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CAPÍTULO 2 – UMA ANÁLISE DO SISTEMA DE MARKETING DA SAÚDE SOB A

3.1 O caso Despatologiza

3.1.4 Resultados da pesquisa

3.1.4.3 Limitações e desafios do Despatologiza

A atuação do Despatologiza ocorre mediante algumas condições que a limitam, principalmente em termos de recursos, seja econômico ou de pessoal, e do fato de ser uma organização totalmente informal. Desse modo, surge a ideia, não consensual de formalizar o Despatologiza, transformando-o em uma ONG, o que representa um desafio para o grupo.

- Recursos limitados, ações limitadas

Apesar de contar com a parceria de muitas instituições que dão suporte às ações, principalmente de formação e produção de conhecimento, identificamos alguns indícios de que o Despatologiza poderia ampliar suas atividades, caso tivesse mais recursos financeiros e físicos. Em todas as entrevistas é destacada a importância de agregar mais pessoas para fortalecer o grupo, para que se amplie a conscientização social a respeito da medicalização, bem como a sensibilização de profissionais para que atuem de formas despatologizantes.

A formação de profissionais depende dos recursos das instituições que solicitam, o que não permite que os membros do Despatologiza ofertem cursos em comunidades que acreditam precisar. Essa ação ainda está condicionada à disponibilidade dos poucos membros que podem oferecer esse tipo de capacitação. Desse modo,

não é tudo que você consegue aceitar, você tem convites para coisas que batem agenda, batem agenda entre membros, mas batem agenda com questões pessoais, com trabalho de cada um, e aí você tem que ficar o tempo todo escolhendo. Se você tem uma gama maior de pessoas envolvidas no processo você tem mais maleabilidade com essas agendas, de poder ampliar mais (ROSÂNGELA VILLAR).

No caso dos eventos, é evidente a agregação de parceiros que contribuem financeiramente por meio de doação de passagens, hospedagens, material impresso, entre outros. Os próprios palestrantes são parceiros ou membros do Despatologiza. A entrevistada E2 afirma que

por que somos um movimento, não temos quem nos sustente, sustente as nossas ações. Nós temos sempre que estar correndo atrás de parceiros que ajudam a gente. Por exemplo, um evento como esse, [...] a gente tem que buscar parceiro para poder trazer gente, para poder achar lugar, para... isso custa, não é?

Mesmo contando com o apoio institucional de parcerias já consolidadas, os membros do Despatologiza precisam mobilizar recursos constantemente para executar suas ações. Desse modo, outra fonte de recursos financeiros advém da venda de adesivos e imãs da logomarca do Despatologiza, criada a partir de uma parceria com uma artista plástica mineira,

e da parte excedente da venda de livros de autoria dos membros do próprio grupo. Mas, “é sempre muito pouco dinheiro, por isso a gente tem sempre que buscar parceiro” (Rosângela

Villar).

No contexto de Recife observamos ainda maior dificuldade na mobilização de recursos, posto que a formação do grupo é mais recente e as parcerias menores, o que se desdobra em um maior esforço da entrevistada E1 na realização dos eventos e de outras ações. De maneira informal, acompanhamos o seu empenho para conseguir um local que sediasse o evento que estava organizando. Ela, que realiza todas as ações praticamente sozinha, afirma

que “tem identificação no tema, como o movimento trabalha, mas não tem recurso para trabalhar de maneira mais ampliada” (E1).

Desse modo, é perceptível que as tomadas de decisão são, quase completamente, condicionadas aos recursos existentes. As ações vão sendo construídas na medida em que são possíveis. Com isso,

não tem um planejamento estratégico [...]. É assim: agora surgiu essa oportunidade, dá pra fazer? Quer dizer, o planejamento que a gente tem é fazer tudo aquilo que é possível, que der. Mas o que vai aparecer de possibilidade a gente não sabe. Então eu posso programar uma coisa aqui e de repente ter outra muito mais importante (E3).

No segundo semestre de 2015, o Despatologiza organizou três eventos simultâneos, de setembro a novembro. Os eventos de setembro e novembro foram idealizados previamente, mas o de outubro foi em decorrência de um convite que o grupo não quis deixar de atender. No entanto, enquanto o primeiro teve, segundo Rosângela Villar, um público mais abrangente, o terceiro já não correspondeu às expectativas nesse sentido. As entrevistadas E3 e E4 ponderam sobre possíveis fatores de influência, além das datas próximas (mas que eram as únicas possíveis). Consideram que algumas questões operacionais como o fato de as inscrições só terem sido abertas uma semana antes, por certas dificuldades com a própria Unicamp, relacionadas à verba destinada ao evento prejudicaram a audiência. Desse modo, parece que um planejamento mais estruturado que avalie a relação custo-benefício desse tipo de ação poderia representar uma alocação de recursos mais eficiente.

financeiros, o investimento pessoal é muito alto, considerando que há poucos membros para executar todo o planejamento. Com efeito, a entrevistada E4 revela que

tudo feito esse tempo todo foi eu e Cida (Maria Aparecida) sozinhas e mais a Rosângela um pouco. É muita coisa, a gente não aguenta mais. Três (eventos) esse semestre. Foi muito. Porque tem que pensar tudo, quem são as pessoas, quem vai falar, o que vai falar, fazer o contato, ligar, entendeu? É toda essa montagem...

Por isso, outro fator que limita a expansão das ações do Despatologiza diz respeito a falta de engajamento de outras pessoas que possam contribuir na execução das atividades. Como revelou Rosângela Villar, as pessoas que comparecem às reuniões se envolvem com opiniões, mas muitas dessas ideias não são colocadas em prática porque quem executa as ações são, de fato, aqueles que fundaram o movimento. Isso significa que até mesmo novas formas de angariar recursos têm dificuldade de serem concretizadas, o que acontece também com o gerenciamento do website do Despatologiza e com a ampliação das ações de formação de profissionais.

No caso do Despatologiza Recife, há grande dificuldade para a entrevistada E1 atuar sem qualquer tipo de formalização. Ela destaca, por exemplo, que tentou participar do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, mas que só foi aceita como ouvinte porque o

Despatologiza “não tem uma coisa básica e simples: um CNPJ. Bastava isso. Se tivesse um

CNPJ, o Despatologiza estaria lá. Em um movimento que tem tudo a ver com o Despatologiza” (E1). Situações como essa têm suscitado discussões no Despatologiza Campinas sobre uma possível institucionalização do movimento.

- É chegada a hora de formalizar o Despatologiza?

Além da captação de recursos, o Despatologiza precisa lidar com a resistência ao seu posicionamento de enfrentamento da medicalização, mediante seu discurso e suas alternativas emancipatórias. Mesmo que a aceitabilidade em relação ao tema seja maior, as entrevistadas acreditam que as críticas também são maiores, porque o Despatologiza tem incomodado grupos a favor da medicalização na medida em que se tornou mais visível e suas ações têm repercutido mais fortemente nas esferas política e científica, em especial.

Diante disso, mesmo apresentando limitações e desafios que sinalizam a necessidade de serem melhor administrados, entendemos que o Despatologiza vem crescendo e tem potencial de ampliar sua atuação no sistema de marketing de saúde de forma mais consistente. Os membros do Despatologiza parecem concordar, ao passo que, apesar de haver certa resistência à ideia, entre eles, há uma discussão sobre formalizar o movimento,

transformando-o em uma organização do terceiro setor, no formato de instituto ou ONG. De fato, conforme Gohn (2011), práticas antes autônomas têm constantemente buscado a institucionalização.

Apesar disso, a discussão sobre uma possível formalização considerou aspectos positivos, que minimizariam algumas questões problemáticas que o Despatologiza enfrenta. Um é a expansão nacional, e até internacional, do Despatologiza, já que um dos colaboradores falou em levar o grupo para Lima ou México. Outro é o apoio financeiro que teriam, por meio de projetos. Ainda, as ações poderiam ser melhor planejadas, destinando os recursos de maneira mais eficiente.

Além disso, o Despatologiza “representa um movimento grande [...] e que está crescendo muito e é por isso que o Rogério (membro) acha que a gente tem que ter uma coisa

maior para poder ter condições de estar agregando mais pessoas” (E4). Para a entrevistada E1,

a adesão ao Despatologiza pode ser mais recorrente caso o grupo seja institucionalizado. Nas

suas palavras, “quando tiver isso fica mais fácil das pessoas se engajarem, porque as pessoas

querem contrapartida. Elas querem coisas concretas também. Então, elas ficam pensando assim:

eu vou fazer isso de graça?” (E1).

A institucionalização, que pressupõe vínculo formal entre os membros, distribuição de deveres e direitos, definição de cargos, entre outros aspectos, permite que a organização possa ser melhor estruturada do ponto de vista gerencial. Isso pode, ainda, tornar o Despatologiza uma organização cada vez mais importante dentro do sistema de marketing de saúde, pensando a longo prazo, pois a institucionalização poderia permitir que a organização sobreviva para além dos seus fundadores, que na configuração atual, são indispensáveis à sua existência e ao seu funcionamento.