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COMPONENTES DA COMPETÊNCIA SOCIOCULTURAL Celce-Murcia et al (1995)

PRÉ DURANTE PÓS pôr de lado os

2.5 A linguagem não-verbal

I speak two languages, Body and English. Mae West

A linguagem não-verbal desempenha um papel igualmente determinante na questão da comunicação intercultural em termos gerais pois, de acordo com Hogan e Stubbs (2003), dois terços da comunicação veiculada residem em elementos não-verbais

e, "se as palavras não estiverem de acordo com a entoação e a expressão corporal, não terão qualquer crédito" (Wirth, 2007: p. 114).

A linguagem não-verbal tem muita importância na questão dos incidentes culturais críticos, na medida em que o desconhecimento de traços não-verbais específicos de uma dada cultura pode induzir interpretações erróneas e provocar mal-entendidos ou conflitos. Para uma comunicação eficaz em língua estrangeira, os aprendentes devem ser consciencializados do facto de não poderem dar como garantida a universalidade da linguagem não-verbal, arriscando-se a incorrerem em incidentes críticos culturais. Por esta razão,

Hall (1994) apelidou esta linguagem como «silent language», a linguagem silenciosa, e considerou que a expressão da nossa cultura se encontra de tal modo ligada a ela que, em caso de desconhecimento, se torna mais impeditiva do entendimento do que a linguagem verbal (Espinha, 2008, p. 28).

Como nos diz Buckley (2003: p. 2) “humans use both verbal and nonverbal channels to convey their meaning to others. Nonverbal communication includes eye gaze, facial expression, physical proximity, gestures, vocalizations and body language." Para além destes elementos, a linguagem não-verbal compreende gestos (mãos, braços, cabeça, olhos), expressões faciais, a postura corporal, o contacto visual, o sorriso, o toque (elementos cinésicos) e o uso do espaço físico (elementos proxémicos), o volume da voz, a entoação, os silêncios e as interrupções nas conversas (paralinguísticos). É difícil conceber a linguagem verbal sem a presença da componente não-verbal. Apesar de poderem ocorrer de uma forma estanque, de acordo com Espinha (2008: p. 33) "os dois sistemas, verbal e não verbal, para além de estarem ligados pela necessidade constante de interagirem cooperativamente em muitas situações, são dotados de uma complexidade que os une."

Como nos diz Espinha (2008), a linguagem não-verbal é usada para cumprimentar, complementar e reforçar o discurso verbal e expressar emoções. Por outro lado, a linguagem não-verbal pode substituir a própria mensagem no caso dos gestos ou do contacto visual. A linguagem não-verbal também desempenha um papel relevante na auto-regulação da interação, mediante o uso de interjeições e na manutenção de interações simultâneas.

Para Ting-Toomey (1999), a comunicação não-verbal pode assumir diferentes significados no contexto de interação cultural. O mesmo gesto em diferentes culturas pode ser considerado usual na vida quotidiana, ofensivo ou com um significado dual, como podemos ver na figura 61.

Figura 61: Utilização de gestos com significados culturais diferentes (Rio e Leite, 1996)

Experienciar sentimentos como alegria, tristeza, raiva é algo inerente ao indivíduo, embora as formas de demonstração dessas emoções variarem consoante a cultura do indivíduo mas também com os traços de personalidade individual. Apesar de Wong et al. (2008) referirem que quanto mais individualista for a cultura, mais visível será a demonstração de emoções, encontra-se estabelecido na cultura geral que as culturas nórdicas tendem a ocultar os seus sentimentos em relação às culturas latinas e que as culturas asiáticas valorizam mais o silêncio do que propriamente a linguagem verbal (Wang & Li, 2007). Contudo, inclusivamente para as culturas latinas um sorriso pode

não ser sinónimo de concordância ou de complacência mas sim uma forma embaraço ou de não ferir suscetibilidades para com o Outro.

Os cumprimentos e saudações estão associados à postura corporal e a regras de etiqueta, como, por exemplo, cruzar as pernas e mostrar as plantas dos pés, considerado desrespeitoso no Oriente. Vejamos mais exemplos de cumprimentos, saudações e formas de despedida dispersos pelo mundo e com dualidade de interpretações (figura 62). CUMPRIMENTOS E SAUDAÇÕES Índia: saudação inicial, obrigada, desculpe Médio Oriente: saudação "Que a paz esteja consigo"

Países latinos: abraço entre homens

Norte da Europa: aperto de mão firme e curto Sul da Europa, América do Sul e Central: aperto de mão repetido e enérgico

Figura 62: Interpretação dos gestos em várias culturas (Rio e Leite, 1996) (Parte I)

DESPEDIDAS

Europa e América: não /adeus

Parte da Europa: adeus América/ Países da

Europa do Sul: "venha aqui"

Como podemos verificar no quadro 13, existe uma tendência para agrupar as culturas que aceitam o toque em público como prática comum para saudação ou despedida, nomeadamente, as culturas latinas, algumas culturas do Médio Oriente e também a judaica e as culturas que restringem essa demonstração para contextos mais privados, familiares ou íntimos, a saber, as culturas anglófona, germânica, escandinava e asiática.

Quadro 13: Categorização da utilização do toque em várias culturas

Ao analisar o quadro 13, podemos ver que a questão do toque através das culturas não está diretamente relacionada com a localização geográfica e o clima, como é o caso da Rússia.

O contacto visual direto é para algumas culturas uma indicação de que se está a prestar atenção e ou de honestidade patente na expressão "olhar nos olhos". Contudo, para outras culturas, é encarado como uma falta de respeito, por exemplo, a japonesa (Levine & Adelman, 1993). Por outro lado, olhar fixamente nos olhos do interlocutor nas culturas ocidentais e árabes é uma forma de demonstrar interesse na interação; por outro lado, o contacto visual fixo pode exercer pressão ou uma ameaça para com o interlocutor. As distâncias do espaço físico entre dois interlocutores é também perspetivada diferentemente pelas culturas. Segundo Hall (1959), o indivíduo cria uma "space bubble" invisível, um espaço pessoal no qual consegue interagir e gesticular confortavelmente, sem se sentir invadido (figura 63).

Figura 63: "Space bubble" intercultural

A partir da figura representada no número 63, de acordo com Stoy (2010), podemos considerar que o círculo interior corresponde a um uso do espaço físico caraterístico dos povos latinos pela proximidade estabelecida com o interlocutor, o círculo intermédio corresponde a uma utilização desse espaço por culturas como a anglófona, a germânica, a escandinava e as culturas de leste. O círculo exterior claramente social pela distância criada é maioritariamente usado pelas culturas asiáticas.

Em termos paralinguísticos, o volume da voz também se encontra associado a esta distinção cultural, ou seja, um maior volume de voz conotado às culturas latinas e um tom baixo no caso das culturas orientais. Para estas, um volume de voz elevado pode deixar transparecer um tom indelicado ou ameaçador.

Apesar de a linguagem não-verbal ser muito importante para o desenvolvimento da interculturalidade, consciencializámo-nos no decurso deste trabalho da necessidade de explicitar a sua abordagem no âmbito da prática letiva de PLE, uma vez que não os códigos de comunicação utilizados por diferentes culturas não são universais. A dificuldade da sua integração na prática letiva justifica-se porque, como refere Wirth (2007: p. 113),

não é o mesmo que ter de aprender uma língua estrangeira. A sua linguagem corporal individual não é passível de ser aprendida, é pouco influenciável e é dominada por si desde o nascimento. Quando não se trata de uma grande mímica e gesticulação teatral, a linguagem corporal é realizada e entendida inconscientemente (…) já a interiorizámos de tal modo que por vezes temos tendência para ignorar a linguagem corporal. (…) Uma vez que na maior parte das vezes empregamos a linguagem corporal, ou seja, a comunicação não-verbal, de modo inconsciente, involuntário e descontrolado no nosso quotidiano, desconhecemos uma das suas principais características. Em oposição às palavras que dizemos - pois aqui podemos mentir -, a linguagem corporal é sincera e autêntica.

Por essa razão, o objetivo do próximo capítulo é analisar os programas de PLE em igor na FLUP à luz de parâmetros relativos à comunicação intercultural, nomeadamente, as representações do Outro, a desconstrução de estereótipos, a sensibilidade intercultural (tendência etnocêntrica/etnorelativa) e a exploração da linguagem não-verbal.

Resumo do capítulo 2:

Neste capítulo partimos das dimensões da Didática de Línguas Estrangeiras com enfoque na sua dimensão metodológica e, consequentemente, na aplicação da CCI na aula de LE. Para tal, investigámos e descrevemos vários modelos do processo da aprendizagem intercultural (Liddicoat, 2005; Russell, 1999; Deardorff, 2006; Moran, 2001) bem como ferramentas ao serviço do desenvolvimento da referida competência, nomeadamente as estratégias de (re)mediação cultural com especial relevo para a questão da empatia e do humor, promotores da aproximação do Eu e do Outro e da conversão do seus capitais culturais em pluriculturais. Fatores igualmente importantes na mediação intercultural são, por um lado, as representações, perspetivadas como um sistema de valores e práticas incutido nos indivíduos que lhes permite constituir uma comunidade de partilha de sentido e, por outro, os estereótipos, ao implicarem igualmente a partilha de imagens fixas preconcebidas que podem conduzir a incidentes culturais críticos ou conflitos, em casos mais extremos, por derivarem de interpretações erradas causadas pelo desconhecimento de estilos comunicativos e linguagem não- verbal usada pela miríade de culturas do mundo. No nosso entender, estes recursos são ricos do ponto de vista pedagógico-didático e devem ser explorados na aula de LE de uma forma positiva com vista ao desenvolvimento da competência comunicativa intercultural.

CAPÍTULO 3: Consideração sobre os programas de PLE na ótica do