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O Projeto Político Pedagógico e a formação jurídico-penal da Faculdade de Direito da

2. A PERCEPÇÃO DOS DISCENTES E A COMPREENSÃO CRÍTICA DO

2.1 A FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

2.1.2 O Projeto Político Pedagógico e a formação jurídico-penal da Faculdade de Direito da

Como dito no capítulo anterior, dentre as diversas reformas do ensino jurídico que reverberaram nos Cursos de Direito, a Câmara de Educação Superior do CNE, editou a Resolução nº 9 em 29 de setembro de 2004, estabelecendo uma série de mudanças na

86 MODESTO, George Fragoso. Razão de ser deste livro. In: REVEREOR: Estudos jurídicos em

Homenagem à Faculdade de Direito da Bahia: 1891-1981. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 11.

87 BOAVENTURA, Edivaldo Machado. op. cit., p. 114.

88 SOUSA SANTOS, Boaventura de; ALMEIDA FILHO, Naomar de. A universidade no século XXI:

para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008. p. 134. O autor afirma, inclusive, que nos

textos que deram fundamento à criação da UFBA existia a menção expressa de torná-la uma Coimbra brasileira.

estruturação dos cursos, tendo como um dos pontos mais inovadores, a obrigatoriedade do Projeto Pedagógico Institucional89 – PPI, para a organização dos cursos jurídicos brasileiros90. A Resolução também estabeleceu que o curso de Direito deveria proporcionar a interdisciplinaridade, uma sólida formação geral e humanística, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica calcada na relevância social91. Dessa forma, apresentou uma tentativa de rompimento com um modelo de ensino tradicional, linear e dogmático dos cursos jurídicos.

Em 2005, a UFBA instituiu o seu PPI no intuito de elucidar os princípios norteadores e metodologias a serem utilizadas em sua organização administrativa e pedagógica, bem como as metas e objetivos que seriam alcançados nesse âmbito. O PPI previa ações educacionais que não se limitassem à sala de aula, voltadas, sobretudo, a busca por uma formação humanista, interdisciplinar e que capacitasse sujeitos responsáveis por contribuir para a transformação social.

Dessa forma, os cursos de graduação da UFBA deveriam promover alterações para se adequarem ao estabelecido no PPI, atendendo aos princípios gerais ali estabelecidos. Dentre os princípios, os cursos de graduação teriam que proporcionar a flexibilização dos currículos, no sentido de permitir uma série de componentes curriculares optativos para que o estudante pudesse definir o seu percurso de aprendizagem. A autonomia precisaria ser outro princípio observado pelos cursos de graduação, possibilitando aos estudantes atuarem como protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, deixando de lado uma postura passiva, de meros recebedores do conhecimento. A interdisciplinaridade também deveria ser outro princípio observado, para promover o diálogo entre os diversos campos de saberes e a superação da visão fragmentadora do conhecimento.

Diante dessas exigências, a Faculdade de Direito da UFBA, em 04 de maio de 2007, por meio do coordenador do colegiado à época, encaminhou ao Pró-reitor de Ensino de Graduação, uma proposta de restruturação curricular do curso de graduação em Direito, na tentativa de se adequar às demandas contemporâneas, estabelecidas pela Resolução nº 9/04 do CNE e pelo PPI da UFBA.

No entanto, a FDUFBA enviou uma proposta de restruturação curricular e não uma proposta de Projeto Político Pedagógico – PPP do curso, no sentido de observar o disposto na

89 Vale ressaltar que a expressão adotada pela Resolução é Projeto Pedagógico Institucional, todavia,

entendo ser inseparável o termo político para essa concepção, pois um Projeto Pedagógico refletirá sempre as concepções ideológicas daqueles que o realizam. Por ser inevitavelmente político, entendo ser mais coerente adotar a expressão Projeto Político Pedagógico Institucional - PPPI.

90 MAGALHÃES, Daniella Santos. loc. cit.

Resolução nº 9/04 do CNE92. Dentre as diversas recomendações, a proposta de restruturação curricular do curso de graduação em Direito estabeleceu, de forma geral, a necessidade de inserção de disciplinas de outras áreas do conhecimento no currículo, na tentativa de incentivar uma formação humanística e interdisciplinar de seus estudantes.

Partindo desse pressuposto, a reforma curricular da FDUFBA apresentou como uma de suas justificativas a necessidade de ênfase no ensino interdisciplinar, no entanto, sem esclarecer quais seriam as formas de realização dessa interdisciplinaridade no âmbito acadêmico. Ao falar da necessidade do curso jurídico contemplar matérias propedêuticas, indispensáveis para uma formação humanística93, não demonstrou se essa inserção de novas disciplinas seria acompanhada de um efetivo diálogo horizontal entre os campos de saberes – este sim representativo de uma interdisciplinaridade – ou se esses saberes atuariam de forma subsidiária. Se assim fosse, as novas disciplinas funcionariam apenas como mais uma ampliação do currículo jurídico.

Essa tentativa de proporcionar a interdisciplinaridade com o acréscimo exclusivo de novos campos de saberes aos componentes curriculares tradicionais pode contribuir para uma discussão mais plural, no sentido de ser efetuada por aportes multidisciplinares, todavia, não resolve o problema da fragmentação do conhecimento e da inexistência de diálogo entre os campos de saberes, tendo em vista que a concepção de subsidiariedade em relação a determinadas disciplinas, sobretudo as consideradas propedêuticas ou não jurídicas, permanece inalterada pelo modelo de formação tradicional que, geralmente, só considera relevante as de formação profissional.

Essas novas disciplinas que são inseridas aos currículos jurídicos nesses moldes, longe de proporcionar a interdisciplinaridade, acabam por reproduzir o mesmo modelo de cientificidade disciplinar94, tendo em vista que a inserção de novos campos de saberes não tem, por si só, o condão de modificar a postura linear dos cursos jurídicos. Para possibilitar esse diálogo entre os campos de saberes é preciso que não exista a mentalidade de que determinado saber é inferior ou auxiliar a outro95.

92 Convencionou-se, portanto, chamar de PPP do curso a proposta de restruturação curricular ocorrida

2007. Atualmente, o recém criado Núcleo de Pesquisa e Extensão da FDUFBA está coordenando algumas reuniões com o objetivo de construir coletivamente o Projeto Político Pedagógico do Curso de Direito. A primeira dessas reuniões ocorreu durante a confecção deste trabalho, em janeiro de 2018.

93 Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Colegiado do Curso de Direito. Processo de reforma para

Implementação do novo currículo na FDUFBA. 2006, p. 13

94 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2008, p. 75. 95 CARVALHO, Salo. op. cit., p. 257.

Sendo assim, a reforma curricular da FDUFBA também defendeu a importância de estimular a criticidade dos estudantes de graduação, visando formar cidadãos conscientes de sua responsabilidade social96. No entanto, ao proporcionar um modelo de ensino disciplinar, ainda vinculado a uma concepção tradicional de bases lusitanas, na qual o conhecimento é transmitido de forma verticalizada e cuja metodologia se baseia, principalmente, na análise sequencial dos artigos do Código Penal, esse pensamento crítico voltado à responsabilidade social acaba dependendo mais de iniciativas isoladas por parte de alguns estudantes e professores, do que dos pretensos incentivos proporcionados pela instituição.

Outro aspecto importante a ser observado diz respeito ao objetivo geral do curso de Direito da UFBA, trazido pela reforma curricular supramencionada, que passou a ser o de graduar bacharéis em Direito com uma sólida formação humanística, crítica e pautada em um conhecimento técnico-científico sobre o ordenamento jurídico e as relações sociais97.

Esse objetivo geral da formação acadêmica, estabelecido na proposta de reforma curricular da FDUFBA, de certa forma, se mostrou como uma tentativa de ser compatível com a própria missão universitária, no sentido em que busca estimular a criticidade de seus estudantes para a compreensão não só do ordenamento jurídico, mas de seus reflexos nas relações sociais. Apesar disso, não apresentou claramente as medidas efetivas que utilizaria para perseguir a esse objetivo no âmbito formativo.

No mesmo sentido, propôs a capacitação para o mercado de trabalho através do exercício de carreiras jurídicas e também do magistério superior, no entanto, olvidou que a Universidade contemporânea não deve pensar apenas nessa formação profissional – de candidatos para funções do judiciário98 – e sim, buscar incentivar em seus estudantes a extensão, a pesquisa e a reflexão sobre fenômenos jurídico criminais, na tentativa de que possam intervir de maneira técnica e, especialmente, responsável na sociedade em que vivem99.

Ao considerar a reforma curricular apresentada pela FDUFBA, se percebe a tentativa de desenvolver uma proposta mais interdisciplinar na formação jurídico (penal) de seus discentes. No entanto, ainda manteve em sua estrutura um currículo majoritariamente

96 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Colegiado do Curso de Direito. Processo de reforma para

Implementação do novo currículo na FDUFBA. p. 13

97 Ibidem. p. 16

98 SÁ E SILVA, Fábio Costa Morais de. op. cit., p. 38.

99 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: o Social e o Político na Pós-Modernidade. 14ª

ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 385. Analisando o atual modelo de Universidade, SOUSA SANTOS entende que “é cada vez mais importante fornecer aos estudantes uma formação cultural sólida e ampla, quadros teóricos e analíticos gerais, uma visão global do mundo e das suas transformações de modo a desenvolver neles o espírito crítico, a criatividade, a disponibilidade para inovação (...)”.

compreendido por disciplinas obrigatórias e outras, em menor quantidade, de caráter optativo, fazendo com que os estudante passem a privilegiar aquelas em detrimento destas – por considerá-las menos importantes – o que acaba por dificultar uma aproximação entre esses campos de saberes distintos.

Ao não proporcionar uma formação mais flexível, com um maior número de disciplinas optativas, de modo que o estudante pudesse contemplar boa parte do seu currículo acadêmico com base em suas predileções, a FDUFBA adota um modelo no qual, conforme ensina Carvalho100, “a riqueza da interdisciplinaridade redunda na pobreza e na mediocrização do conhecimento através da auxiliaridade, produzindo-se as patologias que atualmente são verificadas nos cursos de graduação”. Ou seja, realiza um ensino disciplinar, com predominância do Direito Penal na formação jurídico-penal dos estudantes, que acaba por privilegiar o estudo sistematizado do Código Penal e desconsiderar os dados da realidade, na tentativa de compreensão do fenômeno criminal por meio de apenas uma perspectiva.

Os aspectos abordados na reforma curricular proposta pela FDUFBA evidenciam que a tentativa de proporcionar uma formação interdisciplinar, humanista, crítica e socialmente responsável dos estudantes, não conseguiu atingir todas as suas potencialidades, tendo em vista que foram adotadas algumas estratégias pouco efetivas, como as modificações estruturais nos currículos, amplamente realizadas nas anteriores reformas do ensino jurídico brasileiro e que não surtiram os efeitos desejados.

Nesse sentido, não basta exclusivamente acrescentar novas disciplinas à formação jurídico-penal, na tentativa de proporcionar interdisciplinaridade para os estudantes, bem como, não é possível continuar mantendo o Direito penal em um patamar superior – às vezes exclusivo – em relação aos demais campos de saberes e esperar uma postura crítica e socialmente responsável dos futuros operadores do direito, já que foram treinados para enxergar a realidade através dos artigos do Código Penal.

A FDUFBA precisa estimular novas estruturas formativas, no sentido de superar modelos de ensino disciplinares e positivistas, para tentar compreender o fenômeno criminal em toda sua complexidade. Nesse sentido, Sousa Santos101 adverte que “o direito, que reduziu a complexidade da vida jurídica à secura da dogmática, redescobre o mundo filosófico e sociológico em busca da prudência perdida”, sendo necessário, portanto, elaborar coletivamente novos caminhos formativos e, sobretudo, político pedagógicos que possam proporcionar a

100 CARVALHO, Salo. op. cit., p. 260.

interdisciplinaridade na formação jurídico-penal de seus estudantes. Assim, poderão ser assegurados meios possíveis para compreensão do fenômeno criminal de forma crítica, sem perder de vista a nossa realidade e a responsabilidade social dos atores nesse processo de ensino-aprendizagem.

2.2 A PERSPECTIVA DOS DISCENTES SOBRE A FORMAÇÃO JURÍDICO-PENAL DA