• Nenhum resultado encontrado

2 APORTES TEÓRICOS

2.1 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA PERSPECTIVA

2.1.1 Texto e gênero como objetos de ensino

2.1.1.2 Lendo o gênero conto

Reconhecemos a importância, anteriormente mencionada, de ser apresentada aos alunos uma variedade de gêneros textuais, entre estes os literários, a fim de criarmos condições para que desenvolvam sua competência discursiva nas mais variadas situações de interação social. No entanto, queremos aqui justificar o porquê de apenas o gênero conto ter sido escolhido para o desenvolvimento das nossas atividades de intervenção. Primeiro, escolhemos o conto por se tratar de um gênero literário, que, comumente a todos os outros textos literários, possuem uma amplitude na sua linguagem a qual transgride a simples observação dos fatos, ou seja, a realidade é vista e contada de uma forma que “asas” são dadas à interpretação possibilitando uma reinterpretação do mundo, criando assim um inusitado diálogo entre o livro e o leitor.

A segunda justificativa dá-se pelo fato de desenvolvermos um trabalho de mediação de essência minuciosa o qual não permite nos fixarmos à descrição de um trabalho com muitos gêneros.

Em suas considerações sobre o ensino de literatura na escola, Terra (2014, p. 28 e 29) esclarece sobre o privilégio que é dado para a história da literatura onde se destacam os chamados estilos de época (Barroco, Arcadismo, Romantismo etc.). Ainda, segundo o autor, o professor trata desses autores com insegurança uma vez que encaixá-los nas “correntes literárias” pertencentes ao tradicional modo histórico-cultural torna-se uma tarefa muito difícil. E, complementando, propõe que, ao invés de centrar o ensino sobre a literatura esse seja voltado para o aprendizado da literatura, entretanto, elucida que isso só ocorrerá quando a história deixar de ser o objeto de conhecimento para dar lugar ao texto literário “que é o locus em que se manifesta a interação autor/leitor”. Assim, entendemos que conseguimos atender a essa proposta quando escolhemos o conto para trabalharmos nas nossas atividades de intervenção.

Quanto a concepção da narrativa, Terra (2014, p. 133) nos diz que as narrativas começam com a própria história da humanidade e fazem parte de todas as civilizações sob os mais variados gêneros: mito, lenda, fábula, conto, novela, romance, história em quadrinhos, cinema etc. Para assegurar sua colocação o autor cita o escritor austríaco Robert Musil (2006, p. 689) que afirma: “no relacionamento básico com si mesmos, a maioria dos homens são contadores de histórias”. Terra (2014, p. 134) ressalta que “as narrativas tanto podem se referir a um fato real ou imaginário. [...] A principal característica das narrativas literárias é o fato de serem ficcionais [...]”.

O gênero conto é um dos gêneros narrativos mais populares e mais antigos da literatura, caracterizado por uma história breve, poucos personagens, o foco narrativo é voltado para apenas um conflito, seus espaços e tempo são limitados, o diálogo é priorizado e possui uma linguagem mais objetiva. Essas características tanto agradam os alunos quanto facilitam o trabalho em sala de aula, uma vez que possibilitam uma leitura mais rápida e resultados interpretativos mais positivos, tornando o conto um poderoso aliado no desenvolvimento da competência textual do aluno. Usufruindo dessas características positivas do conto, o professor precisa desenvolver estratégias que levem os alunos a percebê-las, bem como estimulá-los a diferenciar os tipos de conto a fim de proporcionar-lhes, através do olhar crítico, a formação das preferências de leitura. Dessa forma, sua visão de mundo estará sendo ampliada e suas percepções enriquecidas.

Na percepção de Terra (2014, p. 134), o conto é

[...] um gênero narrativo que costuma ser definido pela sua extensão, o que determina que possua, quanto à sua estrutura, características especiais,

diferenciando-o de outras formas narrativas em prosa (novela e romance). Não há propriamente uma definição de conto, o melhor seria dizer que há teorias do conto, enquadradas numa teoria mais ampla, a narratologia, estudo das formas narrativas literárias e não literárias, tendo por fundamento os estudos da semiótica.

Com a finalidade de justificar essa sua assertiva, o autor se reporta ao poeta e escritor Mário de Andrade que “já chamava a atenção para esse fato ao iniciar seu conto Vestida de

negro com a seguinte afirmação”: ‘Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não

sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade’. Sem ter uma definição concluída a respeito do conto, Terra (2014, p. 135), apoiando-se em alguns autores e teorias sobre o conto, apresenta as características desse gênero literário

Narrativa condensada (em inglês é denominado short story = história curta, literalmente), que apresenta um número pequeno de personagens, unidade de tempo restrito, normalmente centrado em um único evento, abdicando de análises minuciosas, digressões e descrições pormenorizadas.

Para completar o pensamento de Terra, acerca da denominação inglesa, Luzia de Maria ressalta que o inglês utiliza o termo “short story” para designar as narrativas com características eminentemente literárias, ao passo que usa o termo “tale” para o “conto folclórico ou popular”, gerando com isso uma distinção demarcatória do território da oralidade e da escrita. Em português é conto para os dois casos, justificando da seguinte forma:

Repensando o conto como modalidade narrativa, tenho presentes seus dois modos de formulação. Se o conto como forma literária, tal como o conhecemos hoje, é um prolongamento ou ramificação das antigas narrativas da tradição oral, o certo é que se revestiu de tantas e tais roupagens artísticas, que apresenta, hoje, feição própria bastante característica (MARIA, 2004, p. 11).

Tendo como base a origem e tradição oral do conto, Terra (2014, p. 135) nos chama a atenção para os contos de forma simples, como por exemplo: as adivinhas, que mantêm sua forma com o passar dos tempos e que são denominadas de conto popular. Diferentes dos contos de tradição oral existem as formas artísticas que são as criadas por um autor e correm o risco de perderem suas peculiaridades no momento em que são recontadas, exemplificando, o autor cita o título A cartomante, do escritor Machado de Assis.

Objetivando uma melhor compreensão acerca do conto, Terra (2014, p. 146) trata dos elementos estruturais desse gênero. Começando pelo narrador, o autor informa que é uma criação do autor do conto, ele “é a voz responsável pela enunciação, que é observável no discurso narrativo”. Ao falar da ação (enredo) esclarece que é como o texto se organiza com o intuito de obter um efeito artístico. O tempo é ficcional e também uma criação do autor podendo ser distinguido em tempo da fábula, que pode ter extensão variável com duração de um dia até cem anos, ou seja, é o tempo da história; tempo do discurso está relacionado à marcação do tempo feita pela intimidade do pensamento de uma personagem. Em contrário ao que considerava Aristóteles quando dizia ser as personagens elementos secundários, para Terra (2014, p. 171) as personagens “são essenciais às narrativas, pois os fatos narrados sempre farão referência àqueles que os viveram”. Elas podem ser classificadas em principal (protagonista) e secundárias, assim,

O protagonista é o fio condutor da narrativa, o centro dos acontecimentos, ou seja, é aquela personagem cujos passos são seguidos pelo narrador. Por outro lado, o leitor acompanha o texto narrativo a partir da perspectiva do protagonista, retendo na memória as ações, pensamentos, objetos e lugares que se referem a ele (TERRA, 2014, p. 171).

Por fim, o autor se refere ao elemento espaço definindo-o como o local de movimentação das personagens. É o cenário apresentado através de um componente físico que pode ser uma cidade (aberto) ou uma sala (fechado). As personagens podem atuar tanto num espaço físico quanto social, podendo as ações serem situadas em ambientes ficcionais ou reais.

Concluindo suas afirmações sobre os elementos da narrativa, o autor nos esclarece:

Os elementos da narrativa (narrador, ação, tempo, personagens e espaço) se articulam. Dessa forma, as ações se desenrolam no tempo, referem-se a personagens que transitam num espaço e isso é contado por um narrador; portanto, a separação que se faz desses elementos tem apenas função didática, devendo leitor atentar para cada um deles, sempre em função de um todo articulado [...] (TERRA, 2014, p. 179).

Apresentadas as características do conto, acreditamos ser bastante positivo utilizá-lo no desenvolvimento das ações de intervenção pretendidas, posto que, os gêneros literários em seu propósito de satisfazer as necessidades do ser humano, se sobressaem por contribuírem para o despertar do aluno quanto ao desejo pela leitura apontando uma nova forma de vivenciar a posse

de novas compreensões, concedendo acesso à renovação das ideias, concepções e perspectivas, porque “mudam-se as maneiras do contar, alteram-se as funções do contar, inventam-se novas formas do contar, mas persiste, irrevogável, o fascínio de contar” (MARIA, 2004, p. 96). E é nessa linha de pensamento que, esperamos, nosso aluno leia, interprete, compreenda, escreva, envolvido pelo fascínio do contar.

Documentos relacionados