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Este capítulo objetiva abordar as questões teórico-metológicas que norteiam esta dissertação. As bases dessa investigação científica estão centradas na Semântica Cognitiva, que ainda é uma ciência jovem e em desenvolvimento, tendo sua origem atrelada ao surgimento da Lingüística Cognitiva.

Desde o seu surgimento, a Semântica Cognitiva defende uma semântica baseada na experiência, uma vez que entende a questão do significado como sendo algo naturalmente ligado ao processo de categorização humana.

Em nossa análise, o modelo de Semântica Cognitiva adotado é o proposto por Lakoff, o qual compreende a importância da relação do homem com o mundo e suas experiências como forma de produção de sentidos, os quais são expressos na linguagem. Para ele, a cognição experiencialista inclui experiências sociais, emocionais e sensório-motoras, ampliando seu sentido inicial.

Dessa forma, para que possamos compreender o mundo e agir nele, é necessário, segundo Lakoff e Johnson (1980), que categorizemos os objetos e as experiências, pois só dessa forma tais coisas adquirirão algum sentido para nós, e a isso acrescentam11:

A categorização é uma forma natural de identificar um tipo de objeto ou de experiência iluminando certas propriedades, atenuando outras e até escondendo outras. Cada uma das dimensões indica as propriedades que são iluminadas. Para iluminar determinadas propriedades, desviamos nossa atenção de outras. Ao descrevermos fatos do dia-a-dia, por exemplo, usamos categorizações para pôr em

11 As citações de trechos de obras em língua estrangeira serão apresentadas traduzidas e conforme o original em

evidência determinadas propriedades que correspondem às nossas intenções. Cada descrição irá iluminar, atenuar ou esconder [...] (p. 163)12.

Dizem ainda que as dimensões naturais das categorias, tanto perceptuais, como funcionais, entre outras, são produtos da interação do homem com o mundo, uma vez que tais propriedades são baseadas, por exemplo, no aparato perceptual humano e nas concepções humanas de função. Sendo assim, afirmações tidas como verdadeiras em termos de categorias tipicamente humanas não necessariamente revelarão propriedades dos objetos em si mesmos, mas ao contrário, revelarão propriedades interacionais que farão sentido apenas ao agir do homem.

Ainda com relação às categorias, destacam que as categorias não são algo fixo e uniforme. São estruturas definidas por protótipos e semelhanças de família ligadas a protótipos que se modificam de acordo com o contexto e com os objetivos.

Lakoff (1987) sustenta que a capacidade de categorização humana só é possível via modelos cognitivos idealizados. Sendo assim, a concepção semântico-conceitual por ele proposta é oriunda de uma epistemologia experiencialista e nesse sentido afirma:

[...] os modelos cognitivos, em nosso sentido, não são representações internas da realidade externa. Não são por duas razões: primeiro, porque eles são entendidos em termos de corporalidade, não em termos de uma conexão direta com o mundo externo; e segundo, porque eles incluem aspectos imaginativos da cognição como a metáfora e a metonímia (p. 341) 13.

Para Lakoff e Johnson (1999), o experiencialismo propicia que categorias mais complexas possam ser acessadas, independentemente do fato de não possuírem visibilidade dentro de um domínio físico. Sendo assim, o experiencialismo cognitivo teria suas bases

12 “A categorization is a natural way of identifying a kind of object or experience by highlighting certain

properties, downplaying others, and hiding still others, each of the dimensions gives the properties that are highlighted. To highlight certain properties is necessarily to downplay or hide others, which is what happens whenever we categorize something. Focusing on one set of properties shifts our attention away from others, When we given everyday descriptions, for example, we are using categorizations to focus on certain properties that fit our purposes […].” (p. 163).

13 “[…] cognitive models in our sense are not internal representations of external reality. They are not for two

reasons: first, because they are understood in terms of embodiment, not in terms of direct connection to the external world; and second, because they include imaginative aspects of cognition such as metaphor and metonymy.” (p. 341).

calcadas em duas fontes: (a) a experiência corporal e social do homem na natureza e (b) a capacidade inata do homem de projetar, por meio da razão, suas experiências.

Lakoff (1987) toma a experiência em um sentido amplo, algo que inclui não apenas as experiências reais ou potenciais dos indivíduos ou das comunidades, ou seja, a experiência é algo geneticamente adquirido, produzida através das experiências do próprio corpo no mundo, assim como de sua interação social com o meio em que está inserido.

Para essa teoria, existem alguns níveis de percepção constituídos por propriedades gestálticas, logo, conhecer o todo como sendo a realidade torna-se psicologicamente mais simples que conhecer suas partes.

É oportuno, neste momento, enfocar a questão da Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados (TMCI) proposta por Lakoff.

Modelos cognitivos, segundo o autor, são construtos idealizados, uma vez que não necessitam se ajustar necessariamente ao mundo, sendo produtos da experiência do homem no mundo, determinados pelas suas necessidades, podendo, inclusive, serem construídos e entendidos de diferentes formas. São produtos da interação entre o aparato cognitivo humano e a realidade, essa que é mediada pela experiência. Um modelo cognitivo surge, por exemplo, das necessidades, valores, propósitos ou crenças. Por outro lado, acrescenta Lakoff, para uma mesma situação podem ser construídos diferentes modelos, podendo ser, inclusive, divergentes entre si. Assim, pode-se dizer que tais modelos são produtos exclusivos da atividade humana, das suas percepções tanto corpórea como sensoriais. Ainda com relação aos MCIsdiz Feltes (2007):

Temos em mente que um modelo cognitivo é um construto que nos permite entender o modo como as experiências bio-psico-socioculturais são categorizadas e organizadas pelo aparato cognitivo humano, tornando-as, dessa forma, significativas para nós, e não são apenas modelos metafóricos e metonímicos que realizam essa tarefa (p. 11).

Com relação aos Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs), diz McCauley (1987) que

variados domínios. Destaca ainda que se tratam de construções idealizadas, ou seja, dentre todos os traços que os compõem os mais representativos são selecionados. Acrescenta também que a superestrutura do conhecimento humano seria justamente a soma dos MCIs.

Para Feltes (2007), modelos cognitivos devem ser entendidos como modelos culturais, uma vez que as categorias geradas pelo sistema conceptual humano são, simultaneamente, culturais e cognitivas. Isso tudo visto que modelos culturais são esquematizações coletivas e não apenas estruturas internas ligadas apenas ao indivíduo. Apesar disso, não se deve desconsiderar que os esquemas individuais são elaborados a partir do que é percebido como normas ou formas culturais pelo indivíduo. Logo, tais esquemas são produtos de seus diferentes propósitos. Afirma, ainda, que “[...] a TMCI propicia uma certa recursividade

operacional, na medida em que certos mecanismos estão constantemente atuando em algum nível da estrutura conceptual de um conceito ou entre conceitos.” (p. 40).

Por ocorrerem em uma situação concreta, os modelos culturais adaptam-se às situações em que se originam normalmente ligados a modelos de comunicação e interação social. Tal constatação reitera o potencial da investigação que ora se realiza, uma vez corroborar a relevância do material lingüístico em pesquisa qualitativa14 como forma de

apreensão de modelos culturais específicos.

De acordo com Feltes (2007), a Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados (TMCIs) é

o núcleo teórico da Semântica Cognitiva experiencialista de Lakoff. Destaca também que para que se inicie o tratamento dos MCIs, deve-se partir da concepção de significado. Segundo

Lakoff (1987): “O significado não é uma coisa; ele envolve o que é significativo para nós. Nada é significativo em si mesmo. A significatividade deriva da experiência da atuação como um ser de um certo tipo em uma ambiente de um certo tipo.” (p. 292)15.

14 A questão da pesquisa qualitativa é abordada no capítulo 3.

15 “Meaning is not a thing; it involves what is meaningful to us. Nothing is meaningful in itself. Meaningfulness

derives from the experience of functioning as a being of a certain sort in an environment of a certain sort.” (p. 292).

Assim, de acordo com Feltes (2007), sintetizando o ponto de vista de Lakoff e Johnson:

A significatividade estrutura-se onde a experiência começa, e, assim, a significação lingüístico-conceitual só pode ser tratada em termos de MCIs. Essas estruturas cognitivas constituiriam domínios dentro dos quais os conceitos adquirem significação. Em outras palavras, os MCIs são utilizados para organizar diferentes domínios de experiências, para entender o mundo, para dele extrair sentido. (p. 127).

A Semântica Cognitiva de Lakoff é influenciada pela filosofia de Wittgenstein ([1945] 1987) para quem o significado das palavras reside na maneira como elas são usadas, ou seja, não há como determinar o que as palavras designam a não ser pelo modo como são usadas. Dessa forma, o significado é o processo, a construção e o produto da atividade lingüística humana efetivada nas práticas sociais de uma cultura. Lakoff, concordando com Wittgenstein, afirma que não é possível abordar adequadamente a linguagem humana quando desvinculada das práticas lingüísticas e do modo de funcionamento do homem no mundo, logo16:

A língua é entre as atividades cognitivas humanas a mais característica. Para compreender como os seres humanos em geral a caracterizam, deve-se compreender a categorização humana no caso especial da língua materna. (1987, p. 113)17.

Importa para essa análise quando Lakoff (1987) afirma que: “Cada modelo cognitivo (ou MCI) é uma estrutura complexa constituída de símbolos (p. 284)” 18. Tais MCIs utilizariam,

assim, quatro tipos de princípios estruturadores que são: estruturas de imagem-esquemática; estruturas proposicionais; mapeamentos metafóricos e mapeamentos metonímicos. Esses mapeamentos, segundo o autor, darão origem a cinco tipos de modelos cognitivos: de esquema de imagens; proposicionais; metonímicos, metafóricos e simbólicos.

2.1 MODELOS COGNITIVOS DE ESQUEMAS DE IMAGENS

16 As citações de trechos de obras em língua estrangeira serão apresentadas conforme o original e traduzidas em

nota de rodapé.

17 “Language is among the most characteristic of human cognitive activities. To understand how human beings

categorize in general, one must at least understand human categorization in the special case of natural language.” (p. 113).

Alguns dos esquemas de imagem propostos por Lakoff (1987) estão presentes na estrutura de RELIGIÃO, tais como CONTAINER, PARTE-TODO,CENTRO-PERIFERIA, ORIGEM- PERCURSO-META e LIGAÇÃO. A hipótese principal é de que o esquema de LIGAÇÃO melhor

represente esse conceito, uma vez que tal esquema prevê que os esquemas estruturais envolvidos (o homem e Deus) são duas entidades que, por constantes e renovadas conexões (os RITUAIS), matêm-se ligadas. Logo:

RELIGIÃO É AMOR

AMOR É LIGAÇÃO/PROXIMIDADE