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LINGUAGEM, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

ESCOLA CEFAPRO

DESAFIOS E POSSIBILIDADES

3.1 LINGUAGEM, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Desde o nascimento, estamos inseridos em um meio social, a família, e estabelecemos relações com o outro por meio da linguagem (VYGOTSKY, 1991). O homem como ser histórico e social se constitui em sua relação com o outro por meio da linguagem: falamos, portanto, da concepção de um sujeito interativo que elabora seus conhecimentos na interação com seus pares, pela linguagem, condicionado por aspectos culturais, sociais e históricos.

A teoria de Vygotsky sobre as interações históricas e sociais entre os sujeitos por meio da linguagem foi apresentada ao Ocidente em de duas obras: Pensamento e Linguagem e A Formação Social da Mente. No Brasil, somente na década de 1990 Vygotsky surge como teórico influente.

59 Para o autor, o homem é um ser social formado dentro de um ambiente cultural e historicamente definido, razão pela qual ressalta a importância das relações históricas, culturais, sociais e o papel fundamental da linguagem no processo de desenvolvimento do sujeito. Uma das questões centrais de seu trabalho diz respeito ao fato de o conhecimento se consolidar com base na interação entre os sujeitos, nas relações intrapessoais e interpessoais, e na troca com o meio. A interação, entre os sujeitos e entre os sujeitos e o meio é um traço fundamental da sua teoria desenvolvida no campo da educação, pois valoriza o trabalho coletivo, cooperativo e colaborativo.

O autor compreende que o processo de interação na elaboração do conhecimento ocorre de forma mediada entre os sujeitos e o objeto do seu conhecimento. Para o pesquisador, essa mediação se concretiza tanto por meio da relação do sujeito com o objeto, mediada por um instrumento, quanto por meio de ação de um intermediário. Em ambos os casos, a mediação tem como objetivo ampliar a possibilidade do aprendizado.

Vygotsky (1991) considera a existência de uma área de desenvolvimento cognitivo, a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD), definida como a distância entre a condição atual de desenvolvimento do indivíduo, ou seja, sua capacidade atual de resolver as situações problemas que lhe são impostas, e o potencial determinado a partir da colaboração com indivíduos mais qualificados.

No trabalho com a ZPD, verifica-se o nível de desenvolvimento do indivíduo e o nível a que ele seria capaz de chegar. Na mediação desse caminho de elaboração do conhecimento por meio da interação com o outro, o autor considera que a instrução exerce um papel importante no desenvolvimento. Para ele, a instrução bem elaborada faz o indivíduo prosseguir, despertando as funções cognitivas que estão em processo de maturação.

Considerando o nível do desenvolvimento do indivíduo e o nível a que o indivíduo seria capaz de chegar, a ZPD oferece aos educadores uma possibilidade de compreensão do curso interno do desenvolvimento, tanto do outro, seu aluno,

60 quanto de si mesmo. O uso desse procedimento permite o conhecimento das etapas da aprendizagem e os processos de maturação já completos e, principalmente, a consciência por parte do aprendiz do que ainda está em formação para, dessa forma, prosseguir na construção do seu conhecimento ou auxiliar o outro por meio da interação pela linguagem.

Para Fino (2001), há três implicações pedagógicas do postulado de Vygotsky sobre a ZPD: a existência de uma “janela de aprendizagem”; o papel do professor como agente cognitivo e a importância dos pares como mediadores da aprendizagem. Nessa direção, para que o indivíduo possa progredir na construção de suas habilidades e conhecimentos, faz-se necessário considerar o aprendiz (o que ele já sabe, onde ele quer e pode chegar), o mediador (com suas intervenções) e a interação (que se estabelece entre os envolvidos no processo de aprendizagem). Ao considerar a “janela da aprendizagem”, Fino (2001) destaca que, para cada grupo de aprendizes, é necessário desenvolver uma gama de atividades diferenciadas de forma a personalizar a aprendizagem conforme os objetivos propostos. Isso porque, de acordo com Vygotsky (1991), uma pessoa só consegue “imitar” aquilo que está ao seu alcance: se uma criança tem dificuldades em uma situação-problema e o professor a resolve no quadro, o aprendiz poderá compreender, porém se o professor utilizar uma forma muito complexa para a resolução do problema, a criança pode não ser capaz de compreender, mesmo que repita muitas vezes a atividade.

Isso também pode ocorrer com o professor durante o seu processo de formação continuada: se o conhecimento compartilhado pelos pares estiver aquém ou além das capacidades do professor em formação, é possível que os objetivos almejados não sejam alcançados. Para evitar essa dificuldade, é preciso que o formador responsável pela ação considere, na organização do curso, a ZPD do professor em formação. De acordo com Vygotsky (1991, p. 98), “aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã”, ou seja, aquilo em que um aprendiz precisa de ajuda para realizar hoje poderá fazer sozinho amanhã. Nessa direção, o autor destaca que a ZPD permite o planejamento

61 das ações que podem contribuir para o desenvolvimento das potencialidades do aprendiz, nesse caso, o professor em formação.

Se a aprendizagem é construída na interação, como vimos, obviamente a ação dos pares como mediadores da aprendizagem é essencial para que, na troca de experiências entre indivíduos com mais aptidões e outros com menos aptidões, as habilidades e o conhecimento sejam aprimorados. Vygotsky (1991) assevera que aquele que possui mais habilidades desenvolvidas deve guiar os que possuem menos habilidades.

A autorregulação10 do conhecimento adquirido inicia-se no exterior do aprendiz, em um contexto social em que o mediador controla as operações desenvolvidas pelo aprendiz que vai, paulatinamente, assumindo mais responsabilidade sobre a gestão da elaboração de seu conhecimento. Vygotsky (1991) assinala que a origem das funções cognitivas do indivíduo se fundamenta nas relações sociais entre o sujeito, o outro e o mundo exterior.

Dessa forma, no que tange à elaboração do conhecimento, precisamos considerar o sujeito social, o sujeito do conhecimento e a sua dimensão linguística, visto que é por meio da linguagem que o homem age e interage em sociedade. Para isso, precisamos ponderar sobre os processos reflexivos de autorregulação que beneficiam a aquisição do conhecimento, o que nos remete ao conceito de metacognição.

Desde a década de 1970, Flavell (1999, p. 125) trabalha com o termo metacognição em suas pesquisas. Para ele, “qualquer conhecimento ou atividade cognitiva que é monitorada e regulada pode ser considerada por metacognição”. O autor refere-se à metacognição como o conhecimento, monitoração e regulação do sujeito sobre o seu próprio conhecimento; ela alude, pois, ao conhecimento metacognitivo, ao monitoramento e à autorregulação.

10 Autorregulação: modo como o aprendiz controla e adapta suas ações para obter o resultado

62 O estudo metacognitivo promove reflexões sobre “o que” será alcançado (objetivos) e sobre o “como” se chega aos resultados almejados (autorregulação ou estratégias) (FERREIRA, 1998, p. 2). Essa reflexão sobre “o que - como” evidencia duas funções da metacognição: o conhecimento das operações mentais e a autorregulação. Para o autor, uma função deriva da outra; entretanto, não necessariamente nessa ordem apresentada, o que significa dizer que esses procedimentos interagem: ora a autorregulação interfere na tomada de consciência, ora o inverso, a tomada de consciência interfere na autorregulação.

Paris, Cross e Lipson (1984) destacam a necessidade da reflexão, da metacognição na construção da profissionalização do educador. Para eles, há três formas de conhecimento, também destacadas por Magalhães (2008, p. 244), os quais apresentamos a seguir (Quadro 10). Esses conhecimentos, ao interagirem, promovem a conscientização do comportamento do professor.

Quadro 10 − Tipos de conhecimento do professor segundo Paris, Cross e Lipson (1984) TIPOS DE CONHECIMENTO REFERÊNCIAS DOS CONHECIMENTOS

Conhecimento declarativo Refere-se ao “o quê”: relaciona-se ao que o sujeito diz que sabe, sua formação teórica.

Conhecimento procedimental Refere-se ao “como”: diz respeito ao conhecimento do processo, à prática pedagógica docente.

Conhecimento condicional Refere-se ao “quando” e “porquê” agir de determinada maneira: conhecimento construído na interação, no trabalho diário. Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora com base em Magalhães (2008, p. 244)

Ao considerar esses três conhecimentos na formação de professores, destacamos o perfil do profissional reflexivo, que, ao pensar o processo de ensino e aprendizagem, compreende sua prática e se torna sujeito de seu fazer pedagógico. Essa postura reflexiva não é adquirida de imediato no processo de formação de professores: ela se consolida durante um processo longo e contínuo de formação e, acima de tudo, de autoformação dos educadores.

Dessa forma, verificamos que, assim como Vygotsky (1991), outros pesquisadores, por exemplo, Paris, Cross e Lipson (1984), Ferreira (1998) e Flavel (1999), destacam a necessidade da metacognição na construção do conhecimento. Podemos observar, ao considerar a ZPD e a capacidade de metacognição do educador em formação, um percurso de construção do conhecimento que deverá ponderar o

63 conhecimento prévio, as suas possibilidades de crescimento, o mediador da aprendizagem e a interação com seus pares para que, com a internalização de novas habilidades e novos conhecimentos, ocorram mudanças de atitudes. Assim, o professor em formação também constrói e reconstrói sua aprendizagem na interação com os outros e na reflexão sobre a própria prática.

Ao considerarmos o processo de formação de professores apresentado, enfatizamos a capacidade metacognitiva do educador para gerenciar a própria construção do conhecimento. Nesse processo, considerando o contexto das TIC, o docente deverá ponderar o que já sabe sobre a operacionalização dos recursos de tecnologia digital disponível e sobre o fazer pedagógico com as TIC; as possibilidades de aprendizagem para uso das TIC; a interação com outros professores e a ação do mediador diante dos professores, a fim de que possa adquirir as habilidades necessárias para a construção de novos conhecimentos e, consequentemente, para que possa aprimorar o seu fazer pedagógico com as TIC.

Nesta pesquisa, em que tratamos da formação do professor para o uso das TIC em suas atividades pedagógicas, consideramos importante a apreciação dos três movimentos indicados no processo de metacognição: tomada de consciência, monitoramento e autorregulação. Assumimos esse posicionamento por acreditarmos que apenas a tomada de consciência por parte do professor não é suficiente para que haja ações que contribuam para a melhoria da sua prática.

Nesse sentido, além da tomada de consciência sobre os conhecimentos metacognitivos, é preciso que o professor em formação monitore constantemente sua aprendizagem, procedendo à autorregulação, contribuindo, assim, para sua reflexão e para a efetiva mudança de suas atitudes como resultado da formação continuada.

Acreditamos que esse processo de metacognição esteja diretamente ligado à profissionalização do educador, concepção que se consolidou na segunda metade do século XX, segundo Nóvoa (2007), quando as pesquisas na área da educação implementaram as discussões sobre o perfil do professor e o melhor método de

64 ensino. Essa relação, entre a metacognição e a profissionalização do educador, confirma-se ao ponderarmos que a profissionalização se consolida na reflexão do professor sobre sua ação pedagógica, postura essa concretizada no processo de metacognição.

A fim de fomentar reflexões, o autor discute a concepção do professor reflexivo, sua ação e o saber docente. Para isso, destaca os objetivos teóricos − compreender as práticas pedagógicas com base nos estudos das práticas de ensino −, os objetivos práticos – estudos relacionados com a pessoa do professor e com a prática docente − e os objetivos emancipatórios – estudos de pesquisa-formação em que o professor é coautor dos estudos − e os relaciona às dimensões pessoais com o intuito de problematizar e resgatar a profissionalização do professor. Para o autor a construção dessa profissionalização se efetiva na relação entre a história pessoal e a história profissional do professor ao “reencontrar espaços de integração entre as dimensões pessoais e profissionais, [...] investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência, mediante uma reflexão crítica sobre a prática” (NÓVOA, 1992, p. 28). Assim, uma vez que essa profissionalização é uma constituição histórica, com o passar do tempo, é revista com o propósito de assimilar mudanças e acomodar as inovações que vão se apresentado. Esse processo de constituição da profissionalização acontece mediante a (re)construção do saber profissional do professor, definida pelo autor como “a contínua construção de maneiras de ser e estar na profissão” (NÓVOA, 2007, p. 16). Tal construção profissional é resultado de um processo reflexivo e complexo de apropriar-se do sentido da sua história pessoal (maneiras de ser) e profissional (maneiras de estar), o que leva tempo para acomodar inovações e assimilar mudanças.

Nóvoa (2007) destaca que esse processo de constituição da identidade profissional do professor conta com três fases, denominadas AAA:

 Adesão: o professor adere a determinados valores e princípios;

 Ação: o professor faz escolhas pessoais e profissionais que acabam por nortear todo o seu trabalho;

65  Autoconsciência: o professor reflete e busca mudanças e inovações

pedagógicas.

Nóvoa (2007) postula que o professor define sua ação ao refletir sobre a sua própria ação, sendo a postura reflexiva a dimensão fundamental da profissão do professor porque ele só tem condições de realizar mudanças pedagógicas e fazer inovações efetivas em sua atuação profissional se adota uma postura reflexiva. O teórico defende que essa postura reflexiva do professor pode se consolidar com um processo de formação que contribua para a autonomia do professor. Assim,

[...] a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (NÓVOA, 1992, p. 25).

Para o estudioso, o processo profissionalização do educador passa pela capacidade dele de exercer com autonomia a sua atividade; a maneira como cada um ensina está diretamente relacionada àquilo que ela é como pessoa quando exerce o seu papel docente; as escolhas pedagógicas que cada um faz como professor atravessam a sua maneira de ser (dimensão pessoal) e de ensinar (dimensão profissional).

Em suma, o processo de formação de professores, para o estudioso, desempenha um papel importante na profissionalização docente. Para ele, a formação do docente precisa instigá-lo a uma postura crítico-reflexiva, que propicie sua autonomia, facilitando a busca pela autoformação.

Acreditamos, como o autor, que a formação do professor não se concretiza por acúmulo de cursos ou de técnicas, e sim pela prática reflexiva sobre o seu trabalho. Nesse sentido, importa promover e incentivar a autoformação e os momentos de partilha de conhecimento entre os pares como um processo interativo e dinâmico. Na troca de experiências e de saberes, os educadores podem consolidar os espaços

66 de formação continuada nos quais, segundo Nóvoa (2007, p. 46), “cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando”. Esse processo formativo do professor in loco também foi abordado por Schon (1992, p. 64) que propõe uma formação que contemple o conhecimento, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação para promover a formação continuada reflexiva do professor, desenvolvida no espaço escolar, paralelamente à prática educativa.

Com base nesse cenário teórico, acreditamos que práticas de formação continuada, organizadas de forma coletiva e reflexiva, certamente contribuem para a consolidação da autonomia dos educadores na produção de seus saberes. É essa concepção de formação de professores contínua, autônoma e dentro do espaço escolar que adotamos nesta pesquisa.

Na sequência, destacamos os referenciais teóricos que nos permitem analisar a função dos tempos verbais nas falas das entrevistadas, com base em Weinrich (1964), complementado por Koch (1996), tendo em vista o posicionamento do falante marcado em seu discurso por suas escolhas verbais.