Diagrama 1 Categorias de fontes documentais
3.4 A HIPÓTESE DA ESTRUTURA RADIAL
3.4.2 LEITURA ANALÍTICA DA ESTRUTURA RADIAL HIPOTÉTICA DA CATEGORIA CONCEITUAL RELIGIÃO
O que segue é uma descrição desse diagrama. Acompanham, em notas, fragmentos do
corpus que sinalizaram como índices para essas interpretações e, conseqüentemente, para a
construção dessa radialidade.
Essa estrutura apresenta como eixo-central da categoria RELIGIÃO62, DEUS, considerado
como modelo mítico (mito de origem) organizado em torno de um centro prototípico (domínio mais concreto) que é PAI63. Essa ligação tem a ver com a experiência real do conceito de PAI que
se constitui como um modelo proposicional envolvendo os conceitos de PAI GENITOR, PAI PROTETOR E PAI AUTORIDADE (CHEFE DE FAMÍLIA).
A partir desse centro prototípico projetam-se (por mapeamentos) metáforas, como por exemplo, PAI GENITOR que tem como possível metáfora DEUS É SEMENTE, dando a idéia de origem, de PATERNIDADE. O PAI, como centro prototípico, leva ao domínio da família, DEUS PAI, DEUS FILHO e MARIA-MÃE.
PAI PROTETOR projeta a metáfora de PAI PASTOR, tendo como acarretamento metafórico que nós, homens, somos OVELHAS pertencentes a um GRANDE REBANHO. Assim, PASTOR
representa a figura daquele que cuida e mantém seu rebanho unido não permitindo que se
62 Versais ou maiúsculas referem conceitos, metáforas, metonímias e outros modelos cognitivo-culturais; itens
lexicais aparecem entre aspas simples e vocábulos entre aspas duplas. Quando se trata de uma referência no mundo não são usados recursos notacionais. Por exemplo:
(a) estuda-se a polissemia de 'religião' (b) a categoria RELIGIÃO é complexa;
(c) "religiosidade" nesse discurso liga-se à metonímia RELIGIÃO É REALIZAR OS RITUAIS SAGRADOS.
63 Exemplo: Chegado ao seu novo destino, longe do convívio humano, o primeiro colono que chegou, tinha
apenas o bom Deus que paternalmente por ele velasse em meio a tantos perigos, e o defendesse do assalto do animal selvagem e do extermínio das enfermidades. Exausto pelo trabalho do dia, reunia à noite a sua familiazinha ao redor da parca mesa, recitava as suas breves orações e se recolhia e adormecia com a consciência tranqüila, cheia de fé na Providência Divina. (BAREA, 1995, p. 14-15) [grifo nosso]. Aqui também aparece a idéia de PAI PROVEDOR (“Providência”).
desgarrem, exatamente como um pai faz com seus filhos. Projeta-se, metonimicamente, para
PADRE-PASTOR.
O PAI AUTORIDADE projeta, metaforicamente, DEUS É REI, ou seja, aquele que governa e
que provê os recursos necessários à subsistência dos seus SÚDITOS ou SERVOS e acarreta também, metaforicamente, através da estrutura de um REINO, a existência de um EXÉRCITO.
PAI AUTORIDADE projeta, metaforicamente, DEUS COMO JUIZ64, que não co-ocorreria
necessariamente com a metáfora DEUS É REI, havendo, na verdade, uma sobreposição com o
JUIZ que representa a autoridade que sentencia, estabelece a pena ou a absolvição. A
representação de DEUS COMO REI e JUIZ leva a JULGAMENTO, que pressupõe PERDÃO E PUNIÇÃO, remetendo a TEMOR. DEUSCOMO JUIZ é, na verdade, uma projeção metafórica do PAI AUTORIDADE.
PADRE, então, surge como um acarretamento metafórico de REI. Partindo-se de que
DEUS pode ser entendido metaforicamente por REI65 e prevendo-se que também por extensões
metafóricas pode-se chegar a EXÉRCITO, já que todo REINO possui uma GUARDA e um
EXÉRCITO e, metonimicamente a SOLDADO, entende-se o PADRE como um SOLDADO66 a serviço
de DEUS.
64 Exemplo: À primeira vista aparece com clareza o imenso trabalho a ser feito em termos de purificação do
sentimento religioso, proclamando mais a figura de Deus como Pai do que a imagem de Deus como Juiz. Importa, também, reencontrar o espírito da intensa solidariedade cristã e a participação leiga no exercício da religião. São duas dimensões importantes para a renovação da Igreja nas comunidades de etnia italiana (BATTISTEL, 1982, p. 49) [grifo nosso].
65 Exemplo: Agora as capelas de madeira estão sendo gradativamente substituídas por outras de alvenaria. Deus
tanto os protegeu e abençoou que eles desejam mostrar-se reconhecidos, erguendo templos mais dignos à Majestade infinita (BAREA, 1995, p. 15) [grifo nosso].
66 Exemplo: Em primeiro lugar, eu não achei certo que os padres tirassem a batina, parece-me que são menos
respeitados, porque a batina representava um soldado com sua farda. Um soldado, quando está sem farda,
ninguém lhe faz caso, nem parece um soldado, mas se tem a farda, é mais respeitado. E o padre também me
parece que era mais respeitado. Depois que tirou a batina, parece que o povo perdeu um pouco do respeito pelo padre. Mas acredito que o padre acompanha um pouco o resto do povo. Parece-me que o povo vai perdendo a fé
e segue outras religiões e parece que os padres também seguem o povo, há os que são muito bons e há os que não fazem corretamente sua obrigação. Porém, em outros tempos, também conheci padres que não obedeciam as ordens do bispo. Quando se ia à missa, mostravam-se um pouco soberbos, respondiam mal ao povo, se alguém
ficava mais atrás, em lugar de dizer venha para frente, diziam: “Que fazem vocês lá embaixo? Estão ali para fazer o quê? Se é para ficar lá, por que não vão para fora?” Assim o povo fica envergonhado e, em vez de ir mais à missa, diz: “Olha que esse padre, na igreja, é brabo, eu nem mais vou”. Eu acho que o padre deveria sempre andar com humildade, com bom jeito para com o povo, porque se fala contra o povo, ele se revolta mais ainda (BATTISTEL, 1982, p. 149-150) [grifo nosso].
Mas por que se faz referência a SOLDADO dentro da estrutura? Porque existe uma luta
entre o BEM, representado pela LUZ, e o MAL, representado pelas TREVAS, logo os soldados estão presentes para ajudar o povo, socorrê-lo, ao mesmo tempo em que protegem os interesses de DEUS e de seu REINO.
Metonimicamente, PADRE está por DEUS. Há, ainda, como SOLDADOS, a figura dos SANTOS que lutaram pelas causas de DEUS e da IGREJA.
Chega-se, dessa forma, à IGREJA, entendida como A CASA67 DE DEUS e à CAPELA, que
conseqüentemente, por acarretamento, também será considerada como a morada de DEUS.
Esse DEUS é um DEUS de AMOR e de TEMOR e, por acarretamento, a FÉ também será uma FÉ DE AMOR E TEMOR.
A FÉ está ligada a metáforas como ALIMENTO DA ALMA, LUZ e TESOURO68. Logo, por
acarretamento: A RELIGIÃO É UM TESOURO.
Metonimicamente, os RITUAIS69 levam a DEUS e são organizados através da metáfora do
CAMINHO EM DIREÇÃO A DEUS. Como exemplos de rituais temos: a missa, o catecismo70, a
benção da água e a oração. Esses rituais são organizados na forma de um script.
67 Exemplo: Apesar de terem que enfrentar enormes dificuldades, jamais se esqueceram da casa de Deus.
Construíram igrejas paroquiais e um grande número de capelas menores, onde se reúnem aos domingos para rezar em comum, já que, devido às grandes distâncias, não podem dirigir-se à igreja paroquial (FOCHESATTO, 1977, p. 23) [grifo nosso].
68 Exemplo: E a este teu amigo, buscas com confiança de família, nos contrastes com teu próximo, nas injustiças
que te causam. E por isso tu olhaste sempre como teu inimigo o inimigo do teu sacerdote. E por isso nunca te deixaste iludir pelos que, comodamente instalados nas cidades ou nos centros construídos com teu suor, te apresentavam uma doutrina diferente daquela que te ensinava o sacerdote, que veio desde o começo condividir contigo a mesma vida cheia de dificuldades, de dores e de sacrifícios. E por isso tu sempre refugaste, com toda a força da tua alma crente de vêneto-lombardo, toda manobra intencionada a roubar-te o tesouro mais precioso
trazido da Itália: a Religião católica, apostólica e romana. (BAREA, 1995, p. 14) [grifo nosso].
69 Exemplo: A religião dos imigrantes italianos e de seus descendentes no RS era, necessariamente e
essencialmente, ritualista. Isso não exclui a prática das virtudes cristãs que, como veremos, eram parte integrante da organização comunitária das capelas. Mas o conteúdo principal de sua religião consistia na realização e na participação das liturgias e dos ritos. A realização era o sinal único da existência da religião e a participação era o único critério de distinção entre a pessoa de fé e o incrédulo (MANFROI, 1975, p. 185).
70 Exemplo: A religião dos imigrantes italianos e de seus descendentes no RS era, necessariamente e
essencialmente, ritualista. Isso não exclui a prática das virtudes cristãs que, como veremos, eram parte integrante da organização comunitária das capelas. Mas o conteúdo principal de sua religião consistia na realização e na participação das liturgias e dos ritos. A realização era o sinal único da existência da religião e a participação era o único critério de distinção entre a pessoa de fé e o incrédulo (MANFROI, 1975, p. 185).
MISSA, por exemplo, tem a seguinte forma de organização/script:
(1) RITOS INICIAIS: Entrada, Saudação do altar, Ato penitencial, Glória in excelsis, oração colecta.
(2) LITURGIA DA PALAVRA: Salmo responsorial, Aclamação antes da leitura do Evangelho, Homilia, Profissão de fé, Oração universal.
(3) LITURGIA EUCARÍSTICA: Preparação dos dons, Oração sobre os oblatos, Oração
Eucarística, Rito da comunhão, Oração dominical, Rito da paz, Comunhão. (4) RITO DE CONCLUSÃO.
A ORAÇÃO, como ritual, está ligada metonimicamente ao TERÇO, que tem como
script:
Faça o Sinal da Cruz e reze o Creio. 1. Reze a oração do "Pai-Nosso". 2. Reze Três "Ave-Marias". 3. Reze o "Glória ao Pai".
4. Anuncie o Primeiro Mistério; reze, então, o "Pai Nosso”; em seguida reze dez "Ave- Marias", enquanto medita sobre o mistério.
5. Reze o "Glória ao Pai".
6. Depois de cada, dezena reze a seguinte oração pedida pela Virgem Maria em Fátima: "O Meu Jesus, perdoai-nos os nossos pecados, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu e socorrei principalmente as que mais precisarem da tua misericórdia". 7. Anuncie o Segundo Mistério: diga, então, o Pai Nosso. Continue com o Terceiro, Quarto
e Quinto Mistérios da mesma maneira.
A análise aqui apresentada possibilita-nos levantar hipóteses a respeito dos mecanismos envolvidos na construção dos modelos cognitivo-culturais do conceito de RELIGIÃO nas antigas colônias italianas.
Senhor, Deus dos exércitos, até quando estarás irado, sem ouvir a oração do teu servo? (Salmos, 79,5)
3.4.3 ANÁLISE DOS SEGMENTOS DISCURSIVOS: TMCI E CONEXÕES TEÓRICAS