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3 A RADIALIDADE DA CATEGORIA RELIGIÃO PELA TEORIA DOS MODELOS COGNITIVOS IDEALIZADOS

3.1.1 PESQUISA QUALITATIVA

O método empregado nesta investigação é o qualitativo, logo, a construção do corpus de análise se dá de acordo com essa linha. A fim de clarificar um pouco mais o que venha a ser a pesquisa qualitativa, aproximamos alguns autores que tratam dessa questão.

Bauer e Gaskell (2002) têm por objetivo tornar acessível, como editores, uma série de métodos e procedimentos de pesquisa qualitativa. Para isso, fazem um percurso pelas diferentes maneiras de coletar dados, no que diz respeito a diversos tipos de dados

relacionados a texto, imagem e som. Caracterizam a análise clássica de conteúdo; a análise argumentativa, do discurso e de conversação; a análise retórica, a semiótica, entre outras, como forma de subsidiar tanto estudantes, como pesquisadores das ciências sociais.

Uma obra como essa, preocupada em iniciar uma padronização da linguagem em métodos de pesquisa qualitativa, bem como em estabelecer um diálogo com a tradição geral da pesquisa, mostra-se relevante para nossa análise, que é de caráter qualitativo, pois, como sabemos, pode incitar algumas dúvidas quanto a validade desse método na composição do

corpus de análise proposto para esta dissertação.

Bauer, Gaskell e Allum (2002) citam quatro dimensões na investigação social, a partir da perspectiva de uma pesquisa qualitativa, que devem ser consideradas. São elas:

1ª) o delineamento da pesquisa baseado, por exemplo, em levantamento por amostragem, observação participante, experimentos e estudos de caso;

2ª) os métodos de coleta de dados (entrevistas, busca de documentos e observação); 3ª) o tratamento analítico que é dispensado aos dados, isso envolve, entre outras coisas, a análise do discurso, a análise estatística, a análise de conteúdo e a análise retórica; e

4ª) o controle, a construção de consenso e a emancipação dos sujeitos do estudo numa referência à classificação de Habermas.

Os autores destacam que, muitas vezes, são cometidos equívocos quanto à distinção entre pesquisa qualitativa e quantitativa, no que diz respeito à coleta e análise de dados, aos princípios do delineamento da pesquisa e ao interesse do conhecimento, e a isso acrescentam:

Defendemos a idéia de que todas as quatro dimensões devem ser vistas como escolhas relativamente independentes no processo de pesquisa e que a escolha qualitativa ou quantitativa é primariamente uma decisão sobre a geração de dados e os métodos de análise, e só secundariamente uma escolha sobre o delineamento da pesquisa ou de interesses do conhecimento (p. 20).

Bauer e Aarts (2002), ao tratarem da construção do corpus como um princípio para a coleta de dados qualitativos, afirmam:

Toda pesquisa social empírica seleciona evidência para argumentar e necessita justificar a seleção que é a base de investigação, descrição, demonstração, prova ou refutação de uma afirmação específica. [...] A competência da amostra representativa é inconteste. Em muitas áreas de pesquisa textual e qualitativa, contudo, a amostra representativa não se aplica (p. 39).

A proposta dos autores é a construção de um corpus partindo de um princípio alternativo de coleta de dados. Nesse sentido, entendem que “‘amostragem’ significa amostragem estatística aleatória” e “‘construção de corpus’ significa escolha sistemática de algum racional alternativo, que será explicado a seguir. Amostragem e construção de corpus são dois procedimentos de seleção diversos.” (p. 39).

Entendendo que a amostragem representativa e a construção do corpus sejam funcionalmente equivalentes, apesar de estruturalmente diferentes, tal linguagem possibilita, segundo os autores, uma definição positiva da seleção qualitativa. Em suma, defendem “que a construção de um corpus tipifica atributos desconhecidos, enquanto que a amostragem estatística aleatória descreve a distribuição de atributos já conhecidos no espaço social” (p. 40).

Bauer e Aarts (2002) chegam à questão da construção de um corpus em ciências sociais e iniciam destacando um dos problemas enfrentados por pesquisadores e lingüistas que é o “paradoxo do corpus teórico”. Para superar tais paradoxos os lingüistas, por exemplo, sugerem que se trabalhe em etapas. A primeira etapa seria de uma seleção preliminar; a segunda, de análise dessa variedade e, a terceira, de ampliação do corpus de dados até que novas variedades não sejam mais descobertas.

Dessa forma, os autores estabelecem, uma vez que entendem o corpus como um sistema em permanente crescimento, uma primeira lição para a seleção qualitativa, que é em um primeiro momento selecionar, analisar e selecionar mais uma vez.

Para eles, sugestões, como as indicadas por Barthes, no sentido de delinear o corpus, podem contribuir com a seleção qualitativa como, por exemplo, no que diz respeito à relevância, à homogeneidade e à sincronicidade.

Salientam que os assuntos devem ser teoricamente relevantes, assim como devem ser coletados a partir de um único ponto de vista. Além disso, os materiais do corpus devem ter apenas um foco temático. No nosso estudo, portanto, o foco temático é ‘Religião’, que tratamos, nos termos da Semântica Cognitiva, como uma categoria: RELIGIÃO.

Os autores chamam atenção para o fato de que “um corpus é uma interseção da história” (p. 56) e, em sendo assim, os materiais que o compõem possuem um ciclo natural de estabilidade e mudança, logo, segundo eles, o material coletado deve ser sincrônico. Nesse ponto, encontramos relação com o objeto de nosso estudo assim como com o corpus de análise constituído. Está-se, claramente, diante de uma situação de interseção da história, uma vez que nossas fontes estão circunstanciadas por um período da história pré-definido. Um exemplo disso, segundo os autores, é o de que “padrões familiares têm probabilidade de permanecerem estáveis por uma ou duas gerações” (p. 56).

Com relação ao tamanho do corpus Barts e Aarts (2002) afirmam que, para a pesquisa qualitativa, deve ser considerado, entre outros critérios, o esforço despendido na coleta e análise dos dados, assim como o número de representações que serão caracterizados. Dizem eles que: “A maioria das limitações provém do esforço que é exigido para se fazer um grande número de grupos focais, ou entrevistas em profundidade, ou para coletar documentos” (p. 60). Atestam que para muitos, como, por exemplo, para Miles, uma pesquisa qualitativa que envolve grande quantidade de material pode se tornar “um incômodo atrativo”. Barts e Aarts complementam essa visão dizendo:

Os pesquisadores coletam facilmente muito mais material interessante, do que aquele com que poderiam efetivamente lidar, dentro do tempo de um projeto. Isto leva à queixa comum de que o projeto termina sem que o material tenha sido analisado com alguma profundidade. Isso também resulta na criação de “porões de dados”: materiais coletados, mas nunca de fato analisados. Uma avaliação séria dos procedimentos referentes ao tempo exigido para seleção e análise irá aumentar o realismo de muitos pesquisadores (p. 60).

Para eles, a quantidade de materiais a serem explorados no corpus dependerá da quantidade de representações que o pesquisador esperará obter a respeito de um tema específico.

Destacam, ainda, que em um corpus lingüístico, nosso caso, deve-se ter claro que não será possível obter um corpus completamente representativo, no que diz respeito a um tópico, contudo, poderão emergir vários tópicos, corpora, da prática em pesquisa qualitativa. Advém daí, de acordo com os autores, o problema de como tornar acessíveis e comparáveis esses materiais em uma análise secundária. Ressaltam que, em função disso, “a pesquisa de levantamento desenvolveu e elaborou padrões de como relatar procedimentos de amostragem representativa, e padrões análogos podem ser necessários para a pesquisa qualitativa.” (p. 60- 61). Encontramos aí, já, uma justificativa metodológica para quaisquer questionamentos relativos à representatividade do corpus variado que constitui nossa pesquisa.

Dentre os padrões apresentados pelos autores, podem-se destacar os seguintes: descrever a essência dos materiais envolvidos, tais como textos; caracterizar o tópico da pesquisa; relatório a respeito das modalidades de ampliação do corpus aberto; as categorias, funções e estratos sociais que foram utilizados no início e acrescentados posteriormente; evidência para a saturação; durabilidade dos ciclos na coleta de dados e locais da coleta de dados.

Bauer (2002), seguindo a questão do corpus em pesquisa qualitativa, afirma que a maioria das pesquisas sociais são baseadas em entrevistas. A entrevista, segundo ele, estruturada ou não, é um método estabelecido pela pesquisa social. Contudo, destaca que da mesma maneira que as pessoas se expressam falando, também escrevem motivados pelos mais diversos interesses. Sendo assim, os textos, da mesma forma que a fala, revelam sentimentos, memórias, pensamentos, etc. Acrescenta ainda Bauer: “Os pesquisadores sociais têm a tendência de subestimar materiais textuais como dados.” (p. 189). Este é, justamente,

um dos pontos em que nossa pesquisa adquire relevância: tratamos materiais textuais como fonte de dados.

Nesse sentido, destaca a análise de conteúdo60 (AC) como sendo um dos métodos de

análise do texto desenvolvido pelas ciências sociais empíricas. Esta técnica produz inferências de um texto focal para seu contexto social, contexto esse que em algum momento pode ser inacessível ao pesquisador. Bauer complementa dizendo que:

A validade da AC deve ser julgada não contra uma ‘leitura verdadeira’ do texto, mas em termos de sua fundamentação nos materiais pesquisados e sua congruência com a teoria do pesquisador, e à luz de seu objetivo de pesquisa. Um corpus de texto oferece diferentes leituras, dependendo dos vieses que ele contém. (2002, p. 191).

A análise de conteúdo, conforme os autores, reconstrói as representações tanto na dimensão sintática, quanto na semântica. Com relação à semântica, afirma que os procedimentos semânticos estão focados na relação entre os sentidos denotativos e conotativos em um texto. A isso acrescenta que, quando dentro de uma mesma frase ou parágrafo uma palavra aparece repetidas vezes, isso pode ser entendido como uma indicação de sentidos associativos.

De acordo com o autor são essas características sintáticas e semânticas, presentes em um corpus de texto, que possibilitam ao pesquisador fazer inferências a respeito de fontes incertas. Em outras palavras: “Tais conjecturas podem inferir os valores, atitudes, estereótipos, símbolos e cosmovisões de um texto sobre o qual pouco se sabe.” (p. 193).

Diz Bauer ainda: “Em primeiro lugar, alguém pode construir um corpus de texto como um sistema aberto, a fim de verificar tendências e padrões de mudança. Isto significa que o

corpus de texto nunca está completo; textos adicionais são acrescentados continuamente.” (p.

193-194).

60 Ressaltamos que a análise de conteúdo é aqui apresentada a título de revisão de literatura, não representando

Acrescentando diz:

Finalmente, a AC pode reconstruir “mapas conceituais” à medida que eles estão corporificados em textos. As pessoas usam a linguagem para representar o mundo como conhecimento e autoconhecimento. Para reconstruir esse conhecimento, a AC pode necessitar ir além da classificação das unidades do texto, e orientar-se na direção de construção de redes de unidades de análise para representar o conhecimento não apenas por elementos, mas também em suas relações. (2002, p. 194).

O autor chega, então, à questão da organização de uma análise de conteúdo e nesse sentido diz que: “Os métodos não são substitutos de uma boa teoria e de um problema de pesquisa sólido. A teoria e o problema – que carregam em si os preconceitos do pesquisador – serão responsáveis pela seleção e categorização dos materiais de texto, tanto implícita, como explicitamente. Ser explicito é uma virtude metódica.” (p. 195).

Segundo ele, existem dois tipos de textos. Há os que são produzidos no decorrer do processo de pesquisa como, por exemplo, as transcrições de entrevistas e há, também, os textos já utilizados para outros fins e que são classicamente utilizados pela análise de conteúdo. No entanto, tanto um como outro, chama atenção Bauer, podem ser manipulados pelo pesquisador, a fim de que respondam aos seus questionamentos.

Com relação à triangulação de dados, Gaskell e Bauer (2002) destacam que o delineamento que o pesquisador dá a seu projeto de pesquisa em geral o leva a considerar que as inconsistências que surgem são parte do processo contínuo do referido projeto. Assim: “A aproximação do problema a partir de duas perspectivas ou com dois métodos irá, inevitavelmente, levar a inconsistências e contradições.” (p. 483). Tais distinções fazem com que o pesquisador examine sua origem e sua interpretação.

No intuito de fazer uma triangulação dos dados a partir do discurso revelado na seleção do corpus, foram realizadas entrevistadas com um frei/pesquisador, um historiador e um padre, todos notoriamente reconhecidos pelos seus trabalhos relacionados às questões da imigração italiana. Tais entrevistas reforçam, na maior parte das vezes, o que é dito nas obras, acrescentado, em alguns momentos, novas informações.

Ao mesmo tempo, os autores lembram que apesar dessas inconsistências poderem revelar limitações metodológicas, revelam também que as diferenças, muitas vezes constatadas nos fenômenos sociais, assim o são, exatamente, em função dos diferentes ângulos que os enfocam. Logo, em uma pesquisa qualitativa há uma luta entre as inconsistências que surgem, favorecendo que, através da fusão desses diferentes olhares, surjam novas compreensões.