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1. BREVE ANÁLISE DO ENSINO JURÍDICO-PENAL NO BRASIL

1.2 DO SURGIMENTO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

1.2.2 O ensino jurídico (penal) na Reforma Franscisco Campos

Ao tecer uma análise sobre o período republicano, Magalhães57 reconhece que, até a

Revolução de 30, as reformas direcionadas ao ensino jurídico, em sua grande maioria, se voltaram apenas para a realocação de matérias na estrutura curricular dos cursos, mantendo a mesma metodologia de ensino, mesma estrutura de grade curricular e os objetivos de formação dos estudantes, não ocasionando, portanto, mudanças profundas em seu contexto.

Em 1931 inicia-se por meio dos Decretos 19.850, 19.851 e 19.852 de 11 de abril de 1931, idealizados pelo Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos, a Reforma do Ensino

54 Art. 179. O segundo anno de Direito Penal versará exclusivamente sobre Systemas Penitenciarios e

Direito Penal Militar.

55 CARVALHO, Salo. op. cit., p. 255.

56 ORTEGA Y GASSET, José. Misión de la Universidad y otros ensayos sobre educación y pedagogía,

Revista de Occidente en Alianza editorial, Madrid, 1982.

Superior no Brasil, também conhecida como Reforma Francisco Campos. Essa Reforma é considerada por Bastos58 como “o marco de ruptura com os instáveis e frágeis padrões educacionais vigentes na Primeira República”.

O Decreto 19.850 de 11 de abril de 1931 previa a criação do Conselho Nacional de Educação - CNE, órgão consultivo do Ministério da Educação e Saúde, responsável por colaborar com o Ministro para a elevação do nível cultural do país e fundamentar, por meio de incentivos na educação profissional, o desenvolvimento necessário para a grandeza da nação. Por sua vez, o Decreto 19.851 de 11 de Abril de 1931, intitulado Estatuto das Universidades Brasileiras, estabeleceu expressamente a finalidade do ensino universitário59 – elevar o nível de cultura geral, estimular a investigação científica em quaisquer domínios do conhecimento humano, habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e cientifico superior – bem como, que o ensino superior brasileiro obedeceria preferencialmente ao sistema universitário, também sobre a regulamentação do ensino superior e a organização administrativa e técnica das universidades.

O Decreto, ao tratar da Constituição das Universidades brasileiras60, ainda estabelecia

que estas poderiam ser criadas e mantidas pela União, pelos Estados ou sob a forma de fundações ou associações, por particulares – consistindo em universidades federais, estaduais e livres. Do mesmo modo, que as universidades gozariam de personalidade jurídica e autonomia didática, administrativa e disciplinar, desde que fossem obedecidos os limites estabelecidos no presente decreto.

Dando continuidade à Reforma Francisco Campos, tem-se o Decreto nº 19.852 de 11 de Abril de 1931, que dispôs sobre a implementação e organização da Universidade do Rio de Janeiro e visava, principalmente, a criação de uma estrutura administrativa, didática e disciplinar para a Universidade. Para tanto, se estabeleceu que a Universidade do Rio de Janeiro fosse composta pelos anteriores institutos superiores – Faculdade de Direito; Faculdade de Medicina; Escola Politécnica; Escola de Minas; Faculdade de Farmácia; Faculdade de Odontologia; Escola Nacional de Belas Artes; Instituto Nacional de Música, acrescida da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, que havia sido criada pelo supracitado Decreto.

Em relação à Faculdade de Direito, esse decreto foi o que, desde então, mais se debruçou sobre a questão administrativa e pedagógica em relação ao curso jurídico, trazendo

58 BASTOS, Aurélio Wander. op. cit., p. 174.

59 BRASIL. Presidência da República. Decreto 19.851, 11 de Abril de 1931, art. 1º.

60 Nesse sentido é que o modelo de universidade estabelecido com o Decreto nº 19.851 de 1931 passaria

a ser implementado e desenvolvido com o Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931, responsável por concretizar a implantação da Universidade do Rio de Janeiro.

uma série de inovações para a sua prática. Inicialmente, estabeleceu que o Curso de Direito seria realizado em dois cursos, um de cinco anos e outro de dois anos, respectivamente. O curso jurídico de cinco anos era referente ao Bacharelado em Direito e o curso de dois anos era alusivo ao Doutorado em Direito, obtido por aqueles que, concluído o primeiro curso, obtivessem a aprovação em uma das três sessões61 do Doutorado e mais a defesa de tese perante uma comissão avaliadora.

No que concerne ao currículo do Bacharelado em Direito, o Decreto nº 19.852/1931 também inovou, no sentido de que, pela primeira vez se estabeleceu de forma sistematizada a grade curricular das disciplinas para o curso jurídico62. No âmbito das ciências jurídicas, a matéria de Direito penal seria ensinada em duas cadeiras, no primeiro ano (segundo do curso de bacharelado) se estudaria a parte geral dessa matéria e no ano seguinte seria o estudo da teoria dos crimes considerados em espécie.

O Decreto também estabelecia o ensino do Direito judiciário penal que ocorreria no quinto e último ano do curso de Direito, o que compreendia a teoria e a prática do Processo Penal. Permitia, também, que a Congregação da Faculdade pudesse instituir o ensino de novas matérias e aumentar o número de cadeiras na grade curricular do curso jurídico, desde que tivesse condição de arcar com recursos próprios as despesas devidas.

Assim, o currículo jurídico oriundo desse último decreto de fato apresentou uma série de inovações com relação aos currículos anteriores dos cursos, sobretudo ao sistematizar o ensino das disciplinas, com vistas a facilitar o entendimento dos institutos jurídicos pelos estudantes, e por sua vez, capacitá-los para as futuras atividades profissionais.

E não obstante a criação de duas cadeiras para o ensino do Direito penal, subdivido em uma parte geral no primeiro ano e crimes em espécie no segundo, ainda permanecia um modelo de ensino exclusivamente dogmático, voltado para a análise do Código Penal e que não fomentava a formação humanista e nem o diálogo com os demais campos do saber.

Outro ponto importante da Reforma foi o curso de Doutorado em Direito, com duração de dois anos, que possibilitava o ingresso àqueles que concluíssem a graduação em Direito. A criação do Doutorado dizia respeito a uma aspiração da época63, que se relacionava com a

61 Como se verá adiante, o Doutorado em Direito compreendia três sessões: A primeira de Direito

Privado, a segunda de Direito Público e a terceira, mais voltada para as Ciências Criminais, com as matérias: Filosofia do Direito; Criminologia; Psicopatologia Forense; Direito Penal Comparado e Sistemas Penitenciários.

62 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 19.852, 11 de Abril de 1931. Art. 29, §1º. 63 BASTOS, Aurélio Wander. op. cit., p. 180.

finalidade de formar professores capacitados, que além de ensinar, pudessem desenvolver a pesquisa científica dentro do ambiente acadêmico.

Uma das três áreas do Doutorado em Direito era a de Ciências Criminais, na qual se estudavam as disciplinas de Psicopatologia Forense, Criminologia, Direito Penal Comparado, Sistemas Penitenciários e Filosofia do Direito. Tristemente se percebe que apenas no Doutorado parecia ser permitido um estudo mais amplo e aprofundado em relação às Ciências Criminais, de modo que para a Graduação em Direito restava o estudo exclusivamente linear e voltado para a inserção do profissional no mercado de trabalho. O ensino de Criminologia, por exemplo, importante para a compreensão do fenômeno criminal, pela primeira vez foi explicitamente apresentado como uma das disciplinas de estudo em um currículo jurídico. No mesmo sentido, também foi pertinente a inserção do estudo das demais disciplinas, principalmente a Filosofia do Direito, que figurava como a única disciplina em comum nas três áreas do Doutorado.

A análise das disciplinas do Doutorado demonstra, mais uma vez, que a reflexão e a crítica se mostravam como uma prioridade para a formação de professores e, infelizmente, não era assim percebida para os estudantes da Graduação em Direito. Como se o pensamento interdisciplinar fosse uma exclusividade dos intelectuais que acessassem o Doutorado e não uma necessidade dos cidadãos e dos profissionais de uma forma geral, para a compreensão dos fenômenos sociais, que não se mostram de forma linear.

São esses Decretos supramencionados que fazem parte da chamada Reforma Francisco Campos, que, feitas as ressalvas com relação às criticas aqui apresentadas, se mostrou como um avanço em relação ao modelo de ensino jurídico que vinha sendo desenvolvido no país até então. Na perspectiva curricular também buscou sistematizar o conteúdo e ampliar o âmbito de determinadas disciplinas, contudo, modificou de forma incipiente as estruturas da formação jurídico-penal, salvo no âmbito do Doutorado, que em linhas gerais funcionava como o único espaço de aprofundamento científico, voltado à capacitação do docente para uma visão mais crítica por meio uma abertura ao diálogo com outros campos do saber e uma compreensão socioreferenciada do fenômeno jurídico-criminal.

1.2.3 A lei de diretrizes e bases da educação nacional e as reformas posteriores no ensino