário existir uma democratização na formação jurídico-penal, no sentido de se conceber como parte de uma constelação de saberes, no qual cada um pode, à sua maneira, dar as contribuições necessárias para a compreensão do fenômeno criminal. E para isso, não pode existir nenhum tipo de hierarquia ou relação de subsidiariedade entre esses saberes.

14 MORIN, Edgar. loc. cit.

15 BATISTA, Nilo. op. cit., p.114.

16 CARVALHO, Salo de. Ensino e Aprendizado das Ciências Criminais no século XXI. Revista

Brasileira de Ciências Criminais, v. 69, 2007. p. 257.

17 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São

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A interdisciplinaridade que se busca na formação jurídico-penal visa a compreensão do fenômeno criminal em seus mais diversos aspectos, já que vivemos em uma sociedade complexa, plural e multifacetada, em um período de hiperconectividade e acesso instantâneo à informação. Essas características societáis contemporâneas impõem um olhar plural para efetivamente perceber esses múltiplos aspectos que são evidenciados18, o que não ocorre ao se utilizar exclusivamente do Direito penal na tentativa de compreender esses fenômenos.

Partindo então da concepção contemporânea de imprescindibilidade do diálogo entre os diversos campos do saberes em todos os níveis educacionais19, a interdisciplinaridade pode ser conceituada como o “estabelecimento de nexos significativos entre os campos disciplinares”20. Esse estabelecimento de nexo significativo entre os campos de saberes visam,

sobretudo, a compreensão dos fenômenos sociais por diversos aspectos e em toda sua inerente complexidade.

Assim, a formação jurídico-penal, diante dos problemas apresentados pela contemporaneidade, precisa romper com os antigos modelos de conhecimentos fragmentados e passar a adotar concepções abertas que incentivem a circulação livre e horizontal dos saberes. Se de fato se propõe à compreensão efetiva do fenômeno criminal, a interdisciplinaridade revela-se como “o único caminho para o tratamento de qualquer fenômeno jurídico-penal em uma sociedade complexa”21.

Além da análise sequencial dos artigos do Código Penal por meio da dogmática jurídica – como dito anteriormente, tem importância indispensável na formação jurídico-penal – outros aspectos não menos imprescindíveis do fenômeno criminal devem ser abordados em uma Faculdade de Direito, como os dados acerca da realidade do delito, os altos índices de encarceramento, a seletividade penal, um estudo sobre as vítimas, os delinquentes, os menores, etc. Todas essas nuances da realidade são negligenciadas se o modelo de formação jurídico-penal for pautado exclusivamente no ensino do Direito jurídico-penal, pois, de forma recorrente, “o penalista se ocupa da lei, não da realidade”22.

18 MORIN, Edgar. op. cit., p. 13.

19 ALMEIDA FILHO, Naomar. Interdisciplinaridade na Universidade Nova: Desafios para a

Docência. In: Cervi, G; Rausch, R.B (orgs.) Docência Universitária: concepções, experiências e

dinâmicas de investigação. Blumenau: Meta Editora, 2014, p. 23.

20 SOUSA SANTOS, Boaventura de; ALMEIDA FILHO, Naomar de. A universidade no século XXI:

para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008. p. 246.

21 DIAS DOS SANTOS, Ílison. En busca de la justicia restaurativa: un cambio de paradigma en el

Derecho Penal de garantias. Buenos Aires/Montevideo: Editorial B de f, 2018, p. 107-108. (tradução

minha).

(20)

Para compreender essa realidade social e o fenômeno criminal que nela está inserido, é necessário, portanto, o diálogo entre os diversos campos de saberes na formação jurídico-penal, de modo que o Direito jurídico-penal, a criminologia, a política criminal, a vitimologia, a sociologia, a antropologia, a psicologia, a história, a filosofia e diversos outros conhecimentos, possam conjuntamente estabelecer uma interação e integração de ideias, conceitos, terminologias, metodologias, de forma horizontal e complementar23, visando um aprofundamento teórico-cientifico socialmente responsável para “considerar a situação humana no âmago da vida, na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de nossa época”24.

Para o avanço nessa compreensão, a formação jurídico-penal contemporânea necessita romper o isolamento existente entre os campos de saberes, sendo a interdisciplinaridade “o principal remédio contra o isolamento científico e principalmente epistemológico”25, pois

estimula a promoção de espaços de saberes mais democráticos, nos quais o estudante tenha acesso aos dados da realidade provenientes das mais diferentes fontes, pois só assim é possível exercer uma reflexão crítica sobre o fenômeno criminal.

Ao propor o diálogo horizontal entre os mais variados saberes, busca-se “ultrapassar a epistemologia cartesiana, tornando-nos capazes de transgredir fronteiras cognitivas e metodológicas, e sobretudo, propiciando a construção de modos de construção do conhecimento mais integradores e respeitosos da complexidade do mundo”26. Assim, a

interdisciplinaridade constrói premissas para que não haja nenhum tipo de conhecimento privilegiado em relação aos demais, impossibilitando a existência de julgamentos, hierarquizações, discursos de maior ou menor cientificidade e concepções narcisistas entre eles.

1.1.3 A formação humanista e o conhecimento socialmente relevante

É necessário que a formação jurídico-penal ultrapasse a fragmentação dos saberes por meio da interdisciplinaridade, para compreender o fenômeno criminal em seus mais diversos aspectos, sem negligenciar uma concepção humanista do conhecimento, que respeite as diversidades e particularidades da sociedade, e, sobretudo, ciente dos limites e do alcance de suas práticas27.

23PEDROZA FLORES, René. La interdisciplinariedad en la universidad. In: Tiempo de Educar, vol. 7, n. 13, Toluca: UAEM, 2006, p. 89. (tradução minha)

24 MORIN, Edgar. op. cit., p. 17.

25 PIAGET, Jean. Sabedoria e Ilusões da Filosofia. In: Os Pensadores - Piaget. Traduções de Nathanael

C. Caixeiro, Zilda A. Daeir, Celia E.A. Di Pietro. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 230.

26 ALMEIDA FILHO, Naomar. op cit., p. 23.

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A concepção de formação humanista aqui adotada se apresenta pelo “estabelecimento de um processo formativo cujo resultado não é a aprendizagem instrumental de informações e conhecimentos especializados, mas a constituição de um sujeito que se insere na dimensão histórica de um mundo”28, através do estudo prévio das humanidades. Longe de ser mais uma

formação voltada exclusivamente para o mercado de trabalho, a formação humanista busca incentivar nos indivíduos a reflexão de seu estar no mundo, por meio da consciência de si mesmo e pela compreensão da sua trajetória.

Essa dimensão humanista deve ser uma premissa ao se debruçar academicamente sobre a questão criminal, pois permite a compreensão dos fenômenos sociais por várias perspectivas e habilita os estudantes para a reflexão crítica sobre as teorias discutidas no processo formativo e o possível distanciamento existente em sua reverberação prática. Também possibilita um constante diálogo teórico-prático que aporta dados da realidade e, com isso, cria um olhar sensível dos discentes sobre contexto social em que a Universidade está inserida, o que por muito tempo foi excluído do modelo de conhecimento científico linear e positivista.

A formação jurídico-penal não pode se voltar apenas ao conhecimento puramente técnico da análise de condutas tipificadas pela legislação penal e suas correspondentes sanções, desprezando completamente a possibilidade de interação interdisciplinar com outros saberes29. É preciso avançar criticamente e perceber, por meio de uma formação humanista aliada ao diálogo entre os campos de saberes, as questões que fazem parte do pano de fundo das legislações criminais positivadas.

O repertório universitário da formação jurídico-penal, tradicionalmente marcado pela hierarquia e certeza irredutível do Direito penal em detrimento dos demais saberes, cria ilhas de percepção da realidade, causadas, em grande medida por uma “extrema especialização acadêmica, que provoca uma parcialização de conhecimentos que impede conectá-los de forma harmônica”30, legitimando as legislações positivadas e, consequentemente, reproduzindo

violências, por sua característica acrítica e hiperespecializada31.

28 CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Os ideais da formação humanista e o sentido da experiência

escolar. In: Pesquisa e Educação, v. 43, n. 4. São Paulo: Revista de Educação da USP, 2017. p. 103.

29 PASTANA, Débora Regina. Ensino Jurídico no Brasil: perpetuando o positivismo científico e

consolidando o autoritarismo no controle penal. In: Educação: Teoria e Prática, v. 17, n. 29, 2007. p.

110

30 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Derecho Penal Humano y Poder em el Siglo XXI. México: CESCIJUC,

2017, p. 53

31 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2008, p. 74. “É

hoje reconhecido que a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos.”

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É necessário viabilizar essa abertura metodológica e pedagógica de cunho humanista e interdisciplinar para que se possa compreender a questão criminal em sua multiplicidade de aspectos e cumprir a missão universitária de capacitar seus discentes para atuarem de forma crítica e reflexiva na sociedade.

Nesse sentido, pode a formação jurídico-penal na Faculdade de Direito, desde que aberta à concepção interdisciplinar de encontro de saberes, da reflexão crítica e do ideal humanístico de ensino, contribuir com a concretização da missão universitária de nosso tempo, através da promoção de ensino, pesquisa e extensão com imbricada relevância social, ou seja, de ser um “espaço de preservação e renovação dos valores democráticos e republicanos; de arena do pensamento crítico e inquieto; de centro da vida intelectual que sustenta uma relação reflexiva e ativa com o mundo circundante”32 e compreender os aspectos complexos e

plurifacetados do fenômeno criminal.

Diante dessas considerações é que se parte para a análise normativa histórica do surgimento dos primeiros cursos jurídicos no Brasil e do desenvolvimento da formação jurídico-penal durante esse processo, para posteriormente passar à compreensão da interdisciplinaridade na formação jurídico-penal da FDUFBA e perceber as nuances de seu Projeto Político Pedagógico, das ementas das disciplinas e das percepções dos estudantes em relação a esse processo.

1.2 DO SURGIMENTO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Antes de adentrar na formação jurídico-penal na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – FDUFBA, é preciso entender o contexto do surgimento dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, de que forma ocorreram as mudanças no ensino jurídico brasileiro ao longo dos anos, para posteriormente, compreender de forma especifica, o surgimento da Faculdade de Direito da UFBA e como o seu ensino jurídico-penal se desenvolve nesse processo.

Nesse sentido, é preciso se dedicar, ainda que de forma rápida, ao advento das Faculdades de Direito em nosso país e as principais mudanças ocorridas na formação de seus estudantes, bem como, nas transformações durante esse período, estritamente relacionadas com o interesse social da época, principalmente, das elites econômicas e políticas.

32 MELLO, Alex Fiúza de; ALMEIDA FILHO, Naomar de; RIBEIRO, Renato Janine. Por uma

Universidade socialmente relevante. In: Atos de pesquisa em educação – PPGE/ME, v. 4, n. 3, FURB,

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Desde logo, é preciso deixar claro que, diante desse vasto conteúdo relacionado às discussões que permearam a implementação de Universidades e cursos jurídicos no Brasil, não seria possível tecer uma análise aprofundada em relação às discussões fundantes de todo este processo, vez que transbordaria em muito os objetivos deste trabalho33.

1.2.1 O ensino jurídico (penal) no Brasil Colônia, no Período Imperial e na República

Pode-se iniciar partindo da análise dos cursos jurídicos, com vistas no período colonial brasileiro, ao perceber que naquela época os filhos da elite local precisavam se deslocar até a Universidade de Coimbra, em Portugal, ou para outras Universidades europeias, em menor proporção, para realizarem seus estudos superiores, vez que, para o Império Português não era interessante a existência desses cursos formativos em suas colônias, pois temiam o surgimento de ideais revolucionários e emancipatórios no âmbito acadêmico34. Dessa forma, se percebe que Portugal exercia também um grande monopólio na formação superior brasileira e, com isso, chegavam da Universidade de Coimbra a maioria dos juristas brasileiros no período imperial. Os cursos superiores buscados pela aristocracia local na Universidade de Coimbra eram, sobretudo, de Medicina, Teologia e Direito, em face do prestígio social que essas profissões tinham na época. E por meio da influência exercida até o século XVIII pela Companhia de Jesus35 nas universidades portuguesas, o ensino superior concebido era fulcrado na escolástica36, espécie de conhecimento que entendia ser indispensável o completo respeito à doutrina e às fontes sagradas da autoridade, sendo que as aulas ministradas em Coimbra seguiam a lógica de aulas magistrais, nas quais o conhecimento era exclusivamente passado do professor para seus alunos de forma verticalizada.

A procura pelos cursos jurídicos em Coimbra, por exemplo, estava diretamente relacionada aos anseios de uma elite, economicamente privilegiada, em busca de uma formação

33 Existe uma considerável biografia que se propõe a essa análise. Ver, entre outros, APOSTOLOVA,

Bistra Stefanova. A criação dos cursos jurídicos no Brasil: tradição e Inovação. 192 p. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Em sua tese, a autora realizou uma análise sobre a da criação das primeiras Faculdades de Direito no Brasil, por meio do estudo dos discursos parlamentares das diversas Assembleias Constituintes ocorridas no país.

34 SILVA, Vânia Regina de Vasconcelos Reis e. Os processos de ensino e de aprendizagem no curso

de Direito. 261 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de

Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2012. p. 41.

35 Ordem religiosa da igreja católica fundada pelo padre Inácio de Loyola que tinha como objetivos a

catequização e evangelização das pessoas por meio da transmissão de dogmas.

36 SOUSA SANTOS, Boaventura de; ALMEIDA FILHO, Naomar de. A universidade no século XXI:

(24)

superior que proporcionasse, especialmente, um atalho para a obtenção de cargos políticos e administrativos ao retornarem de seus estudos para o Brasil.

Após a chamada separação de Portugal, ocorrida em 1822, e superada a fase de intensos debates sobre quais cidades seriam sedes dos primeiros cursos jurídicos37, o então Ministro do Império, Estevam Ribeiro de Rezende, assina o Decreto de 9 de Janeiro de 1825, determinando a criação de um curso jurídico na cidade do Rio de Janeiro, o qual, mesmo tendo sido regulamentado em 2 de Março de 1825, por meio da publicação do Estatuto de Visconde da Cachoeira, jamais fora implantado no país.

Posteriormente, por meio da Lei de 11 de agosto de 182738, surgem nas províncias de Olinda e São Paulo as primeiras experiências de cursos de Direito no Brasil, chamados à época de Cursos de sciencias jurídicas e sociais. Nesse período, o ensino se manteve conforme o modelo institucional e pedagógico da Universidade de Coimbra, que também exercia o controle do currículo, da metodologia de ensino e de toda a organização dos cursos, e adotava inclusive o seu próprio estatuto nos cursos sediados no Brasil.

Com efeito, afirma Gidi39 que “fizera-se a independência; mas sob inúmeros aspectos,

continuávamos sob a pressão da antiga metrópole lusitana” e mesmo com a existência de cursos de ciências jurídicas e sociais no Brasil, o monopólio e a forma de ensino continuavam seguindo os ditames portugueses, na tentativa de dificultar a efetiva independência política e intelectual da antiga colônia.

Analisando as matérias estabelecidas com base na Lei de 11 de agosto de 182740, que cria os primeiros cursos jurídicos no Brasil, se percebe claramente o domínio a pulso firme ainda exercido por Portugal, uma vez que os estudos deveriam se desenvolver com base nas

37 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. op. cit., p. 73-83. Diversos eram os interesses políticos e

econômicos que estavam por trás da escolha pelas sedes dos primeiros cursos jurídicos no Brasil.

38 BRASIL. Lei de 11 de agosto de 1827. Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unanime acclamação

dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte:

Art. 1.º - Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes (...)

39 GIDI, Antônio. Anotações para uma história da Faculdade de Direito da Bahia. Salvador: Faculdade

de Direito da UFBA, 1991. p. 25.

40 BRASIL. Lei de 11 de agosto de 1827. Art. 1º: “1.º ANNO - 1ª Cadeira. Direito natural, publico,

Analyse de Constituição do Império, Direito das gentes, e diplomacia; 2.º ANNO - 1ª Cadeira. Continuação das materias do anno antecedente. 2ª Cadeira. Direito publico ecclesiastico; 3.ºANNO - 1ª Cadeira. Direito patrio civil. 2ª Cadeira. Direito patrio criminal com a theoria do processo criminal; 4.º ANNO - 1ª Cadeira. Continuação do direito patrio civil. 2ª Cadeira. Direito mercantil e marítimo; 5.º ANNO - 1ª Cadeira. Economia politica. 2ª Cadeira. Theoria e pratica do processo adoptado pelas leis do Imperio.

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leis do Império – as Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603, por Filipe I, Rei de Portugal – com vistas à perpetuação do controle e a manutenção das tradições do império.

Com relação às ciências criminais, campo de interesse deste trabalho, vê-se que existia apenas uma disciplina, cursada exclusivamente no terceiro ano do curso, denominada “Direito patrio criminal com a theoria do processo criminal”41, no qual deveria ser estudado o Direito

Criminal português previsto no livro V das supracitadas ordenações, por meio da sistematização e análise de artigos através da ciência dogmática42, mesmo com a contradição do estudo de uma legislação pensada para ser aplicada a uma realidade social distinta.

Vale ressaltar que, também neste período de pós independência em relação a Portugal, o principal objetivo daqueles que se empenhavam nessa formação jurídica continuava voltado ao mercado de trabalho, preferencialmente, para o exercício da advocacia e da magistratura, profissões altamente almejadas pelos bacharéis recém formados nos cursos de ciências jurídicas e sociais da época, que visavam a ocupação de cargos no país.

O Curso de sciencias jurídicas e sociais situado em Olinda, por meio do Decreto nº 1.386 de 28 de abril de 1854, passa a ser ministrado em Recife. Neste mesmo ano, juntamente com o curso criado em São Paulo, formaliza-se as duas primeiras Faculdades de Direito brasileiras oficialmente registradas. Além da mudança territorial para Recife e da alteração na nomenclatura do curso43, a reforma também fez alterações nos estatutos dos cursos jurídicos, incluindo as disciplinas de Direito Marítimo, Direito Administrativo, Direito Romano e Hermenêutica Jurídica, contudo, ainda persistiam nessa época as tradições portuguesas da formação jesuítica no ensino, bem como o traço elitista dos egressos e a vinculação dos cursos aos interesses do Estado.

Dessa forma, e no sentido do já anteriormente evidenciado, o Decreto nº 1.386 de 28 de abril de 1854, que oficialmente registra as duas primeiras Faculdades de Direito em nosso

41 Nesse sentido, estabelecia estatuto para o Curso Jurídico pelo Decreto de 9 de Janeiro de 1825,

organizado pelo Conselheiro de Estado Visconde de Cachoeira, que o estudo do Direito pátrio criminal deveria se iniciar com o tratado De Juri Criminali, para compreensão das doutrinas de Direito romano, para posteriormente adentrar ao estudo do “systema de legislação criminal” e por sua vez ao “systema de processo criminal”.

42 CARVALHO, Salo de. Ensino e Aprendizado das Ciências Criminais no século XXI. Revista

Brasileira de Ciências Criminais, v. 69, 2007, p. 240. A Ciência Dogmática surge no século XIII com a Escola de Exegese francesa e as contribuições de Hudolf Von Ihering, cujo objetivo seria o de sistematizar conceitualmente as normas estatais.

43 Art. 1º do Decreto nº 1.386 de 28 de abril de 1854: “Os actuaes Cursos Juridicos serão constituidos

em Faculdades de Direito; designando-se cada huma pelo nome da Cidade, em que tem, ou possa ter assento”. Anteriormente, as Faculdades de Direito eram chamadas de Academia de Direito ou curso de ciências jurídicas.

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país, mesmo criando um currículo jurídico distinto44 do anterior, em nada altera a vinculação dos cursos jurídicos ao modelo de ensino lusitano, o que se pode perceber pela análise das matérias, que evidentemente fazem referência às legislações portuguesas.

Com relação às ciências criminais, as únicas alterações feitas no currículo foram o acréscimo do Direito Militar na 2ª Cadeira do 3º ano de curso, junto com o Direito Criminal e o Processo Criminal que passou para 1ª cadeira do 5º ano. Também não se estudava mais o livro V das Ordenações Filipinas, tendo em vista a promulgação, em 16 de Dezembro de 1830, do Código Penal do Império, que vigorou durante todo o período imperial, sendo substituído apenas em 1890.

Posteriormente foi estabelecido o Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879, chamado de reforma do ensino livre ou reforma Leôncio de Carvalho, que previa, dentre outras coisas, a existência de Faculdades Livres, que poderiam ser criadas e mantidas por meio da associação de pessoas físicas. Após o período de funcionamento efetivo durante sete anos, seriam regularizadas pelas instituições oficiais do governo. Pode-se dizer, inclusive, que essa reforma foi o embrião para o surgimento futuro das instituições de ensino superior privadas no pais, sobretudo as católicas.

Quanto a análise das respectivas matérias do currículo das Faculdades de Direito, com a reforma Leôncio de Carvalho, é possível perceber que não existiram grandes novidades com relação às reformas anteriores. Como mudança, houve a inserção da cadeira de Medicina Legal junto às matérias tradicionais e a de Direito Eclesiástico passou a ser uma disciplina optativa, na qual os estudantes não católicos poderiam deixar de cursá-la, já dando marcas de uma tentativa de separação entre a Igreja Católica e o Estado.

Com relação às Ciências Criminais também não ocorreram grandes inovações, sendo mantida a mesma concepção positivista no ensino da matéria Direito Criminal, pautada na interpretação dos artigos do Código Penal do Império, ainda vigente à época.

Vale ressaltar que aproximadamente três anos após a publicação do Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879 foi elaborada uma Comissão de Instrução Pública, para discutir a

44 Art. 3º do Decreto nº 1.386/1854: O curso de estudos, em cada huma das Faculdades será, como até

agora, de 5 annos, sendo as materias do ensino distribuidas pelas seguintes cadeiras. 1º Anno - 1ª Cadeira: Direito natural, Direito Publico Universal, e Analyse da Constituição do Imperio. 2ª Cadeira: Institutos de Direito Romano; 2º Anno - 1ª Cadeira: Continuação das materias da 1ª cadeira do 1º anno, Direito das Gentes e Diplomacia. 2ª Cadeira: Direito Ecclesiastico; 3º Anno - 1ª Cadeira: Direito Civil Patrio, com a analyse e comparação do Direito Romano. 2ª Cadeira: Direito Criminal, incluido o militar; 4º Anno - 1ª Cadeira: Continuação das materias da 1ª cadeira do 3º anno. 2ª Cadeira: Direito Maritimo, e Direito Commercial; 5º Anno - 1ª Cadeira: Hermeneutica Juridica, Processo civil e criminal, incluido o militar, e pratica forense. 2ª Cadeira: Economia Politica. 3ª Cadeira: Direito Administrativo.

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reforma, surgindo um parecer de relatoria de Rui Barbosa, considerado, inclusive, um dos mais significativos documentos sobre o ensino jurídico no segundo Império brasileiro45. Nesse parecer, Rui Barbosa analisa minuciosamente todos os aspectos da reforma Leôncio de Carvalho, sugerindo, por exemplo, a exclusão da matéria Direito Eclesiástico e a substituição de Direito Natural por Sociologia, bem como a inclusão da matéria História do Direito Nacional nos currículos das Faculdades de Direito. O parecer também festejava a criação de duas cadeiras para Direito Criminal, vez que, anteriormente só existia uma cadeira, que era lecionada no período de um ano e por apenas um catedrático46.

De fato, a reforma Leôncio de Carvalho, longe de resolver todos os problemas do ensino jurídico brasileiro, lhe proporcionou diversas contribuições para o avanço, sendo, por exemplo, a principal responsável pela expansão do número de Faculdades de Direito no país, quebrando o monopólio dos cursos existentes em São Paulo e Recife47.

Com o fim do Império e o advento da República em 1889, e a partir de criação de uma nova Constituição em 1891, diversas transformações políticas ocorreram no Brasil, fazendo surgir a necessidade pela afirmação dos ideais republicanos. Isso ocasionou uma grande procura das aristocracias locais pela formação jurídica para a ocupação dos altos cargos estatais e para a atuação burocrática na interpretação de leis e elaboração de normas jurídicas48, o que fez com que vários cursos jurídicos fossem criados para atender a esta nova demanda. Ao tecer uma análise sobre esse contexto, Magalhães49 ressalta que, ainda nesse período, o ensino jurídico “pautava-se na formação elitista para preparar ocupantes de cargos públicos” tendo a metodologia de ensino rompido com a prática eclesiástica anteriormente utilizada, passando a adotar a “prática normativista positivista” nas salas de aula, já que a concepção positivista do fenômeno jurídico era amplamente aceita nesse período.

45 MAGALHÃES, Daniella Santos. O ensino jurídico no Brasil: uma crítica à luz da análise do discurso.

153 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. p. 93.

46 BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. Vol. IX, Tomo I. Rio de Janeiro:

Ministério da Educação e Saúde. 1882, p. 102-103. “Lecionadas por um só catedrático no espaço de um ano, ou não permitirão ao professor, por conciencioso e hábil que seja, vencer mais que meio caminho, ou, se o lente conceber a veleidade de percorrer todo o assunto, não poderá ser senão pela rama, sem a mínima solidez, deixando apenas no espirito do aluno superficialidades, rudimentos, sombras, reminiscências, incapazes de aproveitar-lhe seriamente nos estudos e trabalhos da carreira, a que se propõe. É o que hoje sucede, e ao que cumpre pôr termo”.

47 Diversas universidades foram criadas após a reforma de Benjamin Constant, dentre elas, a Faculdade

Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, a Faculdade Livre de Direito da Bahia (1891), Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais (1891), a Faculdade de Direito do Ceará (1893), Faculdade de Direito de Porto Alegre (1903), a Faculdade de Direito do Pará 1903), etc.

48 GIDI, Antônio. op. cit., p. 25.

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Durante esse período uma grande busca por modernização permeava o ideário brasileiro, tanto que, posteriormente é publicado o Decreto nº 1.232 H de 2 de janeiro de 1891, também chamado de reforma Benjamin Constant, que regulamentou as instituições de ensino jurídico e buscou adequar seu ensino à natureza federativa da Constituição de 1891, para, com isso, fortalecer o ensino livre nos cursos superiores, na tentativa de desvinculá-los dos interesses estatais, como outrora ocorria, colaborando assim para a expansão do ensino superior no Brasil. Essa liberdade de ensino, em verdade, dizia respeito à liberdade de particulares na possibilidade de criação de instituições de ensino superior – IES50 e não à liberdade de cátedra.

A reforma Benjamin Constant passou a oferecer, também, o curso de Notariado, juntamente com Ciências Sociais e Ciências Jurídicas nas Faculdades de Direito. Dessa forma, poderiam os estudantes no momento de matrícula, optar pelo curso que mais lhes fosse interessante. Com relação ao currículo dos cursos jurídicos, a reforma manteve o ensino do Direito Romano, de tradição visivelmente Imperial e substituiu o ensino do Direito Natural pelas matérias de Filosofia do Direito juntamente com a História do Direito, apresentando um avanço nesse âmbito.

Quanto às ciências criminais, o currículo da República também não apresentava grandes mudanças, uma vez que manteve o ensino do Direito Criminal em apenas uma cadeira, que deveria ser ensinado no segundo ano. Diferentemente do proposto por Rui Barbosa, em seu parecer anteriormente referenciado, não ampliou o ensino para duas cadeiras, muito menos inseriu a matéria de Sociologia Jurídica, de importância fulcral para a compreensão adequada da realidade local e do fenômeno jurídico-criminal, mantendo com isso, um ensino completamente voltado à análise positivista51 e linear, divorciado da realidade social.

Dando continuidade a esse período de transformações e seguindo os efeitos da Reforma de Benjamin Constant é que se publicou a Lei nº 314 de 30 de outubro de 1895, responsável por reorganizar o ensino nas Faculdades de Direito do país, ampliando a duração do curso, de quatro, para cinco anos. Além dessa mudança, a Lei nº 314/1895 também tratou de abolir o ensino de Ciências Sociais e Notariado, mantendo apenas a graduação em Direito nas suas respectivas Faculdades.

50 BOAVENTURA, Edivaldo Machado. A construção da universidade baiana: objetivos, missões e

afrodescendência. Salvador: EDUFBA, 2009. O Estado e a educação superior na Bahia, uma perspectiva histórica. p. 114.

51 ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Faculdade de Direito da Bahia: processo histórico e agentes de criação

da Faculdade Livre no final do século XIX. Salvador: Fundação Faculdade de Direito da Bahia, 2015. p. 25. Não por acaso, Benjamin Constant foi influenciado pelas ideias de Augusto Comte, tornando-se o principal propagador das ideias positivistas no país.

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Quanto ao currículo, essa Reforma tratou de forma autônoma a matéria Filosofia do Direito, História do Direito e Economia Política, concedendo-as cadeiras para o ensino apartado de seus conteúdos. Em relação às Ciências Criminais, a reforma também inovou, ampliando para duas, as cadeiras de Direito Criminal, sendo que a segunda seria voltada ao programa de Direito Penitenciário e Militar. Nesse quesito, a ampliação da cadeira de Direito Criminal representou um ponto positivo, contudo, a formação jurídico-penal, pelo que se infere da análise da reforma, ainda estava centrada no estudo das legislações penais pátrias e no estudo comparado da legislação penal das ditas nações cultas sem a mínima abertura interdisciplinar, evidenciada pelo diálogo profícuo com os demais campos de saberes.

Nesse sentido é que, ao analisar as reformas que tiveram impacto nas Faculdades de Direito no período republicano, Bastos52 evidencia que, “tínhamos um simulacro de ensino jurídico superior, que influiu negativamente na nossa formação educacional”, demonstrando com isso que os anseios sociais não estavam encontrando salvaguarda nos cursos jurídicos e mesmo com as diversas reformas que passava, não conseguia analisar o fenômeno jurídico de forma efetiva, bem como formar profissionais hábeis para as demandas de seu povo.

Posteriormente, é publicado o Decreto nº 3.903 de 12 de janeiro de 1901, que fez mais uma reforma ao ensino jurídico brasileiro, e no âmbito dos currículos, apenas realocou as matérias, o que do ponto de vista prático não trouxe maiores consequências. Alteração considerável foi a retirada do programa de ensino da disciplina História do Direito, por sua vez, mantendo a disciplina Direito Romano, em um verdadeiro retrocesso, demonstrando uma vez mais, o desinteresse pelo estudo crítico do Direito e a contínua vinculação das Faculdades de Direito às tradições portuguesas e ao modelo de ensino herdado do Império.

Em 1911 foi publicado o Decreto nº 8.659 de 05 de abril de 1911, que aprovou a Lei Orgânica do Ensino Superior e criou o Conselho Superior de Ensino53, transferindo-lhe a função de fiscalizador das instituições de ensino superior que era anteriormente exercida pelo Estado. Este decreto também deu um importante passo no sentido da busca pela autonomia das instituições de ensino superior ao estabelecer, em seu art. 3º, que os institutos passariam a ter personalidade jurídica, trazendo com isso uma série de direitos para as IES.

Seguindo os ditames estabelecidos pelo Decreto nº 8.659 de 1911, que também funcionou como fundamentação legal, publicou-se no mesmo ano, o Decreto nº 8.662, de 5 de abril de 1911, conhecido como Reforma Rivadávia Corrêa, com o intuito de aprovar o

52 BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1998. p. 146. 53 MAGALHÃES, Daniella Santos. op. cit., p. 57.

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regulamento das Faculdades de Direito no país. Dentre outras mudanças, a reforma estabeleceu que o curso de Direito passasse a ser ensinado em 06 anos e as Faculdades receberiam o nome das respectivas cidades a que fizessem parte.

Quanto ao currículo dos cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, a Reforma Rivadávia Corrêa trouxe algumas inovações. Inicialmente incluiu a cadeira de Introdução Geral ao Estudo do Direito ou Enciclopédia Jurídica, modificação bem distinta dos padrões de ensino da época, pois tal matéria se apresentava com o conteúdo mais aberto, que não priorizava a análise das legislações e dos códigos, mostrando-se, com isso, extremamente relevante para a compreensão mais profunda do fenômeno jurídico e suas reverberações sociais à época.

Outro ponto interessante trazido pela reforma foi a inovação, ao se enumerar pela primeira vez, quais conteúdos seriam trabalhados na cadeira de Direito Civil – Direitos de família, patrimonial, reais e sucessões. Infelizmente, no âmbito da formação jurídico-penal, nenhuma alteração ou inovação foi efetuada, mantendo-se o estabelecido anteriormente, no sentido de se estudar Direito Criminal em dois períodos, sendo que o segundo seria especialmente Direito Militar e Penitenciário, o que revela uma vez mais, o modelo formativo voltado apenas para o ensino da legislação criminal, desmerecendo, com isso, as importantes contribuições que adviriam de um olhar interdisciplinar sobre o fenômeno jurídico, sobretudo jurídico-penal.

Posteriormente foi publicado o Decreto nº 11.530 de 18 de março de 1915, também conhecido como Reforma Carlos Maximiliano, com o intuito de reorganizar o ensino secundário e o superior na República, obviamente refletindo nas Faculdades de Direito do país. Também foi responsável por instituir os exames vestibulares, que ocorriam em duas fases, prova escrita e oral.

No âmbito desta reforma, os currículos jurídicos passaram a privilegiar a prática em detrimento da teoria, de forma que os estudantes se aprofundassem no estudo e redação de peças jurídicas.

Com relação à formação jurídico-penal, a reforma Carlos Maximiliano não trouxe nenhuma alteração significativa, exceto a substituição da nomenclatura Direito Criminal por Direito Penal. Fora esse aspecto, nenhuma outra mudança ocorreu, vez que Direito penal continuou a ter apenas uma cadeira, de forma que era ministrado ao longo do curso apenas no terceiro e no quarto ano, sendo que neste, se estudaria exclusivamente Sistemas Penitenciários

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e Direito Penal Militar54. Nesse sentido, se pode afirmar que o ensino do Direito Penal não acompanhava os mesmos avanços que o ensino do Direito Civil e o Direito Comercial obtiveram na época, tendo em vista que, o conteúdo que deveria ser ensinado na matéria de Direito Penal continuava sem ser aclarado pelas sucessivas reformas.

Ainda nesse âmbito, percebe-se que a formação jurídico-penal da época se restringia a análise dos artigos do Código Penal, não transparecendo nenhum diálogo com os demais campos de saberes, sobretudo com a Sociologia, a Antropologia e os demais componentes curriculares das Ciências Criminais, como a Criminologia, a Política Criminal e a Vitimologia. Tinha-se uma formação extremamente dogmática e uma compreensão dos fenômenos sociais bastante limitada ao mundo do dever ser previsto nas legislações penais55, ignorando, assim, toda a realidade que estava fora dos muros das Faculdades de Direito.

A Reforma Carlos Maximiliano também não trouxe grandes inovações para o ensino jurídico e muito menos para a estruturação de um currículo voltado à análise crítica dos problemas sociais da época. Em verdade, as Faculdades de Direito continuavam repetindo a velha tradição advinda do Império português de formar bacharéis em sua colônia para a atuação na Advocacia e na Magistratura. Contudo, sem a necessária visão critico-reflexiva da sociedade, se restringindo apenas à missão de formar profissionais para o mercado de trabalho, desconsiderando que além disso, a pesquisa cientifica e humanista, bem como a difusão da cultura, também fazem parte da missão universitária56.

1.2.2 O ensino jurídico (penal) na Reforma Franscisco Campos

Ao tecer uma análise sobre o período republicano, Magalhães57 reconhece que, até a

Revolução de 30, as reformas direcionadas ao ensino jurídico, em sua grande maioria, se voltaram apenas para a realocação de matérias na estrutura curricular dos cursos, mantendo a mesma metodologia de ensino, mesma estrutura de grade curricular e os objetivos de formação dos estudantes, não ocasionando, portanto, mudanças profundas em seu contexto.

Em 1931 inicia-se por meio dos Decretos 19.850, 19.851 e 19.852 de 11 de abril de 1931, idealizados pelo Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos, a Reforma do Ensino

54 Art. 179. O segundo anno de Direito Penal versará exclusivamente sobre Systemas Penitenciarios e

Direito Penal Militar.

55 CARVALHO, Salo. op. cit., p. 255.

56 ORTEGA Y GASSET, José. Misión de la Universidad y otros ensayos sobre educación y pedagogía,

Revista de Occidente en Alianza editorial, Madrid, 1982.

Referências

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